sexta-feira, 31 de maio de 2019

LUMES E CRUZES – MITOS E RITOS


                                                             
                                                     
  Chegado o fim de Maio, decidira eu fechar o mês com um interminável cordão luminoso de trinta e um entardeceres, tão romântico e delirante como um sonho oriental das “mil e uma noites”. Porque o mês de Maio, além dos olorosos jardins que reflorescem no campo ou na cidade, é marcado também pelos rituais cortejos correntes, como as flores, desde os carreiros rurais aos centros urbanos – as consoladoras e não menos propaladas “Procissões das Velas”. Pela minha parte (e nisto julgo irmanar-me com a maioria de crentes e não crentes) a chama dançante no topo do círio exerce a atracção de  um íman mítico que faz crescer a emoção, até de um coração de pedra. Então, se forem cem ou  mil ou centenas de milhar brandindo a escuridão da noite, na ponta de um pavio aceso, quem não se rende e comove à sua passagem?! …
         E não apenas nas extensas ‘paradas’ devocionais. A vela acesa faz parte indissociável do quotidiano dos mortais: é, talvez, a tradução sucedânea do nosso ego mais intimista, a intuição de sobrevivência como resposta à nossa finitude. Ela é o triunfo da vida em dia de aniversário natalício e, paradoxalmente, é também o velório fúnebre que  iluminará a viagem derradeira. Ela é a ternura enleada na mesa do amor em dia dos namorados. Ela é, ainda, o sortilégio da levitação artística nos concertos dos músicos da nossa predilecção. E se a esta gama de sensações se juntam a ascese e a mística focadas  em entidades invisíveis, sejam deuses, sejam santos, aí o nosso psiquismo alcança o climax  hormonal que nos transcende e sublima.
É por isso, pois, que as multidões “adoram” as processões das velas, as quais respeito enquanto representativas da identidade dos seus portadores. No entanto – e dado o valor ‘facial’ de uma “vela de promessa” traduzido em moeda sonante – temo que se torne um rito mercantil, puro mito da sacralização da cera e promoção abusiva da estearina. Caberá a cada um pronunciar-se.
Outra área que, tendo estado arvorada em linguagem dogmática desde tempos imemoriais – a colocação oficial e obrigatória do Crucifixo nas escolas públicas – hoje conhece novos desenvolvimentos. Quando digo “Hoje” refiro-me precisamente a esta mesma data, 31 de Maio de 2019, em que o Prelado Diocesano, D. Nuno Brás, questionado numa escola da Região sobre tal dilema (colocar ou retirar definitivamente o Crucifixo) declarou sem quaisquer reticências  que nesta diocese nunca entraria nessa guerra. Uma resposta inteligente e lógica, direi constitucional, visto que, nos termos da Constituição da República, Portugal é um estado laico, portanto não vinculado a qualquer religião e a qualquer rito. Assim, fica demonstrado, pela voz autorizada da hierarquia, que não passava de um simples rito aquilo que, para os cânones de um certo devocionismo tradicionalista, atingia as raias de um mito sacrossanto.
É cada vez mais necessário esclarecer, fortalecer, iluminar a mente humana, esteja ela onde estiver, porque daí deriva o conhecimento da Verdade e purifica-se a Fé dos crentes.  

31.Mai.19

Martins Júnior
     

quarta-feira, 29 de maio de 2019

A PALAVRA – RAINHA E SERVA!


                                                              

