segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

“O FATÍDICO 31 DE JANEIRO”…

                                                                    


Foi na noite de 30 de Janeiro. O supremo árbitro da Nação – o Povo Português -  deu por terminada a grande partida no estádio verde-rubro deste país. E o que se viu  foi o flagrante contraste, tal qual a finalíssima de um campeonato mundial: de um lado, a euforia transbordante dos campeões e, do outro, a mal disfarçada, desesperada angústia dos derrotados.

         Mas hoje é o “31 de Janeiro”, uma data histórica, desde há muito inscrita na toponímia das cidades portuguesas. Hoje, porém,  tempo de retrospectiva, estação de balanço e análise, trago apenas ecos remanescentes de uma campanha que vale a pena reouvir, passada que foi a refrega dos contendores em cena. Deixo para os especialistas na arte da política os comentários de índole científica.

Detenho-me tão só na versatilidade do ser humano que, pelo discurso e pela reação sensitiva, protagoniza atitudes das quais mais tarde, mesmo que não se arrependa, torna-se objecto de irrisão, senão de repúdio e degradante contradição. Em linguagem popularizada, tudo se resume ao velho adágio: “Cuidado! Quem cospe para o ar cai-lhe na cara”.

         A começar pelo líder do principal partido opositor – o dr. Costa sabe que vai perder e eu aconselho-o a que aproveite o tempo da campanha para aprender a perder com dignidade – o resultado foi ver escorrer-lhe o na pele, nos olhos e no nariz  o digníssimo antigénico que tinha receitado para o adversário. Quem cospe…

         Da parte do sábio e experiente Jerónimo saiu um daqueles elefantes que ele próprio devia ter engolido na mesma hora: o dr. Costa é que quis provocar estas eleições pela ambição de uma maioria absoluta. E o vetusto guerreiro nem se deu de contas que foi ele mesmo quem ‘ajudou à festa’, isto é, fez o favor ao adversário quando chumbou o Orçamento. A ‘bomba atómica’ rebentou-lhe nas próprias mãos…

         Quanto aos novos ‘quase caloiros’ da direita, queriam acabar com o socialismo e, para um deles, o objectivo maior era correr com o dr. Costa do governo. O resultado viu-se no dia 30 à noite! Verdade que aumentaram o seu pecúlio em 20 deputados: 12 para um e 8 para o outro. Mas aí agradeçam à já rodada líder da extrema esquerda e ao seu aliado que, sentados lado-a-lado no paiol do Parlamento, detonaram a ‘bomba’ fatal. Depois, foi o que viu: nas hostes bloquistas, dos 19 que tinham, perderam 14; e do seu aliado, dos 12, perderam 6. Contas feitas 14+6=20. Precisamente os 20 que foram parar direitinhos à extrema direita. É obra! Um abriu-lhes a porta, a outra abriu-lhes o portão…

         É extraordinária a capacidade bélica desta extrema esquerda que solenemente apostrofou na campanha: Desafio e convoco o dr. Costa a reunir-se connosco na segunda-feira, 31 de Janeiro. Para formar governo, claro. Só com 5 deputados… quando Costa tem 117.

         Digno de uma divertida rábula de teatro-de-revista à portuguesa foi o convite-empurrão de um jovem líder democrata-cristão: vamos mandar o dr. Costa para casa cuidar dos netos. E por uma estranha magia quem foi para casa (portanto, fora do Parlamento) foi o jovem líder…cuidar dos avós!

         Aqui também são chamadas à colação as proféticas empresas dos resultados, promovidas e anunciadas pelos imponentes galões de “Sondagens”. Porque os números falam por si, dispenso-me de comentários supérfluos, aconselhando, quando muito, os doutos empresários a mudarem de cartilha cartomante ou, em alternativa, consultar o “Livro de São Cipriano”…

         É incomensurável o estendal das produções confecionadas, ruminadas, vomitadas pela criatividade enviesada de ditos e escritos despejados a céu-aberto, denegrindo e malsinando os atletas que não são da simpatia política dos seus criadores. Respigarei apenas dois deliciosos excertos representativos  de uma espécie de matriarcado moderno, uma mulher entre homens, Expressamente lavrada numa conceituada Revista lisboeta:

         A agonia de A.Costa pode ser longa…Costa, tenham paciência, acabou. Enterrem-se os mortos e cuide-se dos vivos, segundo o marquês (de Pombal). Este governo morreu.

Esta clarinha, claríssima e emplumada sentença foi promulgada há quase um ano, 05/02/2021. E hoje, o governo ficou mais vivo que então. O outro capricho literário vem na mesma Revista, mimosa prenda de Natal, em 23/12/2021:

Costa perdeu muitos corações do PS que votarão em Rui Rio. Há limites para a estupidez… Estamos cansados. No dia 31 de Janeiro, Costa pode ter perdido tudo, depois de perder a cabeça.

Chegados ao “fatídico 31 de Janeiro”, é caso para dizer: Com pitonisas destas, não precisamos de ir à bruxa da esquina!

 São estas e similares, algumas  das e dos opinadores a quem se entrega a informação de que os portugueses tanto precisam. Ainda bem que há liberdade de escrever, liberdade de ler e conhecer quem é quem na ‘literatura vernácula’ deste país. Melhor ainda constatar a veracidade do velho brocardo latino: Verba volant, scripta manent – “As palavras voam, mas os escritos permanecem”… para sempre!  

 

         31.Jan- 01.Fev.2022

         Martins Júnior

sábado, 29 de janeiro de 2022

REFLEXÃO PARA VALENTES E PERSISTENTES !

                                                                     


Bem se merece um Sábado quieto depois de uma semana frenética. Afora os agitadores profissionais das praças partidárias nesta noite de agonia expectante, o remanso deste Sábado faz-nos entrar num deserto. Deserto de reflexão, análise de projectos, pessoas e decisões.

