terça-feira, 29 de setembro de 2020

PENSAMENTO SOLTO PARA UMA EUROPA LIVRE!

                                                                          


Neste mar assustado de vagas duplicadas e vagalhões triplicados – ele é o adamastor das Américas , ele é o ‘coronado’  tubarão pandémico, ele é o cortejo fúnebre de proscritos da vida – surge um lampejo de bonança a haver, transfigurado em rosto de mulher, verbalizado em acordes sonoros de uma palavra  de ordem, que se abre em manhãs de esperança e de verdade.

         Vimo-la nós, portugueses, em solo pátrio e ouvimo-la  hoje mesmo, na apresentação do “Plano de Recuperação e Resiliência”. Não é sem um imediato ictus de emoção que se ouve, alto e bom som, e se vislumbra no grande teatro do mundo este – até há pouco tempo – estranho, incomodativo pregão: “Resiliência”. Era um dos tais vocábulos atirados, quase por desdém, à barriga de um outro não menos ‘escandaloso’: Revolução. Resilientes eram os revoltosos, os insatisfeitos, os desestabilizadores da letargia pública, os resistentes à ditadura dos usos e costumes. Até que enfim, viu-se  personificada a “Resiliência”, entronizada em sede própria, pela mão das superiores entidades do país e da Europa.

              Refiro-me a Úrsula van der Leyen,  Presidente da União Europeia, entre nós, semeando punhados de estrelas e punhos de exigências para afastar o “espesso negrume” que avança sobre  Portugal e sobre toda a Europa. Em suma, sobre todo o planeta. A leveza da palava e a feminil elegância do gesto não impediram Úrsula van der Leyen de marcar linhas firmes de conduta político-social para os tempos que  se avizinham,

         De todo o discurso,  em que enumerou os milhares de milhões outorgados a Portugal (onde também se inclui a Madeira) permitam-me destaco em alto-relevo este normativo, soberano, intemporal:

QUE SIRVAM PARA DAR AO PLANETA

MAIS DO QUE SE TIRA DO PLANETA.

         Auspicioso, mas sobretudo duradouro e irrevogável imperativo que deveria inscrever-se no alçado frontal de todos os parlamentos, de todos palácios executivos, de todos os tribunais, de todos os bancos, de todas as fábricas, de todos os empreendimentos!

         Deixarei apenas esse pensamento solto, universal, para que cada um o desenvolva e o concretize:

Dar mais à terra do que dela se tira.

Dar mais ao mar do que se lhe rouba.

Dar mais aos rios do que deles se desvia ou inquina.  

Ao operário – seja qual o seu ramo ou especialidade – dar mais do que se o explora.

Enfim, dar mais à vida do que a vida nos dá.

E retribuir aos outros mais do que eles nos dão!

         Sonho impossível, ambição desmedida, num mundo onde roçamos os dedos e os cotovelos nas esquinas dos ‘tostões’, enquanto outros, cuja  obesidade nem cabe na esfera dos ‘milhões’, arrastam-se lânguida e sofregamente até explodirem, um dia, como a rã da fábula que quis usurpar o lugar do boi.

         Palavra de ordem da Mulher-Europa:

DAR AO PLANETA MAIS DO QUE DELE SE TIRA!

        

         29.Set.20

         Martins Júnior

domingo, 27 de setembro de 2020

APAREÇA QUEM SE LHE COMPARE!

                                                                       


Um guião para a semana. Para a vida. Para a história.

         Ele encanta. Ele remexe com as obscuras e confusas ambiguidades do debate. Ele enche e preenche os ânimos sedentos da luz, da higiene mental, da descoberta da Verdade. E é muito sério o caso em apreço.

         O filho do carpinteiro confronta-se com os Doutores da Lei, os Juízes Ancião do Povo e, ainda para cúmulo, com os Sábios da Escritura e Sumos Pontífices de Jerusalém. Em síntese: o Povo de peito aberto, pé descalço, posto à margem dos privilégios e dos acessos à honra pública, ao palco da sociedade. À sua frente, a “Nomenclatura”, os legisladores e julgadores, os predestinados ao Reino de Iavé e do mundo. Na gíria hebraica, era o pobre pegureiro David contra o supra-guerrilheiro Golias.

