domingo, 28 de maio de 2023

MAIOR QUE A ONDA VERMELHA – PORQUE AS ONDAS NÃO SE MEDEM AOS PALMOS

                                                               


    Foi vermelho o mar de Portugal. E mais que o mar foi todo o território português, desde o Continente às Ilhas. Neste fim de semana e princípio de outra, tanto a nível desportivo como na atmosfera pentecostal , brilharam as bandeiras rubras com asas, pombas, águias e açores dentro. Assim vai a nação.

          No entanto – e apenas em síntese – saúdo outras praias onde a onda vermelha, eufórica, efémera, deu lugar a um oceano multicolor, cujos búzios  sonoros encheram a terra de ciência, educação, teatro, poesia, acção com promesas de futuro.

          Saúdo, de novo, o III Seminário de Educação, fonte inesgotável de fluxos e refluxos que remexeram critérios e linhas de pedagogia com vista a um mundo concreto e problemático para as crianças e jovens de hoje.

          A encenação dramatúrgica, levada a efeito pela Oficina de Teatro no Forum Machico, bem como as comemorações do 33º aniversário do Museu da Baleia, com a brilhante actuação do Coro de Câmara da Madeira, encerraram um fim de semana pintado de todas as cores que permanecem na mente e na sensibilidade destas gentes do Leste da Ilha.

          Um fim de semana que abre perspectivas para a o mundo de amanhã!

          Parabéns aos promotores deste ciclo perdurável e garantido no crescimento de Machico, Terra de Tristão Vaz!

 

          27-28.Mai,23

          Martins Júnior

sexta-feira, 26 de maio de 2023

ENTRE O BETÃO E A EDUCAÇÃO – MACHICO FAZ A MELHOR OPÇÃO!

                                                                            


    Por outras palavras: entre a “insustentável leveza” dos seres e a sustentabilidade duradoura da vida – eis a dicotomia perante a qual estão confrontados os indivíduos, as comunidades, as nações. Para um agregado populacional, como para o ser inculto, o que conta é a grandeza aparente da obra, o que os diverte, os fogos fátuos que enchem os olhos e esvaziam os espíritos. Pelo contrário, a uma sociedade estruturada em critérios de avaliação contínua, com objectivos seguros em meta futura, não lhe basta a teatralidade efémera do gigante com pés de barro, braços de betão e couraça de alcatrão.

          Outras palavras não me ocorrem para definir o paralelo irredutível existente nesta Ilha, que divide os líderes governantes e os leva a optar entre iludir os seus constituintes com a “insustentável leveza ” das coisas, empoladas pelas ruidosas inaugurações de circunstância ou, ao invés, muni-los com a substância das ideias e consequentes atitudes comportamentais face aos desafios do dia de amanhã.

          . Machico está na pista do futuro. E, de há muito a esta parte, tem  escolhido o melhor rumo. Sem descurar a implementação de equipamento técnico-logísticos os de interesse directo para os munícipes, não esgota aí o potencial do seu esforço e intencionalidade. É precisamente no âmbito de uma estratégia sócio-pedagógica que incide a sua acção, como forma de estruturar uma comunidade de cidadãos dotados de mentalidade e sensibilidade conducentes à segurança, à autonomia consciente, numa palavra, à felicidade, envolvendo todos os extractos sociais, todos os escalões etários.

          É o que está francamente plasmado no programa do III Seminário da Educação, ora em curso no Forum de Machico, sob a égide da Câmara Municipal. O subtítulo da iniciativa – EDUCAR EM COMUNIDADE: POR UM NOVO COMPROMISSO EDUCATIVO – sintetiza a amplitude da nobre ambição de construir o processo civilizacional adequado ao mundo de hoje, desde a mais tenra idade nas escolas até às conquistas tecnológicas da era digital.

          Comentarei no próximo escrito as linhas programática e respectivos oradores para demonstrar o rumo e o ritmo de um módulo organizacional que antepõe o munícipe como Pessoa e não apenas como consumidor do betão efémero e enganador. Secundando o promotor global do III Seminário da Educação, Pro. Dr. Jacinto Jardim, trata-de de uma verdadeira “Revolução Silenciosa”.

 

          25-26.Mai.23

          Martins Júnior  

quarta-feira, 24 de maio de 2023

GUERRA E ANTI-GUERRA, HERÓIS E ANTI-HERÓIS EM PORTUGAL - UMA REPORTAGEM DE ANTÓNIO MARUJO

                                                                        


        Se “de boas intenções está o inferno cheio”, de malditas guerras está a terra prenhe. Os armamentistas enriquecem, os pobres mirram de fome, do pão que o diabo amassou nas forjas dos fabricantes, os poderosos vomitam ódio pelas narinas fossilizadas e os media agradecem, não lhes falta ementa para entreter o vulgo.

E não se esqueça a religião pacóvia que, sem pejo nem pudor, chama Deus e Nossa Senhora ao campo da metralha, levando os crentes a fazer de cada conta do rosário outras tantas granadas de mão contra os “inimigos” que são também filhos do mesmo Deus e da mesma Mãe.

É disto que me ocupo hoje, desta insuportável, explosiva, repugnante  massa híbrida: fé e armas. Para quem segue a genealogia das religiões, nada de novo, a começar pelo nosso Portugal missionário e colonizador, com as duas faces na mesma bandeira: a Fé e o Império! Está no ADN das religiões oficiais, desde 313, a malfadada aliança entre o Imperador Constantino e a Igreja Católica, o mesmo monstro bicéfalo, umas vezes a cabeça do Império, outras a da (má)-Fé, ora em disputa pelo maior quinhão de poder, ora em conúbio incestuoso na mesma cama de interesses comunicantes. Basta rebobinar o filme e lá estão em pódios gémeos, a religião e o poder, a cruz romana e a cruz suástica, Pio XII e Hitler, mutatis mutandis.

