sábado, 23 de janeiro de 2021

CONFINAMENTO HÁ TRÊS MIL ANOS – ISOLAMENTO HÁ DOIS MIL ANOS

                                                                              


Em véspera e dia contraditórios, entre ficar em casa e sair para votar, cai-nos nas mãos o Livro da civilização judaica, o manual didáctico  que moldou a nossa, a chamada civilização cristã e ocidental. Trago-o hoje ao nosso convívio porque (é caso para dizer: “Nem de Propósito”) ele fala-nos dos ancestrais antepassados dos confinamentos em que os sucessivos inquilinos do planeta se têm deixado enredar. Limpo de notas de rodapé ou de comentários avulsos, transcrevo apenas o relato bíblico de Jonas, o Profeta insubmisso.

         Coube-lhe na sina ajudar uma grande cidade a libertar-se da degradação e da ruína total. Nínive entrara num estado de  depauperamento ético-social, de risco extremo, diríamos hoje. A mentalidade corrupta  e as práxis comportamentais dos ninivitas atingiram tal cúmulo que Jahveh (era o dogma do regime teocrático) ameaçou-os de morte, de alto a baixo. Surgiu então Jonas,  enviado a-contragosto à cidade – Mais  quarenta dias, esta cidade será destruída – e convenceu os habitantes a mudar de vida.(Jon.3,1 sgs):

         Os homens de Nínive acreditaram e proclamaram um jejum e vestiram-se de saco, do maior ao mais pequeno… O rei levantou- do seu trono, despiu-se das suas vestes, cobriu-se de saco e assentou-se sobre a cinza. E promulgou este decreto: Nem homens, nem animais, nem bois, nem ovelhas provem coisa alguma, nem se lhes dê pasto, nem bebam água.

         Todos os ninivitas abandonaram o seu mau caminho e a violência que havia nas suas mãos.

         A ‘novela’ vetero-testamentária inclui terminologia, conceitos e topónimos avocados ao tempo e ao lugar: Há quase 3000 anos. Fica no entanto, o essencial, que consistiu  na alteração radical de estilos e hábitos sociais, até ao mais sofisticado e humilhante formulário: na alimentação, no vestuário, no isolamento (cinzas), enfim, um sobressalto cívico, um corte implacável  nos usos e costumes de toda a sociedade, de alto a baixo, a começar pelos paços reais.

         Foi o férreo confinamento – a cidade parou! -  que devolveu a saúde pública e a normalidade aos habitantes de Nínive.

                                                    ***  

“Nem de propósito”, repito.

É que nos textos deste mesmo fim-de-semana, propõe-se-nos um código de conduta que parece talhado à medida dos tempos que correm. Passou-se há 2000 anos. E é Paulo de Tarso quem assume a tribuna de ‘legislador’, numa Carta dirigida aos habitantes da cidade de Corinto (I, 7,29-31):

O que tenho a dizer-vos

é que o tempo é breve.

Doravante,

os que têm esposas procedam como se as não tivessem

os que compram, como se não possuíssem;

os que utilizam este mundo, como se realmente não o utilizassem.

De facto, o cenário deste mundo é passageiro.

 

         Em forma de conclusão e sem mais considerandos:

         Estará escrito, ou nas estrelas ou no chão da história, que o Homem – relapso compulsivo! – ficou desde sempre condenado a pagar tributo severo à Vida, numa inexorável catarse ciclicamente repetida?...   

          

23.Jan.21

Martins Júnior

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