Não
é - e nunca foi, desde tempos imemoriais – um beija-mão protocolar aquilo que dá pelo nome de homenagem a Francisco Álvares
de Nóbrega, o poeta-filósofo que acompanhou e intensamente viveu a turbulência
libertadora da Revolução Francesa de 1789. O seu estro poético plasmado nos seus
sonetos ombreou, em alguns excertos, com o de Camões e mais impressivamente com
o de Manuel Maria Barbosa du Bocage, seu contemporâneo e companheiro de cela
nas masmorras do Limoeiro, em Lisboa.
A
vida e obra de Francisco Álvares de Nóbrega são o seu maior e único monumento
que nos legou. Ninguém lhe guardou a efígie e nem nunca ninguém até hoje soube
o local onde depositaram o caixão. E porque é o seu ‘genoma’ matricial a maior
herança que nos deixou, Machico jamais esquecerá o seu lugar sempre presente
connosco. Porque não é ele que precisa de nós – nós é que precisamos dele!
Foi
esse o acontecimento de ontem na terra que lhe serviu de berço. A comunicação
social madeirense obliterou liminarmente a comemoração do 248º aniversário
natalício. Pouco lhe importou, porque para ele os fogos fátuos da publicidade passam-lhe
ao largo. Do silêncio marmóreo da sua efeméride o que exclusivamente ele quer
que se retenha é o seu espírito aceso e a sua integridade de carácter, “de
antes quebrar que torcer”, na defesa sustentada dos ideais da Liberdade,
Igualdade e Fraternidade, mesmo à custa do próprio sangue, da sua própria
liberdade.
Excelente
a programação que iniciou com o soneto dedicado “À Pátria do Autor” (Machico),
interpretado pela Tuna de Câmara de Machico, a que se seguiu o ex-libris da sua
personalidade, o soneto “DAS ALMAS GRANDES A NOBREZA É ESTA”, recitado por João
Manuel Henriques Fernandes, cujo pai, vereador da Câmara Municipal de Machico
em 1954, deu corpo à iniciativa de colocar o delicado Monumento-Livro-Mármore implantado no Miradouro
que hoje ostenta o nome do poeta pensador. Em tempos da ditadura salazarista,
foi Obra!
A conferência do Professor João Luís Freire, baseada na sua tese de Mestrado – “Alma Padecente” – trouxe à ribalta dos nossos dias a personalidade caleidoscópica do grande sonetista. Momento alto da noite foi a proclamação dos vencedores do “XIV Concurso Literário Francisco Álvares de Nóbrega”, iniciativa anual da Junta de Freguesia de Machico. O júri, presidido pela Profª. Drª. Maria Teresa do Nascimento, da UMa, galardoou “ex-aequo” os dois trabalhos (género conto), intitulados “O Mar é um Lençol de Seda” e “Plêiades”, respectivamente de Pedro Filipe Costa Gouveia e Nuno Rafael Silva Oliveira Costa, entre dois cenários aparentemente contraditórios, mas estruturalmente complementares. A não perder a sua leitura, no ‘sítio’ da autarquia promotora do concurso.
Mas
a homenagem ao nosso Grande “Camões Pequeno’ atingiu o pleno quando apareceu em
cena o vídeo da comemoração realizado pelos utentes idosos do Centro
Cívico-Cultural e Social da Ribeira Seca. Não podendo deslocar-se ao centro da
cidade, associaram-se à efeméride com a apresentação de quadras populares
gravadas pelos próprios idosos, tendo como referência viva o legado de Francisco Álvares de Nóbrega. E com que ênfase
o fizeram! – o que veio demonstrar que a mensagem do nosso poeta encontrou eco
na psicologia das gentes rurais.
Aliada
a esta sensibilidade emergente da chamada “Terceira Idade”, foi notória e mui
simpática a presença de duas turmas da Universidade da Madeira, que seguiram
minuciosamente todas as intervenções produzidas, como que redescobrindo Alguém,
cujo mistério estava ainda por desvendar.
E foi precisamente esta osmose intergeracional que levou a Prof.ª Mónica Vieira, vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Machico, responsável pelo evento, a pontuar a presença de Francisco Álvares de Nóbrega como polo aglutinador de mentalidades e sensibilidades múltiplas no seio da terra que o viu nascer “em pobre, sim, mas paternal morada”.
Bem
haja quem promoveu o acontecimento e quem fez actual, no meio de nós, o nosso
conterrâneo, talvez a maior alma que Machico produziu. Porque não é ele que
precisa de nós. Nós é que precisamos dele!
01.Dez.21
Martins Júnior
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