  Mas hoje quero remeter os meus companheiros da estrada bloguer para uma reportagem do distinto  jornalista António Marujo, editor do programa “Sete Margens”. Vem numa recente “Revista” do semanário Expresso e tem por conteúdo o problema da nomeação e desempenho dos capelães militares na guerra colonial portuguesa, entre 1961 e 1974,

António Marujo coloca como protagonista o Padre Arsénio Puim, açoriano de origem e capelão militar – “capelão-à-força”, posso dizer – e mais tarde expulso do Exército, devido às posições tomadas, quer entre os combatentes do seu batalhão, quer pelo apoio social dado à população indígena da Guiné-Bissau. Foi o segundo capelão expulso – o primeiro foi o Padre Mário de Oliveira, de Macieira da Lixa – a que se seguiram outros casos de recusa e até de deserção dos próprios padres mobilizados para  assistência militar  em campo de guerra ultramarina. A consciência dos valores cristãos em litígio com os objectivos táticos e estratégicos das operações bélicas em causa foram o móbil das decisões assumidas pelo capelão Arsénio Puim e seus colegas contestatários. De entre muitas citações, aduzo a seguinte, retirada do seu ‘diário’:

          Celebrei hoje a missa a uma larga frequência de soldados. O Evangelho fala de amor ao inimigo, da misericórdia para com os outros. Mas que poderia eu dizer de amor e perdão a estes rapazes, horas  antes da sua partida para uma operação de destruição e morte, contra a verdade e a razão? Não vão defender nada, vão matar para calar, pondo também em risco a própria vida. Uma chusma de matadores inconscientes.

Sobre o papel da Igreja nesta conjuntura, declarou frontalmente:

Eu não escolhi vir para capelão militar. Fui mandado (sem qualquer palavra de consulta ou informação do meu prelado) para uma acomodação da Igreja e distorção do Evangelho e do sacerdócio, vestindo uma farda antievangélica.

Recusou-se a usar a G3, a arma distribuída aos militares combatentes. E a propósito de rezar o terço pelos ‘turras’ (nome dado aos africanos em guerra) a pedir a sua conversão, Arsénio Puim sublinhava:

O que será isto? Conversão a quê? Ao evangelho português segundo Salazar?...

Agradeço a reportagem de António Marujo, li-a com muita emoção, porque identifico-me com os colegas contestatários da guerra colonial, passei idênticos confrontos com a minha  consciência e com as estruturas político-eclesiásticas do Exército. Trago ao meu blogue a informação de António Marujo, por três motivos:

Primeiro, por ver que, mesmo após a guerra, ainda persistem resquícios do colaboracionismo da Igreja com as armas, ao insistir no instituto das capelanias militares e, mais ostensivamente, na consagração de um bispo castrense, como se de uma diocese autónoma se tratasse, equivalente ao ‘reino’ do Opus Dei. Mais impressiva, aqui na Madeira, é a peregrina devoção mensal, liderada  por um coronel-padre (que mistura explosiva!)  de arregimentar  as vítimas e, ao mesmo tempo, agressores na antiga guerra e misturá-los com bênçãos e espectáculos pios. Deveríamos envergonhar-nos em vez  de nos pavonearmos com o -que lá fizemos. .

Segundo, repudiarmos a sacralização da guerra da Rússia contra a Ucrânia, através da acção sacrílega do arcebispo-patriarca moscovita, Kirilos.

Terceiro, penitenciar-me por ter sido cúmplice da guerra colonial, ao ser enviado para Cabo  Delgado, Moçambique, como capelão militar, um “capelão-à-força”.  Nessa hora, o que deveria ter feito era a imediata deserção ou a recusa sem apelo nem retorno. Daí, o meu pedido de perdão aos portugueses e aos africanos!    .

 

23-24.Mai.23

Martins Júnior

 

                      

 

 

segunda-feira, 22 de maio de 2023

EPÍLOGO DE UMA FEIRA: HISTÓRIA, POESIA MÚSICA E DANÇA

 

                                            


Também é datado no tempo e no lugar este breve apontamento, adicionado aos últimos escritos dedicados à “XI Feira do Livro FRANCISCO ÁLVARES DE NÓBREGA”.

Reitero aqui aquela característica singular deste evento que consiste na primazia dada à produção e respectivos autores oriundos da própria terra onde se realiza a Feira. Às obras literárias e documentos históricos  a que já fiz referência em dias anteriores, junto as “Histórias interativas de Machico” e os “Contos inspirados na vida e obra de Francisco Álvares de Nóbrega”.

Aproveito a oportunidade para agradecer as prestações da Dra. Alice Santos e do Pe. José Luís Rodrigues, na apresentação dos “CALHAUS FALANTES, PEDRAS CANTANTES”, a primeira –  emocionalmente demonstrada por quem viveu no terreno  e na circunvizinhança o estigma da colonia, uma forma de escravatura rural, “os servos da gleba” – a segunda, como expressão da intervenção do povo na conquista do seu lugar ao sol e do papel que deve assumir a Igreja na defesa dos valores conducentes à dignificação do ser humano que, em análise global, constitui a substância da monografia apresentada.

À Câmara Municipal, na pessoa da Vereadora da Cultura, Mónica Vieira, o meu reconhecimento por ter acolhido  este feixe de crónicas na "XI Feira do Livro" e ao seu Presidente, Ricardo Franco, as palavras de apreço na sessão de apresentação.   

