sábado, 31 de agosto de 2019

QUEM ACEITA O ÚLTIMO LUGAR NA LISTA OU NA MESA?!


                                                    

Fim de semana e fim de Agosto. Fim de férias e de festas. Foguetes em estalos do fim. E, enfim, o anunciado estertor de  candidatos ao galarim  do poder e da fama.
Mas não vou por aí. Vou para onde me leva, como habitualmente, o Livro lido de sábado para domingo. Não tanto pela letra quanto pelo espírito que em cada linha se nos revela. E o que nos revela é o rosto lavado e livre do meu Mestre Nazareno. Vale a pena abrir o texto de Lucas, 14.1.7-14.
Em nenhum parágrafo, em nenhuma linha o Místico de Nazaré evoca, muito menos invoca, o Senhor Deus, o Pai, o Templo, o Santuário. Tão-só uma nótula de civilidade, das boas maneiras, apenas um código de conduta no protocolo social, cirurgicamente dirigido, no caso em apreço, à burguesia urbana de Jerusalém. Cheia de humor negro, verrinoso, é verdade, mas pautada sempre pelo equilíbrio, esta mensagem tal qual se vê não ultrapassa as raias das normais etiquetas da praxe quotidiana.
Foi por cenas idênticas que os fariseus e sumos-sacerdotes do Templo ostracizaram o Mestre, trataram-no por Satanás, tentaram convencer a ,multidão de que Ele era a reincarnação de Belzebu. Porque Ele só falava do homem e da mulher, acariciava as crianças, curava os enfermos, promovia o ser humano em todas as suas dimensões. O “crime” do Nazareno era o de abrir portas e janelas nos cérebros manietados e apodrecidos dos seus contemporâneos. Na centralidade de toda a sua movimentação pública estava a humanidade, por vezes acima da divindade, mas sempre ao lado dela. Para a sociedade teocrática do seu tempo, cilindrada como estava sob as botas cardadas de um deus moisaico, armado e justiceiro, a mundividência do Mestre e a sua nova pedagogia  constituíam uma afronta aos poderes oficiais. Daí, a “excomunhão” que os auto-proclamados donos da religião descarregaram contra Ele, até ao cúmulo do assassinato.
No episódio de hoje e de amanhã, o Mestre observa a estratégia bacoca dos convidados àquele jantar, cada qual espreitando a melhor oportunidade de agarrar os primeiros lugares na mesa de honra. É a ganância de mil braços, o oportunismo despido, o assalto programado. É aí  que brilha o nosso Mestre com o seu discurso transparente e breve, mas tremendamente cáustico para uma plateia de brasonados pelo dinheiro, iluminados pela prosápia classista do farisaísmo pseudo-religioso:
    
 Naquele tempo,

Jesus entrou, a um sábado,
em casa de um dos principais fariseus
para tomar uma refeição.
Todos O observavam.
Ao notar como os convidados escolhiam os primeiros lugares,
Jesus disse-lhes esta parábola:
«Quando fores convidado para um banquete nupcial,
não tomes o primeiro lugar.
Pode acontecer que tenha sido convidado
alguém mais importante que tu;
então, aquele que vos convidou a ambos, terá que te dizer:
‘Dá o lugar a este’;
e ficarás depois envergonhado,


Parece que ainda não estava satisfeito o nosso Mestre. Faltava-lhe a cereja em cima daquele bolo do seu discurso. Proletário entre capitalistas, apesar de convidado pelos distintos “pares da aristocracia reinante” que excluía os párias da sociedade, Ele não se conteve sem denunciar ali, ao vivo, as gritantes assimetrias sociais do seu tempo, o paradoxo abissal que aquela fina e lauta mesa escondia. E arranca com esta sentença capital:
     

Jesus disse ainda a quem O tinha convidado:
«Quando ofereceres um almoço ou um jantar,
não convides os teus amigos nem os teus irmãos,
nem os teus parentes nem os teus vizinhos ricos,
não seja que eles por sua vez te convidem
e assim serás retribuído.
Mas quando ofereceres um banquete,
convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos;

e serás feliz por eles não terem com que retribuir-te:



Para quê mais palavras?... Ó grande Mestre, intrépido arauto da Justiça e do Direito no reino dos homens! Razão tenho eu em dizer e repetir; “Se cá voltasses, eu punha a minha cabeça onde tu pões os pés”.
Tremenda e inexorável sanção para os  pregadores da sua mensagem!
Devorador que sou de homilias e demais oratória sacra, devo confessar o quanto me incomoda e até indispõe no corpo e no espírito quando, em certos sermões, sobretudo nas festas religiosas de verão, oiço o orador que, em quinze vocábulos, repete dez vezes o nome de Jesus, o Senhor e similares, daí partindo para voos esotéricos, a que chamam meditações sagradas. Aprendamos com o Mestre. Directo, fraterno, humano! Agora percebe-se, em plena evidência, a grande paixão do sábio Padre Teilhard de Chardin, que dedicou toda a sua vida de cientista a demonstrar que é pelo humano que se chega ao divino.
Na ponte que liga Agosto a Setembro, o Mestre dá uma portentosa lição de urbanidade e educação cívica e social. Por isso, não estarei longe da verdade ao afirmar, durante largo tempo, que em certas circunstâncias o povo precisa mais de educação que de religião!
31.Ago-01.Set/19
Martins Júnior  

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

COM O FOGO NÃO SE BRINCA… MAS COM O FOGO TAMBÉM SE FALA E SE SENTE!


