terça-feira, 29 de novembro de 2022

VIVA QUEM VIVE !!!

                                                                           


Nós somos o que fazemos. O que não se faz não existe. Portanto, só existimos nos dias em que fazemos. Nos dias em que não fazemos apenas duramos.

Padre António Vieira

 

Por isso

TU VIVES

Ontem, Hoje e Sempre

Porque

Tu fazes

Levantas

Constróis um Mundo Melhor !!!

 


 

29.Nov.22

Martins Júnior

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

SANTOS E RELÍQUIAS – UMA LUMINOSA AUTOESTRADA PARA O ADVENTO

                                                                                  


No 1º dia do ano litúrgico – e foi hoje, 1º Domingo e Dia de Ano Novo  para a Igreja -  paira uma infância renascida no ar que respiramos, na iluminação serôdia trepando as árvores dos jardins urbanos, na decoração dos templos e das casas comerciais que nos enchem os olhos e trazem a ilusão de cobrir-nos todo o corpo.

No âmbito deste Senso&Consenso, é o LIVRO que serve  de inspiração e logo hoje com o sonho dourado de Isaías Profeta, um sonho malogradamente frustrado, diga-se de verdade, pois que após a anunciada vinda do Messias nada mudou no desconcerto das nações, continuaram os povos a adestrar-se para a guerra, enfim, um Advento gélido pela inflação e pelo solo da Ucrânia.

Entretanto, a atmosfera regional aqueceu-se e fez mover mentalidades adversas – e é aí que o mundo aquece e avança – cujo epicentro surgiu a partir de uma criteriosa reflexão do Prof. Dr. Nelson Viríssimo, secundada pelo Padre José Luís Rodrigues, um espírito sempre aberto ao sopro do Espírito. A par das muitas opiniões concordantes, outras tantas foram as divergentes, embora ficasse evidente a ligeireza fundamentalista e, daí, a fragilidade da argumentação das teses divergentes. Em causa estavam  - e estão sempre – questões relacionadas com os canonizados, os denominados “santos” canónicos, e o culto das chamadas “relíquias” dos mesmos, tão em voga itinerante na Madeira.

Não podia eu ficar indiferente a tão delicado quanto incisivo ‘item’ ético-cultual e cultural, dado que está em jogo, para o bem e para o mal, a fé de milhões, biliões de crentes em todo o mundo. Aqui estou eu, portanto, a apresentar, em linhas gerais e directas, a minha declaração de princípios sobre as duas questões.

Quanto ao culto dos Santos, apraz-me citar o grande historiador Fortunato de Almeida, na sua monumental História da Igreja em Portugal (1930) na edição dirigida e revista pelo Prof. Damião Peres (1967), onde se lê: “Os nossos antigos cronistas dão o epíteto de Santos a muitos varões que certamente se distinguiram pela sua piedade, mas dos quais não consta que fossem canonizados pela Igreja”. (Volume I, pág.258). Inteiramente de acordo. E o seu contrário, também. Não tenho o menor pejo em afirmar que os santos que estão nos altares não representam mais que uma gota de água no oceano de “uma multidão incontável” (como se lê no Apocalipse) de pessoas boas, os verdadeiros Santos, que este mundo produziu. São muito mais os Santos que não estão nos altares do que os que lá estão.

 É uma evidência o que acabo de afirmar, sobretudo se tivermos em conta a complexidade do processo de canonização no Vaticano, com sessões longas e onerosas, inquéritos multiplicados, disputas retóricas que exigem o denominado “Cardeal-Diabo”, oponente oficial à proposta de canonização, enfim, um ‘batalhão’ de intervenientes, todos pagos a preços consideráveis, o que pressupõe volumosos orçamentos e generosos financiadores de todo este processo. De onde se conclui que um cristão pobre sem sponsors, por muito virtuoso que seja, nunca chega à peanha de um altar. A própria Cúria Romana tem-se encarregado de criar plataformas especiosas e diferentes alcavalas que mais e mais complicam o processo.

A este propósito, convém consultar o Diccionario Teologico Enciclopedico (Editorial Verbo Divino, 1995, Estella, Navarra) que nos dá informações preciosas, tais como: “Durante toda a Idade Média não se conhece nenhuma distinção entre os títulos de ‘beato’ e de ‘santo’. Hoje a beatificação constitui um acto prévio à canonização. Os primeiros testemunhos de uma intervenção papal na canonização remontam aosfinais do século X. Na história, os procedimentos para as causas de canonização estão ligados aos nomes de Sixto V  (1588), de Urbano VIII (1642) e de Próspero Lambertini, mais tarde Papa Bento XIV. O procedimento actual está regulamentado pela Constituição Apostólica Divinus Perfectionis Magister de João Paulo II (1983). Nas canonizações a Igreja exerce  a sua autoridade, realizando-se, então, um acto do Magistério infalível e absoluto do Romano Pontífice”. (pág.125).

Não deixa de ser exemplarmente elucidativa esta evolução factual que cada Pontífice entendeu introduzir na casuística processual canónica para chegar a algo tão diáfano e transparente como isto: Tal homem é santo, tal mulher é santa!... Formidável sentença! Aqui dou toda a carga semântica inerente ao qualificativo “Formidável”. Perante toda esta versatilidade de métodos e requisitos, há quem se questione, em termos de dúvida cartesiana, à procura da verdade: ”Quem é um homem para poder nomear Santo um outro homem?”.

