quarta-feira, 29 de março de 2023

FECHADO…

                                                                                    


Eles aí andam dependurados pelas esquinas: “Fechado para obras… Fechado para balanço… Fechado para férias… Fechado por insolvência… fechado por motivo de doença”… Eles multiplicam-se consoante os interesses, as circunstâncias, as estações do ano, do mês ou do dia.

         SENSO&CONSENSO também não foge ao estilo: “FECHADO PARA PROCESSO”!... Aqui, o Processo toma todo o peso da nomenclatura judicial e corre o risco de pisar a linha vermelha denominada “Segredo de Justiça”!

         Com o pré-aviso de encerramento quero manifestar aos meus compagnons de route (passe o galicismo) que, durante os próximos quinze dias, este blogue fechar-se-á aos epifenómenos que surgem como cogumelos de todas as cores  nas bancas do mercado publicitário. E tantos que eles são: guerras, orçamentos, ‘ivas’, ‘irs’ e ‘irc’, escândalos, assassinatos, vasos e marinhagens, um fervilhar de ondas que enchem manchetes e ecrãs. Ou se acaso tiverem guarida nestas páginas é porque todos se integram ou subsumem no referido ‘Processo’.

         Mais  que Processo, direi Mega-Processo – paradigma de todos os julgamentos fraudulentos que condenam à morte vítimas inocentes. Refiro-me àquele que deu origem a rios de tinta e a tsunamis de discursos e emoções, titulados da mesma forma – O Processo de Jesus – de que é expressão acabada a dramaturgia do italiano Diego Fabri.

         Atrevo-me a cair sob a alçada penal do “Segredo de Justiça”, porque se há algo que me revolta em toda a tramitação posterior, até aos nossos dias (!) é o espectáculo inebriante, quase estupefaciente, em que se envolve e cultua o hediondo crime, com total prejuízo dos exactos termos do Processo. Quem matou, Por que motivo matou, Como matou?...

 

         29.Mar.23

         Martins Júnior

segunda-feira, 27 de março de 2023

SEMPRE A CRIANÇA NO CENTRO DA HISTÓRIA – “SEM A DEVOLUÇÃO DAS CRIANÇAS UCRANIANAS, NUNCA HAVERÁ PAZ”

 

       


Ficamos aturdidos com os cenários de guerra de Mariupol e os massacres de Butcha, uma paisagem fatídica de escombros onde, há um ano, floresciam celeiros e cidades por toda a Ucrânia. Mas, talvez por isso,  nos passe desapercebido o massacre do futuro de um país, que muitos configuram como um claro genocídio perpetrado pela Federação Russa quando enche comboios e autocarros de milhares de crianças forçadas a separar-se dos pais e encaixotadas em estabelecimentos russos, onde têm de esquecer a própria língua materna e a memória do seu país.

         O jornal Le Monde, na sua edição do último fim-de-semana, chama a atenção de todo o mundo para este maquiavélico processo de russificação das futuras gerações e consequente destruição de uma civilização autóctone.

         Trata-se de uma veemente petição ao Tribunal Penal Internacional, subscrita por seis personalidades, entre as quais o escritor Jonathan Littell, em que são acusados Vladimir Putin e a comissária para os “direitos das crianças”, Maria Lvova-Belova, de organizar, já antes do 24 de Fevereiro/2022, a deportação em massa de menores retidos em instituições do Donbass, dando lugar à “maior operação de expulsões e adopções forçadas desde o fim da segunda guerra mundial”.

Denuncia a petição a “destruição psicológica” da identidade d.

e um povo, até com recurso à alteração de passaportes e à queima de livros.  .Quanto aos atentados criminosos – roubos, violações, câmaras de tortura, fossas funéreas, cortes de água e alimentos, electricidade e comunicações – são comparados ao “genocídio orquestrado por Stalin em 1932 e 1933, em que morreram quatro milhões de ucranianos e a que se seguiram deportações massivas”. Sublinha o texto dirigido ao TPI que estamos perante uma “política deliberada de destruição biológica e psicológica, destinada a desumanizar as vítimas e espalhar o terror em toda a população”.

O mandado de prisão a Putin e a Belova constitui a expressão genuína e consistente de quase um milhão de europeus que subscreveram tão justíssima pretensão, advertindo os restantes Estados a que façam  da deportação de crianças a inultrapassável “linha vermelha”, ao mesmo nível do respeito das fronteiras da Ucrânia.

         Na reportagem de Le Monde, ganha força global a palavra do Prémio Nobel da Paz, Aleksandra Matviichuk:

É nossa obrigação colocar os criminosos frente às suas responsabilidades e levar à justiça todos estes crimes de guerra. Os direitos humanos devem ser a base de todas as decisões políticas.

Mas o grande grito de alerta, a mais poderosa palavra de ordem para a reconquista da Paz é a que foi reproduzida no Conselho da Europa, em Reykjavik, e que ultrapassa os sinuosos tratados de cessar-fogo ou os invertebrados, porque interesseiros, planos de paz de Pequim. É pelos  alicerces do futuro que se vislumbra o mundo novo. Pelas crianças. Inscrevam já na Praça Vermelha o aviso do citado Conselho Europeu:

Jamais poderá desenhar-se qualquer perspectiva de Paz enquanto não regressarem à sua pátria todas as crianças deportadas em território russo.

A Criança – sempre a Criança – no centro da história !!!  

 

27.Mar,23

Martins Júnior

sábado, 25 de março de 2023

ABRIREI OS VOSSOS TÚMULOS!

                                                                


        Tremendo e exaltante o enigma profético que nos traz o LIVRO para este fim-de-semana!... Exerce-o o coveiro com a fria indiferença de quem soma uma unidade mais na contabilidade efémera dos dias. Dirige-o e supervisiona-o o médico legista nas labirínticas catacumbas das mortes problemáticas. Porventura, ainda, virão os familiares profanar os sete palmos de terra do ‘campo santo’ na macabra sofreguidão de achar hipotéticos pecúlios no bolso do defunto. Tremendo ofício o  de abrir sepulturas!

