sábado, 27 de fevereiro de 2021

AS PORTAS DO INFERNO NÃO PREVALECERAM CONTRA ELA… Alegoria dos 36 anos: 1985-2021

                                                   


Nos antros insulares jazia Satã

Entre lobos já exaustos,  famintos répteis à míngua

 

Queimaram-se os tridentes  queimou-se a língua

E todo o fogo infrene desfez-se em cinza vã

 

Cravei então meu crânio córneo no palácio vigiante

Braços e unhas de verniz no paço orante

Das entranhas de ferro farei botas cardadas

Meus dedos serão  fuzis  fardas armadas

Guardas suíças, pretorianas guardas

E se ‘com sete ninguém se mete’

Eu serei lá dez vezes sete

 

Pelo deus ou pelo demo

Alvíssaras avante

É esta a  Nova Cruzada do Levante

Libertai enfim os Lugares Santos

Presos nessa garagem imunda

Onde é escasso o pão prá boca

Mas o pão da Liberdade abunda

 

E avançou Satã pelo seu dia que é a noite escura  

Dezoito foram as vinte-e-quatro horas da luta ingrata e dura

 

Enquanto no vigiante palácio delirava o crânio islâmico

E no paço se rezava a missa de pontifical satânico

Estalava o furor dos infernais martelos

Os corpos eram arrastados pelos cabelos

No chão sagrado tornado arena de martírio

                            


Mas o clamor da Liberdade caía como lava

Na farda-guarda suíça-pretoriana

Já sem força, perdido o rumo, perdida a gana

 

Dezoito vezes o Sol nasceu

Dezoito vezes Satã morreu

 

No jardim do palácio já não há cheiro nem sombra

Do crânio estratega podrido

Nem o paço reza  

Pelo orante semi-morto já caído

 

Mas a ‘garagem’  ficou

Cresceu, sorriu e cantou.

E se foram dezoito os dias de satânica memória

Dezoito-vezes-dois são hoje os anos da Vitória!

 

AS PORTAS E OS GONZOS DO INFERNO NÃO PREVALECERAM CONTRA ELA!  

 

27.Fev.21

Martins Júnior

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

O “CANTO LIVRE” DE INTERVENÇÃO NA MADEIRA

                                                              


É portadora de uma mensagem solta a última semana de Fevereiro  que, em sendo o mais pequeno dos meses do ano, sobrepuja-se e enobrece-se como um esvoaçante clamor à Liberdade. Já o sentimos anteontem, 23, no todo nacional, com a evocação viva de Zeca Afonso e a Canção Política ou Canto Livre em Portugal.  E continua, a nível local, com lugar marcado a 27, uma efeméride incontornável em Machico.

         Pelo meio, hoje, 25, na mesa do nosso convívio de  Senso &Consenso pretendi estender a mesma ementa do “Canto Livre” aqui na Madeira. Por outras palavras: que sensibilidade tem o ilhéu madeirense face aos acontecimentos que lhe dizem respeito? Balanceado entre dois postes – resignação ou intervenção – qual o posicionamento, não só da canção, mas globalmente  da literatura madeirense?

         Tarefa árdua e delicada, tanto na forma como no fundo. Poderia fazer minhas as palavras do grande cantor Jacques Brell  : “Dêem-me dez páginas e explicar-lhe-ei como vejo a infância. Mas como a canção só dura três minutos, as dez páginas terão de reduzir-se a um verso”. Desde já previno que hoje serão apenas breves apontamentos de pesquisa, como que um prefácio para um ulterior desenvolvimento, dirigido   aos interessados em algo mais que não seja o orçamento da pandemia ou a pandemia do orçamento.

         Pois bem: Do percurso de quinhentos anos da poesia madeirense mapeados na prestigiosa  MUSA INSULAR,, de  Luís Marino e análise dos nossos  poetas da contemporaneidade ilhoa, recolhem-se curiosas sínteses, literalmente coincidentes com os diferentes regimes sócio-políticos e culturais das várias épocas analisadas. Não será estranha a qualquer observador minimamente atento a seguinte conclusão: em sistemas fechados, ditatoriais, o ”Canto Livre” – Canção Política ou de Intervenção – conquanto mais necessário, encontra-se algemado pela “censura” da época, pela repressão tanto mais violenta quanto mais férreo o regime. Daí, os passos seguintes: clandestinidade, prisão ou silêncio sepulcral. A todas estas condicionantes, acresce a escassez do território que, em proporção directamente inversa, superabunda em opulência de policiamento omnipresente e controlador. É o caso das ilhas, terro agreste onde o canto do poeta afoga-se no litoral mais fundo das periferias circundantes. Disse-o, com muita frontalidade e realismo, Medina de Gouveia (pseudónimo), um poeta menor, em “Falésias da Utopia”:

