domingo, 27 de fevereiro de 2022

BISPO MISSIONÁRIO EM MADAGÁSCAR - IRMÃO E MESTRE NA MADEIRA

                                                                                 


        Está presentemente na Madeira, a sua ilha natal, Traz consigo notícias de longe, de muito longe e, mais que notícias, transborda-lhe o coração de vivências humano-cristãs, carregadas de sofrimento e esperança, como são sempre as mensagens de um peregrino missionário em terras por desbravar e fazer crescer.

         Neste Domingo esteve connosco, na Ribeira Seca, irmanado naquele convívio que une idades, mentalidades e gerações: o convívio eucarístico, desta vez marcado pela simplicidade paramental e pela transparência comunicacional. Da sua experiência pastoral em terras de Madagáscar, uma diocese de um milhão e meio de habitantes, abriu o alforge do seu ‘saber de experiência feito’, enriquecendo cultural e espiritualmente os participantes no acto litúrgico.

Por isso, dedico hoje a página do “Dia Ímpar” ao senhor Bispo José Alfredo Caires de Nóbrega, recortando alguns dos preciosos excertos da sua mensagem:

“Fazendo minhas as palavras do Evangelho de hoje – a boca fala daquilo que transborda o coração – vou falar-vos do que enche também o meu coração: a vida que vivo nas missões… A Igreja tem de saber testemunhar o Evangelho. Por vezes anda para a frente e para trás, quando o que deve é  fazer com que a Bíblia seja vida, como fazemos nas missões: viver com as pessoas, comer como elas comem (arroz três vezes ao dia, ou duas vezes ao dia), dormir por vezes no chão em cima de uma esteira, comer o que elas nos dão. Já me perguntaram como é que eu pregava a Palavra de Deus e o que é Evangelização, eu respondi que Evangelização não é tanto falar em Jesus Cristo ou fazer muitos sermões, mas sim em elevar as pessoas na sua dignidade... É no Homem que se vê Jesus Cristo.

Temos um trabalho muito directo com a população, muitos deles nunca tinham tido conhecimento do cristianismo, mas têm a sua fé, têm uma fé em Deus. E isto é muito importante.

Madagáscar é um país rico, eu estou numa região super-rica, mas de super-miséria. Onde há muita riqueza há também muita miséria… As crianças começam muito pequeninas a ir para as minas, descer aqueles buracos de 20/30 metros, é preciso insuflar sacos de ar para poderem respirar e depois trazem os baldes cheios de areia para peneirar e achar aquelas pepitas de ouro, que vão dar aqueles gramas de ouro, fios de ouro. Deficiências, sobretudo  no ensino, na saúde. E temos de desenvolver aí, na escola, nos centros de saúde, combater a malária. E até em projectos de agricultura. Tentámos introduzir novas culturas de legumes.  

Na minha diocese de 14.000 m2, temos mais de 800 catequistas que lá  não são bem, bem, catequistas: são os animadores da população que mantêm as comunidades enquanto o padre não vai lá - ou só vai uma vez por ano. Vivo à beira-mar, mas tenho de percorrer aldeias a 300 Km, onde não há transportes, levo dias e meses a andar a pé, usando por vezes os rios em barcos e pirogas.    

Tivemos agora um ciclone que nos destruiu 80% de terras, casas, até o próprio telhado da catedral. Enfim, vamos vivendo o Evangelho, fazendo Igreja, com as pessoas, procurando sempre elevar a sua dignidade.

Por fim, queridos paroquianos da Ribeira Seca, obrigado pelo vosso carinho, pela vossa amizade e muitos parabéns por esta data que hoje celebrais”.

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A data a que alude o Senhor Bispo Caires de Nóbrega refere-se ao 37º aniversário da ocupação da igreja da Ribeira Seca por 70 efectivos policiais, em 27 de Fevereiro de 1985. Não houve a habitual comemoração festiva em virtude dos tumultuosos acontecimentos na Ucrânia, mas tivemos a prestigiosa e reconfortante celebração do estimado antístite.

Mas não foram esquecidas as vítimas ucranianas, pois enquanto se procedia ao acto da Comunhão, no templo ecoavam as canções da Paz:

“O soldado vai à guerra

Vai fazer a tirania

Vai matar o seu irmão

Isso é contra a Eucaristia

Mas trazer a Paz ao Mundo

E criar um novo dia

Sem armas e sem fronteiras

Isso é que é Eucaristia

Refrão

Porque o Senhor ficou na Eucaristia

Pra dar a todos pão e alegria

Porque o Senhor habita em nossa terra

Gritamos NÃO à fome, NÃO à guerra

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  27.Fev.22

Martins Júnior

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

CONTRA A VELHA (DES)ORDEM MUNDIAL, MARCHAR, MARCHAR !!!

                                                                                 


Desde a Rússia e a Ucrânia até aqui basta o gesto de um clic. É connosco o que lá passa. Não obstante a info e a contra-informação, o fio da navalha passa nos nossos neurónios e no sono das nossas noites. Ninguém, por certo, ficará indiferente.