          Exaltante, porém, a mão gloriosa e benfazeja que traz no sigilo dos dedos a chave mágica de abrir os túmulos e deles fazer sair pujantes, redivivas, as ossadas jacentes nos subterrâneos irremovíveis do não-ser! Excelsa metamorfose de transformar a morte em esplendorosa manhã da Vida! Manhã de Páscoa!

         É este o clarim tumultuante e belo que, da longínqua vetustez da história, nos sobressalta o grito de Ezequiel Profeta em nome de Ihaveh:

         Abrirei os vossos túmulos. Far-vos-ei sair das sepulturas para regressardes felizes à Terra Prometida, `a vossa terra natal !!! (Ezeq. 17, 13-14).

         Séculos depois, será o próprio Nazareno a focalizar num só homem o grito extensivo a todos os mortais e a todas as eras dos tempos vindouros:

         Lázaro, sai desse túmulo para fora  (Jo.11, 1-41).

         Rodaram séculos e milénios, mas nem Ihaveh, nem Ezequiel, nem o proletário Taumaturgo de Nazaré voltaram (nem voltarão) a encher a amplidão do mundo com a trombeta invencível do mandato de outrora: “Sai daí para fora”! No entanto, outra sina não têm o planeta e os seus habitantes senão a mesma que de longe vem: Cair e Reerguer-se, Entardecer e Reamanhecer, Sepultar-se e Reviver, Morrer e ressuscitar! Porque Ihaveh, Ezequiel e Jesus já não vêm, mas entregaram aos humanos o empoderamento de abrirem as suas próprias sepulturas e delas saírem viçosos, prenhes da força genesíaca do primeiro exemplar saído das mãos do Supremo Arquitecto do Universo.    

         É por isso que às civilizações que morrem, outras se levantam. Por isso é também que aos antros do esclavagismo se erguem os braços inquebráveis dos libertadores que a história regista e arrastam consigo as primícias de um mundo novo!

         Acordem os estados e as nações e abram as valas comuns de todas as Ucrânias que há no mundo e, no corpo e na alma dos filhos,  façam voltar à Vida os milhares, milhões de vítimas inocentes.

         Redobrem da força anímica que lhes vem do coração as mulheres afegãs, iranianas, de todo o mundo, da mesma fibra de Joana d?Arc e Malala, e saiam à rua vitoriosas em nome e gratidão para com todas as mulheres barbaramente amortalhadas.  

         Juntem-se-se os humilhados e ofendidos do mundo inteiro até derrubar os tridentes do poder, do capital e da corrupção, arregimentados nos offshores dos impérios-sombra que nos esmagam.

         Se, como parasitas dos charcos, se multiplicam os coveiros da justiça e da alegria, cerremos fileiras, ergamos fronteiras para não  deixá-los passar. Ainda que nos custe um vaso capilar, um pé, uma mão, até um sopro de vida. Quem ressuscitou Lázaro deixou-nos o pré-aviso personificado em si mesmo: Se o grão de trigo caído na terra não se sepultar, ficará ele sozinho sem nunca dar fruto algum…  jamais ressuscitará. (Jo.12,24 ). Paradoxal, tremendo, mas exaltante!

           Quem sabe se, perto de nós, pisamos chão anónimo onde gemem vozes lancinantes numa angústia abafada sob os ossos passos indiferentes: “Levanta-me daqui, dá-me a tua mão”?!... Algum Lázaro talvez espere pela operacionalidade factual da nossa  voz: “Sai daí para fora”…

         E quem sabe se o mais profundo de ti, de mim mesmo, não estará a gritar para o frágil aparência do que somos  aquele silêncio insistente, perturbador: “Sai daí, desse fosso, dessa depressão, desse egoísmo, dessa letal indiferença. Regressar à vida está na tua mão”!  

         Se um só lázaro, passante mortal, ressuscita, é todo o mundo que com ele volta à Vida!

 

         25.Mar.23

         Martins Júnior

quinta-feira, 23 de março de 2023

QUANDO DIPLOMACIA É SIMULACRO DE HIPOCRISIA – UM ANTI-“PLANO DE PAZ”

                                                                                


Vem de longe a arte da prestidigitação, quer no teatro do palco, quer no anfiteatro da vida. No primeiro, o gesto farto, espectacular de uma das mãos esconde a falácia da outra, onde se aljava o truque, o tiro, a queda. No segundo, a mão dá lugar à palavra, ao sorriso mefistofélico e aos tratados oficiais. E tudo serve – puxemos atrás até encontrar o ardiloso “Cavalo de Tróia” – para iludir o interlocutor, seja o indivíduo, o clã e a classe, a tribo ou a nação.

         Supérfluo assinalar que é na política que a velha arte nunca envelhece. Quando não se estampa no rosto, lobriga-se-a no olhar e quando o discurso engana, os factos

denunciam, por acção ou omissão.

         Sem mais prolegómenos, quero trazer aqui a ‘arte fina’ do dragão chinês na visita à vizinha raposa russa, aquele enigmático e astuto – e, por isso, vencedor – esta primária e pós-czarina – perdida a aristocracia dos czares e ressabiada do ultrapassado império soviético. Do encontro, o que menos se sabe é aquilo, o mais importante, que se passou nos dourados, sumptuosos salões do Kremlin ente Putin e Xi Jimping. Do que transpira para o exterior – trocas comerciais, transportes, acordos vários – retomo o propagandeado “Plano de Paz” entre Rússia e Ucrânia, a expressão refinada da hipocrisia embalsamada na mais exímia diplomacia, como se demonstra pelo simples exercício silogístico:

         Nas premissas, proclama Xi  o princípio sagrado da “soberania do território”. Na conclusão do silogismo, o que resultou? O silêncio absoluto, nem foi tratado nos três dias do grande simpósio inter-imperial. Porquê? Porque a China tem no seu seio uma Ucrânia escondida: Taiwan! A ponto de já correr na gíria e na análise geopolítica internacional a exacta definição: “Taiwan é a Ucrânia chinesa”. A máscara de Xi – imperturbável como uma múmia e fulminante como a de um tigre – caíu por terra. Ao defender, supostamente, a soberania da Ucrânia, estará implicitamente a outorgar o estatuto independentista requisitado por Taiwan e que conta com a apoio expresso dos EUA, caso a China intervenha militarmente.

