Se
a cada rosto seu gosto e a cada dia seu guia, também a cada semana, ao
princípio e ao fim, há sempre um mote e
uma glosa, um estrela e um clarim. No
meu caso, confesso a preferência: vem-me ao encontro a inspiração bíblica,
extensiva a todo o planeta. Por ela perpassa a luz penetrante do Nazareno, o
seu pensamento e a sua visão holística do mundo, da história, do homem
totalizante, na sua universalidade e na sua individualidade.
Neste fim-de-semana, olho pela janela e
vejo a imponente silhueta do Semeador. No chão a marca rude de uns pés rurais,
a tiracolo a seira larga e, soltando como pétalas das suas mãos, os grãos de
trigo procurando um seio – terra, pedra, espinheiro ou sequeiro – que os
receba.
É da alegoria do Semeador, a um tempo
bucólica e perturbadora, que trata o
texto de Lucas, 8., a qual deu origem à famosa peça oratória do Padre António
Vieira, o Sermão da Sexagésima, pregado
em Lisboa, na Capela Real, em 31 de Janeiro de 1655. Bem me apeteceria transcrevê-la
hoje e lê-la amanhã, na íntegra, senão aos homens, ao menos às aves que
acompanham a trajectória do Semeador. Recorto apenas um excerto do capítulo X: “O
pregador há-de saber pregar com fama – e sem fama. Mais diz o Apóstolo. Há-de
pregar com fama – e com infâmia. Pregar o pregador para ser afamado, isso é do
mundo; mas infamado – e pregar o que convém – ainda que seja com descrédito da
sua fama? Isso é que é ser pregador de Jesus Cristo”.
Será,
pois, em suculento prazer literário, intelectual e espiritual alimentar este
fim-de-semana com a leitura citada. Da minha parte e de quem quiser acompanhar-me,
ficar-me-ei pela análise semântica dos três elementos em cena: Terra, Semente e
Semeador. Talvez por influência de uma semana em exercício de reflexão cirúrgica
sobre temáticas afins, confronto-me na trilogia proposta pelo Mestre de Nazaré:
um Emissor, uma Mensagem, um Destinatário ou Receptor.
Enquanto observador externo
(heterodiegético) torna-se evidente a analogia do Semeador-emissor, da Mensagem-semente
e do Destinatário-terra. Da sintonia perfeita desta tríade nasce o jardim
terreal que todos ansiamos, flutua em todo o planeta a seara fértil que alimenta o mundo. Pelo
contrário, quando o Emissor não semeia ou semeia (o) mal; quando a Mensagem é
oca ou turva ( oh, as fakenews) e quando
o Receptor já não é terra, mas pedra, espinheiro, paiol, antro fétido e letal,
então entramos todos no dantesco inferno de um Covid terminal.
Mas não fica por aqui o olhar vigilante
do observador (agora, homodiegético), isto é, quando somos nós próprios (cada
um de nós) que realizamos a unidade dessa sintética e ampla trindade. Num esforço
de introspecção e auto-análise, descobrimos afinal que, dentro de nós,
concentramos a tríplice convergência da relação humana, nas suas múltiplas
derivas. Somos o Semeador, somos a Semente e somos a Terra. Sobretudo, a Terra.
Depende de nós – e da nossa “circunstância” – tornarmo-nos terra arável, deserto
árido, pedra sufocante, espinheiro devorador ou antro infectado de monstros
invisíveis.
Por aqui fico. A quem achar por bem, deixo
todo o espaço do mundo para continuar a reflexão e concretizar o ‘como’, ‘o
quando’ e o ‘onde’ podemos realizar a una e múltipla trilogia, a que somos
chamados.
“Semeadores
de sombras e quebrantos?”, como diria Antero de Quental. Ou, antes, “Semeadores
de Primaveras e Cravos de Abril!”, como foi o saudoso e sempre vivo Mário Tavares.
“Saiu
o Semeador a semear”… recomenda todos os dias o doce Nazareno!
11.Jul.20
Martins Júnior
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