sábado, 31 de julho de 2021

NA PONTE DOS BONS SINAIS…

                                                                              


Atravessemos a ponte. Doze vezes por ano, a mesma travessia. Entre hoje e amanhã, o mesmo que entre um ano e outro – entre todas as margens que nos levam a um novo projecto e a uma nova estrada. É aí, no tabuleiro da ponte, que se nos antolham, sinalizadas, as estações e os derivas da viagem. Visibilidade e cautela são os semáforos em riste.

E vamos atravessá-la, segurando nas mãos o LIVRO, como o mais amplo código de estrada. É o “modus essendi” de todas as minhas/nossas semanas. Com este ‘gps’ afinado, à ponte segura somar-se-á um rumo securitário. Espelho ou auto-retrato do que somos em público e/ou em privado:

                                               *

A ingratidão da espécie – vem em “Éxodo”, cap.16:

Os filhos de Israel, atravessando o deserto, rumo à sua pátria, revoltaram-se contra Moisés, por os haver libertado da escravidão do Egipto: ‘Lá, assim diziam, tínhamos carne nas panelas e pão com fartura. Aqui morremos de fome. Foi para isto que nos trouxestes de lá?...

A frustração do líder libertador!... Onde é que já vimos isto?... A libertação de um Povo não cai do céu nem se a espera na volta do correio: temos que ir buscá-la. E isso tem uma factura: a nossa participação/sacrifício!

                                               **

O egoísmo utilitarista – denunciou-o o Nazareno, em Jo. Cap.16;

Este povo vem atrás de mim, mas é para encher a barriga de pão e peixe’…

Mas quem mandou o liturgista romano situar estes textos numa época pré-eleitoral?... O Mestre e Pedagogos dos palestinianos desmontava-lhes a aparente opção  por Ele: ‘ vindes comigo só por interesseirismo”. Hoje, invertem-se os factores: os caçadores populistas correm atrás das presas com cabazes, subsídios, benesses, prebendas e afins… A sofreguidão não tem  máscaras nem limites!

                                               ***

No mercado do Pão, há mais que a côdea comestível – vem no mesmo capítulo:

Trabalhai, não apenas por essa comida  tão  frágil e caduca, que até apodrece e desaparece. Procurai  pão mais suculento, aquele que  perdura e dá para a vida presente e para a vida futura. Eu sou esse Pão!  

   Na voragem desenfreada pelo papel sonante – imune a todos os detergentes da engenharia do crime – há vida para além do pantanal financeiro corruptor e corrompido! Falta Ideia, falta Espírito, falta Amor!

Na “Ponte dos Bons Sinais”, entre Julho/Agosto de todas as vidas, aí ficam três indicadores de uma passagem segura.

 

31Jul/1.Ago.21

Martins Júnior  

          

quinta-feira, 29 de julho de 2021

METAMORFOSE NO CREMATÓRIO

                                                                      


o fogo queimou-lhe entranhas neurónios coração

mas não lhe tocou as mãos

de semeador sem tempo

 

e enquanto houver cravos a abrir

as cinzas serão estrelas…

 

29.Jul.21

Martins Júnior

terça-feira, 27 de julho de 2021

NA IMUNIDADE PERPÉTUA DO OLIMPO !

                                                                            


Quem transpôs os umbrais do Olimpo ganhou a imunidade perfeita – a imunidade perpétua dos deuses. “Nada os demove ou aflige” – diz o escritor sacro do ‘Livro da Sabedoria”. Nem o sopro de um fonema, nem um canto triunfal, nem a sombra de um avantesma com que, aqui por baixo, ‘o povo néscio se engana’ e se faz e desfaz.

Quem franqueou esse portal da Liberdade definitiva, -  intemporal e incorpórea– só lhe basta ter subido, por mérito próprio,  ao trono das Olimpíadas da História. Tudo o mais deixou, à entrada. Tudo o mais entregou à força da gravidade para gáudio ou para pasto entre os mortais, pobres condenados às galés do tempo.

OTELO SARAIVA DE CARVALHO!

Não precisa de mais nada para ser Grande. Ele subiu ao pódio da eternidade, onde não chegam os ecos dessa batracomiomaquia estridente e suicida em que se devoram os humanos como em ninho de lacraus.

Carregou aos ombros cinquenta anos de trevas e transformou-as em “Alvorada de Abril”; transportou nos braços corpos de jovens mortos e mutilados em terras coloniais e estancou a hemorragia de gerações de um país; apertou ao peito a angústia de centenas, milhares de presos nos ‘tarrafais’ da ditadura e abriu-lhes os portões da liberdade; misturou às suas as lágrimas dos familiares das vítimas; devolveu respiração e fala a um povo amordaçado, enfim,  limpou a face desfigurada da Nação Portuguesa e restituiu-lhe perante o mundo inteiro o brilho da sua renovada juventude.

Ele, o Herói, o Estratega, o Arquitecto de um Portugal Novo!

Ele, sendo o íman e epicentro da Revolução Maior, consubstanciou-se num mesmo tronco solidário e co-responsável – os “Capitães de Abril”!

Ele, sentinela vigilante dos rumos e desvios da Ideia Matriz, ardendo em fogo transparente e militante para que se cumprisse sempre  Abril em Portugal!

Ele, Homem do Povo, em 1976, ao lado do imortal ZECA AFONSO, cantando em Machico a “Grândola, Vila Morena”, empolgando a multidão.

Ele, em 2012, na Ribeira Seca, coração do vale de Tristão Vaz, com Francisco Fanhais e Janita Salomé, trauteando com os rurais a canção emblemática desta “Terra de Abril”:

Festa, Festa do Povo,

Do Povo que trabalha

E faz o mundo novo!

