terça-feira, 19 de janeiro de 2021

AVENIDAS DE WASHINGTON – RUAS DO NOSSO BURGO… QUEM AS SEGURA?

                                                                                


         As ruas, como os homens, não se medem aos palmos. Nem pelo asfalto, nem pelas faixas de rodagem, nem pelos palácios que as guardam. Medem-se pelo tamanho de quem as habita. Porque as ruas têm alma – a alma das gentes. Soam-me ainda aos ouvidos as toadas que, em saraus da remota juventude, fazíamos ecoar nas noites estivais da nossa vila:

                  

                             O nome da minha rua

                            Tem o tamanho da gente

                            Corpo magro que recua

                            E alma que grita “P’rá frente”!

 

         Percorro as ruas de Washington pela vidraça do meu televisor. Nem vivalma! Dizem de fora que são estepes frias onde se passeiam  fantasmas subterrâneos, catacumbas de almas sepultas nos mausoléus que as ladeiam.

         Quase assim, também, o corpo das ruas do meu burgo: assim desertas, retalhos que alguém deixou cair ao chão, falidos, esquecidos. Mas não cheiram a fantasmas. Há cor nas portas e chama nas janelas. Há gente dentro.

Nas largas avenidas que levam ao Capitólio, o gelo queima sob os pés ausentes e varre os corações que ousam lá chegar. Na minha rua, palpita-se o calor que sai pelas frinchas dos umbrais, sente-se o cheiro da cozinha familiar e ouve-se o timbre das vozes que lá moram, distintas na idade, mas uníssonas no mesmo coro intergeracional.

Tão iguais e tão diferentes as avenidas aristocráticas e as vielas do meu bairro!... Porque o silêncio americano está todo ele blindado, armadilhado, gorilas extra-terrestres, carregadores atestados de fogo, prontos a disparar. A solidão da minha rua, porém, é um convite ao autodomínio, à autonomia do meu querer. Nos sumptuosos logradouros federais, nem com um paiol de pólvora seria capaz de defender-me. Mas no terreiro do meu casebre e da redondeza vicinal, não preciso de armas nem couraças, porque sou eu o dominador assumido, bastando-me apenas o escudo chamado “confinamento”. Na escadaria vermelha do Capitólio, matam-me. Ao contrário, no chão plúmbeo da minha rua, só morro  se eu quiser morrer.

                                                      


Tudo tão estranho e paradoxal! Porquê?... Pela diversa espécie do “bicho” que se nos opõe.

No reino das Américas, o “bicho” é um monstro tremendamente qualificado: o homem, mais precisamente um homem. A fera – vencida – cega de ódio, investe, rasga, esventra, até da bílis sair toda a boçalidade de que é capaz a desumanidade. Mas o hipotético  “bicho”  covid, se passar na minha rua, não corre no meu encalço, muito menos ousa entrar no meu quarto. Só entrará se eu for buscá-lo lá fora, seja onde for esse ‘lá fora’: na multidão, na festa, no bar, enfim, no fosso, por mais camuflado que este o seja.

Sem metralhadoras e sem chaimites de guerra, estou mais seguro nas ruas do meu bairro do que nas arregimentadas avenidas de Washington! Porque comigo moram corpos e almas para quem a Vida é mais que o ouro, o poder, a opulência da força. E ainda que o corpo fraqueje, a alma grita sempre: ”P’rá frente”!

Aqui a Liberdade (com maiúscula!) é quem mais ordena.

E o “Confinamento” assumido é o maior troféu da nossa Liberdade!

         19.Jan.21

         Martins Júnior

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