Agarra-o,
não o deixes fugir! Segura-o, não o deixes cair!
Eis o clamor, a palavra de ordem
dirigida a todos os migrantes que passam por este planeta, sobretudo os
vindouros E hoje a cada um de nós, também. Não deixem fugir Pedro Casaldáliga. Não o deixem
cair. Se cair na terra, não lhe importa
nem lhe dói, porque toda a vida ele deu-a à terra. Não o deixem cair no
esquecimento! Precisamos dele. É urgente que ele não morra! Esquecermo-nos dele
é esquecermo-nos de nós próprios.
Porque, se “A Liberdade é uma Luta constante”,
como titulou o seu livro Ângela Davis, então precisamos dele ao nosso lado.
Todos os dias. E todos os viventes. Não apenas os escravos indígenas do Mato
Grosso, mas todos quantos têm direito à Vida e à Verdade. Os mestres e
pedagogos que sentem nas mãos a força – e a tremenda fragilidade – de conduzir
multidões. Refiro-me hoje àquela porção de humanos que decidiram entregar os
verdes anos (e os maduros, toda a vida) à nobre causa de evangelizar, uma
missão consignada à Igreja. “Evangelizar sem colonizar”, já advertia Pedro
Casaldáliga!
Por mais estranho que pareça, Pedro
encontrou na Igreja oficial, estandardizada, um dos grandes obstáculos a
vencer. Reflectiu, contestou, concretizou. Contrariou muitas decisões das cúpulas,
recusou-se a certas praxes ornamentais (e deformadoras), ousando mesmo afrontar
o Vaticano. sempre com a dignidade que
nele superava a coragem e a impaciência. Há, porventura, quem “se escandalize”
por ver um eclesiástico, muito mais um bispo, entrar em conflito ideológico ou meramente
logístico com a Igreja. É a interpretação de ‘club’, de partido ou de
associação com fins lucrativos que muitos devotos têm da Igreja.
Mas para Pedro Casaldáliga a Igreja não
é clã de elites ou monarquia hereditária. A Igreja é um corpo vivo ao serviço
do povo. Por isso tem de agir, tem de actualizar o seu código de conduta em
função dos seus destinatários, que são ao mesmo tempo utentes e construtores da
mesma Igreja. Tal como o Mestre ensinou e fez. O bispo de São Félix de
Araguaia, Mato Grosso, começou logo pela base visível: Em vez de mitra usa
chapéu de palha, como os nativos. Em vez do báculo banhado em ouro, transporta
um bordão sertanejo. E em vez do anel de ouro ‘ostenta’ um círculo de tucum
(palmeira indígena), mas que se tornou símbolo da ‘Teologia da Libertação’.
Ele
entende que os cristãos devem ser “fermento na massa” e constituírem-se eles
próprios co-responsáveis e dirigentes dinâmicos das suas comunidades. Em
consequência, ele é frontalmente contra o sistema de nomeação de bispos
residenciais sem que seja escutada a comunidade a que se dirigem. Aliás, até ao
século V, a lei e os costumes ditavam o seguinte procedimento: “O povo pode
recusar o bispo que não escolheu”. Está bem expresso nos documentos da Patrística, como refere o grande teólogo
Yves Congar. “A Igreja deveria envergonhar-se de usar o poder para condenar e
excluir, quando o seu estatuto fundamental é incluir e escutar”- era um dos
pontos altos do programa episcopal de Pedro Casaldáliga. Precisamente na linha
evangélica da inclusão, Pedro ele defendia a ordenação sacerdotal de mulheres e
fazia-o com sólida fundamentação teológica-pastoral. Para completar a sua visão
holística da Igreja, ele advoga a abolição do celibato obrigatório dos padres,
conhecedor profundo que era da biologia e antropologia e, ainda mais, da
autenticidade da vivência da fé, bem como do futuro da Igreja.
Pagou
caro a sua liberdade de pensar e agir, com maior incidência no âmbito da
disciplina eclesiástica. Mas expôs ao vivo a contradição das estruturas da
Igreja Vaticana, em dois momentos históricos: o primeiro, quando foi ameaçado
pelos latifundiários, o Papa Paulo VI enviou à ditadura militar a seguinte
intimação: “Quem tocar em Pedro toca em Paulo. Quem bate em Pedro bate no Papa,
bate em mim”! Grande Paulo VI! O segundo momento, quando mais tarde foi chamado
ao Vaticano (era já Papa João Paulo II) para receber a ordem de não falar mais
em público, Pedro Casaldáliga recusou-se a assinar o documento de condenação
sentenciado pelo Papa!...
Bispo
Missionário, Vigilante atento à comunidade, Defensor dos Escravos contra a
Ditadura económica, política social, Poeta das dores e dos cânticos do seu
povo-irmão, Vidente do Futuro, Pedro Casaldáliga, Homem-Dom e Dádiva ao mundo,
jamais o deixaremos cair. Ficará connosco, como bordão resistente na grande
Caminhada! Para não fraquejarmos, nas horas de desânimo. Porque os nossos
olhos, mesmo em lágrimas, fixar-se-ão naquelas palavras suas, quais estrelas
fulgurantes a rasgar as sombras sazonais:
“Nós somos soldados
derrotados de um Causa Invencível”!
21.Ago.20
Martins Júnior
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