         A Palavra anda no ar, mergulha a terra, brilha no verniz genuíno da calçada. É o verbo feito carne e vida, papel e tinta, corpo e alma da cidade!
É assim que vejo e sinto o arfar sedoso das, impropriamente,  chamadas “Feiras do Livro”. Digo “impropriamente”, ou “inapropriada” a designação “feira” para aquilo que interpreto como um recanto de introspecção, alameda dos afectos e rio branco da liberdade criativa. Recuso-me a ver nos livreiros simulacros de feirantes de remessas vendidas ao metro ou pesadas ao kilo.
Passar pelos diversos escaparates expositores, mesmo que se não compre nenhum exemplar impresso, é como pisar um “chão sagrado” onde fumega e canta a sarça ardente do talento e da poesia. Quem ali navega deveria curvar-se, agradecido, como diante de um trono ou de um altar, onde crescem cravos de abril e  açucenas de maio orvalhadas, umas vezes de cânticos, outras vezes de lágrimas, aqui cheirando ao suor da pesquisa e persistente investigação, acolá reflectindo as clareiras do Pensamento na densa floresta da Dúvida.
Dos livros expostos, bem se lhes pode adaptar com todo o rigor a definição com que se descrevem os humanos – “Todos Iguais e Todos Diferentes” . Iguais no rosto, na cor, na espessura da matéria. Diferentes na inspiração, no voo rasante dos seus conteúdos. Pegar num bom livro é imprimi-lo no cérebro e aconchegá-lo ao coração.
Por isso, são sempre de louvar e prestigiar todos quantos promovem estes eventos, sublinhando desde logo que a sua preocupação não é a de bibliotecários de élites ou de estranhas eminências académicas, mas, sem prejuízo da qualidade, proporcionar a quem lê e a quem escreve uma experiência de cumplicidade anímica, para concordar, questionar ou até mesmo divergir. Neste entendimento e não obstante a inflação da palavra pelas “ruas da amargura” em diários, pasquins e demais literatura de cordel, mantenho  o apelo de que quem sente a flor da escrita “de um amor perfeito, ponha a rosa ao peito”, isto é, escreva, transmita, porque há sempre imperceptíveis ondas gravitacionais que levarão, cedo ou tarde, a mensagem a alguém, longe ou perto, de mente e coração expectantes. Sintamo-nos dentro daquele círculo de destinatários anónimos a quem se dirigia Manuel Alegre quando escreveu: “Há sempre alguém que semeia/ Canções ao vento que passa”.
                                                              

Nesta estação do ano e desta onda de “Feiras do Livro”, onde quer que se realizem, em Machico, no Funchal ou em Lisboa, lavro aqui o meu Voto de Congratulação, agradecendo pessoalmente à Organização da Feira do Livro do Funchal o ter incluído no seu programa a minha colectânea, intitulada “LEGADO”, fruto da investigação de Paula Gois, com a prestimosa apresentação de Bernardo Martins e Irene Catanho.
A Palavra, sobretudo na versão escrita, será sempre  a Rainha do Pensamento e, ao mesmo tempo, a sua Serva fiel para semear ao vento que passa as Canções de um Mundo Novo e Nosso!

29.Mai.19
Martins Júnior      

segunda-feira, 27 de maio de 2019

GRANDE COMEDIANTE É O POVO!


                                                         

        Sei que corro o risco de decepcionar e, mais que isso, azedar muita gente. Mas não resisto ao divertimento de ver a banda passar no palco das pantominas teatrais em que se transformaram as eleições. Ali há de tudo: passam barões embalsamados, esganiçam reis-de-capoeira, saltam capões encapotados, ataviam-se à pressa aprendizes de feiticeiro contracenando com palhaços de feira, enfim, ali e em suma, mais um episódio, ciclicamente repetido, da grande comédia da vida. Nos bastidores, então, não há mãos a medir: um puxa os cordéis da ribalta, outro sopra desesperado o ponto do guião (não vá o artista perder-se no discurso) outro ainda paga em géneros o bilhete aos espectadores apanhados à unha, mais os aplausos da “força do público e do público à força”, tudo misturado no caldeirão larvar de interesses solapados nas mangas largas do super-encenador.
            Mas na versatilidade hilariante da trama herói-cómica (que os protagonistas teimam em dramatizar para mais impressionar a plateia) há um comediante maior que se mantém sempre fora do palco – o povo eleitor. E é esta personagem que, mesmo fora de cena, desestabiliza  o colorido cartaz da peça e, com o cruzado gesto do boneco das Caldas, põe a nu a falácia dos artistas.
            A tudo temos assistido: aos que enchem ruas e praças de tambores, bandeiras e bandulhos,  o zé-povo prega-lhes com o virar de costa nas urnas. Os que arvoram cartões a rodos, saem-lhes na rua cartolinas vermelhas e aos que tiram o pão da boca das pessoas para dá-lo aos benquistos  quadrúpedes, os aficionados da faena retribuem com flores e abraços.
            O cúmulo do papel do Grande Comediante encontrámo-lo ontem, no areópago da “Cidade Eterna” aquando do anúncio dos resultados eleitorais, entre a Liga de Matteo Salvini e o Movimento 5 Estrelas de Giuseppe Conte, ambos os partidos coligados na governação italiana, desde 2018, ano em que o 5 Estrelas obteve 32,5% dos votos contra 17% da Liga. Ironia das ironias: passado um ano, o Grande Comediante manda um bocejo eólico para dentro do palco eleitoral e obriga os figurantes a uma cambalhota perfeita: a Liga passa a 34,3%  e  chuta o 5 Estrelas para o banco dos 17%, onde há bem pouco estava a Liga parceira. Assinale-se que o mesmo passou-se também em França, embora em menor escala, entre Macron e Marine Le Pen.
            O Grande Comediante, descrente da poluída e poluidora atmosfera  política onde vive, chega a rir-se de si mesmo e manda para  a boca de cena os comparsas da grande comédia humana, actores profissionais, homens e mulheres industriados na arte de ficcionar, representar e, na ponta do fuzil, iludir o espectador. Temo-los em Ronald Reagan, Kusturika  e, no momento presente, Volodymyr Zelenski, presidente da Ucrânia.
            É saudável e é útil ver o nebuloso “antro” das políticas e dos políticos, mas sob um outro olhar que não seja a sofisticada e charadística sebenta dos especialistas encartados, onde se acotovelam outros desígnios e ambições que não os do povo constituinte da nação. Sem denegar a força determinativa dos muitos actos eleitorais, é bom que o zé-povo (que  apenas é  “senhor/a votante” em  dia marcado) abane os directórios partidários e, nem que seja com um piscar sarcástico, desinstale do pedestal do seu orgulho os megalómanos usurpadores do poder. Em todo o planeta!