                                                          

      Em tempo de lazer não há tempo para  habitar o tempo lunar do pensamento crítico. É tudo tão volátil, tudo empírico e descartável, tudo líquido, como classificava Zigmunt Baum a sociedade hodierna. Por isso, escolhi o óbvio – volátil, empírico e descartável – para o nosso entretenimento de hoje: o fogo. Não se trata de “brincar” com o fogo”, mas de vê-lo, ouvi-lo, falar-lhe e senti-lo.
Incontáveis são as marcas, os rótulos e variedades de fogo.
Há o fogo que aquece, alumia e constrói. E há-o, que arrasa cordilheiras, esgana casas e pessoas, pulveriza civilizações.
Há o fogo que abre clareiras no impenetrável negrume da floresta. E há-o, que carboniza o chão virgem que espera os nossos passos.
Há o fogo romântico na mesa redonda de um dia de namorados. E há-o, soturno, mortiço, no velório do finado da véspera.  
         Há o fogo feito de suor e sangue doado  em dádiva gratuita à terra, à história e memória de alguém. E há-o transacionável, moeda de troca por uma benesse vencida ou vincenda.
Há o fogo crepitante, vistoso, que desafia as altas nuvens. E também há-o,  o “amor-fogo, aquele “que arde sem se ver”, o de Luís Vaz de Camões, de Petrarca, dos verdadeiros amantes.
O tamanho das chamas só se o mede pela conta de bem ou de mal que espalham à sua volta. E a cor do fogo só a vê o nosso olhar-mente e coração. Assim, há o fogo que canta e o que chora estalando entre a rocha viva, Há o  fogo-obra de arte e o fogo bruto e brutal. Há o fogo puro, imaculado, sem mescla e há o fogo egoísta, utilitário, “dou-te se me deres”. Há o fogo que dobra círios e almas, mas há um outro que liberta e dá asas. Finalmente, há o tal fogo forte mas discreto, intimista mas purificante, em que os protagonistas ‘incendiários’, portadores da luz, diluem-se como sombras fugazes por entre as chamas. E há, nos antípodas,  os ostensivos e ostensórios ‘lucíforos’ que até se perfilam como os fariseus emproados no templo de Jerusalém.
Aí fica um breve mostruário dos fogos que povoam o mundo, o nosso pequeno mundo também. Cada qual poderá catalogar o seu ou os seus fogos,  que todos os dias deflagram, perto ou longe. A questão, porém, quase adivinha, que propus anteriormente cingia-se ao seguinte dilema: entre os dois fogos que fazem de Machico notícia e visita obrigatória – a Noite dos Fachos e a “Noite dos Milagres” - qual deles é o mais puro, generoso, altruísta e transcendente?    
     Deixo a questão em aberto. A palavra, livremente expressa ou assumidamente lavrada, a vós pertence. E todas, sem excepção, serão respostas credíveis e respeitáveis, porque sinceras.

29.Ago.19
Martins Júnior

terça-feira, 27 de agosto de 2019

MACHICO “A ARDER” É NOTÍCIA…


                                                           

Machico, terra bizarra, marcada pela garra das suas gentes e pela força das suas terras! Não obstante a agonia do planeta que se contorce por entre as chamas da Amazónia, trago hoje, na negra quietude da noite, dois “incêndios”  maiorais datados em cada ano e que fazem do vale e da baía de Tristão Vaz uma apoteose de fogo em festa.
O primeiro, o mar de lume em Agosto. Ei-lo no seu esplendor, ainda que parcial.
                                                              

        O segundo chega invariavelmente em Outubro, como que em miríades de lenços brancos despedindo-se do Verão. Espraiemos o olhar por sobre esse imenso  estendal caído em terra seca,
Debruçados “ a arder”, furtemos uma fagulha de luz e iluminemos o nosso cérebro para que ele possa responder ajustadamente a esta pergunta;
Dos dois “incêndios”, qual deles o mais nobre, o mais puro, o mais iluminante?

27.Ago. 19
Martins Júnior

domingo, 25 de agosto de 2019

“NÃO TE CONHEÇO DE LADO NENHUM” !


                                                         