         Não é com gosto que abordo esta temática. Muito pelo contrário, cansa-me e revolta-me este mundo concêntrico em que nós, cidadãos comuns, ficamos reféns dos magnatas do capital, do armamento, da mais repugnante hipocrisia, em que quem nos aperta a mão prepara-se para afogar-nos o pescoço.

Xi Jimping’s e Putin’s andam por aí, talvez à nossa beira. Livrar-nos deles é a palavra de ordem!

 

         23.Mar.23

         Martins Júnior

terça-feira, 21 de março de 2023

“AS ÁRVORES MORREM DE PÉ” – UM EMBONDEIRO, ENXERTO DE CAFEZEIRO

 

             


Memorável Dia da Árvore, que se entrelaça com a Poesia!

         Entronizada no pódio da civilização, saudamo-la, a Árvore, conjuntamente a floresta, o bosque, o arbusto, a raiz, ramo, folhas, flores e frutos, todo o universo botânico que faz a terra mais verde e a vida mais bela

         À hora em que escrevo, uma Árvore gigante ficará definitivamente transplantada no Campo Santo de Campo Maior. Sublinho ‘transplantada’ - porque Rui Nabeiro, já no chão dos viventes, sempre foi aquela Árvore firme e frondosa, sempre agarrada à terra, em cujo redor todos, do maior ao mais pequeno, respiravam saúde física e mental, mais o verde da esperança.

         Os media encheram o país dos merecidos encómios expressos, quer pelas mais altas patentes do Estado, quer  pelo povo anónimo\campomaiorense. Daqui de longe, recolho o tríplice legado que nos deixa:

Primeiro:: O homem, o lugar, a condição. É o homem que eleva (ou rebaixa) o lugar e a condição em que nasceu. De uma terreola raiana do Alentejo profundo, ele fez a capital de um grande império e da sua condição proletária ergueu-se, a pulso, atingindo o galarim internacional  da riqueza e da fama. Daí, a minha ousadia de defini-lo como o embondeiro enxertado na humilde espécie da planta-cafezeiro. “Foi o café que me levou a  todo o mundo” – disse-o o próprio em recente entrevista.

         Segundo: A concepção do lucro. Enquanto para o grosso dos investidores só há lucro no volume do papel venável, nos depósitos bancários ou na opulência imobiliária, ele ultrapassou a metálica fasquia financeira e descobriu um outro estádio lucrativo: o da cultura,  do humanismo solidário e da felicidade global. Atesta-o, entre outras, a criação do   Centro Educativo ‘Alice Nabeiro’ para os filhos dos trabalhadores. O escritor José Luís Peixoto, no revelador romance Almoço de Domingo, inspirado em Rui Nabeiro, exprime-o claramente: “Destacaria nele o optimismo e a crença na possibilidade de construirmos alguma coisa melhor não só nas nossas condições pessoais e imediatas, mas no sentido de deixar um mundo melhor do que aquele que recebemos”. É este um lucro maior!

         Terceiro: A complementaridade entre Capital e Trabalho. A antinomia radical entre estes dois vectores indissociáveis da economia e que estão na génese de conflitos intermináveis, porque aparentemente inconciliáveis, ele resolveu-a na base do pensamento (conhecendo-o ou não) de Leão XIII através da Encíclica Rerum Novarum, publicada em 15 de Maio de 1891, há mais de um século, e que se formula no seguinte normativo: “A função social do capital e da propriedade privada”. Foi o que ele realizou, substituindo a clássica pirâmide burocrática da empresa, de Max Weber, pelo associativismo integrante entre patrão-operário, fazendo de cada trabalhador um co-produtor identificado com a empresa à qual vende a força do seu braço de trabalho, porque ambos, proporcionalmente, partilham dos lucros. Ele demonstrou factualmente que se pode ganhar riqueza distribuindo riqueza. Um projecto imbatível para os detentores do capital dos tempos actuais, onde impera a exploração desenfreada, sem escrúpulos! Lição oportuna  para aqueles que, no caso vertente em Portugal, se opõem à proposta “Mais Habitação” que faz das casas devolutas uma hipótese viável para as graves carências no sector!

         Rui Nabeiro deu nome e rumo à sua empresa – DELTA – designação que nos transporta ao livro do poeta Egito Gonçalves, O Amor Desagua em Delta, cuja mensagem aponta para a abertura altruísta - individual e social - em contraste com  o egoísmo hermético das classes dominantes. Ao empresário campomaiorense pode estender-se o primeiro parágrafo do Sermão da Montanha, quando se refere aos “pobres em espírito”. Ele, sendo rico, não reteve para si o que para outros é o bem maior: o dinheiro.

         Foi com um travo de emoção que revi, na RTP, o Dr. Mário Soares (de braço fracturado ao peito) entregar a Comenda do Mérito a Rui Nabeiro em 10 de Junho de 1995, no Pavilhão Rosa Mota, no Porto, a mesma cerimónia em que me foi atribuída idêntica distinção, num outro registo, pelo mesmo Presidente da República. Nos cumprimentos que então trocámos, sensibilizou-me a transparência do olhar e o sorriso sem mácula.

         O chamado “Pai de Campo Maior” partiu no Dia do Pai e sepulta-se hoje, Dia da Árvore e Dia da Primavera, prenúncio de que os valores que nos legou frutificarão em todas as estações da vida de quantos continuam a rota da existência.

E porque a Poesia tem hoje a sua morada cronológica, só me resta atribuir à memória de Rui Nabeiro aquele galardão que só às almas grandes está reservada: AS ÁRVORES MORREM DE PÉ!!!

 

         21.Mar.23

         Martins Júnior

domingo, 19 de março de 2023

A PIDE DO SÉCULO XX E A INQUISIÇÃO DO SÉCULO XVII NUM JULGAMENTO DE HÁ DOIS MIL ANOS

                                                                            


          Normativos do Código Penal oficial:

         Art.: 1º - A sentença já está lavrada: O Réu sai sempre condenado.

