À
hora em que dois olhos serenamente pousarem nestas linhas, já o fogoso
Garibaldi entrara em Roma, apoderara-se do Vaticano e o Papa Pio XI
resignara-se ali, como prisioneiro voluntário da cidade, sob o domínio de Vitor
Emanuel II. Aconteceu na madrugada de 20 de Setembro de 1870. Dissolveram-se
definitivamente os poderosos “Estados Pontifícios” e, por outro lado,
consolidou-se a unificação de toda a Itália.
Não
foi, porém, tarefa fácil a espoliação dos imensos e ricos territórios
pertencentes à Igreja de Roma. Eram tempos tumultuosos, de decisivas
transformações sociais, políticas, religiosas. Até mesmo em Portugal, ficou
famosa a “Geração de 70”, liderada pelo “Grupo dos Cinco”, com Antero, Eça,
Junqueiro, Ramalho Ortigão e Oliveira Martins, que revolucionaram o panorama sócio-cultural
do país.
Voltando
à Itália. Roma e o Papado viram-se coarctados na esfera poderosíssima do chamado
“Poder Temporal dos Papas”. Veio em seu
socorro – Quem?... Nem mais nem menos, o
ditador Benito Mussolini que, em 1929, pelo Acordo de Latrão, outorgou ao Papa
de Roma o direito de constituir-se como Estado Independente, consignado ao
pequeno território da “Cidade do Vaticano”.
Com todo o estatuto jurídico, dotado de Constituição própria e
reconhecido internacionalmente como tal. Aí, nasceu urbi et orbi um novo reino. Entronizou-se um novo monarca: o Papa.
Truncado, embora, ao nível do domínio territorial (perderam-se os extensos “Estados
Pontifícios” que alimentavam o fausto do Vaticano), ganhou o Sumo Pontífice um
efectivo lugar de privilégio na moderna configuração europeia e no planisfério da
cena política internacional. O Papa – absoluto e plenipotenciário Chefe de
Estado!
Perguntar-me-ão
o porquê e o interesse deste recurso a 1870. Muito sucintamente, direi que
Setembro não é só nosso. Muitos ‘setembros’ rolaram na ampulheta da história. O
de 1870, também. E faz bem penetrar no
dentro desse passado. Ainda que doa, é útil e sumamente vantajoso saber de onde
viemos. Para que não pisemos terreno escorregadio, arenoso, inconsistente, como
se fosse estrutura sólida, fiável. Para que não naveguemos na ilusão do charco,
quando afinal há ondas revoltas sob a aparente lassidão da tona de água.
Foi
há 150 anos, nesta mesma noite entre 19 e 20 de Setembro. O furacão que abalou
Roma, a Europa e o Mundo, pode apreciar-se sob diversos prismas e motivações. A
começar pelos seus protagonistas: Garibaldi e Vitor Emanuel – Pio XI e Mussolini.
Estado do Vaticano e Santuário Divino. Papa Representante de ‘Cristo na Terra’,
Pastor de Evangelho e, no mesmo tronco e na mesma cabeça, Monarca Absoluto, com direito a diplomatas e
embaixadores políticos (exclusivamente políticos) em todas as nações, aos quais
atribui o seráfico título de ‘núncios apostólicos’. Embaixadores de um pobre
pescador chamado Pedro… Até já manifestei a colegas e superiores hierárquicos
esta tremenda dificuldade de vislumbrar dois ‘irmãos siameses’,
(simultaneamente, incestuosos e contraditórios) num mesmo corpo, ficando sem
saber-se onde acaba um e começa o outro.
Falo
assim, porque sou pertença de um movimento social, espiritual e salvífico, iniciado
pelo operário de Nazaré, que não tinha eira nem beira, “nem sequer uma pedra onde
reclinar a cabeça”.
Falo
assim também porque leio nas entrelinhas de Francisco Papa um veemente anseio
de regressar à nascente do cristianismo, livre dos poderes e haveres sumptuosos
dos impérios mundanos, inclusive o do estatuto de Chefe de Estado. Mas, na sua
corte, há quem não queira e o ameace de suspensão e excomunhão, se tal fizer.
Na
noite de Giuseppe Garibaldi, oxalá chegue o tempo de apagar no frontispício do
Vaticano o tentador arco de triunfo “O Meu Reino é deste mundo” e substituí-lo
pela ordem identitária do Mestre, diante do tribunal de Pilatos: “NÃO, O MEU
REINO NÃO É DESTE MUNDO”!
19.Set.20
Martins Júnior
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