 

Mais 12 horas… e Otelo será uma revoada de cinzas nos céus de Alcabideche. Nos céus de Portugal. Nos céus do Mundo. Ele dispensa todos os louros com que possamos coroar-lhe a fronte.  E esfumam-se na atmosfera todos os vitupérios que pretendam atingi-lo. Porque  ganhou a imunidade congénita dos deuses do Olimpo.

Nós é que precisamos dele. Ontem, Hoje e Amanhã.

Situados na colina do Tempo, uma única hipótese de índole analéptica e retrospectiva analítica fará renascer o Protagonista de Abril  em cada encruzilhada da História:

Que seria Portugal, desde o ano 1974 – além “desta vil, nossa prisão servil” -  se não tivesse surgido no horizonte nacional o Libertador de nome   OTELO SARAIVA DE CARVALHO?!

Por razões circunstanciais e óbvias, não estarei no seu funeral. A que junto uma razão maior: Não estarei, porque OTELO não morreu !!!

Quando se fizer a História do nosso Portugal haverá sempre um "Antes de Otelo"  e um "Depois de Otelo". Porque haverá sempre um "Antes" e um "Depois/25 Abril" !!!

 

27.Jul,21

Martins Júnior

    

  

domingo, 25 de julho de 2021

DISTRIBUIDORES DO PÃO GLOBAL!

                                                                                


- Dou graças ao Pai, porque vos deu força e coragem para me seguirdes durante três dias ininterruptos… Gente boa e generosa que vós sois… Em verdade vos digo: já tendes o céu garantido… E agora elevai as vossas mãos, cantai comigo, se a voz vos der, e parti para as vossas casas, esfomeados mas abençoados por Deus Todo-Poderoso. E se algum de vós sucumbir na viagem la estarão os anjos, serafins e querubins à sua espera nas portas do Paraíso..

Este é o relato de um eventual Evangelho apócrifo, que faz a delícia de muitos devotos, cristãos piedosos, confessores, reverendos eclesiásticos, desde o sacrista ao pontífice.

Mas assim não fez Jesus. Pelo contrário, declarou perentoriamente:

- Tenho pena desta gente que me segue há três dias. Não posso deixá-los assim. Se os mando para casa, correm o risco de morrer de exaustão pelo caminho. E tu, Filipe, e vós, discípulos meus, ordeno-vos terminantemente: dai-lhes de comer, distribuí esses cinco pães e dois peixes por todos, até ficarem satisfeitos. E, depois,  recolhei os pedaços que sobrarem, para que nada seja desperdiçado”.

Esta narrativa, contada por João, capítulo VI, já não agrada tanto aos devotos supra-mencionados. Até criticam: “O que é que Jesus tem a ver com a fome daquelas cinco mil pessoas?... E que obrigação tem de lhes dar pão?... O que Jesus tem a fazer é ensinar a rezar, fazer sacrifícios e receber ofertas”.

Mantendo o compromisso hebdomadário de consultar o LIVRO, respiguei o presente episódio, sem mais comentários, além de Paulo aos Coríntios: “O que sobra na vossa mesa é o que falta na mesa de outros. É preciso que haja igualdade entre todos, e é o que dita a Escritura Sagrada”. E o Papa Francisco: “Há quem não queira sujar as mãos  com a pobreza alheia. Mas é necessário, imperativo”.

…………………………………………………………………..

Distribuidores do pão – eis a tarefa de todo o ser humano, ao longo da história. À cidade e à aldeia, ao domicílio e à pessoa singular. Há-os, aos milhares, distribuidores do pão, na maioria gente anónima e, em minoria, “aqueles que da lei da morte se vão libertando”. E são tantas as espécies do pão, - material, pedagógico, espiritual - pão holístico que mata as, também diversas, fomes que pululam pelo mundo.

  Com o pundonor e a contenção que a hora exige, trago hoje dois exemplares púbicos, ícones imarcescíveis de distribuidores daquele Pão que nos sustenta como Povo e que tantas vezes  subestimamos:

Do Pão da Solidariedade Insular –  Professor Virgílio Pereira!

Do Pão da Liberdade Nacional – Otelo Saraiva de Carvalho!

 

25.Jul.21

Martins Júnior

sexta-feira, 23 de julho de 2021

GRANDEZAS E MISÉRIAS DA VELHA AUTONOMIA: CONFISSÕES DE UM ROMÂNTICO COMPULSIVO

                                                                             


 

Deram-me as prosaicas musas esta inspiração de fazer associar a Autonomia ao mês do “ditador perpétuo”  Júlio César, o imperador romano que deu nome a Julho, o sétimo do ano. Estranha e contraditória coincidência, uma vez que, desde a nascença, Autonomia opõe-se à ditadura. Não terá sido por mero acaso que o “ditador perpétuo” morreu, na  própria assembleia do plenário do Senado,  às mãos dos representantes do Povo Romano, os senadores.

Através de provas e testemunhos presenciais deixei manifesto em escritos anteriores que as ambições autonómicas, com que os quarentões (quase cinquentões) detentores do poder pretendem entorpecer as populações, redundam em opulência de domínio sobre as mesmas populações. E do que vi e ainda vejo na minha ilha mantenho a amarga conclusão do último blog: Quanto mais autonomia para eles, menos Autonomia para o Povo! Assim se constroem as ditaduras. Basta pensar no sargento Hitler…

Então qual a solução? Quem a tem? E Onde e Quando e Como?