                            Ilha

Porção de desejo e luta

Rodeada de trabalho e suor

Por todos os lados

 

Ilha

Pequena ditadura de poder

Rodeada de autoritarismo e isolamento

Por todos os lados

 

             Poeta menor, disse eu. E esclareço a designação. Do cotejo de dezenas de volumes dos nossos vates de ontem e de hoje, verificam-se dois comportamentos visceralmente opostos: de um lado, a procura incessante de um estendal ao sol da fama e/ou do perfeccionismo oficial ou oficiante, se possível ao abrigo do reino. Estes saem da exiguidade das ilhas. De entre estes, há uns que proliferam apoteoticamente e outros que, quais personas non gratas, raro ou nunca voltam. O segundo grupo é o chamado ‘poetas menores’  que, mais preocupados com a essência do que com a acidência, prestigiam menos a forma e mais o fundo da inspiração. Quando qualifico de menoridade esta franja de cultores do “Canto Livre”, quero dizer que esses atingem a maioridade cívica e poética (porque a poesia é vida e o poeta é o que vai à frente) e formam a plêiade de construtores da sanidade holística de um povo.

         É aqui, neste trono da poesia, feita corpo e alma da sua ilha, que situo o eminente – e criminosamente  esmagado pelo tribunal da Santa Inquisição -  Francisco Álvares de Nóbrega, o “Nosso Camões” ou “Camões Pequeno”,  quando, há mais de duzentos anos, teve a coragem de denunciar o regime corrupto que dominava a Ilha:

                  Terreno estéril, árido, e mirrado,

Dos mais terrenos, por meu mal desdouro

Tu convertes em peste a chuva de ouro

Que entorna sobre ti Jove Sagrado

………….

Tu, podendo das graças ser tesouro

És só de espinhos ásperos juncado.

…………

O grande Deus que em ti se adora é Pluto  (o dinheiro)

……….

Pagou caro a sua frontalidade, ele que noutros sonetos exaltou a beleza da ilha, “Flor do Oceano”!  Mas novos ventos sopraram em Portugal e na Madeira. Foi ele também um dos precursores da decisiva Monarquia Constitucional,  fruto do movimento revolucionário de 1820.

Afinal, nem completei o prefácio do “Canto Livre” no arquipélago. Teremos tempo de abrir este documentário deveras elucidativo da nossa história sócio-cultural.  

 

25.Fev.21

Martins Júnior

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

PERENIDADE E VIGOR DA CANÇÃO POLÍTICA/CANTO LIVRE

                                                                       


Não me tragam mais troféus

Nem me lembrem mais os pides as prisões

Nem palmas nem medalhões

 

Porque eu ando por aí

Em tudo o que canta

Em tudo o que clama

Em tudo o que se alevanta

E olhando o sol sorri

 

Eu não morri

Porque eu vivo em ti       

 

Foi este o eco da sua voz que, cavada e cravada, me ficou enquanto o seu corpo descia à campa rasa. Um eco mais forte que todos os acordes instrumentais e todas as canções daquele povo imenso que encheu as ruas e o cemitério da Senhora da Piedade, Setúbal, em 23 de Fevereiro de 1987. Trinta anos volvidos, em 2017, transcrevi o que, no mais íntimo de mim mesmo, pareceu-me o seu apelo.