Por isso, daqui de longe (e tão perto) reajo ao tumulto ululante do urso das estepes russas face a todo o planeta, a partir das franjas ucranianas. Não entrarei nas especificidades técnico-militares da invasão – isso está bem patente nos muitos analistas da comunicação social – apenas fixar-me-ei sucintamente em dois tópicos com que a experiência milenar dos humanos conflitos marcou as guerras do futuro.

O primeiro repetiu-se, até à exaustão, com a corrida quase impetrante e contrita ao templo do Kremlin: peregrinos de boa-fé vindos dos EUA, da França, da Alemanha, do Reino Unido. Enfim, a montanha foi ter com Maomé. Para quê?... Para aquilo que hoje se vê. E para o mais que se há-de ver. Rebobinando o filme, tudo não passou de uma enorme frustração, pois estava tudo planeado, municiado, monitorizado ao milímetro. A história há-de registar o heróico esforço presencial (mas auto-flagelante, humilhante, hoje se vê) de todas as altas individualidades estrangeiras  junto de Moscovo na procura da paz, através do diálogo. Mas na mesma medida, do lado de Moscovo, há-de ficar perante todo o mundo a hipocrisia e o fedor de uma estratégia fraudulenta, indigna de seres pensantes, sociáveis e sensatos. Casos como este – e eles repetem-se a nível individual e colectivo – dão razão ao desespero do velho Jeremias, século V A.C., quando explodiu publicamente neste desabafo: “Maldito o homem que põe a sua confiança em  algum dos seus semelhantes”.

Quem disse que nunca invadiria a Ucrânia? Aquele que hoje a bombardeia, às portas de Kiev.

O segundo tópico, polarizador de toda a vida política entre nações, vem de muito longe e cifra-se no brocardo latino: “Si vis pacem, para bellum”: “Se queres a paz, prepara a guerra”. Ou: “Prepara-te para a guerra”.

 Ora, o que está a passar-se diante dos olhos de todo o mundo é a incapacidade da Ucrânia em opor-se ao arsenal bélico da Rússia, uma situação de impotência operacional, agravada pela interdição da intervenção da NATO, impedida, por isso, de penetrar em território ucraniano. Por sua vez a Europa não tem Forças Armadas credenciadas e suficientemente organizadas para entrar no teatro de guerra. Por muito que nos custe a aceitar – e a mim também – a história política, económico-social das nações, os conflitos institucionais, as agressões de toda a espécie, das mais artesanais às mais sofisticadas, tudo isso exige uma estrutura defensiva global, capaz de obstruir o livre trânsito dos malfeitores e açambarcadores, ditadores sem freio.

Foi Mário Soares quem defendeu a criação de um regime de Forças Armadas Europeias, iniciativa que na altura a muitos desagradou, mas  agora tem a sua plena actualidade. Melhor seria não fossem necessárias, melhor estaria o mundo se “todos déssemos uma oportunidade à Paz”. Mas isso é sonho de outro planeta, aquele que será o último a descobrir.

Não foi com estados de alma, com pias orações, com sorrisos nos olhinhos ou nas pestanas dos anjos que o Muro de Berlim caiu ao chão. Foi a acção esclarecida e o denodado esforço das pessoas que realizaram tão gigantesco feito. Paralelamente, aplaudem-se todas as movimentações de apoio à já massacrada Ucrânia, as restrições legais que por todo o mundo se têm registado, enfim, todas as tentativas de isolar a Rússia, não o seu povo mas os seus governantes.

Em 1977, Pierre Accoce escreveu um livro crítico – “Estes doentes que nos governam” – onde, entre outros, figuram Estaline e Hitler. Não estarei longe da verdade se pedir ao autor que inclua nesse elenco um acabado exemplar da híbrida promiscuidade genética desses dois doentes - Vladimir Putin.  Ao total descalabro da sua política destruidora tem o desplante de chamar “Uma Nova Ordem Mundial”.

Pois, contra essa Velha (Des)Ordem Mundial, marchar, marchar!

 

25.Fev.22

Martins Júnior

 

 

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

“ELES COMEM TUDO E NÃO DEIXAM NADA”!

                                                                       


        Todo o dia o Zeca cantou. E nós cantámos com ele. Porque o 23 de Fevereiro não é dia da morte. É Dia da Reincarnação, da Ressurreição. Todos os anos Zeca Afonso está connosco, porque fomos buscá-lo à Campa nº 1606, das terras de Elmano Sadino. E cantámos  nós, ‘filhos da madrugada’, o ‘Resineiro’, a ‘Estrela d’Alva’. Rememorámos o ‘Menino d’oiro’ e o do ‘Bairro Negro’, a GRÂNDOLA0 e ‘Os Vampiros’, os tais que “comem tudo e não deixam nada”.

         O ambiente – uma das salas do CCC-RS, Centro Cívico-Cultural e Social da Ribeira Seca – congregou diversas faixas etárias, dos 8 aos 80, distintos extractos culturais e sociais. E embora contasse com a presença solidária e honrosa dos responsáveis do concelho, todos naturais de Machico,  Assembleia Municipal, Câmara e Junta de Freguesia, o ambiente, dizia, não deixou de ser um encontro genuíno, intimista, à luz das velas embaladas pelas baladas de Zeca Afonso.

E que oportuna coincidência a dos “Vampiros”!

