sábado, 20 de janeiro de 2024

“O QUE EU ANDEI PARA AQUI CHEGAR” … O ITINERANTE EMIGRANTE MIGRANTE !!!

                                                                         


 

        Era uma fagulha de sol. Ali foi o seu nascente. E após as quase 32000 rotações que o planeta deu em seu redor, ali chegou e aí fez o seu poente.

          E isso me basta. Recordá-lo para tê-lo presente. Não lhe moio a doce memória com qualificativos e superlativos que ele bem os merece, mas dispensa-os agora. Dessem-lhos em vida para, ao menos,  neutralizar os muitos drones que teve de enfrentar, a maior parte deles, de onde menos se esperava.

          Enquanto não chega a minha hora, retenho o que tantas vezes me dizia: “Lembras-te, Martins, que entrámos no mesmo dia e à mesma hora no Seminário Menor?!”. Há 73 anos. Depois, perdemo-nos de vista e voltámos a encontrar-nos na Zambézia, Moçambique, mais precisamente em Quelimane, onde foi ordenado sacerdote. Ele, no nobre ideal de missionário e eu na humilhante e forçada função de oficial capelão da tropa portuguesa na guerra colonial. Após décadas ao serviço dos emigrantes nos EUA, reentrou na sua ilha, onde educou ‘gente ajudando gente’. Eternamente grato me confesso pelas vezes que veio celebrar a Eucaristia ao povo da  Ribeira Seca. Fê-lo sempre pro bono, como era seu apanágio.

          Gentil e cívico como era, não recusaria mas intimamente dispensaria as honrarias tributadas pela hierarquia no seu funeral, após o ostracismo de requinte (e às vezes, grosseiro) com que a mesma hierarquia o tratou. Eu estava lá e vi. E ouvi-lhe a sentida mágoa. Nada de novo no ritual farisaico de certas exéquias, como a do Grande Padre Mário Tavares Figueira.

          Neste abraço ao colega octogenário, envolvo outros dois inesquecíveis amigos, o Pe. José Manuel de Freitas (ordenado no mesmo dia comigo pelo bispo David de Sousa em 15 de Agosto de 1962) e o extraordinário Pe. Dr. João Arnaldo Rufino da Silva, nosso eminente  professor. Ambos falecidos, mas para mim sempre vivos e recordados neste 19 de Janeiro, dia do seu aniversário natalício.

          A fagulha ardente que mantinha aceso o coração do Bernardino só tem agora um destino, como chama olímpica na nossa mão. De contrário, de nada valem incensos e mausoléus. Continuar a sua obra, no silêncio dos dias e neste breve episódio da vida, é a expressão exacta desse sol que não conhece poente.

 

17-19.Jan.24

Martins Júnior


segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

PASSATEMPOS ONOMÁSTICOS E COINCIDÊNCIAS GRITANTES

                                                                       


Ultrapassadas as folias barrocas, falaciosamente alcunhadas de Natal e Reis Magos (Belém está morta e sepulta há 100 dias), regresso ao LIVRO, onde nos é patenteado no primeiro dia da semana o episódio em que o Nazareno, com trinta anos de idade e no início de uma vida aberta ao público, procura colaboradores e simpatizantes para a arriscada campanha do seu projecto reformador da sociedade judaica. Convida Pedro, André, João, Tiago, Bartolomeu e, entre os Doze, contacta com um jovem especial – Ele o disse – ao qual saúda com uma simpatia e uma emoção invulgares, expressas neste discurso directo: “Ora, aqui está um verdadeiro israelita, autêntico, genuíno, sem sombra de hipocrisia”. A nenhum outro teceu semelhante elogio. E agregou-o logo ao grupo. Seu nome próprio: Netanyahu.

            Há nomes, outrora conceituados, quase sagrados, que hoje nos arrepiam, só de ouvi-los. Neste caso:: Israel, Neta Messias (associado a Jair Bolsonaro) e Netanyahu. Que diria o mesmo Jesus acerca do homónimo assassino de 24.000 palestinianos, entre eles quase 10.000 crianças, conterrâneas do Menino de Belém?!...

                                                               


            Hipocrisia e sadismo – o mínimo que se pode dizer – mostraram-no os ecrãs do dia 6 de Janeiro, o Dia de Natal dos Cristãos  Ortodoxos, mais precisamente na catedral de Moscovo. Poucas palavras, para não encobrir o hediondo, o contra-natura dos factos e dos actos praticados pelos facínoras protagonistas em palco:  O patriarca Kirilos, paramentado com a opulência imperial das casulas bordadas a ouro, alça aos céus os círios flamejantes, balança em redondas volutas o incenso capitoso, enquanto escancara o mote gutural do Gloria in excelsis ao Menino Nascido em Belém e logo o coro levanta as bizantinas arcadas do templo. Um festival de fé mágica, de um misticismo retintamente oriental para um povo rendido, comovido, ‘fidelíssimo’  ao Menino.

             Mas não é esse o protagonista e chefe de orquestra daquele mítico “baile de máscaras”. É outro. E está bem na vanguarda do fiel rebanho russo, reunido naquela assembleia festiva.  Benze-se, curva-se. ajoelha-se e logo põe vela super-reverente em honra do Menino, antes de falar ao piedoso auditório. Tem nome sonante: Vladimir Putin, ex-chefe do KGB, presidente da Federação, Superior Hierárquico do Patriarca Kirilos e Comandante Supremo das Forças Armadas.  O mesmo, Vladimir Putin, que nessa noite matou (fê-lo o seu exército) várias crianças em território ucraniano.