            27.Mai.19
            Martins Júnior
           
  

sábado, 25 de maio de 2019

CONTRA O DOMÍNIO DA LETRA, O AMOR QUE LIBERTA


                                                              

       O poder e ânsia dele andam no ar, em cada hora e em cada instante deste fim de semana. Nos estádios e nos estúdios, nas urnas do voto ou no silêncio das alcovas, onde as matrizes partidárias nem pregam olho, suspensas daquela espada que lhes dará ou lhes amputará as rédeas do poder – o poder de impor, de coagir e de submeter aos seus cânones os futuros súbditos. Até (escandalosamente verifico) as instâncias ditas religiosas, sejam quais forem o dogma e a crença, levam a palma nesta cobiça latente de “dominar o rebanho”, como bem o prenunciou Pedro, o Pescador (2Pet.5,3). Moldar a vaso e o utente à imagem do oleiro, sofisticar a ideia, despersonalizar a individualidade originária da pessoa humana até ao cúmulo da lavagem dos cérebros – eis na generalidade a ambição dos poderosos ganhadores das refregas sociais, políticas, religiosas. E é neste rescaldo vicioso que nascem e se consumam as guerras fratricidas. A realidade não o desmente, desde os confins da história. Caso flagrante é o que nos é oferecido nos textos  deste domingo, como relata o Livro dos Actos, capítulo 15,1.2.22-29.
         Era considerável número de pagãos idólatras e agnósticos gregos que aderiam ao ideário da nova revolução evangélica. Confrontados com tanta gente estranha que se juntava ao grupo, entenderam alguns dos veteranos (denominados judaizantes) impor aos recém-convertidos as suas normas, usos e costumes, entre os quais a obrigatoriedade da circuncisão, o que provocou sérios litígios na comunidade dos crentes e com tal jaez que foi necessário recorrer ao Conselho Apostólico, reunido de emergência em Jerusalém. Sempre a ambição atávica de sujeitar ao domínio dos poderosos anciãos os novos prosélitos, como se de velhas praxes se tratasse, às quais devessem submeter-se os caloiros!... E o mais estranho é que as  hierarquias sucedâneas nunca se libertaram dessa deformação congénita!
         Trago hoje à colação o texto dos Actos para relevar a inteligente – direi, salomónica – decisão do Conselho Superior da magistratura apostólica: “Não é lícito impor aos novos crentes tal obrigação”. Caso encerrado.  Mais relevo ainda a coragem e a clarividência desses homens – iletrados, aos olhos do mundo – mas absolutamente esclarecidos quanto à mensagem nuclear da sua luta, inspirada no pensamento pró-activo do Mestre que  ensinava, Ele primeiro e Paulo de Tarso, mais tarde: “A letra mata, o espírito é que dá vida”. (1Cor.3,6).
         Quanta sabedoria e profundidade intelectiva contidas nesta sentença milenar! E quanta insensatez, quanta imbecilidade nas exigências de certos normativos, verdadeiros atestados de menoridade semântica, em que durante séculos nadaram e chafurdaram as hierarquias! Até aos nossos dias! A cega ambição do domínio ofuscara-lhes a mente e o pudor e nem chegaram a lobrigar o ridículo em que caíram. Apontando os grossos  dedos para a letra da lei moisaica, os velhos inquisidores pretenderam matar Galileu Galilei. Os novos inquisidores saciam tão facilmente o seu “ego” autoritário, com o mesmo apetite com que os abutres se refastelam com a carne podre dos entulhos. Nem vêem sequer que os seus velhos códigos apodreceram à luz da Razão e do Amor. É a grande luta, tantas vezes incompreendida, de Francisco Papa!
         Sim, do Amor! O mesmo de que nos fala o Mestre no texto de João, 14, 23-29. “O Espírito do Amor ensinar-vos-á toda a Verdade”. O mesmo que levou o génio de Agostinho de Hipona a escrever esta fórmula, aparentemente escandalosamente, mas surpreendentemente vital: Ama et quod vis fac – “Ama e faz o que quiseres”. É o Espírito do Amor – e não a naftalina dos códigos funérios – que ilumina as veredas e as auto-estradas que seguramente nos levam à Felicidade.

