Maior
prova de amar não há como dar a vida por quem se ama. E maior testemunho de
servir não é possível como o da entrega de alguém à causa que abraçou.
É hoje que, por feliz coincidência,
trago a prova maior, abrindo o pano do grande teatro da história para
apresentar :” DESCALÇO SOBRE A TERRA VERMELHA”. E é o próprio protagonista que se apresenta: “Descalço,
porque sem compromisso possessivo de qualquer interesse pessoal. Sobre a Terra Vermelha, porque é de suor e de
sangue a terra que piso”.
PEDRO
CASALDÁLIGA!
É
dele que vou continuar a falar. Sem parar. Até ao fim. Porque falar de Pedro
Casaldáliga é como entrar no denso sertão do interminável Mato Grosso – a Terra
Vermelha, que lhe foi entregue como bispo – tal a vastidão do seu talento,
da sua resistência, do seu estro poético, da eloquência inquebrável diante de
tribunais, latifundiários, caciques e policiais em tempo da ditadura militar
brasileira, entre 1968 e 1985. E até em confronto com o Vaticano, aliado do
capitalismo de então. Ele mesmo o denuncia: “Capitalismo
com rosto humano? É impossível!”. … Quanto mais com rosto cristão!...
O
signo que mapeou todo o seu percurso entre os índios e explorados do Brasil nunca
o perdeu de vista: Servir! Causou terramoto social a primeira de ordem do seu programa pastoral: “Evangelizar sem Colonizar”. E sabia bem
dO que falava. Ele catalão, de fibra e gema, enviado da cosmopolita Barcelona
para “terra de ninguém”, onde o ancestral código colonialista, enraizado em
toda a América Latina, impunha-se, como dogma e lei, a todas as formas de
poder, quer económico, quer social e, sobretudo, religioso. Portugal, na
vanguarda. Daí que “Evangelizar sem
Colonizar” estalou no imenso território colonizado como uma irredutível
declaração de guerra.
Foi
o que inevitavelmente teve de acontecer. Ao serviço dos camponeses, cuja única fonte
de subsistência era a terra que habitavam, eles, seus pais, avós, bisavós, os
seus antepassados! Contra eles, indefesos, desarmados, arremessaram-se os
latifundiários usurpadores, com o proteccionismo dos governantes, dos
mercenários, dos militares. Quem os defendia, quem dava a cara pelos pobres ‘deserdados’
da terra? O bispo Pedro!
Por
isso, teve de responder em cinco processos de expulsão do país. Várias vezes ameaçado
de morte pelos invasores e seus
capangas, nunca fraquejou. Inclusive, manifestou-se publicamente pela revolta
de Chiapas, no México. Um dos seus biógrafos razão tinha para afirmar: “Ele não
é apenas um defensor da vida, mas a representação viva da resistência ao
autoritarismo”.
Gente
da fibra de Pedro Casaldáliga não suporta águas turvas, ambiguidades
performativas, as religiosas sobretudo, simulacros de verniz em antros de
podridão explosiva. E desassombradamente gritou ao mundo e à Igreja_ “Hoje, a democracia é uma palavra profanada”.
Para ele, o caminho da autêntica realização humano-cristã estava na
emancipação da Pessoa, detentora de direitos e deveres, e não em benesses de
circunstância, indignas e, por isso,
falaciosas. Aculturou o povo. Como sintetiza a velha fórmula, em vez de dar o
peixe, ensinou a pescar. A Lutar!
Daí
que não escapou ao farisaico e puído baldão atirado pelos invasores,
latifundiários sem escrúpulo: “comunista”. Não se intimidou. Seguiu em frente,
desbravou a floresta, apoiado no famoso pregão do seu colega nordestino, Hélder
da Câmara: “Quando alimentei os pobres chamaram-me santo sou um bom - Mas
quando perguntei por que há tanta gente pobre chamaram-me comunista”.
Nem
depois de morto, deixaram Pedro Casaldáliga descansar o merecido sono de 92
anos de resistência… Eis a prova: Um deputado
federal disse a seguinte frase: “O bispo desencarnou no inferno há poucos dias.
Ele desencarnou, o capeta que o tenha em um bom lugar, pois lugar de comunista
para mim é no inferno”. Inacreditável!
Para
alcançar, porém, este patamar de consciencialização
e assunção do seu lugar de “Evangelizador-não Colonizador”, teve de subir os
socalcos de um outro calvário dentro da própria Igreja Oficial. É o que trarei
no próximo encontro convosco.
Pedro
Casaldáliga repousa, há oito dias, na campa rasa de Araguaia, Mato Grosso, na
mesma tumba para onde eram jogados os índios e camponeses, Mártires da sua luta. Os ossos, o crânio e o coração que tanta luz
projectaram na densa floresta humana queremos nós que se transformem em força
motriz de quem assume o seu decidido lugar, o nosso também, na grande marcha da história!
19.Ago.20
Martins Júnior
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