POSTAL (ANTI) VERÃO 6
Hoje, na ponte movediça entre dois mundos – cada ano, cada
mês e cada instante – balançam em paradoxal ritmo binário dois estranhos
hemisférios, umas vezes altissonantes, outras curtindo traumas nos esconsos de
uma solidão sem rosto.
Entre Agosto e Setembro, eles aí estão patentes em forte
contraste:
Cá fora, tentando sair, frenéticos como pintos da casca do
ovo, os rebentos festivaleiros, cortejos, concertos, concursos, corridas,
campeonatos, feiras (pouco) francas, um tropel de fogos-fátuos, para iludir o
vulgo e para iludirmo-nos a nós próprios. Por não cumprirem a meta, ficam
gorados na mesma casca de onde tentaram sair. Contradição tamanha e tamanha
frustração!
Porque… lá dentro é sempre inverno, onde hiberna, imperceptível,
a cascavel coroada da ‘covid’. E se não está ela, está o medo que a transporta na pele.
Bem se esforçam os puxadores de manequins por saltitar os
dedos e os planos e os prognósticos (‘está tudo sob controlo’) e as
ofertas-promessas, mas lá dentro do corpus
social, há um fantasma em cada vértebra. Sérgio Godinho antecipou-se quando
vaticinou “aquela frase batida, hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”.
Decididamente, desembarcámos noutro planeta. Para
sobreviver, é preciso inventar uma ‘Nova Ordem Planetária’.
E para que o sol não falte na eira, é preciso segurar o frio
da lareira. Segura-te, agarrado ao bordão do teu pensamento, ao domínio da tua própria
emoção!
Não queiras depender do rufar dos tambores arraialescos nem
dos jogos florais que depressa fenecem e caem. Nem das procissões feitas
paradas de pompa e circunstância. Segura-te! Porque segurando-te a ti mesmo, estás
a segurar tudo à tua volta!
Isto feito, ou pelo menos tentado, pode o frio cobrir toda a
eira, porque o sol brilhará seguro na tua lareira!
05.Set.20
Martins Júnior
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