quinta-feira, 3 de novembro de 2022

O TRIÂNGULO ENTRÓPICO – OU – O “TRIO-BAGUNÇO” DA ACTUAL ‘ÓPERA BUFA’ BRASILEIRA

                                                                     


O título é propositadamente confuso, propositadamente para tentar perceber a confusão reinante no ‘país abençoado por Deus’.

E vem-me logo ao ouvido aquela canção que, em 1972, atravessando São Paulo, Rio, Goiás, Brasília, a banda d’Os Incríveis enchia-nos e galvanizava, via rádio, todo o Brasil:

Meu coração é verde e amarelo

Branco, azul de anil,

Eu te amo meu Brasil, eu te amo,

Ninguém segura a juventude do Brasil.

 

Espanta-me que os paranóicos bandos de Jair Messias Bolsonaro ainda não se tenham apropriado da canção, música e, sobretudo, da letra que trazem colada à pele e trocassem de estribilho: Ninguém segura os loucos de Messias Bolsonaro.

Não vou repetir o que outros abalizados analistas políticos têm superabundantemente reproduzido nesta aluada fase pós-eleitoral, quase todos consonantes na denúncia da imbecilidade do candidato derrotado. Voltarei atrás o mais possível, ao início da gestação deste produto tricéfalo, simbólica e empiricamente causa e ocasião da balbúrdia que começa no palácio do Planalto e acaba no tumulto das ruas.

  No epicentro das operações, três personagens, todas e cada uma inter-contraditórias e, simultaneamente, intra-contraditórias, isto é, inconciliáveis entre si, mas também cheias de contradições e escândalos no seu próprio seio:

                                                         


Luís Inácio Lula, o operário metalúrgico, líder nato de um sindicato, catapultado a comandante supremo de um enorme país, em cuja folha de serviços brilha a erradicação de milhões de pobres da mísera e atávica situação em que viviam. Mas (a intra-contradição!), é o mesmo sob cujo olhar e mandato presidencial proliferaram os escândalos do “mensalão”, seguido do “lava-jato”, dois monstruosos rastos de corrupção que lhe valeram três condenações judiciais consecutivas e, não obstante ilibado de culpabilidade pelo Supremo Tribunal Federal, ficou manchado publicamente com o irremovível baldão de “ex-presidiário, bandido e ladrão”.  

                                                             


  

 Sérgio Moro, o maratonista furta-cores que pegou na trama Lula e levou-a à premeditada meta dos seus megalómanos intentos, em três saltos de mestre: é juiz, manda Lula para a prisão, impede-o de concorrer às eleições presidenciais de 2018, Bolsonaro ganha, torna-se presidente e, acto contínuo, Moro salta do Tribunal para o Ministério da Justiça. É obra! Esperteza de Moro, sangue de mouro! Fosse isto em Portugal e ninguém deixaria de classificar como imundície política, corrupção institucional. Sob a alçada das incompatibilidades, senão mesmo das ineligibilidades. Mas não fica por aqui a capacidade camaleónica do juiz-subserviente-faminto de poder. Em pouco tempo, caído no desagrado do ídolo ditador, sai do governo e, em Paraná é eleito senador federal e, de novo, apoiante de Bolsonaro às eleições de 2022. Com juízes destes, podem fechar os tribunais…

Messias Bolsonaro. Que arcanjo ou que bicho inspiraram os seus progenitores para lhe darem tão esotérico, taumatúrgico nome: Messias?! E, ao fim de contas, uma desilusão, um embuste pegado! Alistado no Exército, de tão medíocre, nunca ultrapassou a patente de capitão e na mesma mediocridade permaneceu no pouco tempo de deputado. Uma figurinha apagada, inculta, impreparada para um cargo de liderança, mas neuroticamente ambiciosa. Enfim, em puro português vernáculo, um idiota útil, transformado em “pesadelo”, como o qualificou o Courrier International.

Que esperar deste trio excêntrico-concêntrico, misto de vícios e virtudes, laivos de bem e antros de podridão?

Foi o que se viu. Em primeiro lugar, o anti-voto! Quer dizer, o eleitor-espectador, confrontado com o lado negro do candidato e entalado entre o sim e o não, inclina-se para o não. Assim, o voto em Bolsonaro corresponde ao voto não em Lula ‘corrupto’ e o voto em Lula é o voto não no ditador Bolsonaro. É a institucionalização do “voto de rejeição”, descontando o da extrema-direita, inclusive a nazi, afecta ao capitão falhado e o da emancipação da pobreza e dos direitos humanos, sequaz do melhor legado de Lula.

A mesma desorientação, efeito deste caldo tridente, penetrou no organismo psico-somático das religiões, neste caso, as abusivamente chamadas “evangélicas”. Sinal dos tempos, estas colectividades ou seitas, segundo alguns, associam-se às da época de Cristo, em que Fariseus, Saduceus, Essénios, Libertos, Alexandrinos,  constituíam-se como movimentos religiosos e concomitantemente  partidos políticos. Assim, no Brasil, onde se misturam crenças, interesses, drogas, aborto, armas, casinos, enfim, uma arena em que tudo se confunde, para acabar no apoio ao católico Bolsonaro, que se fez baptizar em 2016 no rio Jordão por um pastor evangélico.

Dispenso-me de apreciações mais extensas, apenas a conclusão expectável de um processo tão extravagante e divergente como os três intervenientes citados. Não admira que um eleitor, para sair da confusa incógnita diante da urna de voto, descobriu a solução: “Ambos foram ladrões, com uma diferença: “Lula roubou mas deu aos pobres. Bolsonaro roubou, mas deu aos ricos”!

A paranoia da rua e em frente dos quartéis é a continuação da entropia auto-destrutiva resultante da génese dos progenitores de um processo eleitoral entre um democrata e um vilão. Esperam-se cenas dos próximos capítulos.

 

03.Nov.22

Martins Júnior

 

  

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