“Os que comem tudo”, os que comeram quase tudo, na noite negra do colonialismo europeu, na cobiça do ouro quinhentista, nas masmorras da ‘pide’, nos pavores da guerra fria. E hoje,  agora perto de nós, com o furor do urso das estepes russas, tacitamente assessoradas pela soturna China  a pretenderem açambarcar o alheio território e restaurar  a anacrónica e insuportável praga dos impérios. São estes os ‘vampiros, que comem tudo e não deixam nada’!

Zeca Afonso continua hoje a empunhar a sua arma – “a cantiga é uma arma” – pacífica mas poderosa contra essas e outras formas de sofreguidão e  anexação de terras, gentes e consciências!                                


Perto de nós, também. Dentro do nosso território. Aqui, onde cantámos Zeca Afonso. Nas suas canções perpassaram hoje as arremetidas que os ‘vampiros’ locais e regionais lançaram contra Machico, sobretudo contra o povo sereno e trabalhador da Ribeira Seca. O Povo perdoa, mas não esquece!

E porque é de pequenos passos que se fazem as grandes instâncias, todos os anos e todos os dias tentamos cortar a marcha maléfica dos dinossauros das ditaduras nascentes que, sem escrúpulo, forçam os umbrais da nossa democracia, entram-nos em casa e devoram o melhor que há na consciência colectiva dos povos.

Por isso, lembrar Zeca Afonso – é preciso, é urgente. Antes que os ‘vampiros’, os grandes e os pequenos, tomem conta de nós! Cantar e sentir Zeca Afonso não é manobra de diversão. É militância, é acção!

 

23.Fev.22

Martins Júnior    

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

‘COVID’ AQUÁTICO E ‘TSUNAMI’ INVISÍVEL NUMA ILHA DE CONTRASTES

                                                                    


        Enquanto lá fora é a ameaça Rússia, Donetsk, Lugansk versus Ucrânia, Europa, EUA, que domina a cena internacional, aqui dorme-se e estremunha-se em duas almofadas, qual delas a mais dura: os doze anos da trágica aluvião do 20 de Fevereiro de 2010 e os dois anos do coronavírus e seus derivados.

         Solidário com a Ilha, acompanho sem estrondo nem espectacularidade  os dois sobressaltos que sacudiram a pacata vivência dos nossos insulanos.  Nas duas tragédias colectivas  vejo identidades comuns e, do mesmo passo, comuns contradições. É, pois, da trincheira do ‘Pico do Facho’ (e de todos os Picos do Facho da Ilha)  que olho a paisagem de 2010 e compagino-a com a de 2020-2021/2022.

         Ao aluvião de 2010 chamo-o de ‘Covid Aquático’ e à pndemia actual classifico-a de ‘Tsunami Invisível’. Sejam quais as diferenças ou as contradições, um traço comum atravessa as duas efemérides: o fantasma da tragédia. Ambas mataram, ambas arrastaram vidas: umas, para o grande cemitério do mar salgado, o tal “salgado das lágrimas” caídas das faces dos madeirenses, Outras, sepultas na lama viscosa e profunda. E ainda outras desaparecidas para sempre.

         O “Covid Aquático”, o de 2010, é líquido, ruidoso e fero como o leão da selva, igual ao adamastor dos confins do mundo. O ‘Tsunami Invisível’, ao contrário, é silencioso, afável, entra na casa alheia sem ninguém dar por ele.

         O “Covid Aquático” toca a rebate e chama à Ilha o Primeiro-Ministro, o Presidente da República, Ministros e Secretários de Estado. O “Tsunami Invisível” dispensa aperaltadas visitas oficiais, deita-se só e só também acorda na cama do seu mais anónimo hospedeiro.

         O “Covid Aquático” é o gigante furioso que salta da montanha, tomba casas e terras e é tal o berro que até consegue do Rectângulo fabulosas toneladas de dinheiro. O “Tsunami Invisível” contenta-se com pouco, remete-se calado ao hotel-prisão do confinamento e, passados dois anos, até paga para “ir à ‘Junta Médica’ chamada Teste e Vacina.

         O “Covid Aquático” sabe quantos mortos fez. Mas o povo, observador e vítima, sabe que foram mais que os 47 anunciados pelas estatísticas regionais. O “Tsunami Invisível” tem também enterrado os seus mortos, cujo volume, dizem os governantes locais, “está sobrevalorizado”, porque são menos, muito menos, o normal. Mas os números não mentem e não param de subir: só nos 21 dias deste mês de fevereiro já lá foram 34 nossos conterrâneos!

         O “Covid Aquático”, passados 12 anos, ainda não curou as cicatrizes deixadas nas casas, nas pessoas, nas linhas de água. Inacreditável, imperdoável!  Quanto ao “Tsunami Invisível”, a nossa expectativa é que ele se aparte quanto antes da nossa porta, dos nossos caminhos, das nossas comunidades. Tudo faremos para isso.

         Servem estes picos de observação e introspeção para medirmos a fragilidade da condição humana – a nossa fragilidade congénita – face à Natureza Soberana, quer no mar, quer na terra e no ar que respiramos.