Longo percurso – ars longa vita brevis – que atravessa gerações! Já o vaticinara o DR.Fausto,  de Goethe. Porque, no Palácio da Autonomia, a chave de entrada e de saída está ao alcance dos seus constituintes, o Povo. Está na mão do Povo: Onde e Quando o Povo quiser. É aqui que brilha como estrela polar da história aquela inscrição de identidade sociológica: “Cada Povo tem o governo (o país, a região, a cidade, a aldeia) que merece”.

No prolongado itinerário pelo parlamento regional, quantas e tantas vezes balbuciava eu dentro do peito esta sentida petição: “Quem dera que estivessem naquela galeria as pessoas que votaram nesta gente”! Se vissem  ‘representantes seus’ repudiarem, amarfanharem, esmagarem propostas válidas, promotoras da civilização e da Autonomia de todos os madeirenses, sobretudo dos mais abandonados, aí abririam os olhos e poriam ordem na Casa. Aí, os ditos ‘autonomistas’ aprenderiam o Código da genuína Autonomia!

Mas não é fácil – com um misto de vergonha e maior  decepção o digo. Também sonhei com o poder efectivo  e vigilante do Povo, não apenas na urna do voto, mas na trajectória do seu exercício real, através dos eleitos. Mais: entendia eu, então, que não era aos segregados, às élites, aos diplomados, aos capitalistas que deveria ser entregue a defesa dos ‘humilhados e ofendidos’ da sociedade, os proletários e excluídos. Deveriam ser eles próprios, as classes trabalhadoras o ocupar o seu lugar na Tribuna do parlamento e à mesa do Orçamento.

Disse-o publicamente e cumpri. Eleito em 1976, (corria este mesmo mês de Julho) mantive-me como deputado durante três meses, após a sanha obstrutiva da maioria-que-esmaga. De seguida, cumpri a palavra: cedi o lugar a um operário da construção civil. Não entro em pormenores identificativos, por serem demasiado esclarecedores. Vou ao essencial, que é o que, até hoje, faz-me corar de desgosto e quase-vergonha: passados os quatro anos de mandato, o operário-deputado já era o líder local do partido, meu arqui-inimigo!... Explicações?! O homem era pobre, de poucas letras e de poucas lides. Do outro lado, imaginem. Recorro à ‘Velha Senhora’ de Francis Durrematt: “Compra-se tudo”!

Mas o poder de compra dos ditos ‘autonomistas’ atinge os letrados, os remediados, os bem-falantes. Tive um vice, na presidência do município que, aproximando-se o fim do mandato municipal e, coincidentemente, as eleições para o parlamento, pretendeu ser candidato a deputado, ao que lhe respondi “não vamos abandonar o barco, ficamos aqui até ao fim”. Dispenso-me de mais pormenores, embora esclarecedores também. O essencial: o vice demite-se e…surpresa: mais tarde aparece  como deputado pelo partido, meu arqui-inimigo… Sem mais comentários. Agora digam lá se não tem razão a ‘Velha Senhora’- “Compra-se tudo”?!...

No 45º aniversário da Bandeira e do Hino, está visto que a ‘Velha Senhora’ reincarnou nesta autonomia. Banqueira do Povo, a ’Velha Senhora’ do dramaturgo suíço comprou tudo na aldeia de Gullen: casas e casebres, mercearias, comboios, farmácias, bombeiros, escolas, clubes, associações e até igrejas.

Mas morreu. E Júlio César também, o ‘ditador perpétuo’ que baptizou o mês sétimo, o da autonomia.

Longo será o caminho. De gerações.

Mas a AUTONOMIA VENCERÁ!

 

23.Jul.21

Martins Júnior     

quarta-feira, 21 de julho de 2021

O GOVERNO MANDA REZAR E A IGREJA MANDA VOTAR - UMA AUTONOMIA PROMÍSCUA E ÀS AVESSAS!

                                                                           


É Dezembro o mês da ‘Festa’, Fevereiro o  Carnaval, Junho o de São João e Julho o da Autonomia. É por isso que lhe tenho  dedicado algumas destas linhas, sem a pretensão (que deveria ser um dever) de identificar e dissecar a génese dessa Autonomia que enche a boca, os pulmões e os bolsos dos seus ‘caixeiros-viajantes’. Referi-me já ao terrorismo bombista que deflagrou sobre a Madeira e Porto Santo entre 1975 e1978, altura esta em que cessaram os explosivos sobre pessoas e bens, uma conjuntura coincidente com a entrada em cena  de uma nova versão governamental na Região.

         Congratulo-me com as observações, mesmo discordantes, apostas aos meus textos anteriores, nomeadamente àquelas ‘divinas, caridosas mãos’ que, segundo os mesmos observadores, desactivaram uma caixa, marca BRIMA (Brigadas Revolucionárias da Ilha da Madeira) com 12 Kg de trotil, na ponte do Seixo, Água de Pena. Só que, segundo os mesmos observadores, as mãos que desactivaram (mentira, não foram elas, foi sim uma criança que casualmente ali passava)) foram as mesmas mãos que montaram os explosivos que dariam para estourar com todo aquele morro sobranceiro à ponte!!! … Contas a averbar um dia…

         Hoje, ficar-me-ei apenas por dois ‘dogmas’ definidores desta autonomia:

         1º - Quando Machico ganhou autonomamente a sua Junta de Freguesia, o plenipotenciário da Ilha estrebuchou, alto e péssimo som, urbi et orbi,: PARA MACHICO, NEM UM TOSTÃO !!!. Sem bem o disse, melhor o fez!

´Autonomia exclusivista, açambarcadora, totalitária, tribal! – é onde estamos ainda.