Aos simpatizantes que tiveram a gentileza de participar em grande assembleia no anfiteatro do Largo da Praça que, segundo informações da entidade editora e promotora desta publicação, ultrapassou, no próprio dia, a centena de exemplares adquiridos.

                                                             


Aos jovens que no palco e em compacto sonoro, género rapsódia, exibiram a coreografia das canções originais referentes a cada uma das oito efemérides desenhadas pelos Calhaus e pelas Pedras que compõem as páginas apresentadas na “XI Feira do Livro”.

Ao CCCS-RS, Centro Cívico-Cultural e Social da Ribeira Seca, o meu “Bem Haja” pela iniciativa de editar este pequeno volume, que tem o mérito de abrir inspiração e caminho para desenvolvimentos futuros a quem pretenda mergulhar na história profunda deste hexassecular aglomerado suburbano, chamado Ribeira Seca, em Machico.

 

21-22.Mai.23

Martins Júnior

sábado, 20 de maio de 2023

MACHICO NA FEIRA – O PROTAGONISMO DO LUGAR

                                                                        


A Feira é sempre o lugar das gentes. Todas as feiras tomam a veste originária que as qualifica pela adjectivação sumária de “Franca”. São, por isso, francas todas as feiras – ou devem sê-lo – porque trazem à luz do dia  aberto o corpo e o espírito  do lugar e dos seus protagonistas, o povo que o compõe.

          Já aqui sublinhei a sigla característica da “XI Feira do Livro” de Machico, a partir da sua identificação autóctone quando toma o subtítulo de FRANCISCO ÁLVARES DE NÓBREGA, o grande sonetista machiquense  equiparado a Camões e Barbosa du Bocage.

          Do elenco de personagens e produções  expostas no evento destaca-se a identidade da população das terras de Tristão Vaz, desde a exímia prestação dos coros e tunas infanto-juvenis, dos grupos de teatro e dança, universidade senior até ao lançamento de obras originais, “Gentes e ruas da minha Villa”,de Zita Cardoso, “Poeticamente”, de Luís Costa, “XV Concurso Literário F.A.N.” e ainda “Calhaus Falantes, Pedras Cantantes”, de Martins Júnior.

          Permitam-me dedicar algumas linhas a estes “Calhaus” e a estas “Pedras”, a apresentar pelas 16,30 deste domingo, a cargo da Dra. Alice Franco dos Santos  e do Pe. José Luís Rodrigues. A escrita é o veículo seguro para perpetuar memórias, sejam individuais ou colectivas. Mas há uma discrepância abissal entre escrever na água e escrever na pedra. Na água, depressa se diluem, intemporais, anónimas, pelo vasto oceano. Na pedra, porém, elas consubstanciam-se, firmes, indeléveis, paradoxalmente vivas na rocha morta.

Foi essa a intencionalidade – primeira e última – que presidiu ao acto de transportar para o papel os círculos de calhau roliço que definem as oito efemérides marcantes de um pequeno burgo suburbano, com raízes no início do povoamento da Capitania de Machico.

A Capela do Amparo – associada ao Forte de Nossa Senhora do Amparo, por iniciativa do seu fundador, Francisco Dias Franco, Capitão-Secretário da Câmara Municipal de Machico, em 1692 e 1706, respectivamente – o decreto da criação da Paróquia em 1960, a que se seguem as datas de 1963, 1974, 1985, 1999, 2010 e 2019 podem considerar-se os marcos emblemáticos desta localidade, inscritos nas páginas do Livro de Pedra que é o logradouro público ou adro da Ribeira Seca.

Não serei eu a enaltecer o alcance desta singela monografia, limito-me a transcrever um excerto do Prefácio do Pe. José Luís Rodrigues:

“Louvo este registo e a feliz explicação sobre estas datas que tanto dizem deste povo, porém, se nos situarmos fora deste espaço geográfico, os mesmos salientam também acontecimentos muito importantes para o mundo e para o nosso país. Sirva esta inscrição para inspirar as gerações vindouras, a quem compete continuar este legado desta história tão importante para a libertação e dignidade de uma comunidade”.

 Secundando a mensagem do Prefaciador, que reconhecidamente agradeço, convido os meus amigos  ao convívio intelectual e, direi mesmo, socio-espiritual, do próximo domingo no Largo da Praça, XI Feira do Livro, e faço minhas as palavras  do Pe. José Luís Rodrigues:

“Falem sempre as pedras e cantem os calhaus eternamente o pão amassado da luta do povo pela justiça, a dignidade e a paz”.

Agradeço à Dra. Alice Franco dos Santos a gentileza da sua apresentação, ela, natural de Machico, Ribeira Seca, e a sua deslocação de Lisboa, onde exerce a profissão de advogada. Agradecimento, na pessoa da Dra. Irene Catanho, ao CCCS-RS, pela edição deste modesto trabalho. Bem hajam.

 

19-20.Mai.23

Martins Júnior

 

quinta-feira, 18 de maio de 2023

NA “XI FEIRA DO LIVRO” – UMA PORTA ABERTA PARA A LIBERDADE E GOSTO DE VIVER !

                                                                   


Como é bom estar aqui!

É o que está escrito no verde dos plátanos que bordejam o grande largo, feito anfiteatro das festas e palco natural  das actividades culturais  da cidade de Machico, como que reavivando no tempo o prestígio da corte do Primeiro Capitão-Mor  da Ilha, Tristão Vaz Teixeira, desde 8 de Maio de 1440.

Como é bom estar aqui… 

Em Maio, Mês do Coração, das Flores e do pico alto da Primavera!