         Art.: 2º - As testemunhas discordantes são excluídas e/ou punidas..

         Art..: 3º - O Réu não tem direito a contraditório nem a recurso.

         Art.:  4º -  Nos casos omissos, remete-se para o Art.: 1ª.

 

         É a moldura processual de todos os códigos da ditadura. Desde tempos imemoriais, em todas civilizações e regimes onde a prepotência define o poder, aí ‘os dados estão lançados, sem apelo nem agravo e a justiça não passa de uma farsa travestida de togas negras ou paramentos vermelhos.

Se nos amedrontamos ainda hoje com as condenações sumárias da Pide salazarista e se nos queimam o cérebro as chamas da fogueira que os bispos franceses atearam ao corpo da jovem Jeanne d’Arc, proponho então a leitura do LIVRO (é fim-de-semana), capítulo 9, 1-41, narrado por João, Apóstolo e  Evangelista.

Personagens: um cego de nascença, protagonista do caso, curado pelo Nazareno, está intimado a negar, primeiro, o benefício alcançado e, mais importante, proibido de anunciar publicamente quem foi o seu autor. Na insistência positiva do ‘cego’, os juízes convocam os pais que, timidamente e sob a ameaça do poder do Templo, decidem-se pela abstenção, alegando que o filho é maior e tem direito a opinar sobre o caso. Chamam de novo o ‘milagrado’ que reitera o testemunho inicial. Por fim, é insultado, condenado e expulso da comunidade judaica.

É o ´clássico´ dos julgamentos subservientes ao poder ditatorial. Vale a pena reler o texto bíblico e nele detectar o cinismo capcioso dos Sumos-Sacerdotes que subrepticiamente delegam nos comparsas fariseus  a urdidura e o términus do processo inquisitorial.

Quando a tramitação do processo fica sob a alçada do poder religioso, então  o refinamento da práxis jurídico-canónjca atinge foros de um absolutismo inenarrável. Até chegar ao cúmulo de condenar um súbdito ou uma comunidade sem processo formado! Sei do que falo e a história confirma, sobretudo quando estão incestuosamente conectados o poder político e poder religioso.

Mais uma vez, nihil sub sole novi…

Por coincidência cronológica - e, para nós, simbólica, quase profética – a mensagem do LIVRO, lida e meditada em todo o orbe católico, evoca o atentado da aliança político-religiosa regional contra a igreja e povo da Ribeira Seca, em 1985, quando 70 efectivos policiais logo na madrugada de 27 de Fevereiro e sem mandado judicial devassaram adro, templo e residência paroquial. Volvidos, porém, 18 dias e 18 noites de ocupação ilegal – ocupação selvagem,  pode dizer-se -  abandonaram o local (também de madrugada!) no memorável 18 de Março de 1985. Fez ontem precisamente 38 anos!

Solidarizando-me com o ‘Cego Vitorioso’ do texto joanino e saudando na mesma data o glorioso “Dia do Pai”, não posso deixar de enviar as mais emotivas congratulações à valorosa comunidade da Ribeira Seca por mais este aniversário de uma luta digna da personalidade resiliente das suas gentes!

 

19.Mar.23

Martins Júnior

sexta-feira, 17 de março de 2023

ONDE O JOVEM NASCE VELHO, NADO MORTO

                                                                          


 

Em vez do pão que se parte e multiplica

Põem-lhes nas mãos a poção que sufoca

E come por dentro a alma nascitura

Sangue novo que cheira a sepultura

  

        17.Mar.23

         Martins Júnior

quarta-feira, 15 de março de 2023

O ELO MAIS FRACO QUEBROU AS ALGEMAS E ABRIU O PORTÃO

     

                                                                     


   O recheio que hoje trago à nossa mesa virtual - peço aos meus acompanhantes dos ‘Dias Ímpares’ - considerem uma adenda ao blogue anterior, recordando que ao Papa Francisco dei o (para uns apoucado, para mim supremo) cognome de “Elo mais fraco”, sendo ele, paradoxalmente, “O mais Poderoso” da cadeia hierárquica. Em certa medida, Jorge Bergoglio aproxima-se do seu protótipo, Aquele que, nos braços da própria Mãe, foi definido pelo ancião vidente  Simeão como “um sinal de contradição: libertação para uns, ruína para outros”.

         É de duas faces ocultas o elo mais fraco: física e ontologicamente é o que menos conta na férrea armadura coerciva da corrente que segura ou comprime tudo à sua volta; em contrapartida, ele é o mais ´poderoso´  na consistência da corrente, visto que dele depende a integridade do todo e, daí, a robustez interna do sistema e toda a sua eficácia externa. Por ser o mais frágil, pode abrir, compulsiva ou deliberadamente, as portas da Liberdade a quem vive acorrentado.

         Pouco ou nada sabem os milhões de crentes católicos sobre a secreta política administrativa do Vaticano. Desconhecem a tensão acesa, sob a majestosa Cúpula do Capitólio Romano, entre dois blocos: o dos conservadores cardinalícios, chefiados pela dupla “Emérito Ratziger/Carrdea Pell,                                                                          já falecidos, e actualmente pelo duríssimo cardeal alemão Gerhard Muller que, entre outras acusações, chama ditador ao Papa, quando afirma publicamente que “no círculo mágico em redor da Casa de Santa Marta não há liberdade de expressar críticas a Francisco”. O outro bloco residente na cúria romana, embora em minoria, mantém-se solidário na visão reformista de Bergoglio. Ninguém imagina a guerra surda que já está agitando os labirintos do futuro Consistório que votará um novo Papa. Ainda Francisco está vivo e no Vaticano já se contam espingardas para a mesa do voto consistorial…

         Se apenas se limitassem a meros episódios de jogos florais made in Vaticano, de pouco valeriam estas lutas intestinas. A gravidade do problema está na obstrução cerrada, ostensivamente declarada  pela ala conservadora contra  o sonho do homem “que veio do fim do mundo”: fazer regressar a Igreja Católica às verdadeiras fontes do Evangelho, priorizando os pobres, abraçando a natureza, cheirando à terra, promovendo a inclusão, desinfectando altares e solidéus, combatendo carreirismos e, directamente, extinguindo o poder absoluto do “papado fundamentalmente monárquico”, segundo a expressão do teólogo Richard Gaillardetz.