A cada qual, seu fim-de-semana. E a cada gosto, sua companhia. Daí, a interminável banca do mercado hebdomadário: a uns o puro lazer, o sol, a praia, a montanha, a outros os arraiais, o pimba ou  o jazz,  e à turbamulta de muitos outros  as chuteiras do “rei-foot”, que pode abranger tudo o mais que seja o fútil. A cada paladar, a sua fruta.
Da minha parte, até por coincidência de funções e serviços, opto por companhia e fruição a descoberta de Alguém que, de tão mal conhecido, foi classificado pelo teólogo sul-africano Albert Nolan como “Esse Grande Desconhecido”,
Hoje, surgiu ao meu encontro esse tal “Grande Desconhecido” (e paradoxalmente tão badalado) com um traço “novo” da sua personalidade. Para vê-lo, podem fazer como eu: abrir o Livro e ler umas nove ou dez linhas sobre essa personagem. É em Lucas, 13, 22-30. Habituados que estamos a cultivar uma imagem do Mestre da Galileia em poses fotogénicas, olhos lânguidos hipnotizados por uma estranha constelação algures ni firmamento ou como um condenado à galé da cruz, fazedor de milagres, hoje apresenta-se-nos bem diferente. Ele próprio reconstitui o cenário e a personagem:
“O dono da casa fechara as portas e preparava-se para dormir. Batem-lhe à porta. O homem vê quem é, conhece o ´noctívago grupo ‘visitante’ e responde-lhes de lá de dentro: “Vão-se embora. Não sei de onde sois, nem vos conheço”. A trupe do exterior volta ao batente da porta, insiste  e faz valer os seus argumentos: “Tu dizes que não nos conheces? Então não te lembras que andámos juntos, comemos e bebemos contigo? Nós seguimos-te sempre quando falavas em público, na sinagoga, nos  caminhos, nas praças. E não nos conheces? Olha bem e deixa-nos entrar”. O dono da casa explode: “Já disse e repito  que não vos conheço de lado nenhum. Tirem-se já da minha porta”
         São imensas e duras as ilações desta breve parábola, em que o “dono da casa” é o Mestre Jesus e a trupe envolve todos os devotos oportunistas, os pseudo-crentes fundamentalistas, os rigoristas, os aduladores, os espiões ao serviço dos magnates do Templo, enfim, a chusma de estrategas do grande palco do mundo, uns ignorantes, outros ambiciosos à espera das benesses hierárquicas, mas todos capazes de matar o Homem.
         Mais que as duras ilações, acompanhou-me todo o dia a redescoberta deste traço do Líder Nazareno. Para Ele, pouco ou nada contam os espectáculos das multidões, por mais proclamatórios e lisonjeiros que sejam. Ele detesta todas as expressões de populismo, hipocrisia e devocionismo balofo. Ele é o Homem da verticalidade, da acção e não receptáculo de incensos, palmas e votos pios, muito menos de encenações embusteiras, sob a capa de culto oficial.
Durus est sermo hic – poderíamos repetir a mesma reacção dos judeus contra o Mestre, noutras circunstâncias da sua vida. “É forte demais esta conversa”!... Mas é a realidade. É sobretudo para a classe a que pertenço, os eclesiásticos, os hierarcas, os do topo da pirâmide e os que a estes se atrelam como rémoras parasitas, no dizer do grande Padre António Vieira. Não é diferente a linguagem contundente do Papa Francisco, quando invectiva a Cúria Romana, onde vegetam malevolamente, os cardeais, coroados com o ridículo título de “príncipes da Igreja”.
Correndo o risco de pisar linhas vermelhas da Dogmática institucional, ouso pôr em dúvida certas nomeações para “Santos”, as chamadas beatificações e  canonizações. E argumento;  Quem é um homem para poder nomear “Santo”, Perfeito, quase Divino, um outro ser da sua  mesma condição?... Será que o “Dono do prédio”  receberá em sua casa aqueles que lá se apresentam com as credenciais assinadas por um outro homem investido de um poder mundano, emanado de eleitores residentes no mundo?\
Talvez esteja a resposta incluída na supra citada fala do  "Dono do prédio"... 

25.Ago.19
Martins Júnior

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

EU NÃO ESQUEÇO…


                                        

Hoje, sexta-feira de Agosto, decretaram baixar as bandeiras a meia haste em todos os edifícios oficiais da Região. Foi a homenagem regulamentar dada a alguém “que da lei da morte se foi libertando”.
E porque da lei da morte se libertou, sinto-me no dever de hastear bem alto a sua memória, símbolo de um povo autónomo, responsável, decidido, “de antes quebrar que torcer”, bandeira triunfal do Povo de Machico, do Povo da Madeira.
Eu não esqueço …
A transparente cordialidade e o tratamento igualitário com que se dirigia aos deputados, enquanto presidente do Primeiro Órgão da Autonomia Regional, respeitando integralmente os direitos e deveres regimentais, fosse qual fosse o partido interveniente.
Eu não esqueço…
A serena mas corajosa seriedade quando recusou a palavra ao líder parlamentar do seu próprio partido (mais tarde presidente do governo) quando este pretendia intervir, à revelia das normas regimentais. Eu estava lá.
Eu não esqueço…
A superior dignidade com que suportou a humilhação a que o sujeitaram os seus pares na Assembleia, quando alteraram o regimento para que a votação à presidência fosse feita por sessão legislativa, todos os anos, em vez da eleição por legislatura, quatro anos, como vigorava desde o início.
Eu não esqueço…
A forma diplomática, mas frontal e directa, como não aceitou a procuração do governo regional para ser advogado contra mim, no ‘famoso’ processo de difamação pelo desaparecimento das pratas da Assembleia Regional, o qual terminou com a derrota do próprio governo.
Eu não esqueço…
A sua decisiva intervenção aquando do inquérito parlamentar (movido de dentro do partido onde eu próprio me inseria, como independente) o qual originaria a imediata perda de mandato, não fora a sua elevada argumentação. Eu estava lá e escutei atentamente.
Eu não esqueço…
A sua inteireza de carácter quando, nas eleições para a Presidência da República,  apoiou publicamente um candidato à margem do candidato oficial do seu partido na Madeira.
Eu não esqueço…
A fidelidade às suas convicções sócio-políticas e ao seu sonho de uma Madeira autónoma e democrática, pois que, apesar da indiferença e, até, da marginalização a que os seus pares o votaram, nunca abandonou o código ideológico que abraçou desde a primeira hora.
E, acima de tudo, não esqueço…
Que antes e depois, dentro ou fora da acção política, nunca deixámos de partilhar uma sã convivialidade, sempre saudável, optimista, produtiva.
É sempre assim que há-de ficar comigo, enquanto não chegar a minha hora. É sempre assim que ele ficará também entre os conterrâneos e vizinhos em terras de Tristão Vaz.
Ele, Emanuel Rodrigues,  monumento eloquente das gentes de Machico, perpetua, ainda, a memória do seu patrono, no dealbar da carreira jurídica, esse eminente machiquense, o Dr. João Gouveia de Menezes.
Conhecendo Emanuel Rodrigues e sabendo da sua vivência discreta, avessa à espectacularidade das homenagens mundanas, achei-me, entretanto, no dever de prestar-lhe este modesto depoimento, vindo de quem se situava politicamente em campos opostos, mas intimamente solidários e comprometidos com os mesmos ideais de um Mundo Melhor.