          O embate vinha de há anos. A “Nomenclatura” tinha urdido todos os esquemas e redes de pressão social para ostracizar o ajudante de carpintaria e, assim, retirar-lhe a enorme força de apoio, a chamada plebe palestiniana. Mas Ele conhecia o exército armado da dita “nomenclatura”. Feitas as contas,  era a transparência existencial, a franqueza de comportamentos e atitudes, era o Povo, frente à corrupção  envernizada, a hipocrisia mais requintada, a ‘podridão dos sepulcros, branqueados por fora’, como Ele próprio havia já  denunciado.

         O debate era público. Poderia o operário Nazareno arvorar o seu estro retórico de taumaturgo das multidões e fazer tremer ali os alicerces dos tribunais, das sinagogas, as colunas salomónicas do Templo de Jerusalém. Com o poder persuasivo da Palavra, poderia reduzir a escombros os magnatas do império sacro-moisaico ali presentes.  Mas não. Ali estava também o Povo a franja  dos párias,  excluídos da cultura oficial. Era preciso falar a sua linguagem

         Então, o operário pedagogo usa o mais simples e rasteiro vocabulário, ao interpelar os “monstros sagrados” de Jerusalém, recorrendo à cena familiar de um pai que pediu aos dois filhos ajuda para a vindima daquele ano: o que prometeu ir não foi. Aquele que inicialmente recusou o pedido paterno, esse é que esteve no campo a vindimar arduamente. “Que vos parece, vós, Doutores e Sumos Sacerdotes: qual dos dois filhos fez a vontade ao pai?”. E logo responderam os Sábios Juízes: ”Foi o segundo”.

         Estava aberto o debate e lavrada a sentença. Contra eles próprios e por sua própria boca. E o Mestre concluiu frontalmente: “No Meu Reino, vós não entrareis. Vós, Doutores da Lei, Sumos Sacerdotes, Fariseus, ficareis de fora. Sabeis quem vai entrar? Os publicanos, as prostitutas, todos aqueles e aquelas que vós condenais”. (Mateus, cap.21).        

         A fundamentação da sentença deu-a Ele mesmo, no texto citado que vale a pena consultar.

         Não sei que mais admirar neste episódio verdadeiramente estremecedor: se a fina inteligência do ‘discurso’, se a portentosa denúncia contra uma sociedade dominante e hipócrita, se a coragem de Alguém que não perde tempo com subterfúgios e argumentários sofisticados, como acontece actualmente, entre os que pretendem disfarçar escandalosas alianças aos olhos do vulgo ignaro.

Transpondo para os dias de hoje, apareça por aí quem se assemelhe a Jesus de Nazaré e, com palavras e factos, ajude a vindimar a Terra, purificá-la e dela extrair o sumo da Verdade. Ainda que para isso tenha de “ser espremido como as uvas no lagar”!

 

         27.Set.20

         Martins Júnior

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

TOADA DE OUTONO MOÇO

                                                           


Verão que te viram

Outono te verão

Agosto vir-te-am

Setembro ver-te-ão

Crisálida de fogo

Ninfa já em botão

Cama de outono

Onde dorme louro sono

O trigo do verão

 

Se te julgas abandono

Não

És mosto no porão

Das naves de Setembro

Em arcas de verde pinho

Sobre as ondas de Novembro

Até ao cais de São Martinho

 

 Ninguém te cubra de orvalho

Nem de enxoval a retalho

És mais jovem que o Verão

 

Não se aguenta uma paixão

Na mesma ardente estação

E sempre no mesmo atalho

 

Tinhas de vir deus Outono

Filho de Diónisis e de Ceres

Mais doce que as mulheres

E mais gostoso na boca

Que todos os reis em seu trono

 

Gosto de ti

Meu lençol tecido

De folhas amarelas quase secas

No velho chão que sou eu

Nenhuma delas morreu

Nem morrerá

Sem que o sol da primavera

As devolva e reverdeça

No Verão que há-de vir

No Outono que voltará

Saravá! Alleluiá!

 

  25.Set.20

Martins Júnior

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

HOJE COMO ONTEM, É PRECISO…

                                                                       


Quando o dia sombrio anunciava o agonizar do Verão, caíram-me nas mãos, não as folhas amarelecidas de um Outono breve, mas as chamas quentes de um sol nascente que ostentava a bandeira necessária aos tempos que correm: “VENCER O MEDO”-

         Num primeiro olhar, julgar-se-ia uma ordem de combate ao Covid cutâneo que persegue o planeta. Não. O medo era outro. Invisível, subterrâneo, férreo, tenebroso! Medo de falar, medo de olhar, medo de sair a rua. Porque, ao primeiro passo, os encobertos gorilas do regime arrastavam inelutavelmente as vítimas para as masmorras de Caxias, Peniche, Tarrafal.          Definiu-as bem Alexandre O’Neill:

         Rebanho pelo medo perseguidos

         Já vivemos tão juntos e tão sós

         Que da vida perdemos o sentido.