Por outro lado, ao compulsar o evangelista Mateus na narrativa do Juízo Final, sou obrigado a concluir que o que conta para o Julgador Supremo é única e exclusivamente o que fizemos neste planeta durante a vida terrestre. Ninguém será julgado pelo que eventualmente fizer depois da morte. Está escrito, Ele o disse “Tive fome e deste-me de comer. Tive sede e destes-me de beber. Era um sem-abrigo e vós recolhestes-me nas vossas casas”…É por este Código que um homem, uma mulher ganharão (ou não)  o estatuto de canonizado, por direito próprio. Segundo o que está escrito, não há Código B  Se os homens forjaram outro Código, outros cânones, outros normativos extra-vagantes, ainda que edificantes,. então é lícito e legítimo questionar. É o que está a acontecer neste início do Advento. Em tempo oportuno e adequado.   Paulo recomenda-nos hoje, como outrora fizera aos Romanos, que nos fardemos com o uniforme e as armas da Luz. E a maior arma é o conhecimento, não o fundamentalismo ignorante e, por isso, atrevido.

A terminar esta primeira parte (o caso das ‘relíquias’ fica para outro dia), seja-me permitido lembrar que os julgadores hierarcas também erram, ,caso de Jeanne d’Arc, condenada à fogueira pela autoridade eclesiástica e só mais tarde – 489 anos depois – foi declarada ‘Santa’. Ainda neste capítulo e para melhor esclarecimento, seria sumamente importante e talvez surpreendente analisar o processo de canonização, a sua génese e o seu desfecho, de Monsenhor José Maria Escrivá, patrono do ‘Opus Dei«, a organização dos católicos milionários.

Sem prejuízo das homenagens devidas aos santos canonizados, ergamos na ara do nosso pensamento e da nossa sensibilidade, a multidão apocalíptica daqueles e daquelas (talvez vivam à nossa beira) os Santos Anónimos para quem  foi instaurada a Grande Festa do 1º de  Novembro.

Ao Prof. Dr. Nelson Viríssimo e ao Padre José Luís Rodrigues, as melhores congratulações por terem aberto a autoestrada do debate que nos levará  à conquista da Verdade.

 

27.Nov.22

Martins Júnior

    

 

                                                                

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

O CATAR…OS CATARZINHOS… E OS CATARZÕES… LÁ LONGE E AQUI TÃO PERTO !

                                                                              


Há notícias, fenómenos e epifenómenos que, de tão pedrados, desorganizam não só o percurso programático do quotidiano mas estilhaçam a estrutura serena do nosso psiquismo. E hoje é assim. Convosco partilho, se me derdes permissão, o desequilíbrio emocional (QUE NÃO APENAS EMOCIONAL, LÓGICO TAMBÉM) varrido de fora para dentro de mim com uma vassourada tão violenta como um míssil norte-coreano.

Em ‘fora-de-jogo’ do Mundial de Futebol, mas bem dentro das quatro linhas, a notícia que acompanha o grande fenómeno tem a ver com a sonegação estatal dos mais elementares Direitos Humanos, sobretudo no que concerne ao mundo laboral e à dignidade da Mulher.

Quanto aos direitos dos trabalhadores, é sobejamente conhecida a exploração de mão-de-obra de múltiplas etnias, roçando a escravatura e de mais de  6.500 operários mortos na construção dos estádios de futebol. Quanto às mulheres, é patente o efeito da aliança catar com  a auto-proclamada ‘polícia moral’ do Irão.

Deplorável, criminosa, insustentável – é o que ouve dizer do Catar e da sua administração repressiva !

Mas, catando o labirinto poroso deste pacífico tecido lusitano, somos logo batidos e derrubados perante o que se tem passado há cerca de três e quatro anos  com a criminosa exploração escrava de centenas de  trabalhadores migrantes, vítimas de associações clandestinas a operarem no nosso país e que motivaram já a medida mis gravosa de 32 pessoas detidas preventivamente. Quem tal diria, num Estado Constitucional de defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, sobretudo dos trabalhadores?!.. Mais a mais, num território de históricas lutas reivindicativas, como é o Alentejo!                                          


Onde está o homem, aí está um Catar em potência, camuflado no seu subterrâneo. Juntemos a estatística dos assassinatos de mulheres em Portugal: até novembro, um mês ainda por terminar 2022, o número já ultrapassa o somatório de todo o ano 2021 !!!

Fico-me por aqui para não agravar este exercício de forçado  masoquismo. Mas se quisermos classificar de ‘catarzinhos’ o que se passa no nosso país, então que se há-de dizer do ‘Catarzão’ em que Putin tem transformado a massacrada Ucrânia, com milhões de vítimas inocentes !!!

 Vimos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.

Nem podemos calar – contra o Catar, contra todos os Catar’s, estejam onde estiverem!

 

25.Nov.22

Martins Júnior

 

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

A QUEM AJUDOU A CONSTRUIR 84 SOCALCOS CONTADOS

 


Saudações, homenagens, panegíricos – em dialecto universal, parabéns – são pedras de fino jaspe que se dirigem ao vértice da pirâmide e aí ficam emoldurando a ara onde brilha o homenageado. Ou, se nos voltarmos para o rio que percorre todas as vidas, o somatório das felicitações é igual aos meandros que desaguam no oceano multicolor dos talentos, virtudes e prestígio do destinatário.

         Mas há um volume cantante de emoções e congratulações – os tais, vulgarmente ditos, parabéns – que seguem um ritmo inteiramente oposto: não desaguam na foz nem se diluem no mar, antes dirigem-se directa e ansiosamente para a montanha do Tempo  até encontrar a nascente e nela fundir-se num abraço comovente e sem termo. Estes são os parabéns, saudações e homenagens dos aniversários natalícios.

Rigorosamente, biologicamente, historicamente, embora se dirijam ao aniversariante, não se esgotam nele. Bem pelo contrário, ultrapassam-no, atravessam vales e  planícies, tantas quantas as anuidades vividas e vão prestar a grande homenagem aos progenitores do aniversariante, prioritariamente. Na travessia do rio, o volumoso cantar de parabéns cruza-se, subsidiariamente, com todos os momentos, circunstâncias e intervenientes do curso da vida do homenageado.

         Nesta breve alegoria introdutória, proponho-me cumprir o dever e o prazer de deixar nesta página a minha enorme gratidão a todas amigas e a todos os amigos que tiveram a gentileza de saudar-me nas 84 estações do meu trem existencial. Prioritariamente, ao meu Pai e à minha Mãe e, neles, a toda a árvore genealógica a que pertenço, Não fiz nada para nascer. Tão só, devo-o ao amor daquele José e daquela Maria que produziram este Júnior e, por isso mesmo, são eles os destinatários primeiros de todos os parabéns.

         Impossível citar todos quantos me ajudaram a erguer, pedra-a-pedra, os socalcos por onde circulam os meus passos. Mas guardo-os com muito afecto, entre os quais, mais de perto, todos vós que me endereçastes suplementos anímicos tão gostosos no décimo-sexto dia do mês décimo-primeiro.

Nesta tribuna de eleitos meus, não posso deixar de assinalar três presenças monumentais na Mesa Comunitária da Igreja da Ribeira Seca: o Professor Padre Anselmo Borges, vindo propositadamente de Portugal Continental, para estar connosco e dirigir-nos a sua palavra de teólogo, filósofo e amigo que, em tempos adversos, nunca abandonou o Povo de Deus, residente nesta localidade periférica. No mesmo plano de coragem e autenticidade, agradeço o contributo presencial do Padre José Luís Rodrigues, o mais lídimo exemplar da verdadeira Igreja de Cristo na Madeira, homem de causas, sem medo, solidário com a comunidade da Ribeira Seca, sempre, mas particularmente nas horas difíceis das perseguições do poder diocesano e do poder político da Ilha.

O terceiro monumento vivo, a quem devo a maior gratidão, é aquele que a lei da morte não permitiu estar fisicamente presente (bem impressiva esteve a sua efígie junto ao altar) mas garanto que enquanto houver Ribeira Seca, o seu nome e a sua personalidade serão sempre lembrados e louvados, por ter sido o primeiro – herói pioneiro – na defesa e na promoção da ruralidade local, a todos os níveis, sócio-cultural e religioso.   O meu grande amigo padre, Mário Figueira Tavares.                                      


As mais belas e sentidas palavras queria guardá-las para estas gentes da Ribeira Seca, originariamente exploradas e pobres, mas estruturalmente ricas e nobres nas suas convicções, na sua psicologia, nas suas lutas e nas suas vitórias. Não teria sentido algum celebrar 84 anos sem a sua presença e a sua alegria, decorrido que foi mais de meio século de companheirismo nas horas boas e nas horas más. Às gerações que já partiram, às de hoje, aos jovens e às crianças – o melhor que a vida tem – aos que mais se empenharam neste 16 de Novembro, aos que prestaram depoimentos, por vídeo e redes sociais,  aos grupos locais que desfilaram no palco os nossos bailados e canções, aos que ofereceram os concertos dos ‘conjuntos’, aos que prepararam as merendas abundantemente servidas a toda a multidão presente,  o meu MUITO MUITO OBRIGADO !

Em tempo: Quem passa o “Paralelo 80 do Equador”, já as festas não comovem nem se esperam. Só se as aceitam porque proporcionam a toda a comunidade episódios de saúde social, amizade vicinal, alegria global. Foi o caso, foi a festa.

 

23.Nov.22

Martins Júnior

 

             


segunda-feira, 21 de novembro de 2022

UM VOTO OCTOGENÁRIO MUITO SÉRIO EM FORMA DE ENIGMA QUASE PUERIL

                                                                         


Só peço a Morfeu e à Fortuna que me tirem de vez a dádiva do Sono para poder ler os livros que não li, saborear essas cartas suculentas que tanta gente me escreveu e que ainda estão por abrir. Assim, sem dormir, até ao anoitecer dos meus dias. Assim, até ao amanhecer das minhas noites.

 

     21.Nov.22

         Martins Júnior

sábado, 19 de novembro de 2022

O TRONO REAL versus CRUZ SACRIFICIAL

                                                                           


Embora antiquado e em vias de extinção – ou talvez por isso – o título de Rei a Igreja quis mantê-lo e até entronizou-o todos os anos, dedicando-lhe um Dia, esse sim, Ímpar, o vértice de todo o ano litúrgico, o último Domingo do Calendário Canónico.

            É hoje, o encomiástico “Domingo do Cristo-Rei”. Os templos ornamentam-se de engalanados ouropéis, os eclesiásticos revestem-se de alfaias bordadas a ponto de ouro e prata, os olorosos incensos orientais rodopiam inebriantes sobre a cabeça dos participantes presenciais ao culto dominical.

            Das reminiscências inspiradoras da Magna Festa do “Cristo-Rei” e dos monumentos espalhados pelo mundo não vou debruçar-me; apenas lembrar a pujante tradição hebraica de atribuir- ao líder do povo hebreu a tríplice prerrogativa de “Sacerdote, Profeta e Rei” E, a partir do século III da nossa era, por decreto imperial de Constantino Magno, o estatuto monárquico outorgado à Igreja, até então proscrita e perseguida pelo Império de Roma.

            De entre  todas as reflexões feitas em cada ano, desta vez vou monitorizar os dois ‘picos altos’ do devocionário oficial da instituição eclesiástica, os dois ícones que mis cativam a sensibilidade dos crentes. Um é a predominância do símbolo do sofrimento, a Cruz. O outro é a magnificência da Realeza e, mais que Realeza, autêntico Império, atribuído ao Rei-Cristo e o movimento, depois instituição que ele fundou. Não deixam de aparentar os dois títulos ou devoções uma certa contrariedade terminológica e vivencial.  Parece não coincidirem relativamente aos seus destinatários: para uns, a Cruz, o Crucificado, para outros o prestígio, o trono real.

E assim é, na realidade. Ao arvorar-se a Cruz, como caminho de salvação, propõe-se aos desfavorecidos da vida a aceitação do sacrifício, da pobreza, da resignação. Ao pregar-se, porém, o Reinado de Cristo, a sua configuração aproximativa aos reis e respectivos tronos, o destinatário é outro: a hierarquia, o poder, a supremacia dos titulares desse poder.

E por aqui me fico, deixando ao livre curso interpretativo de cada um o desenvolvimento das duas premissas mencionadas. Para ajudar, talvez convenha consultar o LIVRO, nos dois excertos propostos para este fim-de-semana: II de Samuel, 5, 1-3 e Lucas, 23, 35-43.

Aceitarão os donos do Reino a Cruzc como seu trono preferencial?..

 

19.Nov.22

Martins Júnior.

    

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

“EU, DENNYS, 16 ANOS, UCRANIANO, FUGIDO DE KHARKIV… HOJE, EM SANTA CRUZ DA ILHA DA MADEIRA”

                                                                      


      Foi uma tarde que valeu décadas de história e um tempo sem termo de emoções intraduzíveis no melhor glossário de psicologia. Nunca tal se ouviu ter acontecido numa escola da  Madeira. Teria de ser na estrada leste da ilha, freguesia e concelho de Santa Cruz.

         Por proposta das docentes do núcleo de Filosofia, aceita falar  sobre a filosofia da vida e a filosofia das guerras. Causou-me notória impressão e a mais amistosa simpatia verificar a atenção dos cerca de cem alunos presentes sobre o poder da filosofia tanto nas decisões do quotidiano como nas grandes opções existenciais. Quanto ao monstro irracional da guerra, expressão da despromoção da dignidade humana, tentei demonstrar o aproveitamento da religião para branquear  as ambições assassinas dos regimes imperialistas, caso dos russos na Ucrânia e das tropas portuguesas na guerra colonial de 1961-1974.

         Mas o imprevisto aconteceu, o melhor e o mais impressivo daquelas duas horas de reflexão. Aconteceu quando uma das docentes anuncia a entrada em cena de um jovem estudante ucraniano, recente aluno daquela escola. Perante a quase incredulidade da assembleia (e a minha também apresenta-se um rapaz, de semblante sofrido e voz magoada, mas convincente, e começa com as palavras que citei em epígrafe. Chamo-me Dennys, nasci em Kharkiv….

E, com uma calma tão estoica quanto a frieza austera do seu inglês, traduzido pela sua distinta professora, vai desfiando a dolorosa fuga da  pátria ucraniana, mostrando em vídeo a casa destruída, donde fugimos (o meu  pai, a minha  mãe, o meu irmão mais velho e o cão) apenas com a roupa, documentos e dinheiro… ali a escola onde eu estava e também destruída… Ao sairmos, as bombas rebentavam atrás de nós… Só em 17 de Março, quase um mês depois, conseguimos chegar à Roménia… A seguir, percorremos mil quilómetros por dia, atravessámos Hungria, Eslovénia, Itália, Espanha e, cinco dias depois, chegámos a Évora, onde fomos bem recebidos. À pergunta, formulada por um colega da escola de Santa Cruz, sobre a vinda para a Madeira, respondeu: É uma ilha, estamos mais isolados, mais longe da guerra.

Nas palavras de Dennys pela opção ilha da Madeira subentendia-se o trauma irreprimível que a guerra lhe deixara no continente europeu. Na magna assembleia escolar ninguém ficou indiferente ao testemunho vivo do jovem de 16 anos. Nem a própria professora-tradutora conseguiu conter a emoção. A cada parágrafo crescia a emoção em todos quantos ali se encontravam. E terminou agradecendo à escola, aos professores e aos colegas  a gentileza e compreensão com que o receberam. Nesta micro-reportagem, omiti a foto do jovem depoente, por respeito à sua privacidade, em termos publicitários. Soubemos, mais tarde, que o pai do Dennys é engenheiro e a mãe é médica.

Tarde histórica, para mim, embora intranquila, por momentos revoltante, “ver” ali uma vítima,  corpo vivo de entre o genocídio perpetrado pelos russos na Ucrânia! Mensagem de solidariedade global pelo martirizado povo ucraniano!

Às docentes de Filosofia da Escola de Santa Cruz o meu vibrante Voto de Louvor pela iniciativa e pela personalidade autónoma, corajosa, que tal iniciativa incorpora, paradigma exemplar para outras escolas da Região Autónoma da Madeira.

Ao Dennys, o meu abraço solidário a todo o seu povo e o meu agradecimento pela oferta, a meu pedido, do texto da sua conferência. Ficará guardado no meu tesouro pessoal, para sempre vivo como vivo foi o seu testemunho de hoje.  

          17.Nov.22

Martins Júnior

terça-feira, 15 de novembro de 2022

O ‘TIRO’ AMERICANO: JOVENS E MULHERES ERGUERAM AOS OMBROS O VETERANO SEPTUAGENÁRIO !

                                                                            

        Antes que o frenesi alucinante dos últimos acontecimentos tome conta dos meus dias, apresso-me a fixar no ecran inapagável  da memória futura o portentoso e paradoxal fenómeno sócio-político dos Estados Unidos da América nas Eleições Intercalares. Porque o caso ultrapassa as raias das vulgares diatribes partidárias, antes sobreeleva-se a um sério  study case da psicossociologia aplicada, entendi colocá-lo em lugar cimeiro dos “Dias Ímpares”.

            Contrariando as normais projecções estatísticas, revelou-se o insólito recordista nestas maratonas e que cifrou-se em altos caracteres de todos os tabloides: Foram os votos dos jovens e das mulheres que proporcionaram a Joe Biden o inesperado sucesso eleitoral.

            Quem diria que, entre o possante ganadero republicano do Texas e o frágil veterano  democrata, os jovens e as mulheres optariam pela velhice dotada de sabedoria de um e rejeitariam a pesporrência dominadora  do outro candidato?!...

            Não cabe aqui sinalizar os argumentos, o batente das campanhas e o ritmo das intervenções. São questões suficientemente já dissecadas e publicitadas pelos analistas de topo. O que interessa agora registar, antes que o mundo esqueça, é a acutilância do olhar e a serenidade analítica de um eleitorado tido como predominantemente emotivo, presa fácil de manipuladores populistas.  Desta vez, a estes  ‘saiu-lhes o tiro pela culatra’.

            Por onde se prova que a tão caluniada “geração rasca” americana (neste caso, mundial) está atenta à conjuntura sócio-política do seu tempo e deseja intervir na construção do mundo em que amanhã pretendem viver. Veja-se, em todos os países, em Portugal também , a resistência esclarecida dos jovens estudantes contra as alterações climáticas. O caso tem tomado contornos preocupantes mas, descontadas certas irreverências estratégicas, servirão para sensibilizar forçosamente as entidades responsáveis – legisladores, executivos e até decisores judiciais – a entender que o planeta já não é senhorio exclusivamente seu, mas é pertença hereditária dos jovens de hoje, habitantes do amanhã.

            E às mulheres americanas , pela conquista da sua autonomia e da sua dignidade, um caloroso Voto de Louvor, particularmente neste 15 de Novembro, Dia Mundial contra a Violência sobre as Mulheres.

            Ao olhar para Joe Biden, septuagenário confesso, mas politicamente rejuvenescido na sua liderança, só me ocorre a consabida sentença do madeirense teósofo e poeta Octávio de Marialva:

            “Serás jovem quanto a tua ideia”!

 

            15.Nov.22

            Martins Júnior     


domingo, 13 de novembro de 2022

DEPRESSÃO E CURA NO INFERNO GLOBAL

                                                                                


         Tomo por mote deste nosso encontro de Domingo o alucinante pré-aviso do Secretário Geral das Nações Unidas na COP27, recentemente realizada  no Egipto: “Estamos a avançar, com o pé no acelerador, na auto-estrada que dá para o inferno”. Logo soam as irenes, todos atiram-se espavoridos à procura de um abrigo que não existe, do outro lado do mundo o atarracado coreano saca do bojo o exclusivo “pib” industrial da nação (leia-se “pirotecnia irresponsável bombista”. As multidões protestam, enfurecem-se os jovens transidos de pavor perante o futuro que os espera.

         Alguém agarra o LIVRO, abre-o, como quem devora a sede de uma esperança verde, mas depressa cai perdido em depressão, porque encontra um outro – o mesmo catastrófico – estertor  nas palavras do Mestre a amedrontar o povo seu da Galileia com ameaças de guerras, tumultos, terramotos, prisões a eito, assassinas violências familiares. Enfim, o FIM !!!

         Aqui consulta-se, em directo, o relato do Mestre, na versão do evangelista Lucas, capítulo 21, 5-19 . É um cenário recorrente na literatura bíblica, a que se junta a visão do Armagedon, em Apocalipse, capítulo 16.

Esta antecipação visionária, a que os teólogos chamam de escatológica, é uma[MV1]  proposta feita aos crentes, todos os  anos, nesta estação final do percurso litúrgico. É o fim do mundo! Tem contornos terríficos, destinados a criar uma espécie de atonia ascética tendente à conversão das consciências. Mas os biblistas encarregam-se de serenar os ânimos, informando-nos que grande parte da narrativa profética referia-se aos trágicos acontecimentos ocorridos aquando da destruição de Jerusalém no ano 70  d.C., pelo exército romano de Tito, sob o imperador Vespasiano.

 Para debelar, porém, todos os traumas com que as religiões costumam manietar a fé dos fracos crentes, adianta-se, hoje. Domingo, Paulo de Tarso numa Carta aos habitantes de Tessalónica, cujo teor é de um pragmatismo a toda a prova, quando insiste que é através do trabalho que se come o pão com tranquila dignidade – o trabalho como exigência e como prémio – estatuindo por normativo ‘constitucional’ o seguinte princípio: Quem não quer trabalhar, não tem direito a comer. (II Tess. 3,7-12).

É, sem dúvida, um decisivo antídoto contra todas as patologias religiosas, narcisistas ou classistas: a acção, o empenho decidido, numa palavra, o trabalho, na tríplice dimensão a que alude Paulo de Tarso: como direito ao salário, poder de compra de uma vida digna, saudável; como construção de uma sociedade global justa; e, finalmente, como afirmação pessoal, ao declarar publicamente que não quer ser “pesado” a ninguém, no exercício da sua missão apostólica: “Trabalho afadigadamente noite e dia com as minhas próprias mãos”. Uma confissão séria e robusta que remete para uma grande questão dos tempos de hoje: Será necessária a profissionalização do clero, dos anunciadores da ‘Boa Nova’, fomentadora do carreirismo eclesiástico e de ambições hierárquicas ?!...

Cabem ainda neste programa paulino as conferências mundiais da COP27, no Egipto, do G20, na Indonésia e sobretudo as manifestações, em todo o mundo, dos jovens contra as alterações climáticas.

Excelente Domingo este, em que, a par da depressão decorrente do desconcerto actual, é-nos oferecida a cura da acção e da resiliência promissoras de um optimismo crescente que está nas nossas mãos.

 

13.Nov.22

Martins Júnior  


 [MV1]A profética

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

NOS CINCO DA HISTÕRIA DO MUNDO, À SEXTA RAIOU UM SEXTO DIA !

                                                                          


         Na transição deste dia 11 para o dia 12 da (des)Graça para o Povo Timorense, remeto os acompanhantes do “Senso&Consenso” para o último texto escrito, em que se evoca a história do mundo na síntese dos cinco dias que estamos a viver-

         Cinco sucessivas badaladas que nos batem à porta e nos abrem os tímpanos para a grande realidade de todos os tempos: as ditaduras e as democracias não são entidades estáticas, inamovíveis. São, pelo contrário, ondas líquidas que passam pelas nossas mãos e às quais damos ritmo e rumo. São os humanos e o seu espírito que captam os acontecimentos e as circunstâncias para determinarem o lugar que devem ocupar na vida dos indivíduos e das socie1dades.  

                                                             


Hoje – 11 de 1975, o “Dia Novo” para o Povo Angolano e a sua Independência sobre a ditadura colonial portuguesa! Amanhã, 12 de 1991,  o massacre no cemitério de Santa Cruz, em Dili, onde a ditadura indonésia pretendeu afogar o sonho libertador do Povo Timorense!

Mas, no improviso dos cinco dias da história do mundo, entre cânticos e soluços, entre vitórias e derrotas, entre a vida e a morte, surgiu hoje a explosão de júbilo incontido do Povo Ucraniano, quando os combatentes pela Liberdade entraram em Kherson, após oito meses e  meio de ocupação russa, e aí reergueram a nobre bandeira do seu país, com a enorme multidão cantando a plenos pulmões: “Glória, Ucrânia”!        

       Mais uma vez, são os braços humanos e o seu espírito que “Fazem a Hora” e agarram os ventos a as ondas para implantar a Liberdade onde antes imperava a ditadura.

                                                     


         Na sexta-feira, o Sexto Dia da história do mundo!

Aqui, de longe, acompanhamos o corajoso Povo Ucraniano, repetindo em uníssono com o instrumental e os jovens da nossa Tuna, o Glorioso Hino da Ucrânia!

 

11.Nov.22

Martins Júnior

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

A HISTÓRIA DO MUNDO EM CINCO DIAS

                                                                        


Não vou desafiar Júlio Verne que deu “A Volta ao Mundo em oitenta dias”. O grande perímetro circular do território físico do planeta é incomensuravelmente mais moroso que a maratona – infinitamente mais vasta - do espírito que habita o mesmo planeta. E ficamos diante deste paradoxo sem remédio: enquanto os pés arrastam-se pesados sobre a crosta, inerte umas vezes, movediça outras, o cérebro, o espírito (a Ideia, como a exalta Antero de Quental) esse voa, sublima-se e esmaga-se, morre e reaviva-se, ‘pula e avança’ num movimento de metamorfose contínua, tão contraditório quanto incompreensível.

         Porque são os humanos que transportam o espírito e o põem em marcha na história do mundo!

         Recorro ao dia de hoje, 9 de Novembro. Foi proclamado pelo Parlamento Europeu como o Dia Internacional contra o fascismo e o antissemitismo e tem a ver com o início, em 1938, da feroz perseguição do regime nazi contra os judeus que culminou no execrável massacre do ‘Holocausto’. Quão doloroso e longo é o percurso até chegar ao fim da noite fascista e alcançar a manhã da Liberdade!

Estamos em 1989, precisamente em 9 de Novembro: o mundo alvoroçou-se, subiu às alturas enquanto caía em escombros o vergonhoso  muro em cujo betão se escondia o genocídio ciclópico de milhões de vítimas do bárbaro regime soviético. Após o 8 de Maio de  1945, esta foi mais uma retumbante vitória para o Dia Internacional contra os regimes fascistas, totalitários!

A história faz o seu curso em cada país e em cada segmento civilizacional. Também em Portugal. Aconteceu a grande vitória contra o fascismo em 25 de Abril de 1974. Não foi caminho brando a travessia de 48 anos de regime fascista-salazarista, carregado de maldições, exílios, prisões, mortes e guerras coloniais. De entre os lutadores pela vitória contra o fascismo,  presos, ostracizados, torturados nas masmorras da ‘Pide’, emerge com notória grandeza patriótica um cidadão português, nascido no dia 10 do mesmo mês de Novembro, 1913: Álvaro Cunhal! Qual tenha sido a sua opção política, é incontornável o seu contributo, com risco da própria vida, para destronar o fascismo em Portugal

Amanhã, portanto, 10 de Novembro, um marco pré-natalício do “Dia Novo” em Portugal!

A marcha da libertação de um povo traz-nos, esta semana, um outro passo em frente: a Independência da Pátria Angolana. Após a ocupação portuguesa de quatro séculos, agravada com a injusta guerra colonial, chegou o 11 de Novembro de 1975, em que os três movimentos independentistas envolvidos em sangrenta guerra civil, reuniram-se sob a presidência de Agostinho Neto e ergueram a bandeira da Independência. Por muito que os exploradores ocupantes do território angolano invectivem o que apelidam de “Descalabro da Descolonização”, o juízo da história condenará sempre o regime insustentável de um minúsculo país europeu pretender dominar, enjaular a liberdade autonómica de uma extensa nação africana. Até então, Portugal era visto como o pária da civilização, retardatário, tacanho, vilipendiado e ridicularizado internacionalmente. Chegara, enfim, o “Dia Novo” do Povo Angolano, com todas as vantagens e todos os riscos que isso representa.

11 de Novembro  - surge, pois, diante dos nossos olhos como uma terceira vitória consecutiva contra o fascismo!

Mas esta luta está longe de ser uniforme e simultânea. São os humanos e o seu espírito que comandam a história, controlam as oscilações e “fazem a Hora”, na lúcida expressão de Sophia - a Hora da apoteose democrática ou as desoras do fascismo tenebroso, estrangulador. Daí que assistamos, não poucas vezes, a uma estranha proximidade entre uma região, uma freguesia, onde se respira o ar puro da Liberdade mútua e, na fronteira, um lugar de prisão dentro da própria casa, da freguesia, da região, onde impera sob as vestes mais subtis o férreo bastão do fascismo. Compete ao cidadão comum destrinçar os sintomas identificativos de um e outro sistemas e, mesmo que ‘condenado’ a viver coarctado no seu livre arbítrio, nunca perca a visibilidade sociológica e o redobrado empenho em mudar as estruturas políticas negativistas.

Nesta rota dos dias de Novembro, passamos pelo cabo das tormentas de um desses regimes draconianos, aquele que, em 1991, perpetrou o crudelíssimo massacre no cemitério de Santa Cruz, em Timor. Por contraste dos tempos e para ironia dos factos, foi dali, da mansão dos mortos, que arrancou a escalada triunfal, iniciada anos antes pelos bravos combatentes nas montanhas de Timor Lorosae, até à vitória final contra o fascismo indonésio.

Em 12 de Novembro, tocam a rebate as trombetas da memória para nos alertar contra as emboscadas da guerrilha fascista, quer se chame putinismo, trumpismo, bolsonarismo, seja no Irão, na Itália, seja mesmo à nossa porta, sob as mais sofisticadas formas.

