terça-feira, 26 de setembro de 2023

UM FILME PERTURBADOR, AUTO-RETRATO DE UM MUNDO GLOBAL

                                                                     


             “Os meus pensamentos não são os vossos pensamentos nem os vossos juízos são os meus juízos”. Vem de longe, desde o século VIII A.C., esta dicotomia programática que define linhas opostas  de pensamento. Séculos mais tarde, ficará  plasmada em acção concreta a mesma antítese  comportamental, quando um certo patrão pagou o mesmo soldo a dois operários com diferente prestação laboral; ao que trabalhou nove horas e ao que só prestou uma hora de serviço. O mesmo salário.

Foram as duas propostas do LIVRO para este início de semana, a última de Setembro. Consulte-se-o, em Isaías,  55,6-9, e Mateus, 20, 1-16. Dois olhares sobre a mesma realidade, duas sensibilidades diametralmente opostas e duas atitudes inconciliáveis, porque diversas na raiz e no fruto.

Durante vários dias – de 21 a 25 – tem sido este o guião interpretativo que me faz ver, rever, revisitar todas as noites a longa metragem do Realizador João Brás, exibida em ante-estreia, no Forum Machico, sucinta e expressivamente titulada de MÈRE.

De todos os ângulos e de todas as ponta por onde se queira medir

ou definir o trabalho de João Brás,  reconduzir-se-ão todas a um mesmo denominador comum:  O duelo dos contrates! E é a partir do microcosmos doméstico - as quatro paredes de casa – que tudo acontece: uma mãe ferida de um alzheimer profundo, o epicentro que desencadeia o ´terramoto’ privado,  e os dois filhos em duelo aceso, irredutível.

          Daquele recanto indiferenciado na paisagem o drama salta e reflecte-se no tecido social, relevando os contornos civilizacionais (ou o seu contrário) da sociedade global: a juventude vs maturidade, a saúde vs doença, a força vs fragilidade, enfim, a alegria exterior, arraialesca vs tristeza anónima, incurável, inelutável.

          De todo o acervo antitético que enformaa a narrativa, o núcleo dramático que sobressai condensa-se no duelo vivo entre a sensibilidade humanista, atenta ao sofrimento alheio, por um lado e, por outro,   a indiferença radical, autista e descomprometida, ambas as aitudes personificadas pelos dois irmãos, o mais velho e o mais novo, respectivamente.

          É aqui que emerge  a, talvez exageradamente chamada, Economia de Francisco Papa, cujos parâmetros incidem contra a Economia que mata  e a Globalização da Indiferença. Aliás, a crueza de certas cenas, algumas repetidas (sem, contudo, raiar  os excessivos paroxismos de Mel Gibson ou Alfred Hitchcok) interpretei-a precisamente como sinal de alarme para despertar as consciências e libertá-las da letargia egoísta que mina a sociedade contemporânea.

          Sem prejuízo de análises ulteriores, estas de índole científica sobre as patologias neurodegenerativas e outras de teor específico reservadas aos cinéfilos e críticos da Sétima Arte, o mérito da MÈRE, o mais impressivo e duradouro, aquele que ficará para sempre inscrito no subconsciente latente activo dos espectadores será o  grito apolalíptico de entre-ajuda mútua, mesmo nada esperando daquele ou daquela a quem dedicámos a nossa sensibilidade e o nosso esforço gratuito.

A dedicação do filho mais velho roça o heroismo, tendo interrompido o seu caminho de sucesso na vida, sacrificando tudo quando trouxe a Mãe para a Madeira (a longínqua ‘lua-de-mel’ que ela sempre lhe recordara) e, sobretudo, o estertor inconsolável, desesperado com que termina a longa metragem.

Ninguém saíu como entrou naquela  sala: vi lágrimas nos olhos de quem ali esteve, lia-se nos semblantes o bater das emoções, enfim, o filme cumpriu a sua meta: um serviço à Humanidade.

Se me for permitido, observaria apenas a desnecessidade do recurso aos palavrões identificativos de uma juventude ‘rasca’, embora lhes reconheça a verosimilhança factual. Também, como confidenciei ao próprio realizador no fim da sessão, sentir-me-ia intimamente reconfortado se o drama intenso e realista terminasse, não direi com um protocolar happy end, mas com um halo de esperança e um sopro de optimismo prevalecente por sobre os dias e as noites de sofrimento inglório. Mas a opção nuclear foi aquela que, com nota superior, presidiu à realização.

Na pessoa do Produtor Diogo Teotónio e do Realizador João Brás, a nossa Gratidão e Homenagem a todos os artífices desta inesquecível MÈRE, iniciativa de dois promissores jovens madeirenses.

