Prometi
apresentá-los e aqui estou. Não para fugir aos meandros em que se contorce e
afoga o mundo em que vivo, mas precisamente o contrário: para aprender com o
legado que nos deixaram aqueles que viveram circunstâncias tão dramáticas como as nossas e inscreveram, pelo
poder do pensamento e da acção, o seu nome na galeria real da história humana.
“SOBRE-HUMANO”
O
primeiro que vejo avançar é aquele que viu a luz sob este mesmo signo de
Janeiro nascente, manhã do dia 4, re-véspera dos
“Reis” canónicos. Foi em 1643, em terras de Outra Majestade, esta maior
na opulência do poder monárquico, mas menor que a dele no poder do engenho e do pensamento. E de tal
imponência que no mármore que o imortalizou ficou gravada a sua régia
identidade: “Qui genus humanum ingenio
superavit”. Igual a cada um de nós, caiu-lhe no berço a sina fatídica para
que tudo lhe fosse hostil na vida: nascido prematuro, órfão de pai aos dois
anos, teve de ir viver com a avó, duplamente privado do apoio paterno e do
carinho materno. Entre 1665 e 1667, aquando do encerramento da Universidade de
Cambridge pela trágica peste bubónica que dizimou um décimo da população
britânica, ele aproveitou o confinamento para entregar-se ao aprofundamento das ciências, em vários
quadrantes, desde o fluxo das Marés, à Gravitação universal, à Óptica e à
Matemática da Filosofia Natural. Para sempre ficou a fulgurante concepção do
“Binómio de Newton”, acerca do qual, séculos mais tarde, escreveria Fernando
Pessoa nestes termos: “O Binómio de
Newton é tão belo como a Vénus de Milo”! Por isso, bem mereceu o panegírico
marmóreo supra-citado: “ Isaac Newton
ultrapassou os humanos pelo poder do seu pensamento”. Rei - maior que Sua
Majestade, seu Absoluto Suserano! Ele – ontem, hoje e sempre – digno de abrir o
tesouro do seu talento e oferecer ao verdadeiro Suserano da Vida o ouro do
engenho humano ao serviço de toda a Humanidade.
“AVE REAL”
Mas
não foi só o Autor da “Mensagem” que
tributou louvor a “Newton-Rei”. Aqui, na ilha longínqua, perdida no Atlântico,
acompanhou-o alguém, pajem e plebeu no mesmo corpo, “nascido em pobre mas paternal morada”. Não obstante o abismo
secular que os separava, Isaac Newton (1643) e Francisco Álvares de Nóbrega
(1773) encontraram-se no mesmo trilho, o do génio, da poesia, das estrelas.
Aquele, vindo da velha Álbion, este navegando sobre “as salsas ondas
atlânticas”, ambos revestidos do manto real da inteligência, seguiram rumo ao
misterioso trono do casebre do Oriente, onde já os esperava o Criador da Beleza
esparsa pelo Universo. Pelo caminho, o “nosso” vate (de quem nem a efígie nos
ficou) foi desfiando o rosário de poemas escritos nas masmorras do Limoeiro, em
cruel e injusta prisão. Entre eles,
achou o título que lhe dera – “Ave Real” –
dedicado a Newton que dizia assim:
“Ave Real, que a esfera demandando,
Sobre o clima britano o voo erguias
E de perto a tratar c’os astros ias
Leis infalíveis a seu giro dando,
Bem merecidas lágrimas soltando,
Consente que te orvalhe as cinzas frias,
Pesaroso também de que os teus dias
Tão prestes fossem para lá voando.
Já que ao Empíreo, aonde as asas bates,
Ir não posso cingir-te, ufano e ledo,
Viçosa rama em fúlgidos remates,
Sentindo de te ver partir tão cedo
(O carpir dos heróis pertence aos Vates)
De cá teu nome entoarei a medo.
“POR SER NOBRE E SER FADISTA”
Faltava
neste roteiro real de Janeiro/2021 a “Voz”, aquela voz que desse o ritmo
melódico a cada passo dos “Três Reis do Ocidente”, aquela voz que fizesse
descer à terra todas as estrelas, as de Belém e as de Newton, aquela voz que
transformasse em abóbada sonora os sonetos do pajem e plebeu da Ilha.
Juntou-se, então, aos dois primeiros. Ele, que bem se identificou pelo timbre e
pelo traje e, por vezes, “atiraram-lhe a lama como prémio, por ser
nobre e ser fadista”. Acabado para o mundo, em 1 de Janeiro, o concerto
ascensional de uma vida inteira colada ao povo no “homem das castanhas” e no
remador das canoas, nas colinas da cidade e nas andorinhas da primavera, Carlos
do Carmo arrancou do coração a guitarra que lá tinha dentro, bem dentro – e serenos
lá seguiram viagem os “Três Reis do
Ocidente”, levando até aos umbrais do eterno casebre os mais preciosos tesouros
que a Realeza Primeva quer aceitar das mãos dos mortais: a Ciência, a Poesia e
a Música, plasmada na “Voz” de Portugal e do Mundo.
***
No trilho dos Três Reis caminha também uma multidão incontável, todos aqueles que se
tornaram dignos de se assentar sob os baldaquinos reais do Casebre Libertador,
o único e verdadeiro “Capitólio” onde o Planeta encontrará o reino seu e a paz
universal. São Três vezes milhares, Três vezes milhões, os que no campo ou na
cidade, na cátedra ou na rua, de mãos rudes e pés doridos, construíram a
nobreza de carácter que lhes dá direito ao trono real!
07.Jan.21
Martins
Júnior
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