Ele
é o pregão – e mais que pregão – é a
imperativa promulgação de uma Lei universal que faz abalar todos os
parlamentos, todos os gabinetes e todos os púlpitos. Os demagogos pregadores
que não vêm para além do umbigo entretêm-se em fazer desse ultimato um piedoso
apelo aos esfomeados para que ajudem os da sua igualha, os que nem têm à mão o
pão que o diabo amassou. “Dai-lhes os cinco pães e deitai-vos na cinza à espera
que a morte vos venha levar para o céu”. Enquanto isso, todos os dias de 24
horas são atirados à vala comum 24.000 vítimas da fome no mundo!
Em tempo da presente calamidade
sanitária e da anunciada carestia de alimentos, de vacinas, enfim, da própria sobrevivência, não posso ficar
indiferente ao ultimato do Mestre Nazareno perante os que O seguiam avidamente,
sob o risco de sucumbirem no pó dos caminhos. “Dai-lhes vós de comer!” -
respondeu aos líderes da multidão, os Doze, quando estes vieram dar-Lhe conta
da dramática situação. (Mt.14,16 ). É
esta a mensagem que, desde domingo, ilumina os nossos dias.
Para nós, transeuntes da XXI grande
circular dos séculos e herdeiros, por direito próprio natural, de todos os trigais
semeados no planeta, as palavras proferidas no planalto da Judeia enchem toda a
semana, toda a história, todos os continentes. E dirigem-se aos analistas,
sociólogos, doutrinadores, juristas, atingem em primeiro golpe os líderes das
nações. os fazedores de leis, os pregadores do povo. Causa inquietação e
arranca vómitos incontroláveis essa “indiferença global”, de que já falou
Francisco Papa e que anda por aí servida em discursos redondos, mistificada em
prédicas de compaixão e caridade. Chega de tanto lixo para enganar as fomes no
mundo!
Se houver uma instituição – Igreja ou
outra, não importa o nome – que se arrogue próxima ou procuradora de Jesus de
Nazaré, pare de mastigar e deglutir em excrescências falaciosas aquelas
palavras que saíram da boca do Mestre, como punhos acusatórios e código de
conduta social: “Dai-lhes vós de comer”!
Dar de comer não pode cifrar-se numa
senha (digamos, um ‘voucher’) de compaixão misericordiosa. Comer é um direito
inalienável para ser gente! Dar de comer é fazer leis justas, em que direitos e
deveres se constroem e protegem mutuamente. Tal como Paulo de Tarso no Areópago
de Atenas, a Igreja (se quer seguir as suas pegadas) tem de revestir-se de
coragem para bradar aos parlamentos: “Dai de comer ao povo, vosso constituinte.
Votai com justiça e equidade”. E enquanto tal não acontecer, insistir, denunciar,
seja lá quem lá estiver!
“Dai-lhes de comer”, governantes,
ministros, magistrados – deve a Igreja apostrofar os responsáveis, em vez de
abastardar-se com eles em incestuosas alianças de poderes, rivalizando em luxo
enfaixado e sacrílegos anéis indignos dos dedos do Mestre da Galileia. “Dai-lhes
de comer”, reparti o pão igualitariamente, consoante as fomes e o trabalho de
cada um. Parai de engordar banqueiros com o pão tirado à boca dos famintos,
arrasai os malditos paraísos onde o dinheiro empancado grita pelos seus
legítimos donos, os trabalhadores!
De pouco vale uma voz isolada. Até porque,
talvez que cada um de nós, por acção ou omissão, seja cúmplice dos silêncios devoradores.
O que não se pode deixar passar incólume e impune é a instituição,
expressamente os seus arautos, auto-detentores do chamado “Depósito da Fé”. Não metam mais a Fé nos depósitos bancários ou
nas cisternas rotas das crenças demagógicas, opiáceas. A Fé, a do Líder e Mestre, é dinâmica,
propulsora, ousada. Na esteira de tantos homens e tantas mulheres para quem
estar com Ele é agir, denunciar e cumprir o mandato: “Dai-lhes vós de comer”!
Tal como o corajoso pastor da Igreja
brasileira, o arcebispo Hélder da Câmara (na foto) que, em pleno coração da Suíça,
teve a ousadia de denunciar: “Aqui, nos bancos suíços, estão o suor, o sangue e
as lágrimas dos pobres de todo o mundo”!
03.Ago.20
Martins
Júnior
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