De onde se conclui que os piores inimigos da mensagem de Francisco Papa residem na sua própria casa de Roma, a seguir vêm os seus embaixadores (os tais núncios apostólicos) no estrangeiro,  muitíssimos bispos-reizinhos nos palacetes das dioceses e são os padres e fiéis piedosos aos quais não convém a transparência saudável do Nazareno. Os media de todos os países têm feito eco das barreiras que os próprios dignitários da Igreja opõem sistematicamente às novas propostas do Papa, entre as quais a ordenação de padres casados na Amazónia, em documento aprovado no sínodo local brasileiro, mas chumbado na cúria vaticana. Indubitavelmente, Francisco Papa, sendo o mais poderoso, continua o elo mais fraco.

 Para quem voltar-se, então,  o Supremo-Chefe e o Mais frágil Servo da Igreja, Servus Servorum Dei ?...  Não há outra luz neste obscuro túnel dogmático senão a outra Igreja – a Igreja Militante, o Povo crente, em oposição à Igreja Triunfante dos medalhados funcionários eclesiásticos!... Por isso, recorreu ao conceito prático-dinâmico da “Sinodalidade”, que terá o seu climax mais impressivo no Congresso Sinodal Mundial, em Setembro p.f., e onde – espera-se – serão reveladas as ressonâncias do Espírito nos diversos estratos – tão iguais e tão diferentes - da enorme  vastidão de toda a Cristandade, dispersa pelo mundo. Francisco aguarda ansiosamente as respostas dos católicos de todas as sensibilidades e de todas as etnias.

“O Espírito sopra onde quer”, diz o texto sagrado. Já que as elites faustosamente instaladas no Vaticano querem prender a fala e os braços do Papa, sejamos nós, os que moramos fora das muralhas romanas, a assimilar o Espírito evangélico e não termos medo de pisar as falaciosas ‘linhas vermelhas’, tal como fez Jesus de Nazaré face aos hierarcas de Jerusalém. O Papa agradece. Porque ele não pode fazê-lo de imediato, delega em nós, destinatários de todas as reformas da Igreja, essa tarefa inadiável.

Sejamos bandeirantes, humildes mas corajosos, deste sonho de Francisco, ainda que recaiam sobre as nossas cabeças os anátemas dos canónicos juristas diocesanos. Se estes nos condenarem, o Supremo Pontífice absolver-nos-á! Há casos exemplares. Trago um, bem patente aos olhos de todos: o Padre José Luís Rodrigues chamou o Padre Giselo Andrade como seu colega e colaborador nas paróquias de São Roque e São José, com o agrado dos cristãos paroquianos. Quando o Papa souber deste caso, ficará sumamente grato e dirá: “Estes já puseram em prática a exortação que proferi sobre o celibato eclesiástico, reconhecendo o Sacramento da Ordem a padres casados”.

É apenas um exemplo parcelar no vasto coro de temas basilares da nossa crença. Avancemos para outros que estejam ao nosso alcance. É nisto que consiste o apelo sinodal do líder cristão da Cátedra de Roma.

Perguntou-lhe um jornalista se sentia feliz e ele respondeu: Sim, sou feliz”! .Talvez porque fez – continua a fazer - a sua parte. Mas quanto ao desempenho da Igreja hierárquica e de muitos católicos de base, tenho para mim que a sua resposta seria a mesma que deu o nosso Prémio Nobel da Literatura: Vou morrer amargurado. .Pelo que falta fazer.

Ajudemos Francisco  a morrer sereno, afortunado. Porque ele – o elo mais fraco – quebrou as algemas da ditadura eclesiástica e abriu os portões da Liberdade do Povo de Deus!

 

         15.Mar,23

         Martins Júnior

segunda-feira, 13 de março de 2023

O MAIS PODEROSO É O ELO MAIS FRACO – DEZ ANOS É POUCO TEMPO!

                                                                    


       Ele disse que foram buscá-lo ao fim do mundo. Mas a verdade é que ele veio de outro mundo. Se atendermos ao figurino pontifical dos detentores da Cátedra Sacro-Profana da Roma católica apostólica, descobriremos sem sombra de dúvida que o actual ocupante do trono pontifício destoa frontalmente do triunfalismo oficial dos seus 265 predecessores.

Ousarei mesmo afirmar que assim como foi necessário um espírito revolucionário para reverter todo um passado da Cúpula Romana (e esse espírito incarnou em Bergoglio) assim também será preciso muito furor dogmático e muita insolência para reintroduzir caducas velharias anti-cristãs. E se o fizer, a Barca de Pedro voltará a naufragar na mundanidade vaporosa do descrédito total.

Tal foi a Grande Viagem de uma década venturosa para a Igreja e para o século XXI! Em dez anos, Francisco Papa deu mil voltas ao mundo, não as viagens quilométricas, de país em país, mas as outras mais profundas, o descer aos subterrâneos da condição humana, o mergulhar nos antros cavernosas da guerra, do armamento, da pobreza, da exclusão e até da própria Igreja Católica, numa introspecção corajosa de arremeter sem tréguas contra escândalos transformados em fantasmas antes sonegados pela hierarquia. Quanto à extensão e profundidade da obra do “Papa Cristão”, remeto para os escritos do Prof. Padre Anselmo Borges e do nosso conterrâneo Padre José Luís Rodrigues.