É o que faço todos os fins-de-semana, inspirado no LIVRO, estuário imenso onde todas as rotas se cruzam e todos os pensamentos se encontram. Por isso, reconduzo-me hoje também à reflexão axiológica, na esteira da crítica que o Nazareno teceu à escala dos valores-padrão vigentes no seu tempo e lugar. Se consultarem o capítuo IV, 21-30, do evangelista médico Lucas, ficará facilitada a minha comunicação. Resumindo:

Os valores de então não diferiam substancialmente dos que hoje correm no câmbio de uma sociedade classista, onde o estatuto social, a árvore genealógica, a toponímia e o a geografia de berço ganham foros de poder e condenam às galés (leia-se:‘valetas’) quem não alinhar pela mesma cor, pelo mesmo sangue ou pelo mesmo clã. O Líder Taumaturgo da Galileia sofreu na pele o duro aguilhão da descriminação social e territorial que, no caso, consumava-se no segmento da descriminação racial. É filho do carpinteiro, ainda por cima é galileu!... O “Doce Rabi” não fez por menos e ripostou: Só na sua terra o profeta é mal visto e desprezado. E – informam  textos paralelos – voltou as costas e dirigiu-se a outra região, Cafarnaum, onde ensinou e operou espantosas curas.

Quão versátil, injusta e falseada é a tabela de preços no hipermercado dos valores! Nesta “sociedade líquida”, como a classificou Zygmunt Bauman, os valores esvaem-se pelos dedos do tráfico, pelas hidras das magistraturas várias, pelos veludos da corrupção – “Compra-se tudo, vende-se tudo”, sentenciava a Velha Senhora, de Friederich Durrenmatt – na banca, no empresariado, na política e até na religião.

Casos exemplares têm confirmado a trajectória persistente de madeirenses vencedores além-Ponta de São Lourenço. Na Igreja, nas Universidades, na Música, no Desporto, na Literatura, no Ensino, mercê da competência e da consciência profissional com que desempenharam o seu múnus. Tiveram de sair, porque se cá ficassem seriam encadernados, encaixotados ou, pior, postos em hasta pública à irrisão de governantes, imprensas, áudio-visuais e quejandos. Cito o mais recente, o Bispo José de Ornelas, nomeado para a grande diocese de Leiria-Fátima. Natural do concelho de Machico, freguesia do Porto da Cruz, granjeou simpatia e sereno ‘empoderamento’ noutras paragens, unindo no mesmo tronco a simplicidade, a modéstia e o talento. Parabéns e Sucesso.

Nunca se sabe onde se escondem os verdadeiros valores, os genuínos. Sob um chão aparente de folhas outonais, podem florir revéberos de viçosas primaveras. Meus olhos o viram quando menos esperava. Tendo acabado de adquirir o último  livro de Thimoty Radcliffe, o grande teólogo e espiritualista O.P., deparei-me na rua com um motorista agarrado ao volante do seu camião, enquanto o ajudante descarregava mercadoria. Um camionista normal, igual aos outros. Olhou-me as mãos e disparou: “Tem aí um grande livro”, ao que perguntei, de imediato: “Mas… já o leu?” – “Já li, sim senhor. Tem aí um grande livro”, repetiu.

Quem tal diria?!...Lição antecipada, ministrada por um – aparente – simples trabalhador! Passará quase incógnito diante de muitos empresários, fornecedores, comerciantes, montes de mercadorias. Mas, afianço,  ali vai um intelectual, um pesquisador da verdade. Pouco lhe importa o conceito que dele tenham os outros. Ele é o genuíno “Operário em Construção” – diria Vinicius de Morais!

Seja embora efémera e líquida a sociedade, construamos a ponte sólida da nossa passagem sobre a corrente! O Pensamento, a Acção!!!

 

29.Jan.22

Martins Júnior     

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

A BOMBA ATÓMICA NAS MÃOS DOS ‘PEQUENOS’

                                                                


Espero não vir a arrepender-me do desabafo que deixo neste breve resumo. É resumo e é breve, quase em estilo telegráfico.

Certamente não terei de penitenciar-me se disser que paira no ar português – e  mexe connosco - a sensação de um país à beira de um ataque de nervos. É no comprido  turbilhão das ruas estreitas, é no televisor do nosso quarto pacato, é nas largas portadas empinadas nas paredes, é nos directórios dos partidos com gente a roer as unhas, enfim, a babel dos comentadores ‘feitos ao bife’ e as apostas raspadinhas a disfarçar neuroses.

Tudo isso, porquê?

Pela “Bomba Atómica”, de competência exclusiva, reservada ao mais alto magistrado da Nação. A interrupção involuntária  de uma governação com direito ao normal quadriénio de vida  teve, desta vez, outros extirpadores (o desqualificativo é metafórico mas cumpre), outros especialistas contra-natura, visceralmente, politicamente, socialmente  nos antípodas um do outro, militantes em guerra mútua, mas comparsas unidos na mesma cruzada de ‘bombistas atómicos’: De um lado, o grupo fabricante do fatal explosivo, sem dúvida o maior e o mais poderoso; Do outro, o reduto, um pequeno grupo, aparentemente inofensivo, tinha nas mãos o detonador.