 

         Tempos horríveis os da ditadura em Portugal. Com medo de trair a sua luta e a dos seus companheiros anti-fascistas, é Jaime Cortesão quem descreve a coragem de outro Jaime, de sobrenome Rebelo, preso em Caxias:

         Já tinha o corpo a sangrar

         Já tinha os membros torcidos

         E os tormentos a apertar,

         Louco de dor a arquejar

         Juntou as últimas forças

         Para não ter de falar

         “Antes que fale, emudeça”,

Pôs-se a gritar com voz rouca

E cerce, de uma dentada,

Cortou a língua na boca.

 

Estes e outros testemunhos, de transir de pavor, traz-nos Edgar Silva, o resistente indefectível da democracia na Madeira e em todo o território português, no seu novo livro, hoje lançado na sede da UMa, com a presença de outros tantos que, como ele, têm lutado pelos ideais libertadores nesta Região.

VENCER O MEDO é um comovente, mas consistente, repositório de factos, pessoas – gente como nós! – que construíram a alvorada de Abril, com especial referência à “Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos”, constituída por personalidades de várias orientações ideológicas, políticas, culturais e religiosas, com o objectivo de socorrer os presos políticos e suas famílias sem acepção de pessoas. Assim escreve Frei Bento Domingues, teólogo de fino quilate, defensor dos direitos humanos em ‘tempos de servidão’. E acrescenta no seu excelente prefácio:

“Esta é uma obra que faltava. Novo e interessante trabalho de enquadramento, enquanto movimento social, que exige uma ampla discussão sobre a CNSPP. É a fidelidade à memória, ao presente e ao futuro que o exige”.

A Madeira e o País agradecem a Edgar Silva mais este prestimoso contributo à causa pública, porque, hoje e sempre, também é preciso VENCER O MEDO contra as ditaduras assolapadas  que, como o Covid, espreitam-nos,  quais répteis  invisíveis nas esquinas do itinerário sócio-político de cada cidadão.

 

23.Set.20

Martins Júnior  

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

O ABRAÇO QUE LIBERTA A DIVERSIDADE NA UNIDADE

                                                                    


Seria sem título o nosso encontro de hoje. E sem limites de tempo nem fronteiras de espaço. Se me entenderem como confidência pessoal, falaremos a sós, em estreito convívio, tal qual “uma viagem à volta do meu quarto”. Se, porém, for mais longínquo o eco deste conteúdo, então estaremos todos em ‘sinal aberto’ num amistoso e transparente debate global. No que houver de pessoal, consideremo-lo uma confidência. No que se referir a um âmbito mais vasto, será uma hipótese de foro geral. Por isso, sintetizarei o caso em linhas gerais.

O caso tem a ver com a Unidade da Igreja (mais precisamente, das igrejas), enquanto marca distintiva e condição sine qua non da autenticidade evangélica, tal como ardentemente sonhou o seu Fundador, na Última Ceia.

No tocante à confidência pessoal, tem sido dado como exemplar o novo olhar do actual bispo Nuno Brás para com a igreja da Ribeira Seca. Tecem-se os melhores elogios à sua decisão, bem como às duas visitas que, no espaço de um ano, fez a esta comunidade, em contraste com os outros três antecessores que, durante 50 anos, nenhuma vez exerceram a sua missão pastoral neste templo. Motivos há, superabundantes, para festejar este abraço de Unidade, sobretudo se nos lembrarmos dos sucessivos ataques  perpetrados pela hierarquia diocesana em conluio com a governação política da Região. Entre outros, a ocupação ‘terrorista’ da igreja, em 1985, por 70 efectivos da PSP - sem mandado judicial – e, em Maio de 2010, a proibição da entrada da Imagem Peregrina no adro da Ribeira Seca, a única paróquia que “não mereceu”  tal visita.