Evocar Zeca Afonso nunca será o reconfigurar do estafado ritual das homenagens póstumas nem mesmo a reduplicação factual de episódios passados. Por isso, dispenso-me de trazer nesta hora o comovente, inesquecível encontro na clínica ‘Santa Isabel’, em Coimbra, pouco tempo antes da sua morte. Passo também por alto a memorável presença na, então, Vila de Machico, em 1976, (já caía a noite) quando, agarrado à estátua de Tristão Vaz Teixeira, cantou  a imortal “Grândola, Vila Morena” e teve por ‘aplauso oficial’ esta cena indescritível: um enorme apagão põe tudo às escuras, de repente aparecem os ‘unimogs’ da tropa de onde saltam dezenas de militares a bater às cegas na multidão que foi fugindo por ruas e atalhos atá às zonas rurais. Cenários tribais, pós-25 de Abril na Madeira…

Recordar Zeca Afonso é mergulhar nos mares procelosos, por outros navegados, de onde surgiu a baía franca da Liberdade, o porto seguro de um Portugal Novo. Para isso, teve um papel singular e decisivo o justamente chamado Canto Livre, a Canção Política, a Música de Intervenção. E é neste roteiro que se inscreve toda uma plêiade de  escritores e melodistas talentosos que fizeram da “cantiga uma arma”, a mais autêntica e permeável, por afirmar-se como arma pacífica, sensível e motivadora.

Diversos têm sido os olhares sobre a Canção Política. A atmosfera plúmbea da repressão salazarista atirou os poetas e cantores de intervenção para uma espécie de ghetto marcado pela clandestinidade, a que só tinham acesso determinados extractos sociais, possuidores de uma cultura ético-política acima da mediana. Lembro-me de, ainda em Moçambique, nas margens do rio Zambeze, ter ouvido um, na altura, recente  disco de Zeca Afonso, em reunião clandestina,  com um grupo reduzidíssimo de amigos,  à luz da vela,  não fôssemos denunciados pela rua.

A metamorfose provocada pela Revolução dos Cravos na sociedade portuguesa, a libertação dos presos políticos, o desmantelamento da ‘Pide’ e a consequente descompressão do ambiente social, a que se somou uma relativa melhoria da qualidade de vida relegaram o Canto Livre para o baú das fotografias de família, quando não de memória do ‘folclore anti-fascista’.

Entretanto, surgiram obras de investigação dirigidas a esse vasto e precioso tesouro de criatividade artístico-social – cito, por todos, José Jorge Letria, José Barata Moura, Viriato Teles, o nosso conterrâneo José Viale Moutinho – as quais, em parceria com sucessivas reedições das canções de Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Mário Branco, Sérgio Godinho, na voz de novos intérpretes, trouxeram à ribalta da actualidade a força motriz e o permanente vigor da Canção Política, sobretudo na intuição analítica dos acontecimentos que ao país dizem respeito. O mundo tem necessidade dos Cantores de Intervenção, como sentinelas vigilantes, videntes do futuro, enfim, profetas hodiernos da Libertação.

Um povo atento escuta a sua voz.  Com ela abre caminhos e faz corajosamente a sua marcha. Nas circunstâncias actuais, a mensagem do Canto Livre está consignada aos rappers, jovens tocados pelo talento e pela acuidade de visão sobre o mundo. Foi a voz de um deles, Pablo Hasél, que alvoroçou várias cidades de Espanha. Os factos aí estão, indesmentíveis e reforçados.

Entre nós, ilhéus, é capciosa a estratégia anti-Canto Livre e anti-Canção Política, uma estratégia silenciosamente concertada entre poderes dominantes e informação publicada. Não obstante, consolou-me uma excepção,  pela boca de uma artista plástica madeirense que afirmou em entrevista à RDP/M e sem rodeios: “A arte tem de ser política, o que não quer dizer partidária. Tem de estar atenta aos acontecimentos e espelhar na tela um olhar crítico sobre o que se passa à sua volta”.

 Machico marcou o seu lugar: jovens da Ribeira Seca executaram canções de Zeca Afonso e o centro da cidade encheu-se de sonoridades com a projeção pública das músicas do imortal Andarilho da Liberdade.

Saudações solidárias à Associação José Afonso (AJA) na pessoa do seu presidente Francisco Fanhais!

 

23.Fev.21

Martins Júnior

  

 

     

 

 

domingo, 21 de fevereiro de 2021

ÚLTIMO CORSO DE UM CARNAVAL AO CONTRÁRIO”… E que continua!

                                                                      




Olhem quem vai acolá

Um pintor sem ser artista

Traz o robe de um rajá

O colar é de ametista

E na testa um alvará:

‘Sou eu o Patrão Turista

Encho tascas e hotéis

De boys, girls e reis.

 

Mas o rosto é carregado

De uma mágoa bem antiga:

‘Fui corrido escorraçado

Por uma bruxa inimiga’

“Mas volta, estás perdoado”

A bruxa tornou-se amiga.