Como é bom estar aqui…

É o que se lê no programa da “XI Feira do Livro”  e, com mais brilho ainda, nos olhos de todos quantos se acercam daquele ambiente tão acolhedor, entre a ancestralidade do Forte da Senhora do Amparo do século XVIII e a brisa sempre jovem que sobe da baía ali tão perto.

Na abertura do grande evento sobressai a mensagem de frescura e esperança no abraço de amor ecológico e intergeracional que nos transmitiu o coral infantil da Escola de Santa Ana que em oito canções, artisticamente apresentadas e interpretadas pelas 34 vozes de crianças que frequentam aquele estabelecimento de ensino.

            E se de transparência primaveril foi a abertura, não menos brilhante, sonoro e saudável foi o encerramento deste primeiro dia com a prestação do grupo infanto-juvenil da ‘Tuna de Câmara de Machico’.

            Da leitura de todo o programa – que envolve uma abrangência multifacetada de teatro, conto, visitas guiadas, oficinas de trabalho e de escrita, dança, bio-bibliografia – avulta a preocupação de mostrar a face autóctone do concelho, através das produções musicais e das obras em lançamento público de e sobre personalidades oriundas de Machico, quer a nível histórico, profissional, artístico, poético, quer no tocante à ocorrência de factos identificativos da idiossincrasia das gentes nadas e criadas neste território, entre cujo elenco se inclui a monografia intitulada Calhaus Falantes, Pedras Cantantes que terei a honra de mostrar ao público, na tarde do próximo domingo, com a prestigiante apresentação conjunta da Dra. Alice Santos e do Pe. José Luís Rodrigues.

             Neste âmbito, a XI Feira do Livro, sintomaticamente denominada de “FRANCISCO ÁLVARES DE NÓBREGA”, um nome maior da historiografia machiquense, releva de uma intencionalidade, digna da melhor finura e autenticidade, qual seja a de fomentar a cultura e  desenvolvimento locais, a criatividade e talento dos seus naturais, em vez de apenas importar produções exógenas, sem prejuízo das bons serviços das livrarias ali presentes.   

                                                             


            Partilhar dos saberes, que também são sabores, da “XI Feira do Livro” em Machico é ganhar cultura, convivialidade, gosto de viver. Particularmente, nesta altura em que o pão e a água que os media nos servem todos os dias vêm inquinados de catástrofes, minas e armadilhas de guerras e atentados letais, sem falar do abuso do tempo de gente que se entretém em jogos florais parlamentares, delapidando perdulariamente o erário público, em vez de trabalharem para o efectivo bem público na saúde, na agricultura, na educação, no ambiente, enfim, retribuir em equivalente aos portugueses os montantes que os portugueses lhes pagam.

            Um reconhecido “Bem haja” ao Município, ao seu presidente Ricardo Franco e à incansável e proficiente vereadora da cultura, Mónica Vieira.

Vir à Feira é recuperar a  liberdade e a alegria de viver! Desde hoje até domingo,21!

 

           17-18.Mai.23

            Martins Júnior

terça-feira, 16 de maio de 2023

O TERCEIRO “D” EM MACHICO DESDE 1440

                                                                                 


Continuam os reflexos da Semana do Concelho de Machico, em boa hora instaurada no dia 8 de Maio – a histórica data do nascimento de Machico para o quadro orgânico-administrativo do país por meio da Carta de Doação de Machico a Tristão Vaz Teixeira como Primeira Capitania, outorgada pelo  Infante Dom Henrique, em 8 de Maio de 1440, dez anos antes da Capitania do Funchal. Continuam as comemorações na semana que ora começa com a abertura da Feira do Livro.

No penúltimo escrito considerei (e hoje confirmo) Machico como laboratório e ex-libris exemplar dos três “D” – Descolonizar, Democratizar, Desenvolver – os ideais da Revolução dos Cravos. Como prometido, farei do terceiro “D” a inspiração e objecto do presente texto: o Desenvolvimento. Porque, mas não só, à míngua de argumentos sólidos, os detractores da belíssima estância, alcandorada nos poemas épicos Insulana de Manuel Tomás e Zargueida de Francisco de  Paula Medina de Vasconcellos, arregimentam-se os ditos olhares enviesados recorrendo aos velhos tiros de pólvora seca de que ‘Machico não tem desenvolvimento’. É a bobine, estafadamente rebobinada há quase 50 anos, que “Machico é o terceiro mundo” e até “o quarto”, ouvi eu de um já encalhado secretário regional de outras eras.

Pois bem, sem pretender defender tese na matéria, o que se questiona em primeira mão é o conteúdo do decantado “Desenvolvimento”. Para os detractores desenvolver é tão-só “betonar”, se possível fazer de Machico um decalque do afogado Puerto Rico canariano, impermeabilizando toda a paisagem desse a baía até ao Pico do Facho.  Não me sai da memória o que me observou o abalizado arquitecto Siza Vieira, presente em Machico a meu pedido, em 1993, como a gravura documenta, em reunião nos Paços do Concelho, precisamente há trinta anos: ” Presidente trate-me isto (a faixa do cais e toda A zona ribeirinha) trate-me isto com pinças”.

O que se viu depois, sob a megalómana batuta dos ‘desenvolvimentistas’? Muralhar, vedar o amplo anfiteatro de Machico com um bruto tapume de betão, a que deram o pomposo nome de “Forum”. Passaram à zona do cais e zás, assassinaram a beleza ímpar dos baixios milenares com o desaterro de um monstro erguido no centro da cidade e, logo, a safra do betão em sofreguidão. Mais adiante, o ma gosto, cego e surdo, atirou para o frontespício verde da baía mais uma amostra de elefante branco que baptizaram como “etar”-terminal de águas residuais, mas o povo que tem olfacto apurado deu-lhe o expressivo título de hotel da m…., devido aos maus cheiros que exala em tempo quente.