Justificadas e desejáveis, pois, todas as manifestações de gentileza, colaboração e simpatia entre comunidade e diocese e respectivos titulares. No entanto, a Unidade não implica unanimismo. Pelo contrário, é na diversidade que mais brilha a Unidade. Na linha do Concílio Vaticano II e do seu corajoso impulsionador João XXIII, bem como o seu continuador, o enérgico Paulo VI, as comunidades de base devem fomentar e manter a criatividade da sua inspiração espiritual e evangélica, como células vivas do Corpo Místico e não apenas  amorfas ‘correias de transmissão’ ou extensões autómatas do centralismo administrativo da Igreja.

É o caso da Ribeira Seca. Durante 50 anos (e, com maior furor, pós-25 de Abril/74) foi vítima da mais degradante perseguição político-religiosa, cujos maquiavélicos contornos um dia serão contados. Apesar disso – e também por causa disso! – esta comunidade fez o seu caminho, aproximou-se da pureza evangélica, redescobriu as raízes que o seu Mestre Jesus Cristo doou aos seus Apóstolos e, da mesma forma e veemência com que estes responderam aos Sumos Sacerdotes do Sinédrio, também esta comunidade afirmou, por palavras e obras: “Mais vale obedecer a Deus que obedecer aos homens”! (Actos, 5, 29).  

E continuou a sua marcha, desobedecendo aos hierarcas da diocese, porque viu-os aliados e serventuários do regime político, homens do poder do mundo e não mensageiros de Deus. Não obstante as prisões arbitrárias, as ocupações, os anátemas, a recusa de Crismas e afins, os baldões injuriosos disseminados por certa comunicação social, apesar de todo o ostracismo a que nos votaram, não baixámos os braços, pelo contrário, purificou-se e enrijeceu-se a nossa Fé: esclarecida, adulta, madura!

  Por isso, o abraço da Unidade não significará nunca o apertar do centralismo autoritário dos obscuros tempos da ‘Regional Aliança’ sacro-política. Ao invés, o abraço da Unidade brilhará cada vez mais na diversidade criativa das comunidades cristãs, a da Ribeira Seca, inclusive. Como foi abertamente verbalizado, há mais de um ano,  na presença do ilustre Prelado: “Gratos pela presença, declaramos a V.Ex. Rev.ma que vamos continuar a aprofundar os motivos e os desenvolvimentos da nossa Fé”!

Afinal, hoje fiquei-me  apenas pela ‘confidência’. Os tópicos fulcrais desta reflexão – Unidade e Diversidade na Igreja Universal – deixarei para outra oportunidade.

 

21.Set.20

Martins Júnior

sábado, 19 de setembro de 2020

1870-2020 --------- A SEDE IMPERIAL DE “O MEU REINO É DESTE MUNDO”

                                                                          


         À hora em que dois olhos serenamente pousarem nestas linhas, já o fogoso Garibaldi entrara em Roma, apoderara-se do Vaticano e o Papa Pio XI resignara-se ali, como prisioneiro voluntário da cidade, sob o domínio de Vitor Emanuel II. Aconteceu na madrugada de 20 de Setembro de 1870. Dissolveram-se definitivamente os poderosos “Estados Pontifícios” e, por outro lado, consolidou-se a unificação de toda a Itália.

Não foi, porém, tarefa fácil a espoliação dos imensos e ricos territórios pertencentes à Igreja de Roma. Eram tempos tumultuosos, de decisivas transformações sociais, políticas, religiosas. Até mesmo em Portugal, ficou famosa a “Geração de 70”, liderada pelo “Grupo dos Cinco”, com Antero, Eça, Junqueiro, Ramalho Ortigão e Oliveira Martins, que revolucionaram o panorama sócio-cultural do país.

Voltando à Itália. Roma e o Papado viram-se coarctados na esfera poderosíssima do chamado “Poder Temporal  dos Papas”. Veio em seu socorro – Quem?...  Nem mais nem menos, o ditador Benito Mussolini que, em 1929, pelo Acordo de Latrão, outorgou ao Papa de Roma o direito de constituir-se como Estado Independente, consignado ao pequeno território da “Cidade do Vaticano”.  Com todo o estatuto jurídico, dotado de Constituição própria e reconhecido internacionalmente como tal. Aí, nasceu urbi et orbi um novo reino. Entronizou-se um novo monarca: o Papa. Truncado, embora, ao nível do domínio territorial (perderam-se os extensos “Estados Pontifícios” que alimentavam o fausto do Vaticano), ganhou o Sumo Pontífice um efectivo lugar de privilégio na moderna configuração europeia e no planisfério da cena política internacional. O Papa – absoluto e plenipotenciário Chefe de Estado!