Emanuel Rodrigues, bandeirante da Democracia, lídimo representante da Autonomia, Honra e Glória de Machico!

23.Ago.19
Martins Júnior



quarta-feira, 21 de agosto de 2019

IMAGENS QUE GRITAM !!!


                                   
 
Quando o fogo gela...

                                      
E o gelo queima…


Andam à solta os abutres coveiros do Planeta
Amazónia  calcada, petrificada, gelada – ressequido pulmão de um Planeta em agonia vascular!
Gronelândia, fontenário da vida, que monstruosas mãos pretendem capturar, esquartejar, rachar como lenha seca para incendiar a Terra!
“Estes loucos que nos comandam, estes alucinados, estes , neuróticos… estes doentes que nos governam” -  destes o mesmo poderiam dizer Pierre Acroce e Pierre Rentchnic. “Ces autistes”, como escrevia recentemente “CharlieHebdo”.
Até quando?!

        21.Ago.19
        Martins Júnior   

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

O CAMPO É GRANDE, O CAMPO É NOBRE. E “BOAVENTURADO” !


                                                          

A terra deu-lhe a raiz. Mas foi ele, o homem, que a irrigou e a fez crescer e dar flor e  fruto. E  na vara mais alta foi ele, o fruto,  que voltou a dar-lhe raiz, semente progenitora, no seio da mesma terra-mãe,  para recomeçar a sempre antiga e sempre nova dança cíclica, onde a Terra e o Homem ensaiam o interminável minuete da Vida.
Podia começar assim o merecido panegírico a uma de muitas terras, a Boaventura da Madeira, enaltecida nas páginas de uma nova publicação, nascida do talento e da mão suada de dois ilustres filhos da freguesia,  os historiadores Aires dos Passos Vieira e José Manuel Vieira. Deixando para ulteriores considerações a análise da obra,  pretendo relevar nesta breve crónica as duas vertentes eminentemente telúricas da mesma: trata-se de um elogio ao torrão natal através do seu património histórico, de onde emergem os valores culturais, artísticos, laborais, sociais e espirituais ali cultivados desde tempos imemoriais. A segunda vertente dá-lhe mais brilho e autenticidade, pois que os seus autores optaram por apresentá-la, não nos salões urbanos da praxe publicitária, mas no meio ecológico que inspirou as 198 páginas do livro: a freguesia da Boaventura. Belíssima celebração da ruralidade mais cândida e fiel, proclamada em seu palco natural, onde os protagonistas são os que habitam as terras e nelas tecem todos os dias o poema da Vida!
Sendo protagonista o povo da Boaventura, avulta nestas páginas a figura proeminente do, então jovem, “PADRE VALENTE”, Pároco daquela localidade, entre 1920 e 1947. A sua acção é a de um autêntico bandeirante dos tempos novos. Mergulha nos campos e nos açudes que alimentam os terrenos aráveis, sobe às montanhas, desce ao chão dos tugúrios  e come o pão duro, igual ao dos ‘servos da gleba’ que morrem curvados à terra. Ao mesmo tempo toca a sensibilidade inata das suas gentes, nelas ampliando o gosto pela cultura e, sobretudo, pela música vocal e instrumental. Ficaram no subconsciente da população reminiscências indeléveis que foram evocadas nesta sessão em emotivos  testemunhos de populares presentes.
A leitura deste precioso volume, enquanto repositório de história, sociologia e espiritualidade de outras épocas, desperta no leitor atento uma incógnita deveras surpreendente: Como foi possível, em tão recuados tempos de carência quase total, atingir níveis civilizacionais tão impressivos, valores humanos sócio-culturais que ainda hoje nos fazem pasmar de espanto?
Vale a pena atravessar a paisagem frondosa desta obra, tão verde e tão densa quanto a floresta Laurissilva de onde emergiu, para chegarmos à conclusão necessária: se é o meio que faz o homem, também é o homem que faz o meio. É da interacção entre a Terra e o Homem que o Planeta se projecta e transfigura – e é também no mesmo ritmo que, em sentido oposto, o Planeta e os seus inquilinos se desfiguram e destroem.
A prestimosa publicação “O PADRE VALENTE, DA BOAVENTURA” é um eloquente exemplar dessa positiva interacção: produto da terra, pelos filhos da terra, dada à luz na própria terra!
Parabéns aos seus promotores.
Um reparo e uma pena: a nossa comunicação social primou pela ausência. É caso para perguntar: se fosse lançada no Funchal,  sob os olhos tutelares dos ‘jarrões’  graúdos da capital, estaríamos perante a mesma omissão?... O mundo rural é sempre o parente pobre da esfera pública, irremediavelmente atirado à periferias…
Bem vaticinou o nosso Eça: “Portugal é Lisboa, o resto é paisagem”.

