domingo, 7 de fevereiro de 2021

SINTOMAS E DIAGNÓSTICOS DE MILÉNIOS – “E NADA DE NOVO DEBAIXO DO SOL”

 

                                                               


         É o meu recanto e o meu observatório de cada início de semana, a qual, sendo numericamente repetida, ganha um halo sempre novo quando vista deste lugar cimeiro. Hoje,  no lugar cimeiro está o LIVRO e dentro dele, no dizer de Alfred Tommyson, “o mais belo poema dos tempos antigos e modernos”. Passando além das diversas interpretações críticas – história ou conto – vejo-o como uma bem argamassada alegoria épica que toca a grandeza e a miséria do Homem, a sua genética fragilidade e, ao mesmo tempo, a resiliência vitoriosa de que é capaz.

         Nesta hora, apraz-me tão só reconfirmar o veredicto do Rei Sábio, Salomão, quando se deu de contas de que  nihil sub sole novi – “nada de novo acontece debaixo do sol”.  Ajuda imenso ao equilíbrio do nosso composto psico-somático constatar que, antes de nós, ou longe ou perto, são idênticas as pedras do caminho e são os mesmos os contornos da viagem.

         Recomendo a leitura  do “Libro de Job”, todo inteiro, mas particularmente no caso em apreço, o capítulo 7, versículos 1-10. Aí estão os sintomas de toda a morbilidade humana, com um tal realismo e uma tal crueza que parecem escritos pela nossa própria mão. Até em tempos de pandemia:

         A minha vida é como o vento que passa … a minha pele está seca, gretada … toda a noite dou voltas na cama até de madrugada … os meus olhos nunca verão a felicidade … Os olhos (de quem me ama) não tornarão a ver-me … E quando os teus olhos me procurarem, eu já não existirei …Como a nuvem que passa e se desfaz, aquele que desce à sepultura nunca mais voltará a subir… nunca mais voltará à sua casa e o seu lugar jamais o conhecerá…

         Trágico, deprimente, assustador! Certo. Mas não menos certo é constatarmos hoje, século XXI que, já no século VII A.C., (há mais de 2.700 anos) gente como nós sentia no corpo e no espírito o aguilhão da dor e, no caso de Job, da mais dura desilusão e do mais pérfido desespero. A História, seja repetição ou mera sucessão de factos, nunca deixa de ser a roda gigante que toca a todos, seja no epicentro, seja na periferia dos tempos. Contrariando o clássico  axioma, ousarei dizer que a vida é o grande rio que passa muitas e tantas vezes debaixo da mesma ponte.

         Neste clima  (aparentemente) estranho, onde as expectativas alternam com os reais dramas diários, o grande avatar que nos povoa tem um nome de mil rostos: sofrimento. Ousar fugir-lhe é como fugir da própria sombra. Confrontá-lo, derrubá-lo ou ultrapassá-lo – eis a saída. Tal como o velho lobo do mar que na velas sabe captar o vento contrário para levar a bom porto a sua nau, assim também o viageiro inato que há dentro de cada um de nós.

         Recordo aquela manhã de sol, de há 50 anos, quando fui celebrar a Eucaristia à marinhagem de um vaso de guerra francês ancorado no porto do Funchal e aí citei o elevado pensamento do poeta Alfred de Musset: L’homme est un apprenti et la douleur est son maître. O “Livro de Job” prova-o, à saciedade: “O homem é um aprendiz e o sofrimento é o seu mestre”.  

         E se me ficou gravado o optimismo transformador de Musset, muito mais me ficaram a voz e a alma de Vinicius de Morais, em São Paulo, no memorável concerto com Toquinho e Maria Medalha:

         Quem passou pela vida e não sofreu

         Pode ser mais, mas sabe menos do que eu

Porque a vida só se dá pra quem se deu

Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu

        

         Vencidismo, passiva resignação?... Pelo contrário. Não resisto a reproduzir aqui o excerto do “Fado da Minha Rua”, escrito e cantado nas serenatas de Machico de outro tempo:

         O nome da minha rua

         Tem o tamanho da gente

         Corpo magro que recua

         E alma que grita: Prá frente!

 

         E já que estamos na esteira da poesia que faz a metamorfose da prosa dos dias, impossível obliterar a conclusão de Musset: La joie a pour symbole une plante brisée: Humide encore de pluie et couverte de fleurs – A alegria tem por símbolo uma planta ferida (quebrada) : húmida ainda da chuva, mas toda coberta de flores.

         Como Job que reconstruíu-se em plenitude, a partir de dentro de si mesmo, também cantaremos vitória de olhos sempre postos na meta! Per angusta ad augusta: Pelo meio dos apertados desfiladeiros, alcançaremos o cimo da montanha! Com o nosso esforço, com as nossas restrições, com o nosso confinamento!

 

07.Fev.21

Martins Júnior

 

             

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