Poderia adicionar outros ‘tesourões deprimentes’, mas fico-me por aqui, sem esquecer que no ano de 1997 ouvi da boca do super-betonador da Ilha esta jura soleníssima a um conhecido empresário-patrão de empreendimento, na Quinta do Lord, Caniçal, em não menos solene cerimónia: “Tudo quanto a vossa firma pretender fazer aqui, tenha a certeza que o meu governo aprovará”. E o que saiu dali? Uma floresta de cimento em zona classificada como  Non aedificandi. Aproveito para informar a população e, directamente, a organização Cosmos que aquele bairro invasivo em zona Non  aedificandi - repito - foi feito à revelia da Câmara à qual então eu presidia. Além de que toda aquela extensa faixa ocupada pela Zona Franca  retirou aos habitantes do Caniçal o território de eleição para implantação natural do seu direito a habitação própria.

Machico faz a sua marcha na senda de um justo ordenamento urbanístico, adequado à sua dimensão e à simbiose entre mar e serrania com que tão sabiamente a natureza o dotou, sem agressões à paisagem, descontando os erros grosseiros que os actuais detractores cometeram e agora sem hipótese de retorno.

O concelho merece uma mais que positiva descriminação por parte da governação regional, tendo em conta a amputação que lhe foi feita pela mesma entidade para a construção do aeroporto, no superior interesse de toda a Madeira, é certo,  mas em detrimento de valiosíssimos equipamentos turísticos locais, como foi o caso da destruição do mais bem concebido  Aldeamento Turístico de Portugal, a Matur-Grão Pará. Machico ainda não foi ressarcido de tão prestimosa ´doação’  à Região e ao País. Venha a justíssima e almejada reparação dos danos, mas sem a proliferação de danos maiores, megalómanos, escandalosamente volumétricos, como muitos dos que são deferidos no Funchal.

O denominado wellfare de uma nação mede-se pelo bem-estar do seu povo, não pelos dinossauros de betão devoradores da paisagem e do ar que respiramos. E é neste programa de saúde e desporto, cultura e convivialidade que Machico investe no terreno. Sem alardes nem páginas de publicidade pagas do erário público. Após o Dia do Concelho, começa a Feira do Livro.

Foi sumamente gostoso estar com de Luís Represas, ao vivo, no último fim de semana, em Machico,  a sua voz límpida e sonora enchendo o Grande Largo, junto à praia, com o rumorejar das ondas em fundo orquestral. . E ouvi-lo recordar à multidão o dia em que cantou pela primeira vez nesta cidade, há 41 anos no palco aberto  da Ribeira Seca. Ele, Sérgio Godinho, Amélia Muge e o inolvidável TROVANTE. Aos quais poderíamos juntar Janita Salomé, Vitorino e os saudosos José Mário Branco e Pedro Barroso.

 

 

15-16.Mai.23

Martins Júnior

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domingo, 14 de maio de 2023

REMINISCÊNCIAS DE UM 13 DE MAIO NA COVA DA IRIA

 

    


Aconteceu, já lá vão duas décadas. Após a missa e o almoço de confraternização dos camaradas pertencentes ao Batalhão combatente.. em Cabo Delgado, Moçambique entre 1967-1969, passámos por Fátima, na precisa hora em que decorria a habitual e sempre extasiante procissão da despedida, com milhares de lenços brancos a acenar, qual revoada colossal de asas dançantes voando até à Imagem de gesso ou madeira alvacenta, levada aos ombros por entre  a multidão alvoroçada.

          Por mais dura que seja a sensibilidade do espectador, jamais ficará indiferente, impassível perante a vastidão ondulante em que se vê mergulhado. O pensamento deixa de sê-lo transforma-se em emoção inteira, transbordante.

          Mas “há sempre alguém que resiste”. Eu estava lá e tentei resistir à emoção.

          Pensei em Maria de Nazaré, a jovem mãe de dezasseis anos de idade, a mãe solícita, a vizinha sensível às carências de quem vive perto, Aquela que subiu à montanha ajudar a prima Isabel, grávida na velhice, Aquela que pediu ao Filho o ‘milagre’ da água transformada em vinho para que não se frustasse a alegria nas bodas de Caná, uma festa de casamento de gente pobre, trabalhadora. Maria, a Mulher igual às outras mulheres, indiferenciada,  na aparência , no traje, no semblante.

          Aos colegas ex-militares que comigo presenciavam o cenário inebriante de milhares de braços no ar em aclamação da Imagem, sussurrei baixinho (não fosse alguém censurar-me) estoutra emoção, uma pergunta sem resposta: “Se Maria, Mãe de Jesus, Aquela de Belém, de Nazaré, de Caná da Galileia, passasse agora por aqui no meio da multidão, Ela mesma, a autêntica, no seu traje humilde, ‘do cote’, e viesse um anjo lá das alturas dizer às pessoas: ‘Esta senhora é que é a verdadeira Mãe de Jesus, não aquela imagem” – achais, amigos, que o mar de lenços brancos voltar-se-ia para Ela?... Ou, pelo contrário, continuariam a cortejar a Imagem no andor – e quanto  à outra, a verdadeira, Ela passaria incógnita, anónima, sem alguém que lhe desse crédito?!...

          Pergunta sem resposta. Só depois de muita reflexão.

E se, em vez da escultura de José Tedim, fosse a da Senhora das Dores, da Conceição, da Luz, do Livramento, do Amparo, dos Remédios, do Calhau, da Aparecida, Guadalupe, etc., etc., etc., sairia assim a multidão numa ovação idêntica à da Senhora de Fátima?...