         Sirva também para que nesta Ilha Nossa se encarem com frontalidade e humildade os problemas, as intempéries, as morbilidades, as cirurgias e as consultas adiadas.  E que se fale a verdade aos madeirenses. Para que ninguém diga que a Madeira é a república onde se branqueia tudo e onde a administração normaliza a anormalidade.

 

         21.Fev.22

         Martins Júnior  

          

sábado, 19 de fevereiro de 2022

O ÚLTIMO PLANETA A DESCOBRIR…

                                                                      


O texto que o LIVRO nos traz  para este fim-de-semana ultrapassa os limites da nossa prosaica condição humana. É de um Mundo Novo que Lucas nos fala (Capítulo VI), continuação do incomensurável, omnitemporal “Sermão da Montanha”. Por isso, refugiei-me no possível horto da poesia para sonhar com esse “Planeta por descobrir”, mas que afinal habita dentro de cada um de nós, se quisermos encontrá-lo e construí-lo.

 

Todos cobiçam  e ninguém alcança

porque ninguém o quer

Lá onde não há ferrolhos nem portas nem janelas

e nas casas não há homem nem mulher

e as divas são iguais às escravas delas

 

Lá onde a procura de mãos férreas fratricidas

tocam sequer nas mil faces oferecidas

 

Duas túnicas ninguém tem

porque uma já deu a quem

lhe quis levar a capa e a manta da cama

 

Os bancos não têm pés nem sucursais

e os juros são juras de quem ama

e não espera apólices usurais

 

A distância que o separa

Da Terra nossa e das demais

fá-lo nutrir a sordidez amara

Dos humanos suicidas tanques e ossadas

Onde só pão devia haver e olivas verdes onduladas

 

Ali a indomável lei da gravidade

 Enlaça os corpos num único abraço

E todo o gemido e todo o cansaço

São cânticos de terna fraternidade

 

O primeiro a ser criado

Será o último encontrado

Na épica aventura do homem navegante

 

Mais que a Ilha dos Amores

De Camões

Mais que o porto distante

De Chesterton

Mais que a ‘Ilha do outro Mundo’

De Pessoa

Já o trouxera o Nazareno

Ao Mar da Galileia redondo e pleno

 

Esse planeta que todos cobiçam e ninguém quer

essa estância de outro mundo

não a demandes longe

Para encontrá-lo nem sairás daqui

porque ele está inteiro e claro

dentro de ti

  

        19.Fev.22

Martins Júnior

 

 

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

SUA MAJESTADE O MAR, HÁ 25 ANOS, EM MACHICO – UM VOTO À ECONOMIA AZUL!

                                                                             


Com a aproximação da primavera, vão-se apagando as sombras do confinamento e começam a luzir as esperançosas promessas da vida plena. Fala-se de espectáculos e exposições, sobressaindo a EXPOMADEIRA, a mostra-rainha da actividade económica da ilha. Mas fala-se também do Mar, a simpática ‘economia azul’, extensão gémea desta porção de basalto colada à espuma das marés.

         E como a vida é feita de memórias que se perdem no tempo, tive a grata surpresa de um amigo que me fez regressar cinco lustros atrás na história local e desembarcar na praia de Machico, Lá estava, iniciática mas emotiva, a mensagem do Mar, vaticínio e apelo à tão propalada e auspiciosa ‘economia azul’. Tinha o despretensioso mas genuíno título de “EXPOMAR/97”.

         Para não empanar o brilho da mensagem, transcrevo a reportagem publicada no decano da imprensa regional, na secção “Beira-Mar”.

         “Já nos acostumámos a ouvir dizer que a primavera é a melhor estação e Maio o melhor mês.

Em 1997 não se pode dizer que “Maio” tenha sido muito melhor ou pior que outros Maios. Porém, no que à orla marítima se refere, Maio 1997 teve algo de diferente: realizou-se, então, em Machico, a EXPOMAR/97 que foi a primeira Feira Náutica da Madeira, uma iniciativa da Câmara Municipal de Machico.

Vários ‘stands’ com expositores, barcos, motores e equipamentos náuticos foram dispersos entre o Largo e a Alameda da Praça e vários motivos de interesse náutico, entre miniaturas e “Roda do Leme” do antigo navio “Gavião”, ex-libris dos transportes marítimos da Madeira há meio século, e ainda os troféus ganhos pelo iate madeirense “Albatroz”, primeiro a chegar à meta em Machico na primeira Regata Oceânica Lisboa-Madeira, em 1950. Uma interessante exposição de fotografias, em que o Mar era o tema, marcou presença no certame com trabalhos do repórter fotográfico Manuel Nicolau, que deve ser o artista vivo possuidor da maior colecção fotográfica – sobre assuntos náuticos da Madeira – em reportagens da sua autoria, com fotos de cantos e recantos do litoral madeirense e imagens de peixes, desde as pequeninas ‘ruamas’ de cavalas, chicharros, bogas e sardinhas, até aos monstros cetáceos como os cachalotes com 12 e 13 metros de comprimento: todos esses motivos figuraram na EXPOMAR/97, além de stands da Madeira, Porto Santo e Açores e quiosques representativos da Secretaria Regional de Agricultura, Florestas e Pescas, Parque Natural da Madeira, SANAS, IDRAM –através da Associação Regional de Vela, Remo e Canoagem, Museu da Baleia, representantes de equipamentos marítimos, através de firmas locais e do continente português e uma prestigiante delegação da EXPO/98 com o tema dos OCEANOS.