Mas é ingente, desmedida, a tarefa de Francisco Papa. Bem poderá ele inscrever no seu programa reformador o desabafo que Goethe deixou no seu ‘Fausto’: Ars longa vita brevis! Ciência e Arte é o que se lhe pede e o que o sucesso lhe exige. Porque a super-estrutura eclesiástica criou muralhas de bronze, castelos, torres de menagem, exércitos travestidos de fardas invisíveis, arquétipos cultistas, enfim, uma sedimentação gradual, mas consistente, que dois milénios se encarregaram de desvirtuar a transparência original do seu Fundador. E agora, que fazer?!… Certamente terão ecoado no consciente mais profundo de Giorgio Bergoglio o mandato de Ihaveh dirigido a Isaías e Jeremias: “Desde o ventre da tua mãe, Eu chamei-te para arrancares e plantares, para destruíres e construíres”…

Ciência e Arte – e uma couraça de ferro para tão dura epopeia! Entre outras, a cruzada de arrancar e destruir a mais insidiosa falácia anti-evangélica: o Estado do Vaticano, com toda a rede de diplomatas sediados em toda a esfera política dos poderosos do mundo, como que rivalizando com eles um estatuto bastardo, que Jesus de Nazaré nunca lhes teria outorgado. Seria talvez a prova de fogo que o Bispo de Roma daria para todo o sempre. Mas não conseguirá. Dez anos é pouco tempo, talvez um século! E, sobretudo, porque a corte palaciana não lho permite: os purpurados cardinalícios, os vergonhosamente chamados ‘núncios apostólicos’, monsenhores, bispos e toda a cadeia de subalternos serventuários.

A propósito, todos ouvimos e vimos a representante do movimento “Somos Igreja”, Maria João Sande Lemos, dizer  que os “padres deveriam manifestar-se contra a inacção dos bispos” no conhecido caso do abuso de menores por clérigos em Portugal. Nas entrelinhas, quereria ela dizer: o povo católico deveria fazer o mesmo aos padres.

E quem não pressente no semblante, sobretudo, no olhar meigo e ansioso do Papa aquele irreprimível pedido de acção “Ajudem-me neste trabalho”, traduzido diante da multidão apinhada na Praça de São Pedro, desde o primeiro dia do seu pontificado, há dez anos: “Rezem por mim”!

A renovação – chamem-lhe revolução, metamorfose, subversão ou reconquista – nunca advirá do vértice da pirâmide, mas da base dela, só das bases da sociedade, estejam onde estiverem. Sem o povo não há solução duradoura. É de nós, cidadãos comuns, crentes e não crentes, do nosso esforço de mentalização positiva e aberta, que depende o sucesso das lideranças. A de Francisco Papa, a da Igreja, a do nosso Planeta.

É a maior homenagem que podemos prestar a este visionário, Profeta do século XXI. E é aquela que mais deseja. Porque, sendo ele o mais poderoso, não deixa de ser o elo mais fraco.

 

13.Mar.23

Martins Júnior      

domingo, 12 de março de 2023

A RUA ESTÁ NA MODA, MAS PRIMEIRO FOI O DESERTO

 

                                


         Se o Poder não está na rua - na rua navega, como em mar revolto, o Contrapoder. Na hora que passa, o planeta assemelha.se a essa rua - .circular, interminável -  coalhada de multidões em alvoroço, bandeiras tremulantes mas ameaçadoras, cartazes que gritam mais alto que as clássicas palavras de ordem sem retorno, tais como “Escuta, o povo está em luta… Tá na hora d’ires embora… A gente unida jamais será vencida” – todo um glossário de guerra, traduzida em todos os reinos e línguas, desde o Ocidente ao Oriente, exceptuando os regimes ditatoriais, onde abrir a boca significa beber o veneno letal. Portugal, França, Reino Unido, Israel, Irão, Sudão, enfim, África ingovernável, Ásia insegura, Américas imprevisíveis. É caso para desafiar: Dá a volta ao mundo e diz-me onde não encontraste  a ‘Rua da Manif, a Praça da Revolta’.

         Nem é preciso consultar o manual do tumulto ou a sua génese. Parece tudo inato e plasmado nos neurónios subterrâneos do mundo que os humanos pisam e nele se contagiam. É o que descobrimos a olho nu no LIVRO, mais precisamente o ‘Éxodo’, capítulos XVI e XVII. Conta-se num breve parágrafo, subdividido em quatro alíneas:

1 – O povo hebreu está preso no Egipto do faraó Ramsés II, ´seculos XIV-XIII aC.

São 40 anos de cativeiro escravo, do qual Moisés, o Grande Libertador, conseguiu evadir gerações de conterrâneos seus, num confronto épico com o faraó. O povo vibrou de júbilo ao iniciar a viagem de regresso à sua pátria e aclamou Moisés como Supremo Herói.

2º - Mas a travessia do deserto exigia tenacidade, sacrifício e persistência, complemento incontornável da libertação gratuita. Sobrevieram constrangimentos, carências, fome, sede e era preciso ‘pagar o tributo’ do regresso. Mas os beneficiários da Liberdade não estavam dispostos a isso. E confrontaram Moisés com uma agressividade cega, assassina (queriam apedrejá-lo), recorrendo a argumentos desprovidos de toda a racionalidade, como os que se seguem:

3º - “Trouxeste-nos aqui para morrermos de fome e de sede. Melhor ficássemos no Egipto, onde tínhamos panelões de carne e pão com fartura” (16, 3). Estás a matar-nos à sede, os nossos filhos e os rebanhos que trouxemos connosco. (17, 1 sgs.).

4º - Moisés – o Grande Herói anti-faraó – tremeu perante o furor da multidão, fugiu incontrolado perante as gritos ameaçadores, escondeu-se por entre as dunas e clamou por socorro a Iaveh, que fez descer o maná, as codornizes e a água que Moisés fez brotar de um rochedo próximo. Aí, a horda selvática  voltou a entronizar Moisés como o Libertador de Israel, o povo eleito de Iaveh.

 

Neste fim-de-semana, 11 e 12 de Março, os crentes tiveram oportunidade de ler e ouvir o protótipo de todas as manif’s, guerras  e revoluções, desde as mais justas às mais requintadas de prepotência irracional, sejam elas de teor religioso, político, laboral, corporativo, gregário. Nihil sub sole novi - nada de novo debaixo do sol, adverte o brocardo latino.

À luz da revolta no deserto de há mais de três mil nos, importa analisar a atmosfera tumultuosa de todos os tempos, particularmente à dos dias que habitamos, desde a Federação Russa e similares às justíssimas reivindicações de quantos atravessam o calvário dos desertos que os homens fabricaram.