Tolo, ingénuo – para não dizer o principal arguido – o reduto não resistiu à tentação de juntar-se ao gigante (a velha ambição da rã tornar-se  boi) e, vai daí, acciona o detonador e…faz a ‘festa’, assim a modos de um divertido bowling entre colegiais, sem pensar que isso iria mexer com milhões de pessoas,  doentes e confinados, com a economia, com o país face à Europa. Gente pequena, seja qual o escantilhão com que se a meça…

O lucro maior correu logo para o ‘fabricante’ da bomba, ciosamente e desde há muito guardada. Para o fabricante e respectivos aliados. O grupo dos ‘pequenos’ franqueou-lhes a porta de entrada. Ingénuos! Então não sabiam que o assaltante está sempre à espreita da primeira oportunidade?! E assim aconteceu. Agora, aguentem-se, trepem todos os dias o muro das sondagens e adivinhem o fim. Não aprenderam nada com 2011… Oxalá não lhes suceda a tragédia do jovem bombista, cá do arquipélago, que acabou por ser a única vítima da bomba assassina que transportou nas mãos…

 Não é sem um mar de mágoas que escrevo. Sobretudo porque isto ainda não acabou. ‘Pela aragem se conhece quem vai na carruagem”, diz o velho adágio. E pelos ares que respiramos neste final de maratonas, parece que a sina deixou rasto: “a bomba atómica” pode vir a ficar nas mãos de um outro reduto, ainda mais pequeno. Bem avisou Tomás de Aquino: “Aquilo que, no início, parece um pequeno desvio provoca um tremendo desastre no seu términus”.

Por tudo isto, conto dizer PRESENTE no próximo Domingo!

 

27.Jan.22

Martins Júnior

 

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

C*D*E* - CHARADA DE CASINO OU VIOLÊNCIA DE “CONTRABANDISTAS” ???

                                                                      


        Não tinha intenção de entrar nesse vespeiro jogado à frente das nossas portas e enxameado  para dentro das nossas casas. Mas, porque continua a bater também à minha porta, pelo menos até domingo, lá vai a minha indignação.

         O meu asco tem o tamanho da minha indiferença, originando uma visceral repulsa e, ao mesmo tempo, um enfadado sem-vontade de o escrever. São três os figurantes e começarei de frente para trás:

         Primeiro vem o pelotão “E” e, em terceiro, o batalhão “D”. No meio, fica o incumbente ou inquilino “C”, cujo contrato de arrendamento é válido por quatro anos.

“E”  e “D”  são inimigos figadais desde a raiz dos cabelos até às unhas dos pés. Mas une-os um diabólico desejo, indomável apetite: matar o inquilino “C”, fosse qual fosse o plano, nem que tivessem de dormir os dois, ao menos uma noite, na mesma cama. Ao inquilino “C” sobrevieram depois imprevistas dificuldades, anemias, endemias, a família infectada, a vizinhança também.

Os ferozes inimigos trocam olhares furtivos – é agora ou espera-se que o ‘gajo’ caia, deixa-se para outra noite.  Entretanto há quem prometa um avultado cheque ao convalescente, parece que a família e a vizinhança recuperam e renasce a esperança de um quadriénio em paz e segurança na aldeia. E é aí, numa inspiração cirurgicamente consumada que os figadais  amigos-inimigos decidem: Agora ou nunca! Nem mais um instante! Antes que o ‘gajo’ se levante, vamos liquidá-lo, entre nós dois a lei está feita: ‘um diz mata, o outro diz esfola’.

E com um sangue-frio de estremecer muralhas, na praça pública, os dois ‘amigos-inimigos’ arremessaram-se à uma e, com rio e sem pio, afogaram o indefeso “C”. O pior é que pôs toda a vizinhança em alvoroço, com vespeiros a bater nas janelas e nos ecrãs dos televisores, doenças e endemias a crescer, gente baldeada de um lado para outro. E o pandemónio ainda não acabou, vai até domingo à noite.

     Porque não há pachorra para dourar a pílula, já se desvenda a charada: podem colocar “E” na Esquerda, o “D” à Direita e o “C”, por ser inquilino, é tudo menos Centro. Foi o inquilino derrubado.

Sem mais preâmbulos: o furor dos ‘contrabandistas do poder’, jogadores calculistas profissionais da roleta russa, aguardaram o depauperamento da nação, a pandemia que agravou um milhão sem médico de família, calcularam mais um milhão de confinados no almejado dia 30, lobrigaram como famélicos agiotas a bazuca europeia … e zás! Não se o deixa levantar cabeça! A sofreguidão tresloucada pelo poder nem deixou o Orçamento seguir o normal curso regimental até à especialidade e votação final global! Mataram o mandato de quatro anos na própria ‘barriga da mãe’… Tanta foi a pressa, tanto foi o furor|.

Se a alguém feriu o meu desabafo, lamento. Mas tenho também direito à minha indignação. Por mim e pelo desconcerto importuno e inoportuno, agarotadamente extemporâneo, que causou a milhões de cidadãos, jovens e idosos, mais a mais, sobrecarregados com dificuldades de vária ordem.

 

25.Jan.22

Martins Júnior  

 

domingo, 23 de janeiro de 2022

DA ANATOMIA FISIOLÓGICA AO DIAGNÓSTICO SÓCIO-ECONÓMICO-RELIGIOSO

                                                                       


        Domingo aberto e entramos no reino dos coloridos (que não os mais apetecidos) sinais de alerta em vários registos, desde a meteorologia ao desporto e à refrega eleitoral. Hoje, porém – e porque é início de semana – abstraio-me da barafunda das arenas para concentrar-me no meu recanto habitual: o LIVRO.  Convido-vos a uma descoberta, aparentemente contra-natura, qual seja a de sinalizar na personalidade de Paulo de Tarso, o fogoso Apóstolo das Gentes, um especialista em anatomia laboratorial dirigida à diversidade e, paradoxalmente, à unidade metabólica do corpo humano.