19.Ago.19
Martins Júnior

sábado, 17 de agosto de 2019

UM CRISTO GUERREIRO, INCENDIÁRIO ?!


                                                   

Não há tempo para isso, tantas são as derivas da vulgarizada sealy season. Mas é um desafio que ouso fazer, mesmo aos mais incautos:  procurem entre os vultos ou fantasmas, imagens ou arquétipos (como queiram chamar) do Cristo oficial de que guardam memória, desde  o romântico Jesus Nazareno de Ernesto Renan, aquele de olhos doces, ao proscrito derrotado do Calvário, procurem aqueloutro, de rosto afogueado e olhar penetrante, clamando na praça pública ao povo miúdo e ao palco graúdo: “Eu venho pegar fogo e o meu desejo é que ele se ateie cada vez mais. E se vós pensais que eu vim trazer a paz à terra, estais enganados. O que vos trago é guerra. Mais: se esperais de mim um fazedor de alianças, tirai isso dos vossos corações,  eu venho provocar a divisão, a luta no meio de vós, até dentro da própria família, entre pais e filhos”.
A quem tiver dificuldade em encontrar o Autor desta “ameaça”, convido a abrir o Livro, em Lucas, 12,49-53, aliás, um texto que é proposto aos crentes neste domingo. Situando-o no contexto coevo, o seu alcance ganha maior sentido e acuidade ao sabermos que tais palavras foram proferidas quando o Mestre dirigia-se para a “capital do Império Judaico”, Jerusalém, então colonizada pelos romanos. Não será difícil descortinar  nas imprecações desassombradamente lançadas nesse percurso uma declaração formal de guerra contra um alvo previamente definido: os inquilinos sedentários do Templo - os Sumos Pontífices  e respectivos comparsas, os fariseus e os escribas da Lei.
E porque o conflito de classes e ideologias que essas palavras traduzem obrigam-nos a ponderar friamente o seu peso, mais que desdobrá-las em comentários, limito-me apenas a esta pergunta: “E se, na Sé Catedral ou numa dessas muitas igrejas da ilha,  ouvíssemos o próprio Jesus, do alto do púlpito ou da mesa do altar, proferir as mesmíssimas palavras, qual seria a reacção das pessoas”?
Não tenho dúvidas de que o menos que chamar-lhe-iam seria o de louco, desvairado, blasfemo, terrorista, fascista, comunista, jiahdista. Dos líderes partidários, da extrema direita à extrema esquerda, sairia a mesma golpada dos fariseus de Judá: “Este tipo está possesso do diabo”. Para um hermeneuta, porém,  intérprete de média cultura, primeiro trataria de saber o quando, o como e o porquê de tão inusitada ousadia da parte do Mensageiro da Paz. E logo concluiria que a conquista da Paz nunca advirá por geração espontânea, antes exigirá uma árdua luta pelo Direito, pela Justiça, pela Verdade. E quando se vive num planeta ou num terço de terra minados por armadilhas de injustiças, fraudes e mentiras, mais se impõe uma “guerra sem tréguas”. Serão múltiplas e diversificadas as estratégias, umas vezes ténues, outras duras e frontais, mas sem nunca perder de vista que somos todos vítimas e, em certos casos, co-autores de uma guerra-fria institucionalizada que nos torna indolentes e, por isso, responsáveis.
Se alguma colectividade deveria libertar-se desse marasmo entorpecedor em que a sociedade se deixa afundar, essa colectividade chama-se Igreja. Porque renuncia ao império do poder e às efémeras negaças do populismo, a Igreja – à semelhança do seu Fundador – deveria, como Ele, erguer-se com a lança do Arcanjo Libertador, pela palavra, pelo empenho, pelo testemunho de vida, sem medo de falar e agir quando estão em causa atributos invendíveis e incomparáveis da Pessoa – o  constituinte primário da Igreja, a Pessoa e a sua salvação global – na estrutura cívica, na conjuntura social, nas lutas pelo pão, pela saúde, pela educação, pela vida, pela realização inteira do Homem/Mulher.
Não pode jamais a nossa Igreja permanecer naquele estado de “coma clínico” que, há 1500 anos, um dos maiores génios da hierarquia eclesiástica, Santo Agostinho de Hipona, denunciava: Ecclesia, casta meretrix – a Igreja é uma casta prostituta. Interpretando: “casta”, porque não suja as mãos, não se compromete, afasta-se dos conflitos (laborais, sociais, ideológicos, políticos).  Mas “meretriz”, porque prostitui-se com os interesses do mundo, por omissão e  cobardia. Acabemos com a “greve” de silêncio desta Igreja tartamuda, pastosa, cúmplice.
Quanto teria eu a partilhar convosco na fonte deste tema!
Apenas uma sugestão: para quem se “escandalizou” com as declarações do Bispo Nuno Brás, na “Festa do Monte”,  aconselho a leitura do texto de Lucas, 12, 49-53.
É duro, vibrante, avassalador. Mas libertador!