 

11-12.Mar.23

Martins Júnior   

quinta-feira, 9 de março de 2023

OS CRAVOS DE ABRIL NA UNIVERSIDADE PELA MÃO DE UMA JOVEM MULHER

                                                                           


        Alvíssaras mil pelo auspiciosa entrada do ”25 de Abril” nas cátedras  universitárias. Outras tantas por vermos redivivo meio século de um monumento que fez renascer Portugal. E. mais puro e saudável, é olharmos uma jovem Mulher (precisamente na atmosfera do Dia da Mulher) empunhar o Cravo Vermelho nos umbrais da nossa Universidade, tal qual a inesquecível Celeste Caeiro a colocar o flor da Liberdade no cano da espingarda do soldado naquela manhã libertadora de Abril/74.

            É a segunda vez que, no início de 2023, duas teses simultâneas privilegiaram, em fundo inspirador, a gloriosa data da Democracia: uma, a de Bernardo Martins (tese de Doutoramento) a que já me referi, a outra de Elda Jéssica Freitas Olim (tese de Mestrado) intitulada “O PAPEL DA MULHER NO 25 DE ABRIL NA ILHA DA MADEIRA”. Para o autor deste blog, um gosto suplementar adiciona-se a esta dupla produção histórico-literária:  Doutor e Mestra são oriundos de Machico ”Terra de Abril”, com isto significando que a inspiração das duas teses reflecte a sensibilidade e a idiossincrasia de um povo.

            O estudo de Jéssica Olim merece uma atenção redobrada pela profundidade da investigação, pela imparcialidade de análise, a que se junta o direito ao contraditório exercido pelos interlocutores constantes do texto. Trata-se de  uma esclarecedora “banda larga” da evolução do estatuto da Mulher, desde A Idade Média, o Renascimento, passando pelo galarim de Mulheres escritores, médicas, vanguardistas pelos Direitos da Mulher, o Código de 1886, a transição do regime em 1910 e como que cristalizando na CRP de 1933 até chegar à almejada manhã de Abril/74, com a nova CRP de 1976. Os desenvolvimentos pós-revolucionários estão criteriosamente descritos, associados e/ou confrontados com o papel da Mulher na sociedade. A situação económica, os tabus atávicos, a Igreja, o associativismo crescente, os partidos políticos, enfim, o cenário holístico daquela época está meticulosamente mapeado na tese de Jéssica Olim. Quem acompanhar a sua monografia – e merece uma ampla divulgação – terá uma visão global da Região Autónoma da Madeira no pós-25 de Abril.

            Relevante e demonstrativo  da consciência crítica da autora é a diversidade das Mulheres entrevistadas, desde professoras, bordadeiras, sindicalistas, autarcas, funcionárias públicas, emigrantes, com predominância para as domésticas rurais, as que mais sofreram com o regime pré-esclavagista da colonia, o qual constituiu o grande estímulo da ‘insurreição’ dos camponeses e da forte participação feminina, pioneira nas lutas que então mudaram o panorama político-social insular.

            No rescaldo do DIA Mundial da Mulher, a obra da Mestra Jéssica Olim assume-se como um dos mais preciosos contributos para a historiografia e para a dignificação da Mulher Madeirense. Alvíssaras renovadas!

 

            09.Mar.23

            Martins Júnior   

quarta-feira, 8 de março de 2023

FRAGMENTO APÓCRIFO DO LIVRO DO GÉNESIS PARA O DIA DAS MULHERES

 

                                       


            À hora em que o escriba invisível toma a pena de um esbelto ganso para traçar o episódio maior da Criação, já a noite caíu no silêncio angélico do divino  Éden .

O Demiurgo Taumaturgo ALAIHAVEH passeia-se sob um luar de mel silvestre, feliz por ter dado ao homem a estância mais bela do Universo saído das suas mãos. Encontra o formoso Adão recostado ao tronco de um sicómoro, em sono profundo, entrecortado por monossílabos delirantes, quase imperceptíveis: “Pa…reci…da…co…mi..go…Pa…reci…da…”. O Supremo Demiurgo afastou-se e entendeu a tristeza que todos os dias o possante Adão mal disfarçava: em todo o concerto idílico do paraíso terreal não achava quem lhe falasse, quem o escutasse, quem amasse e fosse amado. Era a libido genética que lhe subia dos pés ao cérebro e não achava eco nos pássaros multicolores, nos jardins suspensos, nos portentosos elefantes. Por mais de uma vez ousara pedir ao Criador: “Dá-me uma companheira parecida comigo”.

ALAIHAVEH decidiu: “Adão tem razão. Far-lhe-ei a vontade. Será tão semelhante quanto ele, quase igual, que até vou tirá-la do seu próprio corpo”.

Era a noite sétima do terceiro mês lunar. A diva mão demiúrgica teleguiou os passos de Adão, levou-o ao longo da olorosa alameda das espécies tropicais, sem sequer olhar para a “Árvore Proibida”, e deu-lhe a comer a polpa vermelha, de elevado índice capitoso e teor narcótico, de um raro cajueiro escondido na periferia do babilónico jardim. E ali mesmo, sob anestesia perfeita, estendeu-se imobilizado o protótipo da Humanidade.

Na madrugada do oitavo dia do mês – a que os futuros humanos chamariam Março de Marte – Adão sentiu a falta de uma costela no flanco esquerdo, olhou ALAIHAVEH, que logo lhe apontou para a obra-prima da Criação: a Mulher.  Prima inter Pares futuri. “Parecida, quase igual a mim, mais bela e esplendorosa” – soltou a voz adâmica aos pés do Demiurgo, uma voz tão retumbante que convocou todo o reino animal do paraíso, desde as aves de plumas voadoras até aos répteis e remansosos dinossauros, todos ajoelhados diante da Mulher e do seu poderoso Taumaturgo, patrono dos cirurgiões e esteticistas vindouros.

