Qual
o poeta, qual será…aquele que nos séculos XXII e XXIII descreverá, aos soluços
e em sobressaltos, esta era em que vivemos? Poeta ou dramaturgo, historiógrafo,
cronista ou tragicómico novelista, que nome dará à enigmática trama que nos
coube viver nos primeiros passos do século XXI?
Já
lá vão mais de dois mil anos que Públio Ovídio Nasão concebeu a sua inspirada
cosmogonia a que deu o bem apropriado título
METAMORFOSES, para justificar
as quatro fases ou, em sua interpretação, as quatro idades do homem sobre a Terra:
a Idade do Ouro, a da Prata, a do Bronze e a do Ferro., cada qual com a sua
caracterização diversificada.
Que
título dará à nossa época esse privilegiado poeta de amanhã?
Fôssemos
nós (agora viventes, mas já então reincarnados) a titular a obra, que outra designação
acrescentaríamos senão a mais óbvia e fidedigna: a Idade do Covid/19. Mais óbvia e ajustada nenhuma outra seria – e numa
perfeita similitude com o poeta romano – porque é o próprio Ovídio que
perscrutou o ventre progenitor das “Quatro Idades” e descobriu qual foi e o
nome lhe deu: Cáos!
Nem
mais nem menos: Do Cáos, massa amorfa e
indisciplinada, saiu o Mundo Novo, o Homem Novo, a Idade Nova em ritmo
quaternário de tom épico, imperecível:
Ouro, Prata, Bronze, Ferro.
Quem
sabe se não estaremos vegetando no seio parturiente de uma Nova Era, acossados
por metabolismos caóticos, arfantes, contrações anárquicas que nos deixam
prostrados como náufragos atirados a praias que nunca conhecemos por não serem
as do nosso quotidiano?!...
Teremos
nós descoberto (ou talvez não, atordoados que estamos no trambolhão
civilizacional) que desembarcámos noutro planeta, onde “tudo é disperso, nada é inteiro”, condenados
a viver exilados dentro do nosso território, encarcerados na casa-prisão que construímos
com as nossas próprias mãos?!... Ao espelho, algum de nós já se viu no exacto
papel de Sísifo que carregou o rochedo até ao alto e, em lá chegando, desmoronou-se e voltou derrotado
ao chão de onde partira?... Com a maldição inexorável de ter de repetir toda a
vida a mesma infernal sentença! Não será isto o Cáos eternamente reeditado e sofrido da história humana?!
Amar –
agora já não é abraçar, entrelaçar corpos e almas. Amar é afastar, senão mesmo ostracizar para longe. Transparência já não é a nudez franca,
púdica, virginal, agora é máscara, escudo, arma, fuga à luz meridiana do rosto
que se ama. Positivo já não é ideal
que eleva, mas fatídico carimbo de exclusão, como faziam os nazis às vítimas
inocentes. Agora o que vale, o que dá garantia é estar Negativo.
Na
esfera social, o planeta virou ao contrário: Antes, eram os banqueiros, os
empresários, os donos do capital, emproados, chutando de um sopro para a valeta
quando o pobre, o operário ou assalariado lhes pedia o aumento de 3 euros.
Agora é o mesmo trabalhador a servir de argumento e advogado para o Estado custear
os lucros perdidos do hipotético empreendedor. É o pobre que nunca lhe foi
permitido aceder a uma “suite num 5 estelas”, é ele que, com os impostos, tem de contribuir para manter o grande
hoteleiro. E é o “servo da gleba” que com os seus descontos tem de tapar os
descalabros dos bancos novos e velhos!
Fico-me
por aqui. Está dado o mote para que tomemos o pulso da hora que passa. Para que
nos conheçamos em meio desta tormenta e agarremo-la decididamente como nossa
adversária e nossa companheira de viagem, afim de a suplantarmos na crista da
onda. É a METAMORFOSE que nos foi
dada, como protagonistas efectivos do mundo futuro.
Trata-se,
sem dúvida, de uma nova Idade da Terra, a do
Covid/19. Nas outras (até nas epidemias) havia soluções aquém ou além-mar.
Nesta, não há buraco por onde sair. Aqui também, o paradoxo deste Cáos: fugir é
cair nas malhas do abismo, é entregar-se ao algoz que tem sucursais em
toda a parte.
Desta
prisão, façamos o reino de uma renovada Idade de Ouro!
13.Jan.21
Martins Júnior
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