 2º - O despudor dos corifeus desta autonomia e a subserviência da Igreja -‘casta meretrix’, casta prostituta, já o dizia Santo Agostinho de Hipona, desde o século V – atingiram o climax (ridicule, mais charmant!) quando, à beira das eleições, o governante candidato mandava rezar e  o bispo de então mandava votar (sic!). Tudo isto aconteceu: tem nomes, números e datas! Aqui nesta ilha!

 

Tal qual o amianto dolosamente escondido nas terras nortenhas e agora descoberto, para vergonha nossa, também um dia ficará a nu esta autonomia e o contra-testemunho que ela vomita sobre Machico e sobre a Madeira.

Só com o Povo e as suas organizações, a Autonomia Vencerá !!!

É este o meu possível contributo para a verdadeira Autonomia da Madeira, dos Madeirenses, a Nossa Autonomia! Informar, esclarecer!

21.Jul,21

Martins Júnior

 

segunda-feira, 19 de julho de 2021

UMA FICÇÃO INÚTIL… FALO DO QUE VI!

                                                                       




Foi deveras enternecedor o brunch (passe o anglicismo) servilmente servido às 15 horas num salão, dito nobre, que um corredor separa de um redondo amarelado-cerúleo, dito parlamento regional. Corpos enfatuados, corações a baloiçar por detrás das gravatas furta-cores, e uma mão-cheia de bocas bebendo e resfolegando redacçõezinhas feitas na noite da véspera. Ressalve-se a elevação corajosa de três tribunos deputados. Quanto ao mais, uma pia liturgia encadernada, mastigada, repetidamente embalsamada. A avaliar pelo ritual, se lhe chamassem velório quadraria melhor àquilo que apelidaram de 45º aniversário da Assembleia Legislativa da RAM.

         O ‘menú’ já estava irremediavelmente talhado: Autonomia!

         Há 45 anos sem saber outra coisa. Nascida num paiol de pólvora e baptizada com a sotaina da Igreja (como tenho demonstrado em blogs

anteriores) a Autonomia tem sido despida, travestida, retalhada, partida e repartida, pintada e caiada e rebocada, de tantas modas e modos que hoje nem se lhe reconhece a verdadeira face, nem para que serve. Alguém que o bolor já lá tem disse um dia que “a Madeira é uma prostituta fina”. Isso mesmo fizeram da Autonomia: caçaram-na os antes-inimigos dela, esventraram-na, serviram-se dela como tribais famintos e encarceram-na no tal redondo amarelado.

         Falo do que vi. Em vez do seu trono de legislador isento e sentinela vigilante, tiraram-lhe a arma, cortaram-lhe a voz, decapitaram-lhe a alma e para ali ficou como escrava de quem lhe devia vassalagem e respeito. Fizeram dela um poço estagnado e inerte da Quinta-Vigia. Sem identidade, sem matriz, sem conta própria.

         Falo do que vi. Do desprezo pela Casa das Leis, roçando a boçalidade, das paranóias e esgares saídos, desbragados, dos charutos etilizados diante de todos os deputados. Falo dos inquéritos abafados, entre os quais o roubo das famosas pratas, a expulsão do deputado que publicamente denunciou os encobridores e, por isso, respondeu nos tribunais em processo movido pelos donos do redondo, tendo voltado depois, vitorioso, ao seu lugar de deputado.

Falo do que vi. Das vezes que foi preciso acordar à cama ou a procurá-los na noite funchalense os deputados da maioria para perfazerem o “quórum” necessário à votação de documentos imprescindíveis ao regular funcionamento da instituição.

Ali foram perpetradas agressões físicas, com o conluio  cobarde de funcionários industriados pelos chefes, chegando-se ao ponto de temer-se pela própria segurança circular nas primitivas instalações da Avenida Zarco. Incontáveis as agressões verbais da maioria, insultuosas, peçonhentas, irracionais, em cima de uma minoria indefesa, porque, ao pedido regimental de defesa, a resposta do presidente era bastas vezes um riso alarve, cínico, recachado no grosso cadeirão da grossa maioria. Mas sempre houve alguém (eu já não estava lá)  que abanou o cadeirão e o seu ocupante, depenando-lhe as plumas ‘vai 13’  de pavão arvorado em golias do redondo.

Falo do que vi. De um Presidente, propositadamente maiúsculo, que soube dirigir um parlamento dentro das estritas normas regimentais, fosse qual o deputado interveniente. E, por isso, por ter recusado a palavra a quem se julgava régulo, exterior, na Casa das Leis, foi coercivamente retirado numa votação feita à medida. Por isso, ficaste Grande, por mérito próprio, Emanuel Rodrigues, na história de Machico e na história da Madeira!

Vi mais. Vi que o troféu maior da subserviência do parlamento à quinta vigia consistiu em cuspir no prato onde comeu. Por outras palavras, esta Autonomia fez o mais ingrato embuste, metamorfose contra-natura: transformou o 25 de Abril de 1974 no 28 de Maio de 1926 !!! Sim, viu-se, toda a Madeira viu a proibição de comemorar, em sua morada genuína, o libertador “Dia 25 de Abril”, substituindo-o pela “festa”  do 24 de Abril.

Por isso, este parlamento nunca foi mais que uma ficção inútil e perigosa. Monta-se na dita Autonomia e branqueia (ou amareleja) todos os absurdos que sirvam para camuflar-se e aguentar-se acocorado, inclusive, levando ao trono (da ficção) um presidente mínimo, de uma facção mínima e perdedora.