         Vem naquela Carta memorável que escreveu aos habitantes da cidade de Corinto, a Primeira, capítulo XII. Depois de ter integrado na mesma síntese a multiplicidade de talentos e carismas próprios de cada ser humano – sempre para o bem comum – Paulo de Tarso recorre à belíssima alegoria do corpo para, em jeito de “Pão partido aos pequeninos”, do clássico Padre Manuel Bernardes, transmitir que ninguém consegue sobreviver enclausurado na torre de marfim da sua auto-suficiência. Somos sempre o pobre de alguém. Respigo apenas dois parágrafos:

         Há muitos membros. Mas um só corpo…O olho não pode dizer à mão:’Não preciso de ti’. E a cabeça não pode dizer aos pés: ‘Não preciso de vós’…

         Se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele. E se um membro é enaltecido, todos os  membros se alegram com ele…

           O recurso estilístico a esta figura dá-nos a amplitude do sentido didádico do Autor da Carta, abrindo pistas para os grandes horizontes da condição humana, vincadamente numa política igualitária de distribuição de recursos (“que ninguém fique para trás”), na democratização da cultura e na vivência dos valores espirituais, culminando esta visão cósmica na construção do “Corpo Místico de Cristo”, em cuja concepção se apoiaram grandes teólogos (inclusive os da denominada Teologia da Libertação) e, já antes deles, o eminente cientista Teilhard de Chardin.

         Deixo à consideração de cada um as virtualidades revolucionárias condensadas numa Carta que ultrapassa as fronteiras milenares de Corinto e penetra em todo o tecido da história humana, a nossa, a actual, a do século XXI. Quando chegará o Dia Novo em que os indivíduos e as instituições descobrirão o ganho e o encanto de sabermos que a vida societária só se realiza no sistema de vasos comunicantes?...

         Para exemplo e conforto, transcrevo a máxima que marcou os passos desde a minha juventude: “Há tanta beleza e dignidade em descascar batatas como em construir catedrais”!

 

         23,Jan.22

         Martins Júnior

            

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

NA APRESENTAÇÃO PÚBLICA DO LIVRO DO PROFESSOR ANDRÉ ESCÓRCIO

                                                                              


A minha primeira saudação para o Prof. André Escórcio tem aquela mesma dimensão com que termina o seu livro: “Um desabafo”.

Pego nesta sua deixa e aqui vai o meu  desabafo:

Prof. André Escórcio, o seu livro deixou-me atordoado, como se uma buldózer esmagasse todo o percurso escolar de um octogenário formatado nos velhos manuais. Mas o que para mim foi uma buldózer, depressa interiorizei que para o universo da propedêutica dita académica o seu livro toma a magnitude de um tsunami que varre inexoravelmente entulhos arvorados em monumentos intocáveis, revolve os subterrâneos da inércia institucional e proclama o advento de uma Nova Era, ou, na expressão dessoutro visionário, Antero de Quental quando desde as inacabadas “Conferências do Casino” proclamou a imperiosa necessidade de “Lançar o arco de uma nova ponte”.

Em que se foi meter o nosso Autor!...

Recorrendo aos sofisticados monstros da mitologia, o seu livro tem a envergadura de um Édipo Rei desafiando o enigma da fatal esfinge. Tem a coragem dos valorosos argonautas lusos derrubando os medos avassaladores dos Adamastores gratuitos que a sociedade foi alimentando.

Em que se foi meter, sublinho!...

Quem ler André Escórcio, ao dobrar a última página, não pode ficar sossegado, a não ser que tenha deixado embotar até ao último pingo o filão da sua sensibilidade. Por isso, esta obra poderia ter por subtítulo o Novo Livro do Desassossego. Porque ele obriga a pensar, a repensar, a interpelar até ao tutano o “porquê” e o “para quê” do paradigma “sempre foi assim”. Ele aguça os neurónios da nossa curiosidade, o motor primeiro do conhecimento científico, estribado não apenas nos abalizados pensadores, filósofos e pedagogos, mas no contacto directo, quase epidérmico, com o real quotidiano dos seus alunos, dos seus netos, dos seus colegas. É o saber erudito em articulação perfeita com o saber telúrico, princípio e fim de todo o método experimental.

Por isso, esta obra tem a marca do verdadeiro espírito renascentista, justaposto ao lado de um dos seus lídimos sequazes Luis António Verney no seu “Verdadeiro Método de Estudar”, precursor das muitas reformas do ensino em Portugal.

Que mais direi desta sua ousadia, Prof. André Escórcio?...

Mutatis mutandis – e só o contradiz quem não descer à profundeza do seu pensamento – o contributo deste livro, nos tempos que correm marcados ainda por réstias de uma mentalidade medievalista – o seu contributo assemelha-se ao de um Galileu Galilei que pôs em causa o dogma sacro-profano da interacção entre o Sol e a Terra. Parafraseando uma canção muito em voga, direi que o Professor demonstra que a “Escola anda ao contrário… e os rios nascem no mar”.  Se o queimarem por isso, renascerá das próprias cinzas…

Posto isto, deveria calar-me e dar oportunidade a “quem vier por bem” para mergulhar no vasto oceano destas páginas onde descobrirá a  almejada “Ilha do Outro Mundo”, de que nos fala Fernando Pessoa, a qual eu denomino de “Educação-Escola”. Atónitos, descobriremos que a Escola-Educação – mais do que a propalada Economia – ocupa o Primado da Vida. “Dela advêm todos os bens”, diz o milenar Livro da Sabedoria. E, acrescento, provêm todos os males, se dela nos afastarmos.

Benvindos, pois, àquela Ilha que ostenta por título “A ESCOLA É UMA SECA”.

 

21.Jan.22

Martins Júnior

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

AO CAMPEÃO QUE ANTES DE SER JÁ O ERA !!!


Já o era!...

Sublinho e mantenho. O título que acaba de ganhar, a nível nacional, mais não é que a confirmação de um estatuto conquistado dia-a-dia, passo-a-passo, num misto de esforço e alegria que espalhava à sua volta.