A pergunta é também dirigida a qualquer crente, peregrino ou não peregrino. Apenas adicionada com esta sinalética preventiva: Todas – centenas, milhares – são a mesma, uma só, Maria de Nazaré, esteja Ela onde estiver!

 

13-14.Mai.23

Martins Júnior      

quinta-feira, 11 de maio de 2023

OS TRÊS ”D” PARA OS 583 ANOS DO CONCELHO DE MACHICO

                                                                                


Não se apagaram ainda as 583 velas do aniversariante concelho, herdeiro da Capitania de Tristão Vaz Teixeira porque, à semelhança de todos os aniversários, Dia de Anos são todos os dias e todas as horas, pois se  a cada instante se morre, também a cada instante se renasce.

          Fiel aos ideais de Abril, foi Machico que em todo o arquipélago melhor concretizou os três “D” da Revolução dos Cravos: Descolonizar, Democratizar, Desenvolver. Quanto aos dois primeiros, nem é preciso orquestrar demonstrações espúrias, elas estão impressas no âmago destas gentes e no ar que aqui se respira. Machico deixou de ser uma colonia do partido único da Ilha, arregimentado na Quinta Vigia. E quando tal aconteceu, escancararam-se as goelas do poderoso adamastor de pés de barro e bradaram aos ventos e aos mares: “Para Machico nem um tostão”!

A partir dessa hora, Machico democratizou-se, vencendo não só a ditadura do ‘Estado Novo’, mas sobretudo a sua cria predilecta, a auto-cognominada ‘Madeira Nova’. E ao longo de quase meio século de vivência cívica tem dado a prova irrefragável de uma sociedade moderna onde vigoram as linhas mestras da alternância democrática. Aqui, impera no eleitorado a frontalidade de opções políticas, a plena  liberdade de escolha, sem recorrer a motejos, definições ou baldões depreciativos, quer aos vencidos quer aos vencedores. Vale a pena trazer à colação aquele olhar enviesado e aquela língua de galdéria duplicada de certo esquadrão “Wagner” que quando ganhava não se cansava de proclamar que Machico era um “povo inteligente” e quando perdia, Machico era “um país do terceiro mundo”. Felizmente, os machiquenses nunca se intimidaram com ameaças verbalizadas nem com ameaças armadilhadas. O caminho é para a frente, sabendo a grei e repetindo garbosamente o seu GPS, inscrito na sua génese: Sejam muitos os que ladram, o que importa é que a caravana  avança.

É deveras reconfortante ver um povo festejar o dia 8 de Maio de 1440 – a Primeira Capitania da Madeira doada pelo Infante D. Henrique a Tristão Vaz Teixeira – sob o signo e a bandeira da futura Revolução dos Cravos, protótipo de todas as reconquistas da Democracia e da Soberania Popular.

Falta ainda (estarão a questionar-me) falta o terceiro “D” – o Desenvolvimento, o cavalo quixotesco da batalha dos opositores e o seu confuso arpão de ataque a Machico. Pela amplitude e profundidade do tema, dedicarei o conteúdo do próximo blog. Até lá, prezados companheiros de jornada!

 

11.Mai.23

Martins Júnior

 

terça-feira, 9 de maio de 2023

NO “DIA DO CONCELHO”, O ANTECIPADO “DIA DA EUROPA”

                                                                      


    Vizinhos, justapostos, acrescentaria geminados – assim se apresentaram estreitamente unidos na cronologia e na mensagem  os dois dias maiores, 8 de Maio em Machico 8 e  9 de Maio na Europa. Após a reposição do dia maior do concelho na data histórica e cientificamente correcta - 8 de Maio de 1440, a outorga da Primeira Capitania da Madeira a Tristão Vaz Teixeira – a partir daí ficaram as duas efemérides coligadas, indissociáveis uma da outra. Não em volumetria mas no espírito.

         Numa Europa, feita manta de retalhos ensopada em sangue, sonhou Jean Monnet uma comunidade uníssona na “Alegria” de Beethoven, mas diversificada nos seus componentes  idiossincráticos, cada qual identificado na sua partitura originária e todas consubstanciadas na mesma sinfonia comunitária. Aguarela polícroma de todos os cambiantes, do mais ostensivo ao menos lustroso, mas todos diluídos, irmanados na mesma bandeira, qual mãe desvelada acolhendo todos os filhos, escutando mágoas, petições, demandas e anseios.

         Na sessão solene, ali estava o Estado Maior da Nação,, o Representante da República; o Poder Legislativo Regional, Presidente do Parlamento; o Poder Executivo, Secretário Regional da Educação; o Poder Local: Assembleia Municipal, as Câmaras de Machico, da Madeira e Porto Santo, as Juntas de Freguesia, os antigos autarcas, deputados nacionais, regionais, Universidade, Igreja, Escolas, Forças Militares e de Segurança, Funcionários, jovens, idosos, profissões indiferenciadas, enfim, estava ali uma “Europa” miniatural em espessura, mas autêntica na sua diversidade, abrangência e objectivos.

Mais notória foi esta trilogia cívica quando subiram à tribuna os oradores que, fiéis à matriz sócio-política que representavam, desempenharam-se com realismo,

estratégia reivindicativa e elegância literária. Tão diferente do ano transacto, em que o representante do Executivo Regional  permitiu-se encerrar a sessão com remoques

despropositados à Câmara Municipal, sabendo que o seu presidente não tinha hipótese de contestar.

