sábado, 5 de setembro de 2020

SOL NA EIRA - FRIO NA LAREIRA

 

                POSTAL  (ANTI) VERÃO 6

                                    


Hoje, na ponte movediça entre dois mundos – cada ano, cada mês e cada instante – balançam em paradoxal ritmo binário dois estranhos hemisférios, umas vezes altissonantes, outras curtindo traumas nos esconsos de uma solidão sem rosto.

Entre Agosto e Setembro, eles aí estão patentes em forte contraste:

Cá fora, tentando sair, frenéticos como pintos da casca do ovo, os rebentos festivaleiros, cortejos, concertos, concursos, corridas, campeonatos, feiras (pouco) francas, um tropel de fogos-fátuos, para iludir o vulgo e para iludirmo-nos a nós próprios. Por não cumprirem a meta, ficam gorados na mesma casca de onde tentaram sair. Contradição tamanha e tamanha frustração!

Porque… lá dentro é sempre inverno, onde hiberna, imperceptível, a cascavel coroada da ‘covid’. E se não está ela, está o medo  que a transporta na pele.

Bem se esforçam os puxadores de manequins por saltitar os dedos e os planos e os prognósticos (‘está tudo sob controlo’) e as ofertas-promessas, mas lá dentro do corpus social, há um fantasma em cada vértebra. Sérgio Godinho antecipou-se quando vaticinou “aquela frase batida, hoje é o primeiro dia do resto da tua vida”.

Decididamente, desembarcámos noutro planeta. Para sobreviver, é preciso inventar uma ‘Nova Ordem Planetária’.

E para que o sol não falte na eira, é preciso segurar o frio da lareira. Segura-te, agarrado ao bordão do teu pensamento, ao domínio da tua própria emoção!

Não queiras depender do rufar dos tambores arraialescos nem dos jogos florais que depressa fenecem e caem. Nem das procissões feitas paradas de pompa e circunstância. Segura-te! Porque segurando-te a ti mesmo, estás a segurar tudo à tua volta!

Isto feito, ou pelo menos tentado, pode o frio cobrir toda a eira, porque o sol brilhará seguro na tua lareira!

 

05.Set.20

Martins Júnior        

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