Perguntar-me-ão o porquê e o interesse deste recurso a 1870. Muito sucintamente, direi que Setembro não é só nosso. Muitos ‘setembros’ rolaram na ampulheta da história. O de 1870, também.  E faz bem penetrar no dentro desse passado. Ainda que doa, é útil e sumamente vantajoso saber de onde viemos. Para que não pisemos terreno escorregadio, arenoso, inconsistente, como se fosse estrutura sólida, fiável. Para que não naveguemos na ilusão do charco, quando afinal há ondas revoltas sob a aparente lassidão da tona de água.

Foi há 150 anos, nesta mesma noite entre 19 e 20 de Setembro. O furacão que abalou Roma, a Europa e o Mundo, pode apreciar-se sob diversos prismas e motivações. A começar pelos seus protagonistas: Garibaldi e Vitor Emanuel – Pio XI e Mussolini. Estado do Vaticano e Santuário Divino. Papa Representante de ‘Cristo na Terra’, Pastor de Evangelho e, no mesmo tronco e na mesma cabeça,  Monarca Absoluto, com direito a diplomatas e embaixadores políticos (exclusivamente políticos) em todas as nações, aos quais atribui o seráfico título de ‘núncios apostólicos’. Embaixadores de um pobre pescador chamado Pedro… Até já manifestei a colegas e superiores hierárquicos esta tremenda dificuldade de vislumbrar dois ‘irmãos siameses’, (simultaneamente, incestuosos e contraditórios) num mesmo corpo, ficando sem saber-se onde acaba um e começa o outro.

Falo assim, porque sou pertença de um movimento social, espiritual e salvífico, iniciado pelo operário de Nazaré, que não tinha eira nem beira, “nem sequer uma pedra onde reclinar a cabeça”. 

Falo assim também porque leio nas entrelinhas de Francisco Papa um veemente anseio de regressar à nascente do cristianismo, livre dos poderes e haveres sumptuosos dos impérios mundanos, inclusive o do estatuto de Chefe de Estado. Mas, na sua corte, há quem não queira e o ameace de suspensão e excomunhão, se tal fizer.

Na noite de Giuseppe Garibaldi, oxalá chegue o tempo de apagar no frontispício do Vaticano o tentador arco de triunfo “O Meu Reino é deste mundo” e substituí-lo pela ordem identitária do Mestre, diante do tribunal de Pilatos: “NÃO, O MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO”!

 

19.Set.20

Martins Júnior

 

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

SEGURA-TE!

                                                                       


Sem pessimismo nem aventureirismo, dou comigo em espectador extra-terrestre a olhar o grande circo em que o mundo se tornou, entalado entre pandemias e pandemónios. Andamos todos a atravessar o periclitante fio de arame sobre aquele misterioso desfiladeiro, cuja distância é a mesma que vai do berço  à sepultura. Muitos cambaleiam e estatelam-se definitivamente. Poucos são os que se seguram e chegam ao fim.

         Não admira, pois, que sejam sem conta as receitas que as farmácias têm de aviar, na sua grande percentagem, os ansiolíticos. Caídos do arame, navegamos como baratas doidas no ‘poço da morte’, rodopiando sem destino entre baforadas sem freio que se entrechocam e nos esfrangalham corpos, neurónios, lazer, sono, saúde física e psíquica.

Na realidade, quem e como  poderá suportar-se esta ameaça galopante de viroses coronadas, mas fatais, no país e no mundo?...  Logo, logo acorrem os mortos (velhos e novos), juntam-se os corruptos (administradores da justiça) mais os do futebol e os banqueiros. Clamam as bocas vítimas do desemprego, arrepiam-nos ranchos de refugiados, as crianças deles e outras, as nossas,  recém-nascidas e abandonadas nos lugares públicos ou nos contentores de lixo. Quem aguenta viver nesta pocilga ‘serena’ e assassina?...Até nas aras de culto, quem suporta as dezenas de milhares apinhadas num santuário, orantes impunes e místicos?... Os mesmos que amaldiçoaram  idênticos  ajuntamentos de diferente conotação, mas  de melhor organização.. E os donos do mundo, às avessas, promotores do genocídio  pandémico, dentro e fora do seu território?!...  E as guerras vaticano-religiosas para derrubar o Chefe Supremo da Cristandade?!... Que mundo é este?!... Quem nos segura?!... Aí andam os suicídios, fantasmas ambulantes em desaforo!