17.Ago.19
Martins Júnior                    

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

MEMORÁVEL 15 DE AGOSTO !!!


                                                   

A palavra exacta com que deveria titular o texto deste 15 de Agosto seria um preliminar “Pedido de Desculpa”. Desculpa pela ousadia de ter aposto, lado a lado, as gravuras que encimam a mensagem deste dia, sem ao menos ter pedido autorização ao Bispo da Diocese. A justificação dá-la-ei no último parágrafo.
Devo dizer que hoje o meu propósito consistia em expor e desenvolver a nomenclatura popular com que  na Madeira se designa esta data: “O Dia das Sete Senhoras”. Deixá-lo-ei para outra oportunidade, porque hoje outro valor mais concreto e mais alto se alevantou, algo que fez deste 15 de Agosto um dia estruturalmente “ímpar”.
Refiro-me à homilia do Bispo Nuno Brás na Missa Solene da “Senhora do Monte”. Só um espírito verdadeiramente livre e autónomo – daquela autonomia que só a coragem evangélica e a coerência lógica são  capazes de dotar uma personalidade – poderia inspirar tais palavras a quem, pode dizer-se, fazia a sua estreia no grande anfiteatro da religiosidade do povo madeirense, ainda por cima, num cenário carregado de memórias recentes e, sobretudo, sob os olhares circunspectos e atentos da oficialidade regional. Sem ademanes de espectacularidade mas sem tibieza ou puritanos escrúpulos, ouviram-se ‘palavras de ordem’, rasgaram-se pistas de pensamento e acção, como talvez nunca tivessem ecoado nas paredes seculares daquele santuário mariano. Eco, possivelmente, só do vibrante Cântico  Magnificat, da liturgia do dia.
       
 “Não podem pedir aos cristãos que fiquem confinados às realidades espirituais, esquecendo-se da vida dura, do trabalho, da politica ou até do divertimento ou para que calem a verdade do homem na moral, quer dizer, em tudo o que diz respeito às escolhas (pessoais, sociais, comunitárias) que sempre temos que realizar… Isso seria aceitarmos que uma parte importante da nossa existência — aquela que diz respeito à nossa vida corporal, à nossa vida com os outros — estaria fora da salvação… Nós,  cristãos, temos não apenas o direito como o dever de falar, de lutar por uma sociedade sempre mais plenamente humana; por relações entre pessoas em que todos possam ser respeitados na sua dignidade; por modos de existência que não caiam em soluções fáceis, mas que nos tornam profundamente desumanos…  A vida democrática é uma conquista preciosa da nossa civilização,  ela faz corresponder a cada adulto um voto, sem diferenciar os eleitores pelo dinheiro que possuem, pelas capacidades que têm ou pela sua notoriedade, mas que a todos iguala pelo facto de serem seres humanos, cidadãos na posse plena das suas capacidades.”
         “Lições de abismo” – bem poderia classificar o sociólogo brasileiro Gustavo Corção estas palavras que, sendo antigas, tornam-se novas, flagrantes, galvanizadoras para os cidadãos madeirenses, habituados que foram a uma linguagem empastelada de bênçãos sacristas e subserviências aos poderosos.
         Para não empanar o brilho da intervenção, dispenso-me de quaisquer paralelos com o passado e remeto a nossa atenção para a leitura integral do texto episcopal. Apraz-me aqui repetir, em linguagem adaptada do romano ritual pontifício, a expressão “Episcopum Habemus”, a qual já ouvi  traduzida na boca de populares locais: “Pela amostra, Temos Bispo”, a que acrescento: Temos Pastor seguro e vigilante! Como ele próprio disse quando cá chegou, “não precisa de fazer o pino, para ser diferente dos outros”. O que conta é a palavra, é a acção decidida.
         Termino, justificando a justaposição das gravuras-supra. Primeiro, porque faz hoje 57 anos que, após a ordenação na Sé do Funchal pelo Bispo David de Sousa, celebrei a Primeira Missa na igreja matriz de Machico. Sem ressentimentos de espécie alguma, assinalo que foram 15 anos de padre “normal” e 42 anos de padre “suspenso”… pelos homens. Segundo motivo: fico feliz porque, mesmo suspenso,  no quadro social em que estive inserido, tentei antecipadamente realizar os ideais e as linhas programáticas enunciadas hoje pelo Prelado Diocesano no santuário do Monte. E  assim espero prosseguir viagem.  

         15.Ago.19
Martins Júnior



terça-feira, 13 de agosto de 2019

EM SÃO ROQUE DO FUNCHAL: MIRADOURO, TRIBUNA E FAROL!