A animação esteve também presente com actuações de grupos culturais das várias freguesias do concelho de Machico e ainda a Banda Municipal daquela localidade. Pormenor bastante interessante – que avivámos ao consultar o DIÁRIO de 15 de Maio de 1997 – foi que, além da animação musical, funcionou todos os dias um serviço especial de gastronomia marítima, designadamente os ingredientes típicos deste concelho, a cargo  de um restaurante do Caniçal.

…………………………………………… ass) Victor Caires, DN, 08/04/2001

Agradeço ao jornalista Victor Caires, especialista em assuntos marítimos, o ter-me feito voltar a um tempo de entusiasmo e produtividade, aquando da minha passagem pela presidência do Município. Jamais esquecerei o seu afã mobilizador na pesquisa de valiosas peças constantes da EXPOMAR/77 e sobretudo na sua cedência junto dos respectivos possuidores, a título de empréstimo especial.

Trago esta breve reminiscência, precisamente no início de um ano que se nos afigura promissor em iniciativas de largo alcance. Que não empalideça a economia azul!

Saúdo a Junta de Freguesia de Machico, na pessoa do seu presidente e deputado Alberto Olim, pela realização anual, em articulação com a Câmara Municipal,  do acontecimento “ARTE E PESCA”, um contributo para que o Mar e as suas potencialidades continuem vivas nesta freguesia e concelho.

 

17.Fev.22

Martins Júnior

 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

CEGUEIRA SEM EMENDA – O MESMO PENSAMENTO PARA DOIS SUICÍDIOS

                                                                 


“Rapazes

Essa G3 que vocês levam nas mãos, lembrem-se que têm o cano da espingarda voltado para vós próprios. Mais cedo ou mais tarde!... Todas essas    munições que vocês atiram contra os “turras” vão voltar-se contra vós, os vossos filhos e netos. Vão voltar-se contra Portugal”.                                             

                               (Do meu diário na guerra colonial,, em Cabo Delgado, Moçambique, 1968)


 

“Passados mais de 50 anos, os homens ‘civilizados’ ainda não perceberam que toda a bala faz ricochete e volta ao lugar e ao peito donde saiu”.

(Do meu diário, perante os media que exibem os tanques de guerra apontados à Ucrânia)

                        

            15.Fev.22

            Martins Júnior

domingo, 13 de fevereiro de 2022

UMA NOVA CONSTITUIÇÃO NO ALTO DA MONTANHA PARA UMA NOVA NAÇÃO!

                                                                         


Não tem morada exclusiva nem há caminho único para lá chegarmos. É assim o Pensamento, a Ideia motriz que move montanhas e agita oceanos.

Do mesmo pano é o Pregoeiro da Ideia Viva. Não tem casa própria, nem tribuna exclusiva, nem emissor demarcado. Ele consubstancia-se com a Ideia, com a Vida. Vimo-lo, domingo passado, fazendo de uma lancha o púlpito do seu pregão à multidão apinhada ao longo da praia do Lago de Tiberíades. Hoje, apresentou-se na montanha diante de romeiros caminhantes que, famintos da Palavra, vieram de várias regiões da Judeia, Jerusalém, Tiro e Sídon – um viveiro incontável de corpos e almas arrastados pelo “sedutor” que viera lá dos lados de Nazaré.

E aí, no sopé do monte, Ele abriu o LIVRO do Verbo feito carne. Promulgou aos ventos e aos rochedos a Constituição de um Novo Reino, uma Nação Nova, um outro modelo civilizacional, numa palavra, abriu a Revolução. Sem sombra de dúvida, Revolução, porque só fora dos cânones estereotipados e guardados a peso de algemas -  o poder absoluto de então – é que vingaria algum sucesso a Nova Constituição.

Consoante o convite de cada fim-de-semana, proponho a leitura do texto de Lucas (6, 17-25) em paralelo com Mateus (1,1-15), as duas versões da mesma Grande Tábua da Nova Lei. A tradição, os hermeneutas, os poetas, sonhadores de um Mundo diverso, visionários de  um Mundo Melhor,  debitaram-lhe a romântica designação de “Sermão da Montanha” ou das “Bem-aventuranças”. Chamar-lhe-ia também Código da Felicidade Global, ou o mapa circular de um outro planeta dentro daquele que habitamos.

O Nazareno depressa incarnou a irreversível motricidade do tempo. Não havia tempo a perder. Em meia dúzia de normativos compendiou os horizontes da sua Revolução pacífica, mas perturbadora, quase insustentável, porque contraditória aos créditos oficiais. Com efeito, quem acreditaria num Reino onde os desvalores formais da sociedade apresentavam-se como os valores fundacionais desse movimento regenerador, em tudo opostos aos códigos elitistas:  Felizes e Bem-aventurados os pobres, os deprimidos em pranto, os mal-vistos na opinião pública, os perseguidos pelo regime, etc.?”.

