Não
é fácil ousar romper o mar nebuloso da história. Nem fácil nem pacífico. Muito
ao contrário, doloroso, arrepiante e perturbador. Como se tivéssemos de
atravessar o monstruoso cogumelo que arrasou Hiroshima, a 6, e Nagasaki, a 9 de
um Agosto igual ao nosso que hoje vivemos. Mais cómodo seria ignorar, tais a fealdade e o
horror que vomitam na nossa própria cara de espécie humana. Mas é impossível
esquecê-los esses três dias fatídicos, nem que seja, ao menos, nas suas datas mais
impressivas. Fizemo-lo em Machico, no ano de 1985, 40º aniversário da tragédia,
a cujo acontecimento dedicámos uma composição, letra e música, que ainda hoje
perduram na nossa memória.
Repetimo-lo,
aquando dos 50 anos em 1995 e voltámos a lembrá-lo em 2015, neste mesmo blog, sete
décadas volvidas. Hoje, em 2020, batem cruelmente nos nossos neurónios e nas
nossas consciências os 75 corrosivos estrondos, tantos quantos os anos que se passaram.
Certo
que não há lugar para manifestações celebrativas, ainda que sob protesto. Nem
sequer para veementes peças de retórica. Tão-só, o silêncio demolidor,
incontornável, avassalador! Tudo foi posto ao serviço da morte mais fria e
desumana: ciência, tecnologia, talento, engenharia, império. É insuportável a contradição do mesmo ser
humano, nas mesmas circunstâncias, na mesma estação: enquanto no Europeu
Atlântico de 1945 as nações punham fim ao massacre nazi da Segunda Guerra
Mundial, caíam indiscriminadamente no
Asiático Pacífico (só por ironia, pacífico) as bombas assassinas sobre vítimas
inocentes. E até se invocou Deus ( a religião) em apoio
do crime. Causa tremor e raiva a oração
blasfema, cínica do presidente Truman: “ Eu
percebo o significado trágico da bomba atómica… Mas agradecemos a Deus que nos
entregou essa responsabilidade, em vez
de ir para os nossos inimigos e oramos para que Ele nos guie para usá-la em
Seus caminhos e para os Seus propósitos “ . Só no fanatismo muçulmano e na
bíblia judaica sancionada pelo ‘Senhor Deus dos Exércitos’!
Está
visto que, parafraseando o refrão, “hoje não me recomendo”. Nem quero. O bicho-homem,
a cuja federação também pertenço (porque todos lhe pertencemos, de raiz) não é
capaz de aprender, nem perante os mais cruéis manuais da sua história sangrenta.
Continuaram as guerras. Continuámos nós em África com a mais injusta e
anacrónica guerra colonial, chamando Deus e a Igreja para o vil terrorismo
imperialista, dito nacionalista. É a
esperança que morre no coração da humanidade!...
Acabada
a paranóia dos impérios tradicionais, outros surgem alapados na carcaça de
certas mentes que o povo manda sentar no trono: impérios comerciais, impérios-paraísos
fiscais, impérios comunicacionais e seus satélites: instagram, tik-tok, enfim, redes
sociais.
Oportunamente
(e felizmente, diria eu, se não fôssemos todos nós vítimas fatais) chegou ‘Sua Sereníssima Majestade’
COVID/19, para pôr na ordem, despi-los,
quebrar-lhes as coroas imperiais a todos esses que se julgam DDT - donos disto
tudo, de todo o planeta e de toda a
humanidade - e torná-los
gente humana, “arrancar-lhes o coração de pedra que têm dentro do peito e, como
diz Ezequiel Profeta, colocar em seu lugar um coração de carne verdadeira”,
sensível e justo. Oxalá!
Sempre
haverá, porém, uma réstia de luz ao fundo do túnel: Nos 75 anos da tragédia,
entre o 6 de Agosto - Hiroshima - e o 9 de Agosto – Nagasaki - sirva o
dramático momento que vivemos actualmente para que, ao menos, o Povo aprenda a
entregar correctamente (e a quem mereça) as rédeas da história contemporânea.
07.Ago.20
Martins Júnior
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