         25.Mai.19
Martins Júnior

quinta-feira, 23 de maio de 2019

PARABÉNS À VIDA PLENA!


                                                      

Em maré alta eleitoral, o meu voto vai para a Vida! Voto na longevidade numérica. Mas muito mais voto na longevidade algébrica, envolvendo neste conceito não apenas a leitura linear do cômputo dos anos, mas acima de tudo a latitude global do tempo de existir.
Hoje cabe a Eduardo Lourenço a glória de subir os 96 degraus do pódio da Vida – um troféu do qual não pode orgulhar-se a generalidade dos mortais. No entanto, maior que o seu extenso curso cronológico ascende a amplitude do pensamento com que dilatou uma história quase centenária. Nisto se distinguem as multiformes dimensões da vida: o espírito ultrapassa ilimitadamente as aparentes fronteiras do corpo. Neste sentido afirmou Eça de Queirós acerca do líder do “Grupo dos Cinco”, Antero de Quental: “Ele tinha alma para sete famílias”.
E é precisamente nesta encruzilhada interpretativa que à quase mítica longitude  existencial de  Eduardo Lourenço decidi juntar a exígua vereda de alguém que não logrou a metade sequer daquela idade: Fernando Pessoa! Aquele ergue-se vitorioso do alto dos seus 96! Este abandonou na tumba um corpo de apenas 47 anos de vida respirável.
Fico-me, então, dividido (e, ao mesmo tempo, inteiro e uno) perante esta inexorável disjuntiva: Qual dos dois é o maior? Quem encheu os anos e preencheu melhor a grande paisagem da vida: Lourenço ou Pessoa? Qual mais forte e plena será: a mensagem de Pessoa ou o legado de Lourenço?
A conclusão é líquida e transparente: assim como “os homens não se medem aos palmos”, também o pensamento e a vida não se cingem aos ponteiros do cronómetro. O que importa é atingir a plenitude da medida que nos foi doada em determinado tempo histórico. Por outras palavras, o que é preciso é encher até ao cimo o vaso de argila que nós somos. Porque ´é então que o vaso, quando cheio, já não será de argila mas de ouro e diamante transfigurado.
Grande é Eduardo Lourenço. E grande será sempre Fernando Pessoa.  
Porque ambos ganharam a plenitude de estar aqui. Como bem  definiu  o génio pessoano:
  Para ser grande, sê inteiro: nada
       Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
        No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
        Brilha, porque alta vive.

23.Mai.19
Martins Júnior

terça-feira, 21 de maio de 2019

EUROPA-MÃE, EUROPA-IRMÃ


                                             

Uma Europa Unida… Um Povo Unido… Um Mundo Unido!...
         Quantos séculos, quantas gerações e quantos génios o sonharam?
Por todas as gerações e por todos os génios, trago hoje o espírito redivivo das cinzas de “Notre Dame”, Victor Hugo.  Chamo-o hoje aqui. não tanto pela Grande Catedral de Paris, mas pela visão global, internacionalista, da sua mensagem, sobretudo no controverso cenário das Eleições Europeias .
Pouca gente sabe, mas urge dizê-lo, que desde 1849, uma voz se ergueu no coração da Europa  a proclamar a “imperiosa necessidade”  de unir os países europeus. Foi a voz do “enorme” Victor Hugo.
         Do discurso proferido no “Grande Congresso dos Amigos da Paz”, reunido em Paris no dia 21 de Agosto de 1849, sobressai este veemente apelo:
         “Há-de chegar a hora em que dois grupos imensos, os Estados Unidos da América e os Estados Unidos da Europa, os dois face-a-face, entender-se-ão e darão as mãos sobre os oceanos “.
E conclui:
“O dia virá em que. todos em conjunto, França, Bélgica,  Alemanha,, Inglaterra, Itália. Europa, América,  dirão  alto e bom som:  “Afinal, nós somos todos irmãos”. ( Le Monde, 20/05/19).
Mais que uma voz no deserto do século XIX, é este o grito de esperança dirigido aos “imperadores” do século XXI.
21.Ab3e4.19
Martins Júnior

domingo, 19 de maio de 2019

A VITÓRIA MAIOR DO FUTEBOL PORTUGUÊS!