As interpretações supervenientes dadas, de forma empírica e distorcida, ao texto das Bem-aventuranças têm ensombrado a beleza e a transparência da Nova Constituição. Jesus de Nazaré, ao ‘promulgar’ a sua Lei Fundamental, impugnava a avareza, a ganância, a exploração e a corrupção que são os vírus geradores da pobreza e do pranto universal.

O “Sermão da Montanha”, de tão sintético e, ao mesmo tempo, tão vasto, figura no topo das mensagens bíblicas de todos os tempos e lugares. Ousarei dizer que se, por trágica ocorrência, se perdessem todos os livros do Velho e Novo Testamentos e só ficasse o texto das “Bem-aventuranças”, pois nada mais seria preciso para instaurar o Novo Reino da Vida, aquela nova ponte, a que se dá o nome de  Religião, não apenas para o século I da nossa era, mas para o século XXI e, daí, para todos os séculos vindouros.

Transformando o mundo, não basta sermos “Bem-aventurados”. É preciso sentirmo-nos “Felizes”!

 

13.Fev.22

Martins Júnior

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

E A SERRA ABRIU-SE EM JARDIM… PELA MÃO INVISÍVEL DO PADRE TAVARES

                                                                           


 

    Poucas as palavras e muitas as obras – é o que se pode dizer da tarde de hoje nesse remoto sítio de Câmara de Lobos, de lindo nome Jardim da Serra. Muito se andou para lá chegar, àquela encosta onde, por entre os verdes velho e moço  brilha, solene,  a antiga Escola dos Moinhos. Brilho maior, porém,  tem lá dentro a sabedoria impressa em milhares de novos papiros, os cerca de quatro mil volumes oferecidos à Nova Biblioteca.

         Foi a grande metamorfose que ali se operou. Da raiz do antigo imóvel da instrução primária, ora desactivado, nasceu um novo e viçoso rebento, o repositório de textos, revistas, semanários, suplementos e manuscritos de há várias décadas, generosamente cedidos pelos familiares do homenageado.  Para além do fecundo e primoroso viveiro enciclopédico que ali se guarda, avulta a dedicatória que ostenta a entrada da sala: “Biblioteca e Centro Documental Padre Mário Tavares Figueira”.

         Todos quantos lá se deslocaram – presidentes e autarcas da Assembleia Municipal de Câmara de Lobos, Câmara Municipal, Assembleia e Junta de Freguesia local, associações culturais, clérigos amigos Padre Paulo Silva, Rui Sousa e Martins Júnior, numerosos fregueses do Jardim da Serra – todos sentiram que, mais que uma homenagem ao titular da Biblioteca, o que ali se passou foi um imperativo do subconsciente latente na alma das coisas e das pessoas, a necessidade telúrica de termos o Padre Mário Tavares presente no meio de nós. Ele dispensa quaisquer mausoléus, embora bem merecidos. Nós é que precisamos de revê-lo, senti-lo e todos os dias segui-lo.                                                                   


         E aí está a Biblioteca como monumento vivo da sua presença. Foi com muito emoção que vi e acariciei os manuscritos do Padre Tavares, os exemplares do semanário “O Caseiro”, poderoso instrumento de aculturação e luta dos colonos madeirenses na abolição do ‘leonino contrato’ da colonia, em cujas fileiras ele e eu nos alistámos e vencemos.

Padre Mário Tavares firmou em palavras e factos a legítima definição de Igreja, a verdadeira Universitas de saberes e deveres, ideologia e práxis concreta, justiça distributiva e dignidade no trabalho. A todos estes segmentos  se dirige a autêntica mensagem evangélica e por eles o Padre Tavares deu a vida.

A enriquecer esta efeméride e numa perfeita osmose com o programa, o Padre José Luís Rodrigues, natural do Jardim da Serra, além de ter doado mais de dois mil volumes, apresentou aos seus conterrâneos o seu mais recente romance “A TRAVESSIA REDONDA”.

Brilhante e justo acontecimento, fruto amadurecido das gentes daquele lugar, ao qual o Padre Tavares deu tudo quanto tinha. Por ser tão pura e descomprometida a homenagem (e por não lerem lá posto os pés as proeminências regionais) as nossas agências áudio-visuais também lá não puseram as mãos.

Outras mãos, porém, e outros corações – sob a liderança do Professor Manuel Neto – a partir de hoje, no chão das macieiras luzidias  e das cerejeiras em flor do Jardim da Serra,  plantaram  mais  uma árvore de imarcescível fulgor: a Árvore da Sabedoria!   

 

         11.Fev.22

         Martins Júnior


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

“PROIBIDO DORMIR NA FORMA” !!!

                                                                                


Impossível passar insensível à beira do ‘monstro’. Fazer-lhe ouvidos de mercador é o mesmo que cair-lhe nas garras e deixar-se sufocar sem poder soltar um pio. O ‘monstro’ de que falo é o  Poder Absoluto, de que tanto tem badalado a opinião pública, a propósito da maioria absoluta saída das eleições de 30 de Janeiro p.p.. Por isso, optei por dar continuidade às reflexões do último blog, com particular acento na responsabilidade do cidadão comum em permanecer vigilante e actuante face aos primeiros rebentos de qualquer eventual prepotência governativa. Aqui, é o próprio povo que ministra a receita: “Antes que o mal cresça, corte-se-lhe a cabeça”.