Esta sensaboria pastosa da Autonomia nem foi capaz de disfarçar-se, mesmo mudando para os ouropéis de um salão, dito nobre. Do Senhor Presidente da República respiguei a mesma sensação de anomia, não só pela brevidade do texto, mas pelo discurso duplicado (que interpretei irónico) decalcado da maioria. Sublinhei a magia semântica do Professor quando, contando com a desatenção ou iliteracia dos ‘maiores’, fez a habilidosa referência ao “personificador singular de quase 40 anos de vida política da Madeira”. O mesmo que: “petit-salazar”. Bonito!

Falei um pouco daquilo que vi. E de tudo, ficou-me esta convicção, consolidada pelo tempo e pela observação directa: Quanto mais autonomia houver para essa classe dominadora, menos Autonomia terá o madeirense comum, as câmaras, as juntas, as colectividades de base, menos autónomo será o Povo!    

      

         19.Jul.21

         Martins Júnior

sábado, 17 de julho de 2021

UM “COMÍCIO” DO PROFETA JEREMIAS !

                                                                                    


Se toda a semana é mais um troço de viagem, seja ela caminhada no deserto ou escalada de montanha, chegamos ao fim  e sentimos que Sábado e Domingo são aquele oásis de conforto e auto-descoberta da condição existencial em que dia-a-dia nos movemos. A água fresca e a sombra das palmeiras acolhedoras – e, por vezes, agitadas – vamos encontra-las nas páginas do LIVRO, por excelência.

         Para este fim-de-semana, temos a crónica (há 2700 anos!) do ramerrão comum a todos os regimes e a todas as nações, coincidentemente com a trepidação que agita os dias de hoje. Trata-se da dialéctica inerente a todos os movimentos: políticos, económicos, culturais e sociais. Muito cirurgicamente no que concerne aos líderes e às crises de liderança. Momentos há tão nevrálgicos e decisivos para a vida de um país ou de uma religião, cuja solução passa inevitavelmente pela substituição dos seus titulares. No texto de Jeremias Profeta, eles são designados por pastores. Vejamos a frontalidade de Iahveh e a  dureza da  terapêutica aplicada:

         “Ai dos pastores que perdem e dispersam as ovelhas do meu rebanho! Sou Eu mesmo que lhes vou pedir contas. Eu reunirei o resto das minhas ovelhas dispersas e fá-las-ei voltar às suas pastagens para que cresçam e se multipliquem. Dar-lhes-ei pastores que as apascentem e não mais terão medo nem sobressaltos nem se perderá nenhuma delas. Farei surgir um rei verdadeiro que governará o país com sabedoria e exercerá o poder no direito e na justiça”. (Jeremias, 23, 1-6).

         Este foi o tempo de Josias e seus descendentes no trono, os quais levaram Israel à ruína, ao ponto de serem os exércitos desbaratados e o povo feito escravo do rei Nabucodonosor, da Babilónia, durante 70 anos, (século VII a/C).

         É a realidade de todos os tempos: os maus administradores da grei devem ser exonerados, escorraçados do lugar que ocupam e substituídos por outros que “governem no pleno exercício do direito e da justiça”. Não há outro antídoto nem vacina mais eficaz Nem há volta  a dar. É o LIVRO que nos fornece a receita. 

Mas há uma abissal distância de métodos e de acção. No Velho Testament6o – monarquia teocrática – fez-se crer ao povo que Deus era quem punha e dispunha dos impérios e nações, era Deus-Iahveh quem comandava os exércitos, enfim, era o mesmo que nomeava e destituía os monarcas, os líderes, tanto na vertente religiosa como na acção política.

         Hoje, é o povo que tem nas suas mãos o poder soberano. Assim deveria ser, sobretudo nos dois âmbitos já citados: na própria hierarquização dos poderes decisórios, tanto nas questões de índole confessional e administrativa, como nos requisitos para a boa condução da “pólis”.

         Quanto à primeira alínea – os pastores - temos visto os esforços do Papa Francisco com vista à participação de leigos e clérigos na reforma da Igreja, não obstante a destemperada e obsoleta oposição dos “corvos do Vaticano”, os cardeais. A chave do sucesso nesta área consiste na assunção, por parte dos cristãos, do seu papel interventivo na orgânica da Igreja, segundo a linha teológica do dominicano Yves Congar e do grande Hans Kung.

         Relativamente à segunda - os chefes, os líderes, os governantes – vem este texto bíblico na hora exacta. A transformação da sociedade está nas mãos dos “sócios”, isto é, dos constituintes da soberania e dos seus representantes. Já vem de longe o veredicto  que “um fraco rei faz fraca a forte gente”.

O Profeta Jeremias, enquanto interpretava a presença interventiva  de Iahveh  no rumo da sociedade israelita, não deixava de verberar com notória agressividade os monarcas, os sumos sacerdotes  e os juízes que desviavam os seus concidadãos do objectivo fulcral da governação, o “bem-estar global da população”.

Para bom intérprete, a lição hodierna do LIVRO abre-nos um outro Livro mais profundo e cortante – o da consciência cívica colectiva – que nos mobiliza até às raízes de nós próprios. E se a ingenuidade mítica da civilização hebraica endossava a Iahveh o desempenho que aos mortais competia, agora, três milénios volvidos, é tempo de entendermos, à vista desarmada, que o Justo Juiz da Humanidade deposita em nós o poder de mudar (quando necessário) os maus-pastores, os maus-líderes, os maus-condutores, até que as populações vivam sem medo nem sobressaltos” e se instaure à nossa volta o primado do “direito e da justiça”.