Cultura e salamaleques

Só leio livros de cheques’.

 

Agora abaixem, montanhas

Vinde ninfas do calhau,

Cabelos teias de aranhas

Entram num cara-de-pau

E esventra das entranhas:

‘Sou eu o  Al-Qué-Mau,

Eu é que sou o poder

Nenhum outro pode haver’.

 

Olhos de ave nocturna

Os dentes cor de laranja

A mão mole e taciturna

Com um só dedo se arranja

E se alguém lhe nega a urna

Na vigia faz-lhe a canja

Erectus dos tempos idos:

Tem orelhas…sem ouvidos

 

Fala fala a todo o pano

‘Venham todos ter comigo

Sei que pareço um cigano

Mas a quem for sem abrigo

Eu resolvo com o piano

Dou tudo aquilo que digo

Até às almas piedosas

A Capela das Babosas’.

 

É um trono mais que alegórico

Que o transporta no carro

Vilão bobo folclórico

Chamou-lhe um anão do charro

E fez este voto histórico:

‘Mas tu tens os pés de barro,

Vai cair o Rei Otário

No Carnaval ao Contrário’.

 

 

‘Deixem-se vocês de lérias

Eu aqui sou o mandarim

Se lá fora não há férias

Cá tudo depende de mim

Venham fantoches galdérias

A bacanal não tem fim’.

                  Não há p’rigo do Covid

Para ele tenho outra pide!

 

‘Eu é que sou o poder

Os outros a oposição

Gritem mais forte a valer

Este é o hino da nação

Eu é que sou o poder

Os outros a oposição’.

 

O povo não respondeu

O hino desvaneceu

E o Rei Otário morreu…

 

21.Fev.21

Martins Júnior

Porque é Carnaval, não se leve a mal. Mas, porque é “Carnaval ao Contrário”, deve-se mesmo levar a bem. “Ridendo castigo mores”.

 

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

SEMANA GORDA DOS VIGIAS (Continua)

                                                                       


Vinha de má catadura

Um folião de sacolas

Dentro delas à mistura

Criançada das escolas

Quando a tez se fez escura

Passou-se das estarolas:

‘Rei Otário,  juízo e tento!

Há ou não há confinamento?’

 

‘Tá calado, tu tamém,

Aqui quem manda é o Rei

Não são os filhos da mãe

Que a todos eu derrotei

De São Bento e de Belém

Põe-te a pau, já te avisei:

Eu é que tenho o poder

Cala-te, vai-te doer’

 

O professor agachou-se

À vista daquilo tudo

A criançada pirou-se

Sem dar por isso o sisudo

‘Ai que não é pera doce

Este  entrudo truculhudo´

Disse o mestre desasado

E acertou o passo errado.

 

Olhou pra trás… e o que viu?

É dragão/rinoceronte ?…

Um cofre no crânio vazio

Tatuado de bisonte

Braços de inhame frio

Sujos de cifrões a monte

Boca de peixe miúdo

Sebastião-Come-Tudo.

 

Caladinho como um rato

Ao colo das deusas mansas

Quando lhe tocou o olfato

Do Leão lá das Finanças

Sumiu-se todo o recato

Chegou-lhe o cio das gansas

E guinchou com toda a gana

Qual macaco por banana:

 

‘Dinheiro já já, Leão

P’ra  an-Afa-dos  benefícios´

E  falou à multidão

Sobre a verba aos municípios:

‘Não têm o nosso cartão

Contentem-se co’os desperdícios

Aqui quem manda é a gente

Vão vocês p’rao  continhente’.

 

E logo num truca-truca

Dá ordens ao seu piloto:

‘Quero é agarrar a bazuca

Prego ao fundo, terramoto,

E aos que levantem a nuca

Mando todos p’rao esgoto

E  tu, tira-me daqui,

Não é este o meu ralí’.

 

Outra vez parou o rancho

Do carnaval dos vigias

À frente a trupe do Sancho

Ia perdida em orgias

Veio então meter-lhe o gancho

O Rei mono e de manias:

‘Calma, tão a ser filmados,

Não se armem aos cagados’.

 

‘Continua o borda-borda

Até ao domingo gordo

Toda a semana é gorda

Co’o bispo já fiz acordo

No final, há uma açorda

Esturjão cagarra e tordo

Será tudo bem regado

Lá nas portas do Mercado.