                                                                   

Galguei, um a um, os degraus daquela escada estreita. E sem chegar ao Monte da Senhora, nesta revéspera do seu dia, posso afiançar que subi mais alto que ele. Porque dali vi muito mais que do alto do Monte. Aliás, vimos nós todos, os que fizemos o esforço de lá chegar.
Estamos no alto da torre, agora renovada, da igreja de São Roque do Funchal, É a cidade inteira que abraçamos num ligeiro menear de cabeça. Periscópio aberto sobre o anfiteatro todo-circular do Funchal iluminado nesta noite de Agosto, por ele ficamos com uma visão holística da capital madeirense.
Outro mirante, porém, sobre a mesma e outra cidade é o que se tem passado no vetusto templo de São Roque: a cidade-espírito na catedral de um pensamento vivo, a concretização de  uma cultura global, estruturalmente humanista. A começar pela mensagem do Papa Francisco largamente citada pelo Prelado Nuno Brás. Na linha de Teilhard de Chardin, pela natureza, pela ecologia – palavra chave, pela Criação – chegamos ao “Omega”  Criador.
Mas é na “criatura” que a Humanidade cresce e frutifica. Por essa razão, assim julgo, a tribuna do magistério evangélico oferece-se a todo o crente (vulgo dictu, leigo) que tenha uma mensagem pessoal, autêntica, valorativa, a transmitir a toda a assembleia presente. Constitui um “pequeno grande passo” na trajectória civilizacional de um povo ver um homem/uma mulher subirem os degraus, ditos sagrados, daquele templo e daí partilhar com os “companheiros/companheiras de jornada” da vida as vivências existenciais iluminadas pelo clarão que dimana da teologia humanista do Nazareno.  É o Evangelho de sempre moldado e traduzido aos nossos dias num “saber de experiência feito”. Quem escuta entende e quase revê-se inteiramente numa linguagem colada ao nosso quotidiano.
Para completar a obra-prima deste friso litúrgico, que beleza e profundidade didáctica ver o Prelado Diocesano ladeado pelo Padre José Luís Rodrigues e pelo Padre Giselo! Não se trata de uma mera leitura linear o que os nossos olhos têm contemplado naquele templo e naquela preparação sequencial para a festa do Orago da localidade, um feixe de mensagens substanciais que se prolongam até domingo próximo.
Vale a pena subir à torre do São Roque do Funchal. E muito mais vale  - o paradoxo é intencional –  muito mais vale “subir ao chão” do templo  para o nosso olhar poder alcançar horizontes mais vastos no tocante a uma verdadeira espiritualidade – esclarecida e optimista! Do que foi dado observar, aliado ao sempre indesmentível testemunho coerente e transparente do Padre José Luís Rodrigues, creiam os madeirenses que é neste exemplar de Homem e Líder espiritual que reside a esperança de uma Igreja renovada, saída da nascente original de há dois mil anos e reincarnada na pessoa de Francisco Papa!
Pela minha parte, agradeço a dádiva do convite, que considero histórico, para associar-me presencialmente a um evento potenciador de novas descobertas no percurso do Homem-Viageiro no Tempo.

13.Ago.19
Martins Júnior      

domingo, 11 de agosto de 2019

“MORS-AMOR” - O PALCO DO NOSSO PROTAGONISMO


                                                    

Em fim de domingo e na ribalta de mais uma semana que se abre diante do quotidiano teatro da vida, ponho em cena o Amor com que nos embalámos nos três anteriores “dias ímpares”. Oponho-lhe a sua antítese, a Morte, e faço caminhá-las as duas ‘personagens’, uma ao encontro da outra, através da minúscula ponte de um hífen. E assim componho o clássico bailado que fez caminho ao longo dos séculos: “Mors-Amor”. Junto-lhes o nosso místico-poeta Antero de Quental, autor do belo e profundo soneto com o mesmo título. O cenário ficaria órfão de sentido e chama se não aparecesse, a iluminar todo o palco, o Grande Mestre da História, nado e criado na Palestina.
E será assim o enredo:
O protagonista nasce pelo Amor, cresce e frutifica pela Vida e, a seu tempo, arruma as malas para o regresso, sem retorno, ao seu torrão natal. Pode simplificar-se o argumento em duas velocidades: Uma, vigorosa e brilhante, a Luta pela Vida; a Outra, dolorosa e intransponível, a Luta contra a Morte. E ambas são sinónimas.
O protagonista somos nós, cada um de nós.
Desde que o nosso mais primitivo antepassado pisou o solo terráqueo debateu-se entre estes dois extremos: “Amor-Mors”, o mesmo que dizer entre a espada e a parede, o Amor e a Morte, sendo que a espada reluzente é sempre mais simpática que a parede opaca. Mas, inelutavelmente, a parede está lá. Não caminha para nós. Por mais estranho que pareça, nós é que caminhamos para ela. É a nossa condição inultrapassável.
Neste confronto, remexem-se vagas revoltas, como entre Sila e Caribdes, para uns Cabo das Tormentas, para outros Cabo da Boa Esperança, sendo certo que para quem ama é sempre  ‘non grata’ e repugnante a garra adunca que nos corta a vida. Para muitos, é o pavor, o negrume, o desespero incontrolado. E é justamente neste passo que entra a voz (antes ao vivo, agora em ‘off’) do Nazareno na parábola deste domingo: “Conservai nas vossas mãos lâmpadas acesas. Sede semelhantes àqueles homens que esperam o seu senhor para abrirdes o portão quando ele chegar. Seja à meia-noite, seja pela manhã. Felizes serão esses homens se se portarem como bons vigilantes” (Lc.12, 36 e sgs.).
Nada mais se lhes pede, nada mais se lhes exige. Nem discursos, nem juras, nem rezas, nem promessas, nem santos óleos. Só isto:  estarem vigilantes, ocuparem o seu posto de sentinelas alerta! Em tradução precisa e nos termos actuais, estar vigilante é ocupar o seu posto de trabalho, o lugar de utilidade pública ou privada, seja no campo ou na cidade, em casa ou na rua, no escritório ou na oficina, no trono ou no altar, na tarefa ou no lazer. A lâmpada acesa é o amor que ilumina o recinto onde estamos e a alma/o afecto com que  desempenhamos o nosso posto de vigilância e acção. Recordo o meu professor de matemática, Eduardo Pereira, capitão reformado do exército, que morreu dentro da sala de aula, diante de nós, vítima de síncope cardíaca. Contra o pavor que tomou conta de toda a turma de adolescentes, alguém serenou os ânimos, exclamando: ”Foi uma morte santa, morreu no seu posto de trabalho”. Dando luz ao mundo, sublinhamos.
No final da peça existencial onde somos protagonistas, entra Antero de Quental, declamando a visão do cavaleiro e do negro corcel, nos dois tercetos do soneto “Mors-Amor”:
Um cavaleiro de expressão potente
Formidável mas plácido no porte
Vestido de armadura reluzente

