Ele
disse que foram buscá-lo ao fim do mundo. Mas a verdade é que ele veio de outro
mundo. Se atendermos ao figurino pontifical dos detentores da Cátedra Sacro-Profana
da Roma católica apostólica, descobriremos sem sombra de dúvida que o actual
ocupante do trono pontifício destoa frontalmente do triunfalismo oficial dos
seus 265 predecessores.
Ousarei
mesmo afirmar que assim como foi necessário um espírito revolucionário para reverter
todo um passado da Cúpula Romana (e esse espírito incarnou em Bergoglio) assim
também será preciso muito furor dogmático e muita insolência para reintroduzir
caducas velharias anti-cristãs. E se o fizer, a Barca de Pedro voltará a
naufragar na mundanidade vaporosa do descrédito total.
Tal
foi a Grande Viagem de uma década venturosa para a Igreja e para o século XXI! Em
dez anos, Francisco Papa deu mil voltas ao mundo, não as viagens quilométricas,
de país em país, mas as outras mais profundas, o descer aos subterrâneos da
condição humana, o mergulhar nos antros cavernosas da guerra, do armamento, da pobreza,
da exclusão e até da própria Igreja Católica, numa introspecção corajosa de arremeter
sem tréguas contra escândalos transformados em fantasmas antes sonegados pela
hierarquia. Quanto à extensão e profundidade da obra do “Papa Cristão”, remeto
para os escritos do Prof. Padre Anselmo Borges e do nosso conterrâneo Padre
José Luís Rodrigues.
Mas
é ingente, desmedida, a tarefa de Francisco Papa. Bem poderá ele inscrever no
seu programa reformador o desabafo que Goethe deixou no seu ‘Fausto’: Ars
longa vita brevis! Ciência e Arte é o que se lhe pede e o que o sucesso lhe
exige. Porque a super-estrutura eclesiástica criou muralhas de bronze, castelos,
torres de menagem, exércitos travestidos de fardas invisíveis, arquétipos cultistas,
enfim, uma sedimentação gradual, mas consistente, que dois milénios se
encarregaram de desvirtuar a transparência original do seu Fundador. E agora,
que fazer?!… Certamente terão ecoado no consciente mais profundo de Giorgio
Bergoglio o mandato de Ihaveh dirigido a Isaías e Jeremias: “Desde o ventre da
tua mãe, Eu chamei-te para arrancares e plantares, para destruíres e
construíres”…
Ciência
e Arte – e uma couraça de ferro para tão dura epopeia! Entre outras, a cruzada
de arrancar e destruir a mais insidiosa falácia anti-evangélica: o Estado do
Vaticano, com toda a rede de diplomatas sediados em toda a esfera política dos
poderosos do mundo, como que rivalizando com eles um estatuto bastardo, que
Jesus de Nazaré nunca lhes teria outorgado. Seria talvez a prova de fogo que o
Bispo de Roma daria para todo o sempre. Mas não conseguirá. Dez anos é pouco
tempo, talvez um século! E, sobretudo, porque a corte palaciana não lho permite:
os purpurados cardinalícios, os vergonhosamente chamados ‘núncios apostólicos’,
monsenhores, bispos e toda a cadeia de subalternos serventuários.
A
propósito, todos ouvimos e vimos a representante do movimento “Somos Igreja”, Maria
João Sande Lemos, dizer que os “padres deveriam
manifestar-se contra a inacção dos bispos” no conhecido caso do abuso de menores
por clérigos em Portugal. Nas entrelinhas, quereria ela dizer: o povo católico
deveria fazer o mesmo aos padres.
E
quem não pressente no semblante, sobretudo, no olhar meigo e ansioso do Papa aquele
irreprimível pedido de acção “Ajudem-me neste trabalho”, traduzido diante da
multidão apinhada na Praça de São Pedro, desde o primeiro dia do seu
pontificado, há dez anos: “Rezem por mim”!
A
renovação – chamem-lhe revolução, metamorfose, subversão ou reconquista – nunca
advirá do vértice da pirâmide, mas da base dela, só das bases da sociedade,
estejam onde estiverem. Sem o povo não há solução duradoura. É de nós, cidadãos
comuns, crentes e não crentes, do nosso esforço de mentalização positiva e
aberta, que depende o sucesso das lideranças. A de Francisco Papa, a da Igreja,
a do nosso Planeta.
É
a maior homenagem que podemos prestar a este visionário, Profeta do século XXI.
E é aquela que mais deseja. Porque, sendo ele o mais poderoso, não deixa de ser
o elo mais fraco.
13.Mar.23
Martins
Júnior
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