Saúdo o nosso “Manelito”, agora campeão, porque realiza o ideal atlético-humanizante que vem desde os confins da civilização clássica preconizada pelo poeta romano Juvenalis, século I: Anima sana in corpore sano. A que se junta, vinte séculos depois, o veredicto do empresário Jack Ma, no Forum de Davos, citado pelo eminente pedagogo Prof. André Escórcio no seu próximo livro: Devemos ensinar aos nossos filhos Desporto, Música, Arte”…

É assim, sempre foi assim o nosso campeão, fruto de boa cepa biológica. Aliou o desporto à arte e à convivialidade saudável. Nutrimos por ele especial estima pelo contributo que deu à nossa Tuna de Câmara de Machico, como excelente contrabaixista.

No troféu nacional que ostenta com garbo e natural modéstia, como é seu apanágio comportamental, saúdo todos os jovens – de corpo e de espírito – que fazem do Desporto uma escola inestimável dos melhores predicados para uma Educação holística que faça de cada atleta um construtor do Mundo Novo  que todos ansiamos!

 

19.Jan.22

Martins Júnior

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

DE INIMIGO E VÍTIMA A PATRONO DOS ANIMAIS E DA NATUREZA

                                                                       


         Ai, que hoje arrisco-me a perder amigos e, pior que isso, ainda apanho em cima com o anátema de todos os santos e de todos os demónios. Mas, mesmo assim, não resisto a entrar no contexto da estação conflituosa do momento em que se ouve, de parte a parte, este espavorido desabafo entre os muitos litigantes na arena eleitoral: “Você deturpou as minhas palavras, não foi isso que eu quis dizer”.  

         Deturpar as palavras, os factos, as reminiscências. Terrível e temível compressor é o Tempo! Tão depressa escreve, apaga, reescreve e torna a desenhar com tal à-vontade  que, na linguagem dos símbolos, toma-se a parte pelo todo, o continente pelo conteúdo, a forma pelo fundo, enfim, o Tempo vira tudo do avesso. Revejo-me nesta constatação do quotidiano quando percorro os trilhos da comunicação social, das redes e até da conversação em circuito privado. Mas hoje optei por situar-me no 17 de Janeiro, Dia do Senhor Santo Antão, cuja festa é marcada por um ritual sacro-profano, mais conhecido por “Bênção dos Animais”.

É de uma beleza ternurenta ver o carinho com que os partilhantes trazem ao colo e aos ombros o cordeirinho manso, o gato matreiro, o cão enfatuado,, o provocador papagaio, o galo dominando as restantes  aves multicolores e até o burrinho de carga que hoje sobe ao pódio pela insustentável leveza da água benta. Tudo tão pitoresco e sugestivo que bem poderia o PAN (perdoe-me Inês Sousa Real) entronizar Santo Antão como o Padroeiro do seu partido, o Santo Protector dos Animais e da Natureza.

Mas o que nos diz a tradição – e as pessoas não sabem – é a lógica da representação animal que o nosso Santo traz aos pés. Conta-se em poucas linhas. Santo Antão, egípcio, (251-356) sentiu a atração mística pelo deserto, abandonando as vaidades mundanas, como a forma mais perfeita de santidade, vocação esta comum a muitos outros eremitas da época. E – também comum a todos os monges eremitas – a sua vida isolada do mundo não lhes garantia imunidade às tentações do demónio que não lhes permitia a total entrega à penitência e à oração. Então eram frequentes as arremetidas de Satanás que lhes aparecia em forma de animais disformes, aos rugidos e roucos de toda a espécie. Cenas destas fazem parte da tradição imagética disseminada em templos e colecções particulares.           


 Ao mesmo tempo que nos deliciamos com o mini-jardim zoológico em redor do adro da igreja, não apagamos a simbologia original que a tradição se encarregou de sublimar, transmutando por completo a semântica dos animais postados aos pés do Santo Antão. Já não são os seus demónios tentadores. São agora os seus mais devotos protegidos. Trata-se de uma evolução positiva, talvez uma catarse interpretativa, não deixando de assumir-se, em termos substantivos, de uma total ‘deturpação’ do significado inicial, o qual  mil e setecentos anos de devoção transfiguraram num quadro bucólico, quase romântico e sagrado.

Espero que me absolvam – os santos e os demónios – desta breve incursão inspirada nos usos e costumes de certas localidades, ressalvando a versatilidade da crença popular que ajeita a história ancestral à idiossincrasia constante das diferentes fases culturais e devocionais do seu habitat natural.

Sem pretender extravasar deste simples episódio, não deixo de reconhecer o campo aberto de debate e apreciação de fenómenos estranhos e gratuitos que o hagiológio eclesiástico perpetuou, sem que da parte dos crentes haja a mínima preocupação de dilucidá-los e interpretá-los, à luz de uma rigorosa hermenêutica. É um assunto da maior relevância cultual e cultural.

 

17.Jan.22

Martins Júnior    

sábado, 15 de janeiro de 2022

O ESPÍRITO DA DEMOCRACIA E A DEMOCRACIA DOS ESPÍRITOS

                                                                              


É inevitavelmente aí que havemos de chegar. Seja qual o gps do nosso passo ou o batente da nossa velocidade, sejam quais as veredas ou autoestradas que optemos percorrer, é lá que chegaremos.  Assim dita a biologia, assim determina o processo burocrático do trabalho (Max Weber), assim o crescimento sócio-cultural, a filosofia  e assim a própria teologia. Todos os segmentos da vida em sociedade convergirão para um único vértice de perfeição: o espírito democrático.