“EVA” será seu nominativo – sentenciou-lhe o Criador - por ser a Mãe Universal de todos os humanos a haver e a multiplicar-se neste planeta que vos dei ”. Mas Adão, assaltado pelo primeiro ciúme de perder o ceptro real, Primus inter Pares, interpôs-se, perdeu a inocência original e logo impôs-se: “Não, Supremo Ser, tal não será, jamais. Se nasceu da costela, não passará acima da chinela”! O espanto arrebatou as vísceras dos animais em redor, mais penosas as belas fêmeas atingidas pelo bastão condenatório do pérfido Adão.

ALAIHAVEH entristeceu-se, empalideceu de vergonha, voltou o rosto para os altos penhascos, para as planícies e para os fundos abismos, ainda por descobrir, na terra e no mar, e bradou aos quatro ventos: “Morreu aqui o Éden que sonhei para os mortais. Hoje abriu.se a selva humana, a primeira pedra da guerra interminável dos sexos e dos géneros. E antes que outros venham proclamar, sou Eu, ALAIHAVEH, Deus Único e Criador, sou Eu – e voltou-se para EVA – que vos aviso e previno: “MULHERES DE TODO O MUNDO, UNI-VOS”!

De passo pesado e semblante carregado de arrependido pela obra criada, subiu à mais inacessível montanha quase a tocar as estrelas e vaticinou:

“Tempos virão em que Tu, Mulher, cumprirás a sina maldita a que o homem te condena: Serás sinal de contradição, salvação para uns, ruína para outros. Darás à luz entre dores. E entre dores e silêncios comerás o pão que Lúcifer servir-te-á, seduzir-te-á, devorar-te-á. Tentarás, como a serpente, morder o calcanhar de quem te persegue e passarás de perseguida a perseguidora. Vejo-te traidora e assassina, Medeia desgrenhada e feia, vejo-te Agripina, Pandora, Vitória rainha sem entranhas”.

ALAIHAVEH, exausto, sufocou a voz trémula que lhe caía dos lábios crestados pelo desgosto. Mas clareou o olhar turvo, viu o sol pespontando a fímbria nocturna das cordilheiras além, e arrancou do peito o Cântico Final da sua obra:

“ Tu vencerás! Vejo-te Penélope, graciosa e firme, esperando contra toda a esperança pelo seu Ulisses. Vejo-te Maria de Nazaré, sensível e estóica como ninguém. Vejo-te Joana d’Arc, jovem e líder, aquela que, como Fénix renascida, das cinzas da fogueira voou para as excelsas aras do Templo. Vejo-te Teresa de Calcutá, malsinada pelos hierarcas de outras sinagogas, por encher de pão as magras mãos vazias. E vejo Malala e Mahisa, chegam até mim os abafados gemidos dessas meninas envenenadas aqui bem perto, no futuro Irão – sangue pisado das mártires derrotadas, mas sementes da grande bandeira da Vitória da Mulher”.

Mais não disse. Uma nuvem escondeu-o, levando-o entre as galáxias celestes. Mas, como se um estrondoso trovão estremecesse as raízes de todo o jardim tropical, irrompeu a trombeta do Juízo Final, a voz primeira de ALAIHAVEH, dirigida a EVA condenada, não pelo Criador, mas pelo homem criado:

“MULHERES DE TODO O MUNDO, UNI-VOS” !!!

  

  7-8. Mar. 2023: Dia das Mulheres

Martins Júnior

 

domingo, 5 de março de 2023

OURO EM PORT8UGAL – DE NOVO “DUO OURO NEGRO” DO MAIS FINO QUILATE

                                                                                


É preciso respirar o ar puro de uma nova manhã. É preciso sair à rua, nãos apenas de punhos fechados, mas de braços abertos – tão abertos e tão extensos que cubram os escombros das neuroses da mãe-natura e as ossadas em que o selvagem homem pré-histórico quer transformar  o que resta do planeta azul.

            E a manhã clara viaja até nós na epiderme negra de um novo “duo” – Auriol Dongmo e Pedro Pichardo – vitoriosos nas pistas turcas da lendária  Istambul.

No coração do Ouro ao peito dos medalhados brilha prioritariamente o seu esforço pessoal, a resiliência de ânimo e o investimento orgânico, a que se junta a vontade indómita de vencer barreiras, não tanto as da pista, mas as côr da pele e do estigma migratório. E para Portugal não menos avultam os melhores louros do sucesso por ter dado ao mundo uma inequívoca prova  de multiculturidade étnica  e amplo sentido de acolhimento, cujo saldo final fica bem patente e supervalorizado em eventos internacionais de alto nível. Está suficientemente demonstrado que o imigrante –  somos país e regiões marcadas pela emigração – em vez de pesar como encargo público, evidencia-se de forma notória como factor de crescimento e prestígio civilizacional.

Aos que teimam em reacender na forja do racismo o ferrete da exclusão cega e hostil, o ouro da dupla Auriol-Pichardo proclama urbi et orbi a candente mensagem de António Gedeão no  poema A Lágrima de Preta, cientificamente analisada em laboratório, concluindo com um misto de eloquência e cáustica ironia:

                                               Nem sombra de negro

                                               Nem vestígios de ódio

                                               Água (quase tudo)

                                               E cloreto de sódio

            “Duo Ouro Negro” - cognominei a dupla vencedora que, mais uma vez,  catapultou Portugal no mundo desportivo e multiétnico. Fi-lo e não lhe resisti, porque as ondas hertzianas que me circulam no cérebro e no coração trouxeram-me os tonalidades cativantes e mobilizadores do Raul Indipwo e do Milo MacMahon, o famoso DUO OURO NEGRO, nascido em Angola, que enfeitiçou o universo musical português e não só durante três décadas do século passado. Recordo a sua presença entre nós em 1982 e aquela canção emblemática em pleno centro da então Vila de Machico: Os homens fizeram Um acordo final, Acabar com a fome, Acabar com a guerra, Viver em amor.

            Os acordes deste Acordo Final ainda ecoam, por certo, no subconsciente sonoro daqueles que ouviram o famoso Duo e, por isso, quis juntá-los na mesma partitura da nova dupla Auriol-Pichardo, reeditando no século XXI a mesma saga de universalismo cultural como uma pista segura para a Paz no mundo.

Tempo de respirar um sopro de ar puro do optimismo e da esperança!

 

05.Mar.23

Martins Júnior