 

17.Jul.21

Martins Júnior

quinta-feira, 15 de julho de 2021

DESDE A BOMBA NO AVIÃO DA FAP À “JUSTIÇA PELAS PRÓPRIAS MÃOS”

                                                                       


           De onde viemos e para onde iremos – as duas grandes incógnitas que, em todo o percurso humano,  abalam e mobilizem toda a nossa actividade. Talvez essa a razão que tem suscitado a atenção de muitos daqueles que acompanham este blog, chegando-me aos ouvidos este desabafo, vindo de perto e de longe: “Eu não sabia nada disso, obrigado pelo teu testemunho”. E eu respondo que “ainda há muito que contar”.

A nossa (deles) autonomia não podemos ignorar, sobretudo porque nas veias e nos feitos dos ditos ‘autonomistas’ oficiais de  hoje ainda correm o sangue e a pólvora dos auto-arvorados bombistas de ontem.

Trago apenas mais dois episódios constitutivos desta autonomia, qual deles o mais arrepiante:

1ª – A bomba que destruiu um avião militar estacionado no aeroporto da Madeira. Destacado na ilha, para qualquer emergência na Madeira e Porto Santo, era sua missão súbita acudir ao primeiro alarme. No entanto, chegava a manhã e toda multidão viu ’o incrível’: alguém durante a noite tinha destruído à-bomba a face frontal do avião da Força Aérea Portuguesa. Quem o destruiu?... Não se soube até hoje quem pôs o explosivo. O que se sabe e o que se viu – ironia do destino - foi a mesma aeronave exposta à beira de uma estrada de Água de Pena durante anos. Mais uma vez, o bombismo ao serviço dos auto-proclamados propagandistas da pseudo-autonomia.

Foi neste braseiro que nasceu e cresceu a autonomia, caldeada a ferro-e-fogo. Até na placa intocável do nosso aeroporto! Era este o clima de terror e violência em que viviam os madeirenses há quarenta e sete anos, pós-25 de Abril. Mas não ficavam por aqui os explosivos da violência. Era preciso passá-los às ‘vias de facto’ para as mãos das massas populares. E foi assim:

2º - “Quando chegarem aqui certos indivíduos que vocês sabem quem são, para fazer comícios, não chamem  a polícia, não chamem o senhor presidente da câmara. Resolvam o caso pelas vossas próprias mãos”!

Eis a palavra de ordem pata todo o Arquipélago, desde o palco de Câmara de Lobos pelo, mais uma vez, auto-proclamado progenitor da autonomia, protegido do regime salazarista. Ao falar dos tais “indivíduos” referia-se a ouros partidos intervenientes no processo eleitora daquele ano.

Tudo se abafava sob os cobertores da autonomia (deles). Os jornais silenciavam. Por mais duro que pareça, repercutia-se aqui o anátema do fascismo salazarento: “Para ler-se noticiário da Madeira, tinha de procurar-se nos jornais do continente”!

A ameaça, o terror, a insegurança de pessoas e bens marcaram esta autonomia. O pior é que a herança ficou. E como madeirense, eu não sustentarei nunca que usem do meu, do nosso nome, para  se arvorarem em corifeus da autonomia aqueles que não deixam ao Povo um palmo de personalidade para afirmar o direito à sua cidadania plena, a autêntica cidadania autonómica.

Muito mais há que contar!

 

15.Jul.21

Martins Júnior

  .

        

 

terça-feira, 13 de julho de 2021

AUTONOMIA A FERRO E FOGO – O TERRORISMO À SOLTA !

                                                                             


Andamos nós - e anda todo o mundo – tremendamente apavorados com as cenas de terror que nos chegam da África do Sul, de Venezuela, de Cuba.  E poucos de nós, talvez, saibamos que em 1975 a Madeira e Porto Santo viviam em cima de paiol de fogo que não deixava ninguém dormir descansado. Abria a manhã e logo éramos ‘metralhados’ por mais um carro incendiado, uma casa destruída, um atentado perpetrado naquela noite.

         Uma diferença, porém, separa os dois cenários de guerra: lá por fora, o povo revolta-se contra os regimes totalitários, castradores do legítimo direito à liberdade. Na Madeira de 1975, o terrorismo organizado pelos corifeus locais da ditadura salazarista tinham como alvo destruir o “Cravo da Liberdade” restituído aos portugueses ilhéus pelo “25 de Abril de 1974”.

         Anda está por fazer a história desse período sangrento aqui no Arquipélago/Região. Há muito enigma por decifrar, há criminosos braçais e boçais escondidos na sombra das noites longas. Um dia há-de chegar  a hora de “Nuremberg”, como chegou para o regime nazi, e então tudo ficará aberto como um manual do mais sofisticado terror urbano. O madeirense do século XXI e seus vindouros têm o direito de saber como nasceu a Autonomia, esta em que vivemos.

         Por tratar-se de um testemunho de quem viveu e sofreu o terrorismo das “botas cardadas” (assim se orgulhavam os estrategas bombistas), vou enunciar apenas alguns tópicos suficientemente elucidativos:

         1º - O arsenal anti-25 de Abril funcionava nos subterrâneos da noite. O seu programa era exclusivamente nocturno, destruidor cego e surdo como a escuridão.. Os estrategas ficavam sempre na rectaguarda, escudados em “boa guarda”. Então, captavam jovens a quem incumbiam duas tarefas operacionais: uma, a de pintar paredes públicas e privadas com a bandeira da independência, acompanhada com palavras de ordem separatistas (“Portugal Fora”, “Rua com os portugueses”, “Morte ao 25 de Abril”). A outra tarefa, essa ignominiosa e criminosa, a de colocar os explosivos nas viaturas e nas residências dos previamente visados, cidadãos promotores dos valores democráticos de Abril. Uma vez caíu-lhes a maldição e foi no Porto Santo quando a bomba explodiu nas mãos do jovem portador antes de chegar ao objectivo.