           Em mais um fim-de-semana, embarco de novo no LIVRO, à procura de mais uma centelha de verdade. E achei-a precisamente num dos textos propostos para este Domingo, 16 de Janeiro. É o de Paulo de Tarso numa das suas Cartas, a Primeira aos habitantes da grande cidade de Corinto. Poderíamos hoje titulá-la de Homem Algum é Uma Ilha, de Thomas Merton, ou de A Vida das Abelhas, de  Maurice  Maeterlinck, ou de outro extenso Manual de Sociologia.

         O que estruturalmente está em causa é este determinismo genético, chamemos vocação inata, da natureza, dos homens e das coisas: a interdependência de funções e contributos que, sendo parcelares e distintos uns dos outros, concorrem todos para a mesma meta - a compleição perfeccionista de um bem comum ao serviço da humanidade, seja numa família, num bairro, numa cidade, no planeta.

         Para os amigos e amigas que comigo conversam ao som deste teclado dos Dias Ímpares, excuso demonstrar mais provas científicas além do écran na minha frente: as conquistas da engenharia electrónica, a evolução da tecnologia, os milhares de investigadores, as ferramentas, os operários, enfim, o batalhão produtor deste portento onde se passeiam os meus dedos! Desde os mais singelos, por vezes até descartáveis objectos do quotidiano até aos altos voos da ciência, há esta corrente de persistentes elos indissociáveis desde o início até ao términus do seu percurso: o nosso bem-estar. Sensibiliza-me profundamente o que comemos à mesa, o pão que vem da terra e o pão que vem do mar. Quantos obreiros anónimos estão ali connosco!

         A frustrada ambição do Orgulhosamente Só, já a história tem demonstrado os escalavrosos frutos que produziu e ainda produz: a ditadura, a destruição, o suicídio. Tremenda e avisada lição para governantes e candidatos ao poder!... Toque a rebate à própria Igreja e à sua monarquia unipessoal, tendencialmente exclusivista e elitista, contra a qual tem lutado, quase debalde, o Papa Francisco, sobretudo na encíclica Fratelli Tutti.  A este propósito, surge em Portugal um valoroso sósia do Bispo de Roma, o Professor Padre Anselmo Borges, sobretudo no seu último livro: A Igreja e o Mundo, Que Futuro?  Imperdível a sua leitura.

         Perorando sobre o Espírito da Democracia inerente à constituição do Planeta e do Homem que nele habita, , verifico que não fiz ainda a prova de Paulo de Tarso na complementaridade dos espíritos, isto é, dos dons e talentos esparsos nas relações que determinam a vida em sociedade. Eis, pois, o que diz o Apóstolo das Gentes, na sua Carta aos Coríntios:

         Há uma diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. A manifestação do Espírito é dada a cada um para proveito comum. Assim, a um é dado o dom da palavra e da sabedoria; a outro o de operar curas e milagres; a outro, o dom da profecia; a outro, o do discernimento dos espíritos; a outro, ainda, o dom de falar diversas línguas e a outro, o de saber interpretá-las. Mas é o mesmo Espírito a operar em todos e cada um  para o proveito comum (I Cor. cap. 12).

         “Para o proveito comum” – aqui está o Tratado Perfeito do verdadeiro Espírito da Democracia Plena. “Navegamos todos no mesmo barco”!

 

         15.Jan.22

         Martins Júnior

           

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

SOMBRA DE SOMBRAS EM ECO DESDOBRADAS…

                                                          


antes que houvesse mar ou ilha

já Platão lhe dera a oval caverna

num outro éden de folhas secas espalmadas

 

mas a sombra criou-a ela

e sombra inteira assim ficou

sempre menina quase centenária

 

que azul fantasma havia nos teus olhos

para achares mais bela a sombra que o corpo dela?

 

sempre a sombra corre mais depressa

sem nunca deixar de perseguir-me à rectaguarda

 

melhor ser sombra porque é eterna

dentro ou fora da oval caserna

neste baile de sonâmbulos amantes

tanto mais juntos quanto mais distantes

 

receba-te Platão no Olimpo das reais moradas

que nós aqui te olhamos e tocamos

no recorte da tua intocável etérea imagem

Sombra de Sombras em eco desdobradas…

 

14.Jan.22

Martins Júnior

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

ANÚNCIO E REALIDADE

                                                                              


Ora, eis aí o Espírito Renascentista que anunciei.

Domina-o um enorme ponto de interrogação, da autoria do galardoado arquitecto Souto Moura: a Dúvida – repetidamente interpelante - seja maiêutica, seja cartesiana, é sempre a Dúvida interrogante o princípio de todo o conhecimento, a raiz de todo o Espírito Renascentista.

E a primeira questão que se nos põe é saber se o exclusivo título corresponde ao real conteúdo deste ‘Código de Estrada Global’, isto é, se se restringe apenas  ao futuro de uma instituição.

Desde logo, cumpre informar que a amplitude inclusiva desta obra tem a medida do talento universalista do Professor Padre Anselmo Borges. Ouso acrescentar, sem risco de erro, que assim como os pioneiros do Espírito Renascentista romperam com o imobilismo obscurantista medieval e corajosamente abriram novos horizontes nas mais diversificadas esferas do conhecimento humano – Por Mares nunca dantes Navegados – assim também Anselmo Borges abarca os mais fundos labirintos da humana condição até alcançar  a altitude circular que o pensamento consegue atingir, numa síntese ascensional entre  Imanência e  Transcendência.

Dispenso-me de demonstrar e enaltecer (por ser sobejamente consabida) a vastidão enciclopédica de investigadores, cientistas, poetas, filósofos, teólogos que conferem solidez inquebrantável às teses – propostas e antíteses -  que compõem este Manual Profético do Amanhã. Interessa-me, sobremaneira, e julgo a todos interessar, primeiro, a determinação-objectivação dos temas em causa, depois a segurança de estratégias utilizáveis, até com uma aparente frieza na abordagem dos diversas coordenadas em jogo, culminando tudo na coragem linear, quero dizer sem subterfúgios, em atacar e defender, ou, numa linguagem bíblica, arrancar e plantar, destruir e erguer os alvos definidores da sua mundivisão, onde confluem as múltiplas valências do Ser Humano, desde o natural, o racional e o espiritual.