 

19.Fev.21

O Espectador à força, sem Senso nem Consenso

 

 

 

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

O CARNAVAL CONTINUA…

                                                            


                                   E passada a noite inteira

Em rixas e confusões

Só saíu na quarta-feira

A trupe dos foliões

Porque a lei cá na Madeira

É obra de novos  vilões

Decretada a tolerância

Haja entrudo em abundância!

 

 

Quem abriu logo logo

O bacoco trapalhão?

Uma virgem corta-fogo

Que só tem este senão:

Arara do demagogo

Cordeirinha do patrão

Tacão alto esverdeado

 Chanel/prada é o seu calçado

 

Naquele teatro de rua

Vai uma cena macaca

Um santo que andava na lua

Enfim mudou de casaca

Por azar ou falcatrua

Agora entrou na matraca

Que dá milho e dá milhões

No albergue de eleições

 

Neste corso estranho e vário

Há um herói das maçarocas

Aprendeu no oceanário

A nadar com as doces focas

Hoje é plenipotenciário

De todos os mares e docas

Neptuno Imperador

Das ilhas Adamastor

 

 

Mas quem vai num altar-mór

Que até parece o Orago

De toda a ilha em redor?

Oh Milagre de São Tiago

Que sendo  santo menor

Fez a façanha de um mago:

De um sapinho descendente

Pô-lo em alto presidente

 

Lá vão os três pastorinhos

Os três do mesmo tamanho

Cristãos-novos laranjinhos

Conversos judeus de antanho

Chilreiam como melrinhos

Felizes por este ganho:

‘Éramos adversários

Hoje somos secretários’

 

Vão todos cantando e rindo

Passo certo sem falhar

Oh que corso farto e lindo

Era assim com Salazar

E olha quem vai dirigindo

Esta orquestra singular:

Sancho Pança bata branca

 Testada na Zona Franca

 

Enche a praça lés-a-lés

Apupando ‘testa,testa’

E se  vacina só dez

Bufa mil e faz a  festa

Com tanto tiro nos pés

Sobe-lhe a pólvora à testa

E o povo grande poeta:

‘Precisas de uma dieta’

 

Carregado de seringas

E mais água oxigenada

Vai picando de relingas

A multidão chateada

‘Olha lá se nos respingas

Vai daqui uma rajada

Deixa-te de carnaval

Vai tratar do hospital’

 

Quase que se espatifava

O corso monumental

Quando uma voz funda e cava

Estremeceu o Funchal:

‘A coisa tá muito brava

Pára-se com o arraial

Amanhã venham mais cedo.

Ou pensam que tenho medo?!...

 

17.Fev.21

O Mesmo Espectador sem Senso nem Consenso

 

     

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

UM CARNAVAL AO CONTRÁRIO

                                                                      


No reino do Rei Otário

Uma lei foi dada ao vulgo

Carnaval será ao contrário

Assim o mando e promulgo

Outro corso e outro horário

O melhor do mundo julgo

Que até o Rio de Janeiro

Desistiu do pandeiro

 

A saída é de manhã

E vou mandar chover poncha

Para arrasar o ecrã

Daquela Lisboa trouxa

Hão-de ver o Grande Fã

Travestido à moda gouxa

A tocar o reque-reque

Al é Grande e o seu  Quéque

 

E na grande barafunda

Da noite das lantejoulas

O Rei das rosas inunda

Do perfume das papoulas

A miss, o barão e o corcunda

Abre o peito alça as ceroulas

E grita em língua de ilhéu:

Aqui quem manda sou eu!

 

Não há Terreiro nem Paço

Nem coisa que se o pinta

Aqui manda outro palhaço

Outro é o vigia da Quinta

Passa-me aí um fumaço

Enche-me os beijos de tinta

Eu não sou qualquer  joão

Meu bombo é mais que um trovão

 

Passaram a noite em refregas

Quem abria o carnaval

Encontrões e cabras-cegas

Por causa do enxoval

E ao cabo de muitas negas

Chegou um acordo final:

Será homem ou mulher

Quem Rei Otário quiser

    

 ……………………… Continua amanhã, quando sair o entrudo…..

 

         15.Fev.21

O  Espectador sem senso nem consenso