E chegamos a 13 de Novembro de 1460 – o mesmo que dizer a 13 de Novembro de 2022, dia do Infante D. Henrique. No 562º aniversário da sua morte, exalta-se o Génio das Descobertas, deste modesto Portugal que “deu novos mundos ao mundo”. Se, por um lado, honra-nos sobremaneira a epopeia dos “mares nunca dantes navegados, mais do que permitia a força humana”, por outro, atravessa os séculos o clamor austero do sábio Velho do Restelo quando rotulou de “glória de mandar e vã cobiça” a demanda dos oceanos. É a grande incógnita que ainda hoje enfrentam os estudiosos da história: terá valido a pena a saga dos países colonizadores europeus sobre as ancestrais civilizações dos povos indígenas colonizados?... É daqui que proliferaram raízes espúrias de fascismos e lutas subsequentes que ainda hoje persistem no nevoeiro dos tempos.

Cinco dias consecutivos que hoje antecipamos e nos despertam para o nosso lugar na análise e na construção da parte que nos cabe realizar!

 

09-11.Nov.22

Martins Júnior

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

A UM MENINO QUE, AO NASCER, ‘VIU CAIR’ O MURO DE BERLIM…

 

Para o Telmo e para a Lúcia, com abraço solidário

                                      


 

Trintas de prata abrindo em trina flor

Em outros trinta-sol-nascente navegando

Lá vai a Nau do Sonho e do Amor

Mundo fora lançando cais, pontes, enseadas

Onde persistem muralhas no teu berço derrubadas

 

Lúcida flor de roseira brava

Um rumo novo soltou certo e seguro

Como de seus nomes cinco letras-diamantes

Iluminando  a saga do futuro

Agora e sem termo Amados e Amantes

 

07.Nov.22

Martins Júnior

sábado, 5 de novembro de 2022

DA BÍBLIA: CARNE DE PORCO MATA SETE IRMÃOS E UMA MÃE

                                                                         


    O título parece arrancado aos tais tabloides do Incrível, do Diabo ou dos correios da manha, tão do agrado do vulgo ignaro. Caso para perguntar se será por isso que o LIVRO está pejado de cenas similares, dado que os seus destinatários não são as elites mas as massas plebeias. O caso que ocupa

este fim-de-semana os crentes regulares da liturgia passou-se aí pelos anos 120 a-C., o que me leva a crer que, se acontecesse uns cento e cinquenta anos depois, o clarividente Nazareno nunca permitiria tamanha sangria de suicídios.

         De suicídios, sublinho. Porque, não obstante a bárbara sentença de um assassino rei pagão, Antíoco, fica patente, no decurso da narrativa, a aceitação pura e simples da sentença e, mais do que aceitação, prevalece a opção do martírio à da manducação de uma ligeira refeição de carne de porco. Tratou-se, portanto, de um suicídio opcional, a coberto de um assassinato governamental.

         Para melhor e directo conhecimento, recomenda-se a leitura do II Livro dos Macabeus, capítulo VII.

         É, no mínimo e/ou no máximo, horripilante e, ao mesmo tempo, estóico, heróico, sobre-humano o cenário daquele cadafalso (séculos mais tarde a Inquisição eclesiástica fez o mesmo) em que uma mãe, rodeada dos seus sete filhos, entrega-os às chamas, à tortura, à mutilação, acabando por entregar-se ela própria à morte mais ignominiosa, só por recusar-se a comer…carne de porco!!!

         Analisado o trágico acontecimento à luz das actuais categorias pensamentais – filosóficas, teológicas, antropológicas -  é evidente tratar-se de uma brutal desproporcionalidade entre o direito inalienável e indisponível ao valor-vida face à proibição de comer do pacífico suíno, relegado irremediavelmente para a desqualificada secção de ‘animal impuro’ No entanto, há que situarmo-nos no tempo, no lugar e no modo circunstancial em que tudo aquilo acontece. Ceder, fosse em que fosse, ao rei Antíoco, invasor e opressor da soberania hebreia – simultaneamente soberania monárquica teocrática – seria abdicar da mais genuína identidade patriótica e, no caso vertente, muito mais que isso, significaria abjurar da sagrada Lei de Moisés e tornar-se réu no tribunal do “Senhor Deus dos Exércitos”. Aliás, outro valor mais alto se alevantava: a imortalidade e, no Além, a recuperação dos membros mutilados e da vida amputada neste mundo.

         Respeitando a idiossincrasia dos povos pré-existentes à nossa era, o sangrento massacre da mãe e dos sete filhos macabeus abre-nos um infinito oceano conceptual que tanto pode levar-nos a um abismo como a um amplo horizonte de ideias, debates e conclusões.

         Como sempre, deixo a quem me lê as velas pandas do pensamento, da dúvida e da criatividade para lançar-se ao mar alto da investigação, ainda que estritamente pessoal. Da minha parte, cada vez mais considero as religiões o melhor e o pior que ao homem se lhe deparam. Tanto nos levam aos sétimos anéis do Saturno olímpico como nos sufocam na mais humilhante cegueira e no mais irrecuperável alzheimer da consciência autónoma. Quem puder livrar, que se livre… procure a verdadeira ascese, a espiritualidade humanista de Jesus de Nazaré!... Confrange-me também  e abate-me a confiança na inteligência humana ver – ‘com olhos vistos’ – os labirintos pastosos e os pios embustes com que certas religiões entretêm os viventes do século XXI.

         Obrigado, Macabeus, pela oportunidade que nos destes!     

           

         05.Nov.22

         Martins Júnior