            Não consigo continuar. A emoção e a repulsa paralisam-se as mãos. Só me lembra o LIVRO, de novo, quando Herodes e Pilatos, que  “eram inimigos, mas no dia em que julgaram e condenaram Jesus tornaram-se amigos”. (Lucas, 23, 12). Putin e Netanyau estão nos antípodas, um do outro. Rússia e Israel são rivais. Mas ambos associam-se no infanticídio, um na Ucrânia, outro na Cisjordânia. Ambos cobertos com a sacrílega cortina da religião.

            Para completar a minha indignação sofrida, olho perto e longe e, em diversa proporção, recolho esta amarga conclusão: é para isto que servem e é nisto que convergem as religiões institucionais. Todas, todas, todas!

 

            13-15,Jan.24

            Martins Júnior


quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

POR QUE RECUSEI FESTEJAR NATAL ?!...

                                               


Caminheiro errante de uma estrela cadente

segui-lhe o rasto antigo

até às veredas dos três reis

a caminho do Oriente

eu, rei quarto sem trono nem abrigo,

nem ouro, mirra ou incenso

um bordão só

pesado como a vara de Moisés

pisado como o choro de Job

Cheguei e vi:

de Isaías o Livro falsário

mais as suas profecias

de um Infante imaginário

Príncipe da  Paz

entregue às armas de Israel, Hezbolah e Hamas

 

Vi Marias Mães de todos os filhos cisjordanos

Em fuga apavorada  até ao novo Egipto

pedra sobre pedra, grito sobre grito

 

no velho jumento gemendo uma revolta vergada

moribunda

ao chicote de mão imunda

 

Percorri os colunatos e nem sombra do Menino

nas palhas deitado

Meninos aos milhares eu vi

estendidos  esmagados

sob os escombros  berços a-céu-aberto

Cães e gatos apedrejdaos  

lambendo carne e ossos de mártires inocentes

 

Israel  Shalom e Bendita te exaltaram

Os filhos de Herodes e Caifás descendentes

de Caim, filho de Adão,

falcões Licud sedentos de samgue irmão

 

Israel maldita és

desde a hora em que chamaste o velho Jeová

Senhor Deus dos Exércitos

a comandar-te contra os filhos de Alá

 

Prisioneiro algemado na Terra Prometida

sem estrela já e  sem vereda de saída

pegue-se-me a língua ao céu da boca

se eu te cantar, Belém, aqui tão perto

Surdos decepados fiquem meus ouvidos

aos coros febris das Saturnálias

desde o sádico Moscovo à Roma das patrícias Bacanálias

de incenso e ouro e mitras e régias grinaldas

 

Embebedem de luz efémera mares e montes

de cada vale façam fogo  em festival de inferno

chamem-lhe halloween de sacros bisontes

românticas folias de carnaval de inverno,

 

Mas nunca  Estrela de Belém

nem Aquele Menino de sua Mãe

nem os nove mil Meninos de suas Mães

em caixões de betão armado caído ao chão

 

Sejam de luto duro altares e umbrais

emudeçam anjos de um ceu inexistente

 e suspendam todos os natais

enquanto lá nas bandas do Oriente

Belém, a Bem-Amada,

não  regressar à Pátria Libertada

 

07-9-11.Jan.24

Martins Júnior

sábado, 6 de janeiro de 2024

RESPIGOS DE NATAL E ANO NOVO

                                                                            


O estrondo das cinzas mortas que caíram em terra pesam mais que o estalo meteórico das lantejoulas suspensas dos astros…

 

                                                       


 

A que sabem e a que cheiram as napoleónicas celebrações do Natal e Ano Novo no Capitólio Vaticano?...

À apoteose da pólvora dos vencedores?

Ao sarcasmo e ao holocausto dos vencidos?

Ao pranto da bíblica Mãe Raquel perante os filhos mortos?

À entronização populista de David, “Sacerdote, Profeta e Rei”?

À opulência militar de Israel e de Jeovah, “Senhor Deus dos Exércitos ”?

À nudez putrefacta dos corpos sepultos entre os escombros?

                                                    


Enquanto Belém está  hoje mais esmagada e proscrita  que a Gruta de outrora, enquanto as mães fogem espavoridas com bebés ao colo a caminho do velho Egipto, deixando  milhares de crianças – os Meninos de hoje - assassinadas sob as ruinas de Gaza,

a Basílica Romana veste-se de gala, os titulares cardinalícios estreiam

 indumentária faraónica por entre possantes colunas salomónicas, a que não falta o ridículo quanto repugnante pelotão da Guarda Suíca,

e cantam, cantam, samodiam, alagam de luz eufórica o palácio papal, tudo em honra do Jesus Menino e Maria, sua Mãe”!!!

Tremenda contradição, senão mesmo despudorada hipocrisia.

Melhor cobrissem-se  de luto e suspendessem as anacrónicas loas a Israel e ao Menino.

Porque o único desejo do Menino não é ouvir salmos desfazados, mas sim libertar as Crianças de Belém, de Gaza, do mundoi inteiro!

 

1-3-5.Jan.24

Martins Júnior