Em tempo de veraneio, não são as questões doutrinárias ou as definições apologéticas que conseguem captar a atenção do público. Por isso, hoje opto pela narrativa linear, mas dirigida a um objectivo essencial: relevar a proeminência de Pedro Casaldáliga, na sequência do escrito que anteontem aqui deixei, por ocasião do seu funeral em Mato Grosso, Brasil.
Para
isso, transcrevo uma página do livro de Márcio Moreira Alves, publicado originalmente
pelas Éditions du Cerf, Paris, 1974.
Ao relê-lo, passo em revista personalidades que tive a honra de conhecer no
Brasil, em pleno furor da ditadura militar. O título - “A Igreja e a Política no Brasil” (versão
resumida da tese de doutoramento à Fondation
Nacional de Sciences Politiques) - servirá de introdução à análise do testamento vivo de Casaldáliga. Servirá
outrossim para compreendermos certos fenómenos estranhos que fustigam, sem o
conseguir, os perturbados dias que atravessamos. Eis o excerto identificativo
da situação explosiva, no Brasil de então:
“No
Brasil, todas as actividades individuais ou colectivas estão, desde 1964, sob o
comando das Forças Armadas. Nenhuma ideia, nenhuma notícia pode circular
oficialmente sem a autorização prévia da censura. Só escapam as publicações
eclesiásticas. O governo alterna ameaças e favores na busca do apoio dos
prelados à sua política. Os cardeais são
convidados à mesa dos Presidentes da República, o Tesouro financia congressos
eucarísticos, as tropas desfilam em honra de Nossa Senhora de Fátima,
transportada no topo de um carro blindado. Certa vez, o ministro da Justiça
participou dos debates da Assembleia da CNBB, Conferência Nacional dos Bispos
Brasileiros, para tentar evitar uma condenação demasiado clara das torturas
praticadas pela polícia.”
“Os
bispos favoráveis a uma evolução política e social diferente da que os generais
preconizam são incomodados de mil
maneiras, subtis e brutais, pelos serviços secretos, e o governo procura isolá-los
dos seus colegas, tachando-os de subversivos.
Um deles, o bispo Calheiros, de Volta Redonda, (eu estive em sua humilde casa) foi processado na Justiça Militar
por haver denunciado as torturas infligidas a alguns dos seus diocesanos; outro, Pedro
Casaldáliga, bispo de Mato Grosso e defensor dos agricultores na luta contra as
companhias de colonização que procuravam roubar as terras, ele é
permanentemente ameaçado de expulsão por ter nascido em Espanha. Finalmente um
outro, Adriano Hipólito, bispo de Iguaçu, foi sequestrado por um comando
paramilitar que o deixou nu, o corpo pintado, no meio da rua” .
Foi
este o ambiente em que lutou Pedro Casaldáliga. Vamos seguir o seu percurso nos
próximos dias. Vamos também avistar paisagens duras, fatais, sofridas por gente
como nós, da nossa terra, talvez da nossa parentela e vizinhança. Para que o
Mundo não esqueça!
13.Ago.20
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário