quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

TRÊS VEZES MILHARES, TRÊS VEZES MILHÕES!

                                                                


        Deixem-me passar por entre a voragem bárbaro-trumpista-americana  do Capitólio, deixem-me ultrapassar a barafunda burgo-jurídica dos procuradores europeus, deixem-me trespassar, sozinho em casa, o camaleónico-assassino Covid – que eu quero apenas acompanhar “Os Três Reis do Ocidente” ao casebre (o mais nobre capitólio de todos os tempos) onde repousa o Menino-Restaurador da Humanidade.

Prometi apresentá-los e aqui estou. Não para fugir aos meandros em que se contorce e afoga o mundo em que vivo, mas precisamente o contrário: para aprender com o legado que nos deixaram aqueles que viveram circunstâncias tão  dramáticas como as nossas e inscreveram, pelo poder do pensamento e da acção, o seu nome na galeria real da história humana.

“SOBRE-HUMANO”

O primeiro que vejo avançar é aquele que viu a luz sob este mesmo signo de Janeiro nascente, manhã do dia 4, re-véspera dos  “Reis” canónicos. Foi em 1643, em terras de Outra Majestade, esta maior na opulência do poder monárquico, mas menor que a dele  no poder do engenho e do pensamento. E de tal imponência que no mármore que o imortalizou ficou gravada a sua régia identidade: “Qui  genus humanum ingenio superavit”. Igual a cada um de nós, caiu-lhe no berço a sina fatídica para que tudo lhe fosse hostil na vida: nascido prematuro, órfão de pai aos dois anos, teve de ir viver com a avó, duplamente privado do apoio paterno e do carinho materno. Entre 1665 e 1667, aquando do encerramento da Universidade de Cambridge pela trágica peste bubónica que dizimou um décimo da população britânica, ele aproveitou o confinamento para entregar-se  ao aprofundamento das ciências, em vários quadrantes, desde o fluxo das Marés, à Gravitação universal, à Óptica e à Matemática da Filosofia Natural. Para sempre ficou a fulgurante concepção do “Binómio de Newton”, acerca do qual, séculos mais tarde, escreveria Fernando Pessoa nestes termos: “O Binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo”! Por isso, bem mereceu o panegírico marmóreo supra-citado: “ Isaac Newton ultrapassou os humanos pelo poder do seu pensamento”. Rei - maior que Sua Majestade, seu Absoluto Suserano! Ele – ontem, hoje e sempre – digno de abrir o tesouro do seu talento e oferecer ao verdadeiro Suserano da Vida o ouro do engenho humano ao serviço de toda a Humanidade.

“AVE REAL”

Mas não foi só o Autor da “Mensagem”  que tributou louvor a “Newton-Rei”. Aqui, na ilha longínqua, perdida no Atlântico, acompanhou-o alguém, pajem e plebeu no mesmo corpo, “nascido em pobre mas paternal morada”. Não obstante o abismo secular que os separava, Isaac Newton (1643) e Francisco Álvares de Nóbrega (1773) encontraram-se no mesmo trilho, o do génio, da poesia, das estrelas. Aquele, vindo da velha Álbion, este navegando sobre “as salsas ondas atlânticas”, ambos revestidos do manto real da inteligência, seguiram rumo ao misterioso trono do casebre do Oriente, onde já os esperava o Criador da Beleza esparsa pelo Universo. Pelo caminho, o “nosso” vate (de quem nem a efígie nos ficou) foi desfiando o rosário de poemas escritos nas masmorras do Limoeiro, em cruel e injusta prisão.  Entre eles, achou o título que lhe dera – “Ave Real” – dedicado a Newton que dizia assim:

                   “Ave Real, que a esfera demandando,

                   Sobre o clima britano o voo erguias

                   E de perto a tratar c’os astros ias

                   Leis infalíveis a seu giro dando,

 

                   Bem merecidas lágrimas soltando,

                   Consente que te orvalhe as cinzas frias,

                   Pesaroso também de que os teus dias

                   Tão prestes fossem para lá voando.

 

                   Já que ao Empíreo, aonde as asas bates,

                   Ir não posso cingir-te, ufano e ledo,

                   Viçosa rama em fúlgidos remates,

 

                   Sentindo de te ver partir tão cedo

                   (O carpir dos heróis pertence aos Vates)

                   De cá teu nome entoarei a medo.

 

         “POR SER NOBRE E SER FADISTA”

         Faltava neste roteiro real de Janeiro/2021 a “Voz”, aquela voz que desse o ritmo melódico a cada passo dos “Três Reis do Ocidente”, aquela voz que fizesse descer à terra todas as estrelas, as de Belém e as de Newton, aquela voz que transformasse em abóbada sonora os sonetos do pajem e plebeu da Ilha. Juntou-se, então, aos dois primeiros. Ele, que bem se identificou pelo timbre e pelo traje e, por vezes,  atiraram-lhe a lama como prémio, por ser nobre e ser fadista”. Acabado para o mundo, em 1 de Janeiro, o concerto ascensional de uma vida inteira colada ao povo no “homem das castanhas” e no remador das canoas, nas colinas da cidade e nas andorinhas da primavera, Carlos do Carmo arrancou do coração a guitarra que lá tinha dentro, bem dentro – e serenos lá  seguiram viagem os “Três Reis do Ocidente”, levando até aos umbrais do eterno casebre os mais preciosos tesouros que a Realeza Primeva quer aceitar das mãos dos mortais: a Ciência, a Poesia e a Música, plasmada na “Voz” de Portugal e do Mundo.

         ***

         No trilho dos Três Reis caminha também  uma multidão incontável, todos aqueles que se tornaram dignos de se assentar sob os baldaquinos reais do Casebre Libertador, o único e verdadeiro “Capitólio” onde o Planeta encontrará o reino seu e a paz universal. São Três vezes milhares, Três vezes milhões, os que no campo ou na cidade, na cátedra ou na rua, de mãos rudes e pés doridos, construíram a nobreza de carácter que lhes dá direito ao trono real!   

          07.Jan.21

         Martins Júnior

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