                                                       

Portugal está transformado na “Babilónia dos Gentios”, de onde emerge uma descomunal  “Torre de Babel” batida e perfurada por vozearias sem nexo, furacões quase tribais e munições de artilharia pesada. É o espectáculo puro e duro, desde as medicinas nucleares, até às tragicomédias alarves da corrupção na alta finança e aos pregões embandeirados das eleições europeias.
 Mais avassalador, porém, é o ‘tsunami’ de tinta  que irrompe dos tapetes verdes dos estádios. Tinta, gritos, espasmos, neuroses, foguetes e lágrimas, enfim, trovões e truões que põem este país em pânico, mais que em sentido. O rei-futebol arrasa tudo, ultrapassa a léguas todos os debates sobre a Europa, a Economia, a Saúde, o Ambiente.
Talvez nem valesse a pena prestar ouvidos à barafunda irracional que, sobretudo fora das quatro linhas, o futebol provoca. Só o faço para destacar neste momento a amplitude das declarações condensadas nos últimos parágrafos deste texto.
Quem se debruça, mesmo que por instantes, sobre o fenómeno “futebol” bem depressa se dá conta de que estamos perante um sério “caso de estudo”, em virtude das emoções, cargas explosivas, desvios, “rugidos”, ameaças, esgares - tudo manifestações exteriores de uma esquizofrenia colectiva que não conhece fronteiras. Os olhos não mentem porque é de todos os dias o frenesim paranóico com que se apresenta o futebol. E o mais sintomático é a enorme bola de fogo que se forma em redor da bola de futebol. Primeiro, são os “homens de preto”, enxovalhados, despidos e assados na praça pública. São os comentadores sem freio, “doutorados” em bola que discutem até aos dentes o milímetro mais adiantado ou mais atrasado do jogador – um milímetro maior e mais palmar que as línguas eriçadas dos quatro ou cinco analistas. O mais ‘divertido’ é quando são os políticos profissionais que, em vez de tratarem dos problemas do país, se assentam nos cadeirais das tertúlias televisivas… Há também os “ódios velhos” entre nortistas e sulistas, fisgas estrábicas entre as cores deste contra aquele. Juntam-se as tribunas e os tribunais das federações e conselhos disciplinares, os juízes de Direito mais apedrejados que os juízes do rectângulo. E no meio deste 'manicómio' a céu aberto, pergunta-se: Onde é que anda a bola, o desporto, alguém os viu?... Mas falta ainda o “deus supremo” que incendeia a paisagem galáctica do futebol: o dinheiro, as luvas, as golpadas -  os milhões (neste banco não há milhares) e os biliões dos campeonatos, dos artistas (há quem lhes chame os novos gladiadores do Império) as tentativas de branqueamento e fuga ao fisco. E lá vem a mesma toada batida: Onde é que anda bola no meio de tudo isto, onde é está o desporto?...
Está patente no mercado nacional a inflação saturante do futebol, a violência dos canais televisivos que, em certos dias, massacram o espectador sem que este tenha o mínimo hipótese  de opção. Foi muito clara e assertiva a opinião, revelada num recente programa, de quatro jornalistas estrangeiros, correspondentes em Portugal, criticando a obesidade do futebol na nossa comunicação social, em contraste com a sóbria programação nos ‘media’ dos respectivos países.
No entanto – e é esta a nota dominante do texto de hoje – hão-de ficar em letras de ouro nos futuros anais do futebol português as eloquentes palavras do técnico vencedor da Taça da Liga quando, no auge celebrativo do grande feito, assim falou aos seus gloriosos atletas:
“Esta vitória da reconquista é importante. Mas nas nossas vidas e na  nossa sociedade há coisas mais importantes que o futebol, a nível político, económico e a nível da saúde. Se nós pusermos a mesma ambição e a mesma determinação na solução destes problemas teremos de certeza um país melhor”.
Nunca ninguém falou assim neste país. Talvez seja esta a maior vitória de todo o campeonato. Oxalá que a sua mensagem seja a “Laje” e o alicerce de um novo projecto para o Desporto em Portugal. Bem haja!

19.Mai.19
Martins Júnior