Prova inequívoca da democraticidade europeia foi a palavra concedida a todos os líderes designados pelos grupos políticos com assento no parlamento municipal. Nada ficou por dizer e tudo foi plena e civicamente interpretado. Os louvores e distinções atribuídas pelo Município a funcionários, personalidades e associações espelharam à evidência a amplitude sociológica dos seus titulares, com predominância na vertente cultural.

A actuação da tuna infanto-juvenil (Tuna de Câmara de Machico) encerrou, qual cereja em cima do bolo, uma sessão exemplar, vigília aberta para o Grande “Dia da Europa”.

  De Machico ontem, 8 de Maio e de Bruxelas hoje, 9 de Maio, apraz-me dizer a mensagem que via todos os dias nessa linda Vila de Mocuba, Zambézia:

“Aqui, onde todos os caminhos se cruzam e todos os corações se abraçam”!  

 

         09.Mai.23

         Martins Júnior

 

segunda-feira, 8 de maio de 2023

JÁ NÃO HÁ DEMOCRACIAS DESSAS…

                                                                      


    Talvez não adivinhem quem são, onde estão ou de onde vieram elas - essas democracias. Pois bem, abram o LIVRO, nos chamados “Actos”, capitulo VI, 1-7 e logo achá-las-ão. Em nenhum império, em nenhum regime ateniense, muito menos espartano. Só numa pousada revolucionária, por mais contraditórios que pareçam estes dois conceitos.

         Mas é aí mesmo: na revolução que trouxe o Nazareno, cujo programa consistia na criação de uma pousada de ar puro no meio da poluição geral, onde todos tivessem o direito de respirar livremente a mesma clorofila verde e pujante. Onde todos pudessem optar pelo melhor e pelos melhores. Onde fossem pesadas na mesma balança os talentos, as qualidades e aptidões de cada cidadão.

         É a essa estância que se pode chamar a pousada revolucionária. Porque para lá chegar só há um atalho pedregoso - a revolução das mentalidades – e um oásis reconfortante – a liberdade fértil, ascendente. E foi isso mesmo que se passou então.

         No início da transformação global da sociedade sonhada pelo líder da Galileia, havia duas coordenadas em marcha: a formação de novos critérios e a acção coerente com esses critérios, nomeadamente o apoio aos estratos sociais mais vulneráveis ou em inferioridade de opções. Os sequazes de Jesus, os apóstolos, chegaram a um patamar de expansão tal que lhes era impossível segurar os dois compromissos: o ensino e a acção social. Até porque logo surgiram os protestos dos gregos convertidos, cujas viúvas eram descriminadas negativamente no “serviço das mesas”, era assim designado o apoio prestado às famílias.

Prioritário afigurava-se-lhes o ensino, conforme o mandato do Mestre.  Então propuseram à comunidade que escolhesse sete colaboradores, homens probos e de espírito solidário, a que chamaram diáconos, para as referidas funções complementares. E assim fizeram os primeiros cristãos. E assim se formou a Igreja primitiva, original. Os seus membros sentiam-se parte integrante da comunidade com deveres a cumprir e direitos a exercer, sobretudo, a intervir activamente na nomeação dos seus líderes. Assim foi até ao século V. Um dos mais ilustres Santos Doutores representativos da Era Patrística afirmava peremptoriamente: “Podem rejeitar o bispo que o povo não escolheu”.

    A Democracia real, autêntica! Sem leis nem decretos regulamentares, porque nascida de uma mentalidade,  ética e sociologicamente estruturada em valores humanos, transfigurados pela palavra de Pedro neste mesmo dia: “Vós, cristãos, sois povo eleito, sacerdócio real”.

Já não há democracias dessas… nem dentro nem fora da Igreja, das igrejas!

Quando iniciaremos a viagem de regresso às fontes?

 

Em tempo:

Saúdo o glorioso dia 8 de Maio de 1440 – o Dia do Concelho!

Após numerosas reuniões e consultas levadas a efeito pela Assembleia Municipal de Machico  junto das cinco freguesias, saiu vencedor o “8 de Maio”, porque foi nesse mesmo dia que, em 1440, o Infante Dom Henrique outorgou a Tristão Vaz Teixeira a Carta de Doação de Machico, como Primeira Capitania da Madeira. A do Funchal só surgiu dez anos depois, em 1450.

Machico celebra  583 anos de existência como entidade administrativa na história pátria!

Se continuássemos a celebrar no Dia dos Milagres, 1803, Machico teria apenas 220 anos de existência oficial.

Como foi possível – exclamava um munícipe – durante tanto tempo termos amputado a Machico 363 anos de história e 384 do seu achamento?!

Viva o Glorioso Dia 8 de Maio de 1440!

Viva o Patriótico Dia 8 de Maio de 2023!

Só quem renega Machico é que lhe nega a verdadeira idade.

E se os ingleses orgulham-se da sua Monarquia milenar, (todo o Mundo viu na Coroação do Rei Carlos III) como vamos nós, Gente de Machico, esconder o nosso glorioso Passado?!

 

7-8.Mai.2023

Martins Júnior

sábado, 6 de maio de 2023

83 ANOS DE CONCORDATA, ANTES FOSSEM DE DISCORDATA…

                                                                                                


         São 83 velas que poucos deram por elas. Os que se lembraram de apagá-las em cima de um bolo armadilhado  decerto compararam aos últimos acontecimentos que vinte milhões de olhos portugueses foram obrigados a contemplar ontem e anteontem na capital do país. Acordos e desacordos, enlaces e desenlaces, enfim, concordatas e discordatas domésticas, as “ùltimas Grandes Guerras” em Portugal, a que alguém já deu o sobrenome de “guerras do alecrim e da manjerona”.