Reatando a matriz inicial desta singela apreciação da causa principal, tudo na vida depende do olhar com que se vê o mundo – global e local – do pensamento e do juízo com que se pega a realidade que nos cerca e define. Tinha razão o LIVRO. Desde o século VIII A.C.. E continua a tê-la na condução da história.

  

          21-25.Set.23

          Martins Júnior

 

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

RÁBULA DOS IRMÃOS GÉMEOS “NO ESTÚDIO E NO ESTÁDIO”


 

Em tempos que já lá vão

Havia na nossa rádio

Um programa tão catita

No Estúdio e no Estádio

 

No “Estádio” era uma arena

Corpo a corpo alta tensão

Mas no “Estúdio” só beijinhos

 Punhos de renda em acção

 

Em vésperas de entrar em campo

Atletas e treinadores

Desfaziam-se em manteigal

Elogios e primores

 

O campeão-maioral

Se enfrentasse o pigmeu

Dizia-lhe ao microfone

Tu és bom, melhor que eu

 

E mais lhe adocicava

Velha gatona  a miar

Amanhã caro ratinho

 És capaz de me ganhar

 

O Alverca coitadinho

Mal erguendo o galhardete

Ao Benfica confessava

Contigo ninguém se mete

 

E o Benfica  águia real

Ao pobre pinto dizia

Vocês têm qualidade

E garra e categoria

 

E assim brindavam os dois

Em redor da mesma pipa

Quem  os visse o que  diria:

Eles são da mesma equipa

 

Ora ora em certa noite

Antes de nascer o sol

Dois gémeos alguém pariu

A politca e o futebol

 

O puto era mais bruto

 A força tinha nas botas

Fintava como um ronaldo

Era craque em cambalhotas

 

Por isso indo ao “Estúdio”

Jogava sempre ao contrário

Só fazia elogios

Ao mais rasca adversário

 

A catraia era ladina

Finória como uma pega

Só sabia provocar

Atreve-te, chega chega

 

A verdade aqui se diga

Para que ninguém esqueça

Por mais pintada  e fumada

Não tinha pés nem cabeça

 

Tu chamaste-me de ladra

E tu o que és? Um pirata

Onde arranjaste, diz lá,

Tanto ouro e tanta prata?

 

Falas, falas…fazes nada

E tu de bandeira à toa?

Assim debicam os galos

Da nossa política ilhoa

 

Aprenda a jovem política

Com o velho futebol

Viestes da mesma barriga

Dentro do mesmo lençol

 

Lutar bem p’rao Bem Comum

Basta do crude-arraial

É melhor deixar a farsa

Para o próximo carnaval

 

Desculpem senhores e donas

Estes vãos salamaleques

Por junto, votos a todos

Sargetos e/ou buqueques

 

Cantem alto os megafones

Mas não arranquem narizes

Digam no fim da campanha:

”Por favor sejam felizes”,

 

 

19.20.Set.23

        Martins Junior

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

AS LINHAS VERMELHAS DO “PERDÃO”

                                                                               


É do que menos se fala e do que mais o mundo precisa: perdão nas famílias, perdões nas traições, perdões de dívidas entre  devedores e credores da praça, entre Estados, entre governantes e governados, perdões entre gigantes e pigmeus, perdões nas igrejas, perdões místicos, emocionais, de longa ou curta duração.

            Numa época de contrastes – a Lei de Talião, da retaliação primária olho por olho, dente por dente, contra a Economia que mata e a Lei das Amnistias – o elixir de uma Era de Felicidade, o Perdão, merece um aprofundamento analítico tão isento e, ao mesmo tempo, tão seguro que nos faça distinguir os verdadeiros dos falsos perdões.  E, sobretudo,  não nos iludirmos com os doentios perdões pios dos confessionários ou dos mecânicos confiteor  das missas dominicais.

            Como nos restantes processos contratuais, o Perdão é um contrato bilateral: de um lado, o agressor que pede e, do outro, o agredido que concede. O Perdão unilateral e gratuito não cumpre o seu fim essencial nem produz o fruto a que está predestinado. Pode alguém perdoar a outrem sem que este lho peça nem disso se lembre. Pode perdoar por insensibilidade, por orgulho e até desprezo pelo agressor, segundo o velho aforismo: A mim não ofende quem quer. É frustre esse perdão porque simplesmente não envolveu o mínimo contributo do agressor. Dar-lhe-á até mais ganas de repetir as agressões.

            O Perdão autêntico tem um preço!

            Tudo quanto trago escrito serve de introdução ao texto que o LIVRO nos oferece neste domingo e que ilumina não só a semana inteira mas toda a vida, toda a história. Convém consultar a narrativa de Mateus, capítulo 18, 21-35 e logo veremos o preço do Perdão.

