Um
guião para a semana. Para a vida. Para a história.
Ele encanta. Ele remexe com as obscuras
e confusas ambiguidades do debate. Ele enche e preenche os ânimos sedentos da luz,
da higiene mental, da descoberta da Verdade. E é muito sério o caso em apreço.
O filho do carpinteiro confronta-se com
os Doutores da Lei, os Juízes Ancião do Povo e, ainda para cúmulo, com os
Sábios da Escritura e Sumos Pontífices de Jerusalém. Em síntese: o Povo de
peito aberto, pé descalço, posto à margem dos privilégios e dos acessos à honra
pública, ao palco da sociedade. À sua frente, a “Nomenclatura”, os legisladores
e julgadores, os predestinados ao Reino de Iavé e do mundo. Na gíria hebraica,
era o pobre pegureiro David contra o supra-guerrilheiro Golias.
O
embate vinha de há anos. A “Nomenclatura” tinha urdido todos os esquemas e
redes de pressão social para ostracizar o ajudante de carpintaria e, assim,
retirar-lhe a enorme força de apoio, a chamada plebe palestiniana. Mas Ele
conhecia o exército armado da dita “nomenclatura”. Feitas as contas, era a transparência existencial, a franqueza
de comportamentos e atitudes, era o Povo, frente à corrupção envernizada, a hipocrisia mais requintada, a ‘podridão
dos sepulcros, branqueados por fora’, como Ele próprio havia já denunciado.
O debate era público. Poderia o
operário Nazareno arvorar o seu estro retórico de taumaturgo das multidões e
fazer tremer ali os alicerces dos tribunais, das sinagogas, as colunas
salomónicas do Templo de Jerusalém. Com o poder persuasivo da Palavra, poderia reduzir
a escombros os magnatas do império sacro-moisaico ali presentes. Mas não. Ali estava também o Povo a franja dos párias, excluídos da cultura oficial. Era preciso
falar a sua linguagem
Então, o operário pedagogo usa o mais
simples e rasteiro vocabulário, ao interpelar os “monstros sagrados” de
Jerusalém, recorrendo à cena familiar de um pai que pediu aos dois filhos ajuda
para a vindima daquele ano: o que prometeu ir não foi. Aquele que inicialmente
recusou o pedido paterno, esse é que esteve no campo a vindimar arduamente. “Que
vos parece, vós, Doutores e Sumos Sacerdotes: qual dos dois filhos fez a
vontade ao pai?”. E logo responderam os Sábios Juízes: ”Foi o segundo”.
Estava aberto o debate e lavrada a
sentença. Contra eles próprios e por sua própria boca. E o Mestre concluiu
frontalmente: “No Meu Reino, vós não entrareis. Vós, Doutores da Lei, Sumos Sacerdotes,
Fariseus, ficareis de fora. Sabeis quem vai entrar? Os publicanos, as
prostitutas, todos aqueles e aquelas que vós condenais”. (Mateus, cap.21).
A
fundamentação da sentença deu-a Ele mesmo, no texto citado que vale a pena
consultar.
Não sei que mais admirar neste episódio
verdadeiramente estremecedor: se a fina inteligência do ‘discurso’, se a
portentosa denúncia contra uma sociedade dominante e hipócrita, se a coragem de
Alguém que não perde tempo com subterfúgios e argumentários sofisticados, como
acontece actualmente, entre os que pretendem disfarçar escandalosas alianças
aos olhos do vulgo ignaro.
Transpondo
para os dias de hoje, apareça por aí quem se assemelhe a Jesus de Nazaré e, com
palavras e factos, ajude a vindimar a Terra, purificá-la e dela extrair o sumo
da Verdade. Ainda que para isso tenha de “ser espremido como as uvas no lagar”!
27.Set.20
Martins
Júnior
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