sábado, 19 de setembro de 2020

1870-2020 --------- A SEDE IMPERIAL DE “O MEU REINO É DESTE MUNDO”

                                                                          


         À hora em que dois olhos serenamente pousarem nestas linhas, já o fogoso Garibaldi entrara em Roma, apoderara-se do Vaticano e o Papa Pio XI resignara-se ali, como prisioneiro voluntário da cidade, sob o domínio de Vitor Emanuel II. Aconteceu na madrugada de 20 de Setembro de 1870. Dissolveram-se definitivamente os poderosos “Estados Pontifícios” e, por outro lado, consolidou-se a unificação de toda a Itália.

Não foi, porém, tarefa fácil a espoliação dos imensos e ricos territórios pertencentes à Igreja de Roma. Eram tempos tumultuosos, de decisivas transformações sociais, políticas, religiosas. Até mesmo em Portugal, ficou famosa a “Geração de 70”, liderada pelo “Grupo dos Cinco”, com Antero, Eça, Junqueiro, Ramalho Ortigão e Oliveira Martins, que revolucionaram o panorama sócio-cultural do país.

Voltando à Itália. Roma e o Papado viram-se coarctados na esfera poderosíssima do chamado “Poder Temporal  dos Papas”. Veio em seu socorro – Quem?...  Nem mais nem menos, o ditador Benito Mussolini que, em 1929, pelo Acordo de Latrão, outorgou ao Papa de Roma o direito de constituir-se como Estado Independente, consignado ao pequeno território da “Cidade do Vaticano”.  Com todo o estatuto jurídico, dotado de Constituição própria e reconhecido internacionalmente como tal. Aí, nasceu urbi et orbi um novo reino. Entronizou-se um novo monarca: o Papa. Truncado, embora, ao nível do domínio territorial (perderam-se os extensos “Estados Pontifícios” que alimentavam o fausto do Vaticano), ganhou o Sumo Pontífice um efectivo lugar de privilégio na moderna configuração europeia e no planisfério da cena política internacional. O Papa – absoluto e plenipotenciário Chefe de Estado!

Perguntar-me-ão o porquê e o interesse deste recurso a 1870. Muito sucintamente, direi que Setembro não é só nosso. Muitos ‘setembros’ rolaram na ampulheta da história. O de 1870, também.  E faz bem penetrar no dentro desse passado. Ainda que doa, é útil e sumamente vantajoso saber de onde viemos. Para que não pisemos terreno escorregadio, arenoso, inconsistente, como se fosse estrutura sólida, fiável. Para que não naveguemos na ilusão do charco, quando afinal há ondas revoltas sob a aparente lassidão da tona de água.

Foi há 150 anos, nesta mesma noite entre 19 e 20 de Setembro. O furacão que abalou Roma, a Europa e o Mundo, pode apreciar-se sob diversos prismas e motivações. A começar pelos seus protagonistas: Garibaldi e Vitor Emanuel – Pio XI e Mussolini. Estado do Vaticano e Santuário Divino. Papa Representante de ‘Cristo na Terra’, Pastor de Evangelho e, no mesmo tronco e na mesma cabeça,  Monarca Absoluto, com direito a diplomatas e embaixadores políticos (exclusivamente políticos) em todas as nações, aos quais atribui o seráfico título de ‘núncios apostólicos’. Embaixadores de um pobre pescador chamado Pedro… Até já manifestei a colegas e superiores hierárquicos esta tremenda dificuldade de vislumbrar dois ‘irmãos siameses’, (simultaneamente, incestuosos e contraditórios) num mesmo corpo, ficando sem saber-se onde acaba um e começa o outro.

Falo assim, porque sou pertença de um movimento social, espiritual e salvífico, iniciado pelo operário de Nazaré, que não tinha eira nem beira, “nem sequer uma pedra onde reclinar a cabeça”. 

Falo assim também porque leio nas entrelinhas de Francisco Papa um veemente anseio de regressar à nascente do cristianismo, livre dos poderes e haveres sumptuosos dos impérios mundanos, inclusive o do estatuto de Chefe de Estado. Mas, na sua corte, há quem não queira e o ameace de suspensão e excomunhão, se tal fizer.

Na noite de Giuseppe Garibaldi, oxalá chegue o tempo de apagar no frontispício do Vaticano o tentador arco de triunfo “O Meu Reino é deste mundo” e substituí-lo pela ordem identitária do Mestre, diante do tribunal de Pilatos: “NÃO, O MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO”!

 

19.Set.20

Martins Júnior

 

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