Um assalariado contraiu um volumoso empréstimo com o patrão e, não tendo com que pagar, apresentou-se com mulher e filhos aos pés do credor, impetrando-lhe amargurado o perdão da dívida ou o pagamento faseado. Comovido, o patrão perdoou-lhe na totalidade. No dia seguinte soube que o mesmo servo, ao sair do solar do generoso amo, encontrou um colega de trabalho que lhe devia uma irrisória quantia, nada comparável com a que lhe tinha sido perdoada. Agarrou-o, quase o sufocava, e exigiu-lhe o pagamento imediato. Ao tomar conhecimento do caso, o patrão-credor chamou-o e publicamente revogou o perdão anterior, mandou-o para a cadeia, mulher e filhos, até que saldasse toda a dívida.

A medida que usares para medir os outros será com essa mesma medida que tu serás medido também – disse um dia o Mestre do Perdão. Não façamos do nosso Mestre um derrotado, inerte numa cruz ou um buda bonacheirão que se diverte a emitír borlas semanais a burlões profissionais ou a meliantes sacristas de mãos para o céu. Ele perdoa, mas exige. Tal como no Direito dos humanos, a pena para ser ressocializadora integra na sua génese uma exigência factual que lhe corresponda.

O verdadeiro Perdão tem um preço! A introspecção da culpa, o pedido do infractor e o ressarcimento do erro. O resto é ficção Com que o povo néscio se engana!... Perdoe-me Luis Vaz de Camões o plagiato – casual mas coincidente.

 

17-18.Set.23

Martins Júnior

sábado, 16 de setembro de 2023

TRIGO POR BOMBAS, PÃO POR ARMAS !!!

                                                                        




Não foi sem um reiterado esforço  contra uma espécie de relutância interior que me decidi lançar a mão à pena para transcrever do íntimo de mim mesmo este rastreio de morbidez e de vergonha que acontecimentos recentes diagnosticaram sobre a condição humana. Faço-o agora, não para cavar o poço da deprimência em quem me lê, mas para acentuar o repúdio mais enérgico contra os subterrâneos da morte onde proliferam como répteis os crâneos - certos crâneos humanos – detentores de poder e desumanidade.

Dois são os factos:

Em primeiro plano, o paralelismo enre a voragem da Natura e a fria hediondez de que é capaz o seu mais nobre inquilino, o Ser Humano.

Todos assistimos, contristados, impotentes, à bravia ebulição de certas regiões do planeta, os milhares de mortos, os desaparecidos sob os escombros  em Marrocos, os náufragos narrastados pelas barragens gigantescas que a fúria dos aluviões rompeu na Líbia e, depois de tudo, um cenário de destruição total que não deixa nenhum coração enxuto, só de ver e ouvir

Paralelamente, somos presenteados – agredidos! – todos os dias dentro de casa, à nossa mesa, com igual paisagem  de terra queimada, habitações, escolas, hospitais e até lugares de culto desfeitos aos bocados, gente afogada nas águas que os russos soltaram à bomba nas barragens da Ucrânia, corpos levados à vala comum no luto de sacos pretos, enfim, milhões de expatriados do seu lar, da própria família.

Dois cenários de efeitos idênticos, mas de uma diferença abissal nas suas causas: um, motivado pela geodinâmica dos elementos naturais. O outro, fabricado premeditadamente nos laboratórios do câneo humano. Sem mais considerandos que nos deixam deprimidos, impõe-se uma incógnita sem resposta: Quererá o homem rivalizar com a força bruta da Natureza?... Esconda-se de vergonha essa raça de genocidas!

Em segundo plano, o cúmulo da desvergonha: essa raça genocida não se esconde. Pelo contrário, orgulha-se e entroniza-se diante do mundo, aos nossos olhos, entra nas nossas casas. Protagonistas deste trágico filme – antes fosse-o, só filme, mas é fatídica realidades – aí estão, entre outros, Kim Jong Un e Vladimir Putin. Uma visita de imperadores, troca de galhardetes entre dois gladiadores assassinos!... E assistimos nós, passivos e talvez insensíveis, a este desfile de “wagner’s” mercenários dos seus mais ignóbeis instintos, criminosos de guerra que não nos deixam viver descansados!

                                                            


Mais humilhante para a nossa condição humana foi a permuta de brindes nesse encontro de verdugos asiáticos: trigo por bombas, pão por armas, alimentos por drones e tanques de guerra. Imperdoável no século XXI: trocar a vida pela morte, o amor pelo ódio, a civilização pela barbárie! Em nenhum deles mora a vida, nem o amor, nem a civilização. Quem os domina e reveste é o estupaciente da morte, do ódio, do regresso à barbárie.

Que se danem eles próprios às garras que fabricam, mas não envolvam milhões de seres humanos no mesmo antro de feras suicidas. Triste pátria que em vez de produzir pão para a boca, só extrai da terra bombas fratricidas!