Procure cada qual o seu arrimo, construa o seu bordão de convicções e esperança! Fixemos o nosso ânimo naquele personagem que deambulava alvoroçado na praia por entre as muitas vítimas do naufrágio ocorrido no navio em que viajavam. Todos choravam a perda dos seus haveres Só o homem, sem nada sequer com  que se cobrisse, saltava entusiasmado E bradava “Omnia mecum porto” – Eu trago tudo comigo, eu cá não perdi nada!  

            Era um filósofo, um sábio.  A sua riqueza e a sua força guardava-as

dentro de si. E com elas, as suas armas, enfrentava, seguro, a adversidade. Com elas, as suas convicções, reconstruiria, firme e confiante,  o mundo de amanhã!

         No pandemónio das pandemias sociais, culturais, políticas, económicas em que somos forçados a viver, quem nos segura? Onde te aguentas? Onde me aguento?

         Fica de pé a palavra de ordem - o teu, o nosso talismã:

SEGURA-TE!!!

                 

         17.Set.20

         Martins Júnior

terça-feira, 15 de setembro de 2020

“VINHO NOVO DA MADEIRA”

 

POSTAL DE VERÃO 8

                                                 


Chega ao fim a mais votada de todas as estações do ano.  Neste Verão de 2020, só o sol foi campeão. Mas nem ele nem a praia nem o azul de céu e mar viveram a liberdade de estar connosco. Um ‘gorila’-fantasma omnipresente nas peias do medo amarrou-nos de tal jaez que não nos permitiu viver em plenitude as dádivas da estival natura. Ficaram alguns postais evocativos da mais brilhante estação do ano. Postais de outros verões perpassaram, longínquos, neste blog doméstico, como quem desdobra fotos antigas, à mesa de família. Hoje será o último. Evoca o baptismo de Baco na pia do lagar caseiro. É uma canção entusiasticamente cantada e coreografada todos os anos pelos jovens da Ribeira Seca, nas festas de Verão. Faz parte do CD, intitulado “Terra da Minha Saudade”. A vindima é luta. No lagar a uva geme e morre. Os ‘borracheiros’ transportam o mosto pelas veredas do Larano. E à nossa mesa, o vinho é festa!

 

VIVA A ALEGRIA DO POVO

QUE É ALEGRIA VERDADEIRA

AS UVAS DÃO VINHO NOVO

VINHO NOVO DA MADEIRA

 

A uva nasce da terra

Da luta do lavrador

Da uva se faz o vinho

Para a Mesa do Senhor

 

Toma lá moça bonita

O cestinho de uva preta

Também leva este recado

Contigo ninguém se meta

 

O povo está amargurado

Está morto de trabalhar

Temos vivido espremidos

Como as uvas no lagar

 


Vem-se do Norte p’rá rua

Já passámos o Larano

Acabámos a vindima

Quem quer mais venha p’rao ano

 

15.Set.20

Martins Júnior

domingo, 13 de setembro de 2020

UM DIA NOVO!

                                                                                


Imagens há que valem mais que mil palavras. E breves episódios que condensam uma longa história. E também lugares tão exíguos na sua dimensão geográfica quanto imensos e eloquentes na sua semântica  territorial..

Passaram-se na Ribeira Seca a imagem, o episódio e o local E conta-se em três parágrafos.  Breves na escrita, mas opulentos de análise. É como o demonstra a gravura.

1960 – desenhado no chão embutido de calhau roliço da ilha. Atesta, como em rico pergaminho, a data da descentralização da matriz de Machico, por decreto do bispo diocesano David de Sousa. Podemos afirmar que foi o ano da emancipação da Ribeira Seca, onde desde 1692 Francisco Dias Franco mandara erigir a pequena ermida de Nossa Senhora do Amparo. Foi o grande salto, em termos administrativo-canónicos, para a autonomia das gentes rurais, conferindo novas centralidades e focos de desenvolvimento.  À semelhança de outras novas paróquias então criadas, o exíguo território ribeira-sequense, marcado por três séculos de colonia quase esclavagista, ganhou consistência, valor, lugar no mapa. Foi a Igreja madeirense quem logrou tal feito, de consideráveis consequências de ordem sociológica.