Cavalga a estranha fera, sem temor,
E o negro corcel diz: “Eu sou a Morte”
Responde o cavaleiro:”Eu sou o Amor”.

“O Amor é mais forte que a Morte”!

11.Ago.19
Martins Júnior

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

“TODOS OS CAMINHOS VÃO DAR A ROMA-AMOR”


                                                           

É de Amor que continuamos a conversar. E o que hoje trago fica estreitamente junto ao que, de propósito, deixei escrito ontem. Ponto, parágrafo. No final descobrir-se-á o porquê desta opção.
Mas o escopo nuclear do enigma proposto é chegar mais além.
Em palco e na vida, duas personagens – afastadas na crença, mas geminadas no mesmo vértice existencial -  discorreram, declamaram mesmo, sobre o mais belo e transcendente poema: o Amor. Cada qual sentiu-o e tentou defini-lo. Consultando a página anterior, nela sugeria-se que se descobrissem as semelhanças e diferenças entre os dois: Paulo de Tarso, Apóstolo, e o Ateu confesso. E eis que o mistério se dissipa: entre o crente e o descrente não há diferença alguma, só unanimidade de conceitos e programas de acção. Basta cotejar algumas das citações descritas:
“O Amor tudo desculpa, tudo espera, tudo suporta”.(Paulo).
“O Amor é dádiva, amor oblativo, generoso”  (Coimbra de Matos).
“O Amor não é ambicioso, não procura os próprios interesses”. (P.)
“O Amor não é egoísta, é altruísta, traduz uma necessidade gregária, social” (C.M.).
Decifrando o enigma, esclareço que as citações 2.3.6.7.9 pertencem a Paulo de Tarso, na 1ª Carta aos Coríntios, cap.13). As restantes são do Prof. Dr. Coimbra de Matos, in “Do Medo à Esperança”, em co-autoria com Raquel Varela.
Onde pretendo chegar com este exercício de paralelismo ideológico?
Simplesmente a isto: “Há muitas moradas na Casa do Meu Pai” – afirmou um dia o Nazareno. (Jo, XIV, 1-3).E - concluímos nós - se há muitas moradas, há também muitos caminhos para lá chegar. Paulo Apóstolo e Coimbra de Matos, por vias diametralmente opostas, chegaram à mesma vivência, ao mesmo vértice interpretativo da realidade “AMOR”.
Subindo à fonte original desta conclusão, descobrimos que o Ser Humano é o repositório vivo de sentimentos inatos, fabulosas projeções imanentes. Há um fundo comum, ínsito na condição humana, jazidas estruturais de ordem ética, estética, lógica, espiritualista, que importa desvendar e desenvolver, sem ser preciso recorrer a terceiros gurus transcendentais. É sobejamente conhecido o velho axioma da filosofia: Non sunt multiplicanda entia sine necessitate (não devemos multiplicar os entes ou entidades sem necessidade). Aplicando ao caso em apreço, compreendemos bem por que razão chegou Coimbra de Matos à mesma conclusão de Paulo Apóstolo. Porque o Amor está inscrito no ADN da condição humana. O problema é “que poucos dão por isso”, tal como “o binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo”, diria Fernando Pessoa.
Tenho para mim que muito se usa e abusa de Deus, incomodando-O por tudo e por nada. Mais: desconfio até que há quem procure n’Ele aquilo que já possui dentro de si mesmo - e a si mesmo deve exigir. É a inércia, a lei do menor esforço a sobrepor-se à dinâmica da criatividade genética de que somos dotados. Volto a afirmar: a maior glória do Criador é a autonomia da  Sua criatura.
E já que estamos numa maré de afectos estivais (com uma pitada de humor duvidoso) reproduzo aqui o depoimento daquela mulher quarentona, inibida por complexos religiosos e, por isso,  auto-constrangida na sua relação conjugal: “Eu evitava sentir prazer, por pecado. Só comecei a senti-lo intensamente quando alguém (?) me disse que Deus achava bem o meu orgasmo”. Foi no programa televisivo “Prós&Contras”.
Ridicule, mais charmant”!
Festejemos o Amor! Como em Fanhais, da Batalha e Aljubarrota, cantaram Raquel e Beto  a Vitória do Amor, entre poemas e canções, tendo por fundo as mensagens que serviram de mote a esta trilogia do “Senso&Consenso”. Viva o Amor “oblativo, generoso, dádiva suprema”!

09.Jul.19
Martins Júnior