Eis por que me acho deprimido - mas não vencido! – e sem a vontade inicial de trazer a este ecrã episódios funestos que destroem a alegria de viver!

 

13-15.Set.23

Martins Júnior

terça-feira, 12 de setembro de 2023

NA PONTE DOS ADEUSES SOBRE UM MAR DE ESPERANÇAS

                                                                                  


    Mestre Tempo escolheu entre Agosto e Setembro os pilares de uma ponte larga e longa, por onde viaja o verão a caminho do outono e em cujo piso navegam fenómenos estranhos, terramotos, vulcões e aluviões, a que se adicionam trágicas efemérides que mudaram o rumo de nações e gerações, as Torres Gémeas e a ditadura chilena de Pinochet.

          Mas é também a ponte dos adeuses: às praias e aos trilhos das montanhas, às férias de quem trabalha e ao lazer de quem estuda. São os milhares de jovens que abandonam o aconchego familiar e atiram-se ao espaço longínquo das Faculdades a que se candidataram. Muitos deles ‘sem paraquedas’.

          Refiro-me particularmente aos jovens da nossa Tuna (TCM) que, após anos de aprendizagem e companheirismo diário, vemo-los partir sob os olhares magoados de familiares e colegas, mas também esperançosos por sobre o oceano de expectativas no futuro promissor.

A par dos encargos inerentes a uma ‘nova forma de vida’, em Portugal Continental, nos Açores ou no estrangeiro, avulta o grande obstáculo no acesso ao alojamento. São quase intransponíveis as grades para além das quais existem (e o seu contrário, inexistem) hipotéticos quartos para estudantes universitários. Os preços escandalosamente proibitivos reproduzem, em contra-luz, a evolução positiva do ensino em Portugal que abriu pistas, antes inalcançáveis porque elitistas, permitindo que os filhos dos trabalhadores proletários frequentem as mesmas tribunas académico-profissionais que os filhos dos patrões e senhorios. Uma vitória de Abril cinquentenário!

“Quem quiser passar o Bojador tem de passar além da dor”. O veredicto de Fernando Pessoa está escrito não só no Mar Português, Prolonga-se por nações e continentes com maior potencial sócio-económico. Leio, por exemplo, em recente edição  do jornal Ie Monde, um título revelador: “Os estudantes confrontados com uma grave penúria de alojamentos” O desequilíbrio entre a oferta e a procura coloca os proprietários numa desproporcional posição de força  aos frágeis  jovens estudantes. E apresenta casos: uma rapariga no início do mestrado e  em situação de recurso, teve de pagar 1500 euros por uma semana num quarto de aparthotel. Na maior parte das cidades, uma simples dependência chega aos 700 euros/mês. Faz dó este pré-aviso da parte de muitos pais: “Já proibimos os nossos filhos de concorrer à Faculdade em certas cidades como Paris e Marselha”.

E mais duro ainda este desabafo incontido, mas contrafeito, de outros familiares: “Somos obrigados a refrear os sonhos dos nossos filhos, porque irrealizáveis financeiramente face ao contexto da habitação, ainda que o seu percurso escolar lhes dava acesso directo ao ensino superior”.

Na ponte dos adeuses, o nosso abraço a todos os que partem sobre um mar de dificuldades e esperanças! E um voto: ao acabar o curso, nunca se esqueçam do Povo que lhes proporcionou Universidade, Professores, Bolsa e, nalguns casos, residência.

 

31Ago-11Set.23

Martins Júnior

sábado, 9 de setembro de 2023

A DOCE INFÂNCIA DOS QUARENTA NO 40º ANIVERSÁRIO DA “TCM” -TUNA DE CÂMARA DE MACHICO

 



Quem disse que o aço duro

Não tinha coração?

E quem sentenciou que do tronco morto

Caído ao chão

Nunca nascera a vida

Jamais crescera a alma?

 

Hoje

As cordas do Bandolim

E as tábuas do Violão

Cantam a nova saga

Corpo e alma de outra reencarnação

 


Braços de pais e mãos de mães

Redivivos transfigurados em dia de parabéns

Nos dedos infantis dos filhos bem-amados

Hoje reencarnados

Na Serenata de Mozart, no Azul do Danúbio

Nas profundezas do Time

Tempo do sonho como a água que corre

Tempo sem tempo que nunca morre

 

INFÂNCIA dos Quarenta

Sol da manhã que acalenta

As noites que já foram

E os dias que virão

 

 

Ganhou coração

O aço duro

Renasceu o tronco caído ao chão

 

Com a Tuna do Povo

Também se faz o Mundo Novo!

 

7-8.Set.23

Martins Júnior