         Decifrando a espécie de charada séria a que me venho referindo:

         Em 7 de Maio de 1940, Oliveira Salazar e Eugénio Pacelli, o Papa Pio XII (aquele que teceu largos elogios a Adolf Hitler) celebraram uma aliança político-religiosa, conhecida por “Concordata entre Portugal e a Santa Sé”, a que foi anexado o famoso “Acordo Missionário” para as colónias portuguesas.

          É uma tentação que vem do fundo da história: a ‘união de facto’, incestuosa porque híbrida, entre dois poderes, o político e o religioso. Razão primeira e última: são os mesmos os destinatários, a mesma massa humana, que tanto compra no balcão  do governo como no altar da igreja. Como tal, interessa aos dois produtores ter na mão os mesmos consumidores. Aqui, colocar-se-á  um ponto de honra: quem ganha e quem perde neste confronto; o produtor ou o consumidor, o poder bicéfalo ou o súbdito natural?

         A todos os regimes interessa-lhes a coexistência pacífica, a diplomacia que é sobretudo cínico-económica, aquilo que vem bem expresso nos  ‘jogos de cintura’ ou na velha máxima: “se não podes com o teu adversário junta-te a ele e ganharás”. Mesmo na dialéctica de sistemas rivais, é essa a estratégia mais eficaz. Porque  nos desenvolvimentos subsequentes é que estará o lucro, sendo certo e infalível que, tal como a levadia que bate na rocha, quem sai esmagado é o mexilhão.

         A Concordata de 1940 não foge a este escantilhão comprovado pela experiência. Após a implantação da República em 1910 e o Decreto da Separação do Estado das Igrejas, em 1911, a que se seguiram vagas de incerteza, umas vezes triunfantes para o poder político, outras favoráveis à mitra eclesiástica, mas sempre inseguras, efémeras, foi assinada em Roma  a Concordata entre os dois Estados: da parte da Igreja Católica, o Cardeal Luigi Magleone, Secretário de Estado da Santa Sé (que mal soa esta adjectivação à Igreja de Jesus de Nazaré!) e. da parte do Estado Português, Mário Figueiredo, antigo ministro da Justiça e dos Cultos, Eduardo Augusto Marques, antigo ministro das Colónias e Vasco Caetano de Quevedo, Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário junto da Santa Sé.

         Tal como sucede com a Constituição dos Estados soberanos, também a Concordata passou         por aperfeiçoamentos e correcções, a última das quais em 18 de Maio de 2004, assinada por José Manuel Durão Barroso (Estado Português) e Cardeal Augusto Sodano (Estado da Santa Sé).

         Acordos, convénios, tratados fazem parte de todas as sociedades, da maior à mais pequena. O que importa é sopesar os termos e os efeitos daí emergentes e estáveis. No tocante à Concordata, seria desde logo impensável  que Salazar (antigo seminarista) aceitasse uma transacção de que saísse perdedor. Não restam dúvidas da derrota da Igreja, personificada no Cardeal Cerejeira, a sua subserviência e, mais, o seu colaboracionismo ao regime salazarista, auto-silenciada na perseguição a católicos e padres progressistas, culminando esta abjecta cobardia na expulsão do país de Dom Manuel Ferreira  Gomes, bispo do Porto, após a carta aberta escrita a Salazar em defesa dos trabalhadores rurais da sua diocese. O já citado “Acordo Missionáro” mais não foi que uma peça instrutória do mais requintado colonialismo português que consolidou, se não de jure, mas de facto, o privilégio da nomeação de bispos dependente do agrément estatal.                                             


         Na comemoração desta efeméride, relevo aqui três cenários ocorridos na nossa Região,  declarados  resquícios do ‘Estado Novo’ na ‘Madeira Nova’, por cardada e maquiavélica “concordata” entre um petit-salazar e um petit-cerejeira reincarnado em vestes episcopais.

1)    A perseguição aos chamados “Padres do Pombal”, um grupo de sacerdotes de primeira água, residentes em comunidade na Rua do Pombal, Funchal, os quais viram-se obrigados a abandonar a Ilha, após o rebentamento de um violento explosivo na sua própria casa. Isto, em plena vivência do “25 de Abril”.

2)    O assalto e ocupação da igreja e residência paroquial da Ribeira Seca, Machico, em 1985, por 70 efectivos policiais durante 18 dias e 18 noites. Sem mandado judicial, apenas a mando do governo regional e do bispo diocesano. Ainda estão vivos os protagonistas do atentado.

3)    O processo judicial movido pelo governo regional contra o autor destas linhas, então padre suspenso a divinis, sob proposta e a pedido do bispo, apoiado na Base XV da Concordata de 1940 que conferia ao Estado desencadear acção nos tribunais  contra os clérigos “ pelo exercício abusivo de jurisdição e de funções eclesiásticas”.  A pretendida demanda resultou em vergonha e humilhação para as duas entidades queixosas, porque na hora do julgamento foi provado que a citada Base XV da Concordata de 1940 tinha sido revogada pela revisão da Concordata de 2004. A audiência nem chegou a começar, foi considerada nula a pretensão. Sem apelo nem agravo.  

Apraz-me recordar este mísero cortejo de agressões, atrocidades, massacres que a polícia secreta de Salazar escondeu e afogou nas prisões, exílios, deportações anónimas, à sombra maléfica e castradora da Concordata, hoje com 83 anos, decrépita e moribunda do ‘Estado Novo’, mas obsessiva por renascer como réptil enroscado na casca da ‘Madeira Nova’.

Por isso, em vez de Concordata, melhor  tivesse sido assinada uma veemente “Discordata”!

 

05. Mai.23

Martins Júnior