Um bispo – que veio apagar o rasto viscoso e sujo dos seus antecessores pós-Abril. Há quase cinquenta que o  prelado madeirense , responsável por toda a diocese – e  já lá foram três – sempre                                                                                                                                                     se recusou a visitar os diocesanos da Ribeira Seca, um historial de contornos  miserandos, escandalosos. O bispo, na foto, no espaço de um ano já efectuou duas visitas, que o povo registou e agradece.

Um pároco –precisamente o da igreja-mãe, a matriz de Machico. Foi ontem empossado como novo pároco da cidade. Tal como a do bispo, a sua presença sublinha um avanço civilizacional e religioso, visto que, desde a mesma altura (há quase cinquenta anos) foram nomeados vários párocos para a Ribeira Seca e nunca nenhum deles  lá pôs os pés, agravando-se este fosso com diatribes, imprecações e anátemas contra o templo e contra o povo da Ribeira Seca. A concelebração realizada entre as personagens da foto-acima abriram uma nova era no atribulado percurso desta localidade  e da própria diocese, dado que hoje pregou-se – e mais que isso – concretizou-se o sonho da unidade: a Diocese e Machico deram uma prova assertiva do que é ser cristão!

Apesar da chuva,  houve festa – não arraial, por respeito às orientações das autoridades sanitárias. Mas houve festa verdadeira, em que o espírito, a alegria, a paz e a concórdia foram protagonistas, pela mão da juventude bem presente no desempenho das canções alusivas ao acto.

Omiti propositadamente os nomes dos intervenientes, (já conhecidos) co-autores deste feito. Porque o seu gesto ultrapassa a individualidade pessoal da sua identidade, para alcançar horizontes intemporais e necessários ao mundo e à Vida. E à crença. E à espiritualidade. O que se passou na Ribeira Seca, em 13 de Setembro de 2020, ficará como um marco histórico nesta escassa localidade, mas poderá também arvorar-se como bandeira de amor fraterno e como proposta de paz entre as Religiões e entre as Nações.

Definiu-o já o génio teológico de Hans Kung: “Enquanto não houver paz entre as Religiões, não haverá paz entre as Nações”!

 

13.Set.20

Martins Júnior

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

POR QUEM OS SINOS DOBRAM… E POR QUEM A TERRA CANTA!

 

Postais de Verão 7

 


Enquanto houver mundo e os homens não perderem a memória, há-de ficar o 11 de Setembro como o Dia de Finados que marcará para sempre a ponte entre dois séculos!

Um dia… que foi noite perpétua, onde os sinos não param o dobre intermitente e inquietante por algo e por alguém que nunca deviam ter nascido – a hediondez humana!

11 de Setembro: a capicua anti-ela mesma e que por isso nem as cinzas mereciam ser notadas, se não fosse aquele Postal de Verão, vivo e mimoso: uma flor, de um fúlgido amarelo-sol do meio-dia, erguendo-se, infantil e livre,  por entre os degraus que os nossos pés pisam quando passam.

Oh portento da vida!

Oh inaudito parto do betão opulento e da terra inexistente!

Ali nascera a dádiva do imprevisto e impossível amor, que jamais alguém sonhara.  

E se “a acácia serena” da Toada de Portalegre enchera de verde a alma dorida de José Régio, aqui no vão destes degraus ficariam meus olhos ajoelhados e todo o meu ser em prece orante junto àquela corola de luz iluminando a noite de finados que o monstro-homem criou em 11 de Setembro.

Livro aberto sob os meus pés, conto de fada viva com que sonho por entre os pesadelos dos muitos 11 de Setembro que povoam o negrume dos mortais…

                  


Aprenda a dureza cruel do homem perante o ‘milagre’ do cimento insensível e bruto que deu ao mundo o beijo apolíneo, claro e belo da minha flor, nascida nos degraus do meu quintal.  

 Por isso, contra os sinos que dobram, a terra toda canta!

 

11.Set.20

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

“ROBOTS” – ou - CIDADÃOS?

                                                                   


Uma vaga de esperança, mesmo que não passe de ilusória, invadiu a atmosfera desafiando o fantasma  - oxalá seja só fantasma – da ameaçadora segunda vaga do Covid, que em vez de catalogar-se de ‘19’ subirá um furo e passará a ‘Covid/20’. Refiro-me à reabertura das escolas, com a revoada de crianças e adolescentes que encherão de esperança e ventilação saudável o ambiente carregado em que vivemos.