Dos 67 capítulos que povoam as 479 preciosas páginas, nenhum deles se pode perder. Pertencem - como raiz, tronco, ramos, flores e frutos – à mesma árvore de uma sabedoria contínua e em cada um deles corre a mesma seiva transformadora. Até os mais delicados, intrincados meandros do indivíduo em sociedade, Anselmo Borges percorre-os com olhos e sentidos de quem conhece a casa de cor, de tal modo que bem pode ele dizer como Aristóteles: “Nada do que é humano me é estranho”. E fá-lo com tanta acutilância e realismo quanta elevação e metamorfose valorativa!... Recordo-me, a título de exemplo, a apresentação no nosso Teatro Baltazar Dias do polémico livro “A Vagina”, bem como o prefácio para a edição d”A Relíquia” de Eça de Queirós.

Mas de todos, permito-me destacar, pela sua perspicácia, originalidade e criatividade interpretativa, o capítulo António Nobre e Francisco (pág.307), onde avulta o talento intemporal de Anselmo Borges, ao transpor para o século XXI vivências do século XIX, mais explicitamente, António Nobre, poeta português do SÓ,  o Papa Leão XIII, da revolucionária Rerum Novarum e o nosso Papa Francisco. Oportuna e assertiva a direcção da bala sobre uma Igreja autista, desencarnada!

No entanto e porque é de um novo Espírito Renascentista que decidi abordar a obra de Anselmo Borges, em contraponto ao medievalismo vigente em muitas estruturas da Igreja-Instituição, confesso que me tocaram, direi mesmo, abalaram-me as páginas-convicções da Parte IV, genericamente tituladas de UMA IGEJA OUTRA. Tocaram-me, precisamente pela ousadia, direi, apostólica com que o Autor faz a anatomia da Igreja Vaticana, em consonância perfeita com o espírito aberto e interventivo do Papa Francisco, da qual também eu, no modesto reduto que habito, me sinto solidário e militante. Ninguém em Portugal – teólogo ou leigo, bispo, cardeal, presbítero ou diácono – se alevanta com tanta clarividência e coragem como o Padre Anselmo na identificação dos valores do Evangelho e na sua deformação pelo Desenvangelho da Igreja institucional. Bento Domingues e Anselmo Borges, na vanguarda!

Deveria citar alguns excertos do livro em epígrafe, mas o figurino de um simples blog não mo consente. Tanto melhor, porque a quem ler deixo o convite e o apetite para sentar-se à mesa com Anselmo Borges e saborear a beleza e a suculência de uma ementa real.

  Em síntese, do supedâneo da minha pequenez, vejo na ara do Pensamento crítico, evolutivo e optimista do Prof. Anselmo Borges aquilo que já classifiquei de Summa Humanista-Theologica, aproximativa das Summa’s  dos grandes pensadores, como Tomás de Aquino. Entendo e daria o meu modesto contributo para que o Professor Padre Anselmo Borges formasse uma vigorosa Schola, que fizesse caminho seguro no nosso país. Por enquanto, vamos esperando aqui, na Madeira, a sua presença logo que as circunstâncias o permitam, afim de realizarmos essa apetecível Agape sobre a incógnita de sempre: A Igreja e o Mundo: Que Futuro?            

        

         11.Jan.22

         Martins Júnior

 

domingo, 9 de janeiro de 2022

O ESPÍRITO RENASCENTISTA DE TODO O BAPTISMO !

                                                                                


Apagaram-se todas as luzes da noite e, com ela, todos os dias do ano.

Ao surgir a primeira nesga de Vénus no cimo da matutina montanha, viu~se que um rio ensaiava, sereno e cristalino, a canção de uma Dia Novo. O rio chamava-se Jordão, como poderia vestir-se de Nilo. Tigre e Eufrates, Danúbio, Tamisa ou Tejo.

Neste início de semana, por convite do LIVRO (opção que nunca abandono) fixo-me no Jordão, onde Alguém, varão hebreu, protótipo do Homem Novo, mergulha nas águas correntes – também elas sempre vivas, renovadas – e, dizem os pergaminhos coevos, aceitou o Baptismo.

Baptismo, cronológica e estrategicamente bem colocado logo após o Nascimento, e ao qual sobreponho a adequada antonomásia de Renascimento!

No entanto, abstenho-me da água instrumental e mesmo do utente individual daquele mergulho regenerador no rio marginado de oliveiras. Citando o LIVRO, o único Baptismo não foi o de João, o Baptista, nem da água, nem da brisa olorosa das oliveiras de Jerusalém. Foi o Espírito envolvente - o Espírito do Baptismo - caracterizador da essência daquele  corpo renascido.

Ao abrir de um ano que se quer Novo, regresso a todas as passagens de nível da História Humana marcadas pelo signo da Renovação, seja ela pacífica como o reflorir da Primavera, seja ela traumática como o fragor de uma Revolução. A todos esses fenómenos em que da vulva virgem da terra sai um novo ciclo restaurador hasteio a bandeira global que traz inscrita a sua definição identitária: Espírito Renascentista.

É este Espírito Renascentista que auguro para mais um ano, em contraponto com o espírito medieval que inelutavelmente  todas as épocas e todas as gerações, por mais altas que sejam as suas conquistas. Oxalá possamos ultrapassar os resquícios e entornos da Idade Média dos nossos tempos e insuflar na sociedade a essência do Espírito Renascentista que nos é proposto no dealbar de cada ano. É a este gérmen revitalizador que eu chamo o genuíno Baptismo da nova era. É também este o “Virar de Página”  que está na ordem do dia.