         Se, desde o início da aventura humana no planeta impera a evidência darwinista – a lei do mais forte ou o poder absoluto  – deve também dizer-se que vem de muito longe o primado da Liberdade, a defesa de um direito igualitário, inerente à condição humana, contra o qual nem rei nem deuses conseguem ultrapassar.

Faz bem recordar a Magna Carta de 1215, no Reino Unido, precedida da Lei das Liberdades, de 1100, em que são determinantes, incontornáveis, as linhas vermelhas impostas pelo Parlamento às tentativas absolutistas dos monarcas: “A Carta de todo o homem digno em qualquer tempo e em qualquer lugar”, assim classificá-la-ia mais tarde Winston Churchill. A Carta da Floresta, designada de ‘segunda carta’, exigia que “ os bens comuns – fonte da subsistência da população geral – fossem rigorosamente protegidos do poder externo, impondo limites à sua privatização”.

         Muita luta sobreveio e muitas foram as vítimas que deram a vida pela instauração e desenvolvimentos da Magna Carta, sobressaindo o parlamentar Henry Vane, decapitado em pleno cadafalso, por ter proclamado desassombradamente (na sequência da famosa ‘Petição de Direitos’) que “a origem de todo o poder justo está na sociedade civil, não no rei, nem mesmo em Deus”. Isto em 1628 !... Passaram-se mais de três séculos (348 anos) para que a Assembleia da República Portuguesa inscrevesse na sua Constituição o mesmo inalienável normativo: “A soberania reside no povo”.

         Interrompo esta viagem no tempo (e tão bem que ela sabe!) para insistir na estratégia mais eficaz para subtrair, direi mesmo, minar pela raiz os atávicos instintos do “monstro”-poder absoluto. Para isso, permitam-me citar um excerto do livro “QUEM GOVERNA O MUNDO?”, de Noam Chomsky, precisamente porque vem confirmar o que assinalei em escrito anterior.  Chomsky, ‘o maior intelectual da esfera pública’, perscruta a ‘ânsia de conceber métodos sofisticados de contolo das atitudes e da opinião pública’, por parte dos EUA em 1960. E afirma sem rodeios:

         “Uma das tarefas primordiais do Comité de Informação Pública dos EUA foi sempre manter a população longe dos ‘nossos pescoços’… Uma preocupação em particular tinha que ver com a introdução de melhores mecanismos de controlo sobre as instituições responsáveis pela doutrinação dos jovens: as escolas, as universidades, as igrejas que, aos olhos dos líderes políticos, não estavam a ser capazes de cumprir a tarefa essencial: a exigência de   medidas para impor moderação à democracia”.

         É isto: a tática mais certeira é atacar as bases – o povo anónimo, opinião pública, escolas, universidades, igrejas. Olhem para a Madeira, a já velha ‘Madeira Nova’, e digam se Noam Chomsky não tem razão…

         É do ADN  de todo o monstro absoluto nunca dormir. E o Zé-Povo, os verdadeiros soberanos da Nação, entretêm-se sonâmbulos com as piruetas do mostrengo, na imprensa subsidiária, nos áudio-visuais, nas festas, nas benesses. Apetece trautear a canção do velho regime: “Lá vamos cantando e rindo, Lá vamos pagando e rindo”!

         Volto a propor: o poder do povo não se exerce só de quatro em quatro anos, é de todos os anos, de todos os dias, nunca permitindo que sob o nosso olhar “o sapateiro-mor e seus apaniguados subam acima da chinela”, como bem observou o famoso Apeles da velha Grécia. Quando um colega é prejudicado injustamente e nós nos calamos – é o monstro que alimentamos.  Quando ficamos “longe dos pescoços dos poderosos eleitos” e nos julgamos inúteis, impotentes, aí aguçam-se as garras do “monstro”, cresce o Poder Absoluto. Entendamo-nos: não é o vértice que mexe a pirâmide (do Poder), são as bases que a sustentam, são as bases que a removem.  

         “Quem se cala com o que está torto está entortando cada vez mais” – dizia-me um sábio ancião dos nossos campos.

         Para terminar o rumo reflexivo que não tem termo, apraz-me aplaudir calorosamente a decisão de um importante sector representativo da vida económica regional quando hoje fez constar na comunicação social que pretende intervir, participando presencialmente, na orientação programática do famigerado Plano de Reestruturação e Resiliência (leia-se: ‘bazuca europeia’), de que a Madeira é privilegiada beneficiária.

         Esclarecendo: é meu dever, mais que um direito, estar atento e escrever sobre a paisagem sócio-política, económica e cultural da terra que foi dada como berço e caminho longo!

  

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        

09.Fev.2022

         Martins Júnior

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

A BELA E O MONSTRO: AS DUAS FACES DO PODER ABSOLUTO. QUEM AS VENCE ?

                                                                   


        É talvez o grande enigma que a esfinge do poder coloca, nesta altura, aos constituintes da soberania, os eleitores, o povo português. O Poder Absoluto! – talismã da paz e da alegria de um povo e, paradoxalmente, o rosto monstruoso do terror e da morte de uma nação, de um império. Por isso associei-o ao mito híbrido “A Bela e o Monstro”.