         2º - Casos houve de desespero fatal, como o de um outro operacional que, após pena de prisão decretada pelo tribunal judicial, suicidou-se na própria cela da cadeia.

3º - Em Julho de 1976, um pacote de 12 Kilos de trotil, armadilhado com explosor eléctrico,  foi colocado sob a antiga Ponte do Seixo, de Água de Pena, para rebentar quando passasse uma determinada camioneta, completamente cheia de gente. Só não rebentou – viemos a saber mais tarde - porque um miúdo de 8 anos, a caminho da escola, (eram 8 da manhã) puxou por curiosidade os fios que accionavam o detonador. Não fora essa coincidência, não estaria eu aqui a prestar este testemunho.

4º - A prova indesmentível do abuso de menores, para o efeito descrito acima em 1º, - vergonhosa pedofilia política – está nas declarações prestadas publicamente há bem poucos dias por um dos tais estrategas nocturnos, dizendo que foi ele “que andou nessa noite a pintar determinadas paredes com as já citadas mensagens separatistas, acompanhando e dirigindo “miúdos de 11, 13 e 14 anos”. Ele próprio o disse.

5º - Um dos jovens ‘mobilizados’ afirmou diante de centenas de pessoas no Largo do Município, em Machico: “Mandaram-nos pintar, porque as pinturas são o anúncio das bombas que vêm a seguir”.

6º - Se alguém tem dúvidas  sobre o colaboracionismo do terrorismo urbano para esta (deles) autonomia, pode consultar o “Diário da Assembleia Regional” e lá há-de encontrar a ameaça repetida de “voltar às botas cardadas”…

7º - E para que não subsistissem equívocos sobre tão despudorado colaboracionismo, aí está a bandeira da Região, colorida e decalcada da bandeira do movimento terrorista que abalou o Arquipélago no lustro subsequente ao “25 de Abril de 1974”.

  Não fica por aqui a saga dessa (deles) autonomia. Compete-nos, sobremaneira, conhecer o chão que pisamos, afim de promovermos a verdadeira AUTONOMIA da nossa terra e das nossas gentes!

 

13.Jul.21

Martins Júnior

domingo, 11 de julho de 2021

TODOS NÓS VIMOS ISTO HÁ DOIS MIL E OITOCENTOS ANOS !!!

                                                                   


        Vale a pena voltar ao LIVRO, neste início da semana. O caso passou-se há quase três milénios, século VIII a.C.. E o mais incisivo e surpreendente é que parece ter acontecido ontem. Hoje. Amanhã, enquanto houver mundo para andar.

         Vem tudo descrito no testemunho de Amós, pastor de gado, agricultor e profeta. Devo confessar que esta é, para mim, uma das páginas mais eloquentes do LIVRO e muito me agradaria sublinhar a narrativa bíblica com palavras minhas, ardentes, apaixonadas. Porque é aí, em Amós, que radica e explode a contradição insanável entre a religião fabricada pelos homens e  a religião autêntica, irmã  gémea da espiritualidade, abrangente, totalizante, civilizacional.

         No entanto, prescindo do meu comentário e, para neutralizar eventuais remoques individuais, vou transcrever (com a devida vénia e maior apreço) a interpretação do teólogo e biblista Fernando Armellini, na sua obra “O Banquete da Palavra”, Paulinas Editora, 7ª edição, 2017, págs. 409-411:

         “Um dia, um homem rude chega a Betel, local onde se encontra o mais importante dos templos mandados construir pelo rei Jeroboão II. O homem tem o rosto queimado pelo sol porque passa a vida ao ar livre, pastoreando rebanhos e cultivando os campos. Chama-se Amós, o pastor de Técua, pequena cidade situada a quinze quilómetros a sul de Belém.

         Em vez de se alegrar com a prosperidade reinante por todo o lado, ele começa a invectivar o rei, ataca a prática religiosa, as classes dirigentes, os proprietários de terras, senhorios, comerciantes. O bem-estar ficou limitado a alguns privilegiados e é pago a caro preço pelos pobres do país. Os ricos ostentam o luxo mais descarado, possuem “Residências de Inverno e Residências de Verão” palácios de marfim, grandes casas, fazem banquetes, passam a vida de festa em festa.

         De onde provém a riqueza que esbanjam em farras? … É fruto da opressão e da exploração de assalariados e camponeses indefesos. Oprimem e maltratam, recorrem a fraudes legalizadas, falsificam as balanças,  estabelecem a seu bel-prazer os preços dos produtos e compram o pobre por um par de sandálias.

         Não escapam às críticas as mulheres, as “grandes senhoras” que se abandonam à devassidão, nem mesmo os juízes que convertem o direito em absinto e deitam por terra a justiça e esmagam o pobre, obrigando-o a pagar impostos injustos sobre a colheita do trigo.

         E a prática religiosa fervorosa?... É uma mentira, é apenas aparência, exterioridade, espectáculo. A Deus e para Deus repugnam as orações, o culto, o incenso e os holocaustos, se não se acaba com as desigualdades escandalosas, os roubos e as violências.

         Ora, perante as denúncias de Amós, o Sumo Sacerdote judaico de Betel  fica melindrado e preocupado. Ele teme a reação de Jeroboão II. Para calar o pastor de Técua, o Sumo Sacerdote de Betel começa por denunciá-lo ao rei e depois enfrenta-o directamente: ‘Vê como falas, estás no santuário do soberano, este é o templo do reino. Vai pregar para a tua terra, se queres evitar riscos.