         Mas há sempre um avejão quase sinistro a infiltrar-se no meio da sala de aula. É o “alma-negra” da desconfiança, do medo, da híper-escrupulose que põe toda a turma em estado de transe. Chamo-lhe “alma-negra” associando-o ao pássaro das nossas Ilhas Desertas, cuja cor e cujo voo à queima-roupa desestabilizam o visitante incauto.

Ora o dito bichinho voador apareceu por aí num denominado “Manifesto” de 100 asas, 100 (ou 200) mãozinhas angélicas,  acetinadas, tutelares. Assinaram um protesto contra um programa chamado “Cidadania”. Foram mais além e tomaram a forma daquele mítico réptil do paraíso edénico e amotinaram pais e filhos com este tremendo ameaço: “Não toquem nessa árvore, porque se a tocardes, ficareis sábios, esclarecidos, sabereis destrinçar o que é Bem e o que é Mal”!

         Já muito se tem escrito sobre o dito ”Manifesto”. De modo que vou ater-me apenas a dois marcos essenciais, qual deles o mais determinante.

         Primeiro. O programa escolar titulado de ‘Cidadania é aquele do qual nenhum aluno, nenhum homem, nenhuma mulher podem prescindir. Ousarei mesmo afirmar que ‘Cidadania’, numa escala de valores essenciais,  está antes da alfabetização, da especialização, de toda a gama de títulos académicos. ‘Cidadania” é a cadeira maior de todos os cursos. Precisamente porque ela ensina a circular nas grandes vias ou nos estreitos atalhos da vida. Ela é o ‘GPS’ de todo o “homem-em-situação”, de todo o migrante do planeta. Sem ela, seremos sempre uns desadaptados da sociedade, irremediavelmente infectados da terrível doença da anomia, como a classificou o eminente sociólogo Émile Durkheim, a qual patologia que desemboca, não raras vezes, no suicídio.

         A  área  de ‘Cidadania’ integra a verdadeira Universitas de saberes, tanto o metafísico como o científico e o experimental. Ela consubstancia a autêntica Universidade, no seu sentido mais profundo e abrangente. Ensina o jovem (toda pessoa, mas sobretudo o jovem imaturo) a posicionar-se perante a encruzilhada de valores e desvalores com que ele inelutavelmente terá  de  confrontar-se na babilónia dos dias, durante todos os anos que durar a sua trajectória  existencial. Sem a Cidadania’, teremos bons especialistas, sumidades sectoriais, peritos imbatíveis, cada qual  em seu saber particular e no segmento singularíssimo da sua profissão. Teremos géníos talvez  Prémios Nobel, astronautas, etc..  Em síntese: teremos robots infalíveis, mas não teremos CIDADÂOS! Já os antigos, na civilização greco-romana, consideravam o Trivium e o Quadrivium   como a “porta de entrada” para o ensino superior.

         O segundo marco desta breve abordagem estaciona diante do expoente máximo da hierarquia religiosa portuguesa, com sede em Lisboa. Também untou, com óleo cardinalício entre os dedos, o dito panfleto Anti-Cidadania. Aqui, por pruridos de odor sexual. Como se falar de ‘Cidadania’ fosse só falar de sexo…  Convém esclarecer que a sua assinatura não vincula os bispos de Portugal. Porque o tal Manifesto não foi à mesa da CEP, Conferência Episcopal Portuguesa, presidida pelo nosso conterrâneo, o bispo José de Ornelas, o qual (do quanto lhe conheço) nunca cairia numa tão escrupulosa quanto ridícula ingenuidade. De qualquer jeito que se lhe pegue, sempre sugeriria ao signatário purpurado lisbonense que lesse o seu homónimo, Clemente de Alexandria, o prestigiado e sábio bispo do século II (há 1800 anos!)  que sem traumas e desassombradamente ensinava os seus diocesanos nestes termos: “Porque é que havemos de ter vergonha de falar naquilo que Deus não teve vergonha de criar?”.

         Peço a quem me acompanha neste diálogo digital que complete o muito que eu desejaria desenvolver nesta tentativa pedagógica, sobretudo no que se refere à educação da adolescência e da juventude que se vêem sem defesa perante os emaranhados tempos que correm.

         E acima de tudo, a CIDADANIA!!!

        

09.Set.20

         Martins Júnior