         Precisaríamos da intuição crítica de um ‘Édipo-Rei’ para decifrar o enigma: saber distinguir quando o Absoluto é a expressão do Bem e do Belo ou quando ele se perverte no seu contrário. E mais: possuir a perspicácia para destronar o monstro e fazê-lo regressar ao seu estatuto originário.

         Escusado será repetir aqui os velhos e sábios aforismos de que “o poder é tão sôfrego como um afrodisíaco” e que o “poder absoluto corrompe absolutamente”. Ademais, temos sobejos e repelentes casos de ditadores absolutos, os de ontem, os de hoje e os de sempre – sim, de sempre, porque as mãos que os fabricam são as mesmas, as mãos humanas.

         Com que jogos de cintura ou com que golpes de montante seremos capazes de apear ou estrangular o monstro de sete cabeças, sete chifres, mil tentáculos?... O mundo derrotou os Nero’s, a Inquisição, os Stalin’s, os Hitler’s, os Mussolini´s, os Salazar’s. Hoje, no aqui e agora, são de outro requinte os cultores do deus Pluto, como nos preveniu o nosso Francisco Álvares de Nóbrega (‘Camões Pequeno’). Quando escrevo ‘aqui e agora’, refiro-me concretamente à arquitectura piramidal do Poder Absoluto, ora instaurado em Portugal pelas mãos dos portugueses. São muitos os avatares e pesarosos os maus agoiros vertidos na praça pública contra aqueles a quem foi entregue o Poder Absoluto. Que faremos nós deste tão cobiçado troféu: a Bela ou o Monstro?

         Sabemos que a Constituição criou firmes e bem descriminadas válvulas de segurança para obviar aos desmandos do poder absoluto: o Presidente da República, o Tribunal Constitucional, o Tribunal de Contas, a Procuradoria Geral da República, a Provedoria da República, Ministério Público e, com foros de legitimidade popular expressamente representativa, a Assembleia da República.

         Não obstante a grandeza e a dignidade deste elenco de escrutinadores oficiais, eles ficam distantes, muitas vezes ocultos à visibilidade do vulgo eleitor. Há outras instituições mais próximas, reais locomotivas da soberania popular, dos seus direitos e reivindicações, tais como os sindicatos, as organizações de base, as ONG’s e afins, cujo conteúdo funcional assenta na vigilância actuante sobre as pegadas do poder. Do outro lado, há os aliados naturais do ‘absolutismo’ institucional, quase sempre (raras são as excepções) comportam-se como correias de transmissão do poder, sob pena de perda de privilégios, senão mesmo de extermínio: são órgãos de informação, são igrejas, são lideranças intermédias vigentes nas comunidades, etc.. Os titulares do poder agarram-se com avidez a determinadas corporações (e estas retribuem-lhes como rémoras subservientes  aos tubarões), formando um corpo de tenazes que, mais devagar que depressa, vão comprimindo o povo até sufocar toda a opinião pública.

         São estes os regimes onde prolifera como num charco de répteis o monstro do Poder Absoluto, caracterizado pela sua capciosa longevidade. Assim o ‘Estado Novo’ nacional, de 48 anos. Assim a ‘Madeira Nova’, da mesma idade.

           Há que encontrar um outro caminho, uma outra estratégia para impedir que “A Bela” se torne um “Monstro”. Em termos directos e eficazes, apraz-me formular o óbvio: As mãos que fabricaram o ‘Monstro’ serão as mesmas que o devem destronar! Mais concretamente: a ressonância democrática e a vigilância fiscalizadora do poder deverão ser o status quo da idiossincrasia de um povo.

Ou seja: o eleitorado, no campo ou na cidade, deveria assumir o seu estatuto, plenamente lavrado na Constituição, Art.3º: “A soberania reside no Povo”. Assim como o governo saído da votação tem o mandato de quatro ou cinco anos, assim também os eleitores deveriam estar atentos, de consciência crítica e esclarecida, durante todo o tempo em que durar a governança do seu país e do seu lugar. A grande derrota do povo não está no dia das urnas, advém da inércia de demitir-se do seu lugar, de costas voltadas, até que chegue o dia de novas eleições.

É este um tema sumamente grato para mim. Gostaria de desenvolvê-lo mais acuradamente. Haverá, ainda, outras oportunidades. De qualquer forma, deixo aqui este apelo: não será nos tsunamis dos tumultos das grandes manifestações de rua (por vezes, necessárias) que se há.de vencer o ‘monstro’ absoluto, venha ele der onde vier. É pela convicção pessoal de cada cidadão na construção do seu país, cortando os instintos megalómanos que surgirem no seu trabalho, no desporto, no ensino, na oficina, na religião, na administração pública. O ‘monstro’ move-se em toda a parte. Alerta total!

Saúdo a nova maioria que vai governar Portugal. E com o mesmo afã convoco os legítimos detentores da soberania nacional – todos nós – a mantermos vivo e autêntico o Poder como a mais Bela produção do ano de 2022,

07.Fev.2022

Martins Júnior