         Ofendido, Amós rebate: ‘Eu não sou profeta de profissão, não pertença à categoria daqueles “capelães da corte” que, como tu, são pagos pelo soberano. Não defendo interesses pessoais e, para ganhar a vida, não preciso de agradar a alguém. Sou pastor e cultivo os campos e sei ganhar o que preciso para viver. Quanto ao rei, o principal responsável por esta sociedade corrupta, terá esta sorte: ‘Morrerá pela espada, o reino de Israel será deportado para longe da sua terra e, assim, terminará esse bando de voluptuosos”.

         Foi longa a citação, mas muito mais vastas são as conclusões, os paralelos, as coincidências.

         Jeroboão construía os templos e oferecia-os aos dignitários religiosos, pagava o salário aos funcionários sacerdotes e subvencionava a manutenção do culto. Por servir a religião… ou para servir-se dela?!...

         Onde é que já vimos isto?... Há 2800 anos?!... Há 1000?!... Há 500?!...Há 100, há 50, há 40 anos?!... Talvez ontem, hoje, aqui e agora!

         Sempre a armadilha dos poderosos: dar o gancho à religião para, depois, controlá-la, comprá-la, manietá-la nos seus servidores, caçando e expulsando os que, como o Profeta Amós, denunciam a real situação das populações. Poderia aqui deixar uma mancheia de vítimas dos poderosos, em todos os reinos, em todos os continentes e aqui mesmo na Ilha. Não tenho a menor dúvida – já o provei no último blog –  de que a ‘nossa’ (deles) autonomia é fruto incestuoso desta açambarcadora aliança entre poder religioso e poder político.

         Encosto o meu cérebro ao coração generoso e aguerrido do Profeta Amós e concluo com aqueles que acharem por bem acompanhar-me nesta evidência do quotidiano:
a Religião-Instituição destrói a religião-emanação do Espírito e da Vida. A religião formal, artificial,  destrói a religião natural, inata na alma humana.

         Grande incógnita e tremenda introspeção para os líderes de todas as religiões!

 

         11.Jul.21

         Martins Júnior   

sexta-feira, 9 de julho de 2021

A PIA BAPTISMAL E O BARRIL DE PÓLVORA DA “NOSSA“ AUTONOMIA - 2

                                                                    


    Se queres conhecer a árvore, procura-lhe as raízes. Este é o primeiro desígnio e a primeira investigação séria sobre tudo aquilo que nos diz respeito, em qualquer campo das ciências exactas. O madeirense tem, nesta área, um linguajar típico, mas implacavelmente científico, consistente, quando diz: ”Se queres conhecer cão de caça, procura-lhe a raça”.

         É o que estamos a fazer neste mês de Julho, que coincidentemente começa com os campanudos discursos de salão aos pés de uma Autonomia feita só à medida, como fato fátuo,  dos seus aduladores. Adiciono hoje mais algumas notas sobre o parto e a anatomia dessa Autonomia.

         Passo, pois, ao ponto 4ª:

         Registada e baptizada por dois ‘gendarmes’ (passe o galicismo) do Estado Novo de Salazar, trataram logo de apresentar-se como legítimos procriadores da Democracia e da Autonomia. E o mencionado bispo lisboeta, já lembrado no escrito anterior, lá foi, de paróquia em paróquia, de sacristia em sacristia, convencer os padres de que o (também já lembrado) jovem protegido, em linha colateral, do antigo regime, seria ele e seria o seu partido o governo ideal para a Madeira.

E assim se fez o caminho de uma Autonomia, filha incestuosa de dois pais promíscuos que abusaram do nome de Deus e da Igreja para adestrarem ao cinturão a liberdade de Abril e manietarem em suas mãos a recém-nascida

5º - Era preciso mais: sugar a Igreja até ao tutano. O tutano chama-se “Jornal da Madeira”, o jornal da diocese, mais conhecido pelo “jornal dos padres”. As quatro mãos sem escrúpulo juntaram-se em ‘concílio’ insular e, na mais crapulosa clandestinidade, forjaram este pacto satânico: pegar no Órgão de Comunicação escrita da Igreja madeirense e entregá-lo ao poder político-partidário do tal falso tutor da Autonomia, primeiro como director e mais tarde como dono e dominador. Estava feita a guerra da mais crassa ambiguidade: com a cara-máscara de Igreja, o ‘pasquim’ passou a ardina e o ‘caixeiro-viajante’ do poder político e de  toda a sua propaganda.

          Pior que a traição de Judas! Nem trinta dinheiros brilharam em tão sujo tráfico. Tudo talhado à  imagem e semelhança do Estado Novo: a aliança entre Cerejeira e Salazar, a Igreja, feita égua, montada pelo governo cavaleiro. É neste poço de águas turvas que foi baptizada e enraizada a Autonomia sob a qual ainda vivemos.

         6º Mas faltava mais. Isso aprenderam os dois usurpadores da Autonomia. Por mais estranho que pareça, eles sabiam de cor a cartilha do totalitarismo. Leram em Lenine e Mao Tse-Tung: “O poder está na ponta de um fuzil”. Era preciso o braço armado em campo de guerra. E ele apareceu, tremendo, bombista, estrangulador de vidas jovens. Ao poço de águas turvas juntou-se  o barril de pólvora!

         Fica para o próximo ‘programa’ bloguista de terça-feira, 13.

 

         09.Jul.21

         Martins Júnior