quarta-feira, 9 de novembro de 2022

A HISTÓRIA DO MUNDO EM CINCO DIAS

                                                                        


Não vou desafiar Júlio Verne que deu “A Volta ao Mundo em oitenta dias”. O grande perímetro circular do território físico do planeta é incomensuravelmente mais moroso que a maratona – infinitamente mais vasta - do espírito que habita o mesmo planeta. E ficamos diante deste paradoxo sem remédio: enquanto os pés arrastam-se pesados sobre a crosta, inerte umas vezes, movediça outras, o cérebro, o espírito (a Ideia, como a exalta Antero de Quental) esse voa, sublima-se e esmaga-se, morre e reaviva-se, ‘pula e avança’ num movimento de metamorfose contínua, tão contraditório quanto incompreensível.

         Porque são os humanos que transportam o espírito e o põem em marcha na história do mundo!

         Recorro ao dia de hoje, 9 de Novembro. Foi proclamado pelo Parlamento Europeu como o Dia Internacional contra o fascismo e o antissemitismo e tem a ver com o início, em 1938, da feroz perseguição do regime nazi contra os judeus que culminou no execrável massacre do ‘Holocausto’. Quão doloroso e longo é o percurso até chegar ao fim da noite fascista e alcançar a manhã da Liberdade!

Estamos em 1989, precisamente em 9 de Novembro: o mundo alvoroçou-se, subiu às alturas enquanto caía em escombros o vergonhoso  muro em cujo betão se escondia o genocídio ciclópico de milhões de vítimas do bárbaro regime soviético. Após o 8 de Maio de  1945, esta foi mais uma retumbante vitória para o Dia Internacional contra os regimes fascistas, totalitários!

A história faz o seu curso em cada país e em cada segmento civilizacional. Também em Portugal. Aconteceu a grande vitória contra o fascismo em 25 de Abril de 1974. Não foi caminho brando a travessia de 48 anos de regime fascista-salazarista, carregado de maldições, exílios, prisões, mortes e guerras coloniais. De entre os lutadores pela vitória contra o fascismo,  presos, ostracizados, torturados nas masmorras da ‘Pide’, emerge com notória grandeza patriótica um cidadão português, nascido no dia 10 do mesmo mês de Novembro, 1913: Álvaro Cunhal! Qual tenha sido a sua opção política, é incontornável o seu contributo, com risco da própria vida, para destronar o fascismo em Portugal

Amanhã, portanto, 10 de Novembro, um marco pré-natalício do “Dia Novo” em Portugal!

A marcha da libertação de um povo traz-nos, esta semana, um outro passo em frente: a Independência da Pátria Angolana. Após a ocupação portuguesa de quatro séculos, agravada com a injusta guerra colonial, chegou o 11 de Novembro de 1975, em que os três movimentos independentistas envolvidos em sangrenta guerra civil, reuniram-se sob a presidência de Agostinho Neto e ergueram a bandeira da Independência. Por muito que os exploradores ocupantes do território angolano invectivem o que apelidam de “Descalabro da Descolonização”, o juízo da história condenará sempre o regime insustentável de um minúsculo país europeu pretender dominar, enjaular a liberdade autonómica de uma extensa nação africana. Até então, Portugal era visto como o pária da civilização, retardatário, tacanho, vilipendiado e ridicularizado internacionalmente. Chegara, enfim, o “Dia Novo” do Povo Angolano, com todas as vantagens e todos os riscos que isso representa.

11 de Novembro  - surge, pois, diante dos nossos olhos como uma terceira vitória consecutiva contra o fascismo!

Mas esta luta está longe de ser uniforme e simultânea. São os humanos e o seu espírito que comandam a história, controlam as oscilações e “fazem a Hora”, na lúcida expressão de Sophia - a Hora da apoteose democrática ou as desoras do fascismo tenebroso, estrangulador. Daí que assistamos, não poucas vezes, a uma estranha proximidade entre uma região, uma freguesia, onde se respira o ar puro da Liberdade mútua e, na fronteira, um lugar de prisão dentro da própria casa, da freguesia, da região, onde impera sob as vestes mais subtis o férreo bastão do fascismo. Compete ao cidadão comum destrinçar os sintomas identificativos de um e outro sistemas e, mesmo que ‘condenado’ a viver coarctado no seu livre arbítrio, nunca perca a visibilidade sociológica e o redobrado empenho em mudar as estruturas políticas negativistas.

Nesta rota dos dias de Novembro, passamos pelo cabo das tormentas de um desses regimes draconianos, aquele que, em 1991, perpetrou o crudelíssimo massacre no cemitério de Santa Cruz, em Timor. Por contraste dos tempos e para ironia dos factos, foi dali, da mansão dos mortos, que arrancou a escalada triunfal, iniciada anos antes pelos bravos combatentes nas montanhas de Timor Lorosae, até à vitória final contra o fascismo indonésio.

Em 12 de Novembro, tocam a rebate as trombetas da memória para nos alertar contra as emboscadas da guerrilha fascista, quer se chame putinismo, trumpismo, bolsonarismo, seja no Irão, na Itália, seja mesmo à nossa porta, sob as mais sofisticadas formas.

E chegamos a 13 de Novembro de 1460 – o mesmo que dizer a 13 de Novembro de 2022, dia do Infante D. Henrique. No 562º aniversário da sua morte, exalta-se o Génio das Descobertas, deste modesto Portugal que “deu novos mundos ao mundo”. Se, por um lado, honra-nos sobremaneira a epopeia dos “mares nunca dantes navegados, mais do que permitia a força humana”, por outro, atravessa os séculos o clamor austero do sábio Velho do Restelo quando rotulou de “glória de mandar e vã cobiça” a demanda dos oceanos. É a grande incógnita que ainda hoje enfrentam os estudiosos da história: terá valido a pena a saga dos países colonizadores europeus sobre as ancestrais civilizações dos povos indígenas colonizados?... É daqui que proliferaram raízes espúrias de fascismos e lutas subsequentes que ainda hoje persistem no nevoeiro dos tempos.

Cinco dias consecutivos que hoje antecipamos e nos despertam para o nosso lugar na análise e na construção da parte que nos cabe realizar!

 

09-11.Nov.22

Martins Júnior

Sem comentários:

Enviar um comentário