Serve esta breve observação de abertura para a proposta de Renascimento que apresentarei no próximo ‘blog’, uma proposta de um autêntico e incansável Precursor de um Tempo Novo, do qual bem poderei dizer, não sem profunda mágoa, o que outrora foi dito: “No meio de vós, há alguém que vós não conheceis”.

 

09.Jan.22

Martins Júnior

 

 

  

  

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

DESPEDIDA DA “JANGADA DE BASALTO”

                                                                       


Com o final dos “Reis” finam-se os festejos transitivos entre 2021 e 2022. Quer dizer que a mítica e tão almejada dupla “Natal/Ano Novo” fica confinada durante doze meses, não pelo ‘clássico’ vírus-19 mas pela repetida e sempre renovada coreografia de Maestro Tempo.

Mas antes que tudo fique em cinzas, como em Quarta-Feira de Carnaval – o dilúvio da luz trepando e descendo montanhas, a anestesia estelar dos túneis improvisados na cidade, os gigantones imagéticos tão desfasados da lapinha madeirense – enfim, antes que tudo se evapore, apraz-me registar algo e fixá-lo aqui, com o mesmo afã e carinho com que se guarda um fio de água de cristal  perdido num chão agreste.

     Imagine-se um mar vasto, sem linha de horizonte. Dentro dele navega um volume imponente, a quilha da proa abrindo cascatas de azul transformadas em festival de ondas virgens, sereias de antigos mitos, sedutoras dos argonautas de Ulisses.

Ei-la que passa à nossa frente, a Jangada, e até afrouxa a marcha para êxtase dos nossos olhos. Prende-nos logo o maciço da arquitectura naval, feita de pedra basáltica, onde assentam nove conveses simétricos em ascensão, convergindo todos no último convés, o mais pequeno que mantém a configuração miniatural do primeiro, mas o mais vistoso e soberano. À primeira vista, surpreende-nos com a mesma imponência e majestade de um transatlântico cruzeiro sulcando os oceanos.

São nove os decks ou balaustradas iluminadas, mas quem nelas assoma não tem traje humano nem fisionomia de exótico turista. Toma-lhes o lugar uma mui diversa estirpe terreal: o ouro da família citrina, laranjas, tangerinas no primeiro anel. Mais acima o verde-escarlate dos azevinhos, a fofa doçura dos musgos e líquenes inseparáveis do basalto, a leveza esvoaçante das estrelícias e, no topo do derradeiro tombadilho, as  sumarentas, orgulhosas maçãs coroando o elenco dos bizarros viajantes da Jangada.

Se nos surpreende, ao mesmo tempo nos intriga este vaso gigante que perpassa sereno no vasto Atlântico. Se olharmos, porém, para o mastro alto do navio, no lugar da gávea marítima, cresce jovem e a todos abraça um dos ex-libris mais representativos do que somos e do onde estamos. É ele que nos diz que naquele cruzeiro somos nós que também lá navegamos. O símbolo altaneiro, bandeira da Grande Nau, chama-se e abrilhanta-se para todo o mundo como a raiz e o fruto mais saboroso, elixir dos deuses: Sua Doçura Real, a Bananeira.

Eis-nos, pois, decifradores do enigma da JANGADA DE BASALTO. Desde a popa até ao arco da proa, lê-se, a estibordo, o perímetro de toda a extensão territorial entre a Ponta (ou Porto) do Moniz até à Ponta de São Lourenço, com o Porto Santo à ilharga. Para sinalizar cada centralidade, lá estão os estandartes  de todos os concelhos visivelmente implantados em todo o cenário flutuante, com especial e justificado destaque para as bandeiras de Machico e da Madeira.

Mas a Jangada tem astrolábio e destino marcado: o Mar da Galileia e, mais adentro, a Gruta de Belém. Por isso, ela inscreve no enorme Casco a permuta dos presentes entre a Ilha-Jangada e o ‘Rei’ da Manjedoura: das flores e frutos que transporta espera receber os supremos Dons Imateriais que Jesus-Menino lhe outorga, à Ilha e à História. Eles brilham  no bojo acolhedor do navio: Conhecimento, Fortaleza, Conselho, Perdão, Fraternidade, Justiça, Paz.

Já descobrimos e já entrámos no registo da misteriosa Grande Nau: “JANGADA DE BASALTO AO ENCONTRO DE BELÉM”.

Lá dentro, alguém quis saber a razão dos nove conveses daquela arquitectura naval. E do mais fundo do porão veio “o engenho e a arte” da exacta solução: nove os meses de gestação no seio de Maria, nove as Missas do Parto, nove Luas ao encontro do Sol Nascente.

Nesta breve anatomia da nossa JANGADA, construída à escala, talhada à orografia da orla marítima, em que o amor à Causa, a paixão telúrica e o empenho da Juventude da Ribeira Seca falaram mais alto que o esforço investido, quero deixar os mais saborosos Parabéns, na esteira do velho provérbio: “A melhor recompensa do dever cumprido é ter cumprido esse dever”!

Finalmente e porque “Jangada” é nomenclatura que vem de longe, associamo-nos ao Centenário de José Saramago, prestando homenagem ao título que nos serviu de mote, a famosa “JANGADA DE PEDRA”. (1986).

 Mas a “JANGADA DE BASALTO” não terminou o seu roteiro. Ela continua, mundo fora, nos nossos emigrantes e em todos quantos fazem da Ilha uma estação mais luminosa, mais criativa, mais Imaterial. Por isso, a nossa Jangada balança nas ondas do “Torna Viagem”  (1979) do nosso Horácio Bento de Gouveia e na epopeia rural da “Eternidade” (1933) do imortal Ferreira de Castro.

       

07.Jan.22

Martins Júnior