quarta-feira, 29 de julho de 2020

SARAVÁ, BRASIL, NÃO PODEMOS SILENCIAR!!!


                                                             

Estou aqui, diante da folha branca, entre dois impulsos contraditórios, mas tremendamente iguais na pesada agressividade que comportam. Dividido entre o místico ardor de um poema épico e a fogosa lava de uma catilinária, não posso deixar passar indiferente o texto musculado da carta dirigida pelos bispos brasileiros ao presidente Bolsonaro, acusando-o de dois atentados, qual deles o mais perverso: primeiro, o de autor moral das vítimas do Covid no Brasil; o segundo, o de profanador blasfemo por usar o nome de Deus como semente do ódio.
Já há muito esperava eu que do episcopado brasileiro (de tantas e tão corajosas tradições sócio-religiosas) surgisse aquele enérgico protesto que se impunha, por parte da Igreja oficial, contra as arbitrariedades e cínicas barbaridades do Primeiro Magistrado da Nação, justamente invectivado e condenado pela comunidade médica, intelectual e  social do país e todo o mundo civilizado. A queixa-crime apresentada pela sociedade civil no Tribunal da Haia, acusando-o de  genocídio, enquanto aguarda os seus trâmites, merece a nossa maior solidariedade aplauso.
Honra, Valor e Mérito ao episcopado brasileiro, à gloriosa plêiade de bispos-verdadeiros pastores, subscritores do histórico documento, na esteira dos seus antecessores, tais como António Fragoso, Hélder da Câmara, Duarte Calheiros. Gente firme, da estirpe de um Frei Betto, Leonardo Boff, Alípio Freitas e de muitos outros padres presos  ou exilados do país, alguns deles que lá conheci.
Devo dizer que não me seduz nem me convence a pastosa mistela de um discurso proselitista que traz Deus para a cena político-governativa, fazendo do nome de Deus a salsicha ensanduichada no meio do papo-seco da intragável propaganda. Detesto, indispõe-me até à medula, ouvir políticos e governantes exibirem, iniciarem ou acabarem os delírios retóricos sob o nome de Deus, que trazem na boca mas expulsam-nO das mesmas mãos que governam e assinam decretos. Deveriam ser proibidos de o fazer. Porque o evangelho nas mãos de fanáticos demagogos torna-se a sofisticada  cartilha dos malfeitores. Aí está o paradoxo do Brasil: foram os chamados “evangélicos” que levaram Bolsonaro ao poder!
Por isso, o episcopado brasileiro cumpriu, mais uma vez, a sua missão de vigilantes atentos (episcopus=vigia, etimologicamente, o que olha em toda a volta). Em prol das suas comunidades. Não se limitaram à água benta ou ao óleo benzido. Saíram à praça, arregaçaram as mangas, não se acobardaram nos salões do Paço diocesano, pelo contrário, afrontaram o palácio ‘real’ e, como João Baptista, denunciaram energicamente: Não te é lícito… Pára de matar o povo, tira dessa boca suja o nome de um Deus limpo e justo!
Herdeiros das Conferências de Medellín (1968) e de Puebla (1979) são os mesmos que agregaram em magna assembleia o povo amazónico e levaram ao Papa Francisco a proposta de ordenação de homens casados para suprir a inexistência de sacerdotes naquele imenso território. Pena foi que o corajoso e solícito Francisco tivesse sucumbido perante a corte dos cardeais, a quem ele próprio já chamou os “corvos do Vaticano”…
 A postura firme e directa dos bispos brasileiros merecia aquele poema épico que acima referi e, em contraponto, ao comportamento de Bolsonaro deveria levantar-se o tsunami universal de uma ciclópica  contestação.
Envolvo nesta homenagem todos aqueles que, por outros caminhos, libertam o povo e fazem-no crescer com dignidade e autonomia. Aqui na Madeira também. Uma saudação telúrica e, por isso, avassaladora – porque a merece – o Padre Rui de Sousa, Pároco dos Prazeres que, pelo amor à terra e ao seu povo tem construído, não apenas a prestimosa Quinta Pedagógica, mas sobretudo tem feiro a saudável pedagogia da paisagem rural e das suas gentes. Bem haja!

29.Jul.20
Martins Júnior  
     

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