domingo, 31 de janeiro de 2021

QUEM NOS AJUDA A PASSAR A(s) PONTE(s)?...

                                                                              


Onde há muros há pontes. Porque não há pontes sem muros. Eles são os pilares, são as guardas e os guias atentos para quem tem de atravessá-las em segurança.

Entre Janeiro “velho” e um Fevereiro “novo”,  precisamos de um guia que nos ajude a transpor sem medo essa estreita e movediça passagem. E não só essa, mas todas as outras, porque a vida outra coisa não é senão ganhar ânimo para ultrapassar quantos arcos se nos deparam no percurso.

Líderes, guias, seguranças – eis o que o mundo procura e tão raro encontra. Eu achei-o, ao aproximar-me da Fonte – o LIVRO – como é propósito meu em cada fim-de-semana. Achei-o, em primeira abordagem, no Deuteronómio (um dos cinco livros do Pentateuco, atribuído a Moisés), remetendo o leitor para a sua melhor interpretação, onde se conta que  para evitar que o povo morresse de pavor, como no Monte Sinai, quando Iahweh falou no alto  da montanha em chamas e a toda terra a tremer, foi passado o testemunho ao profeta, com este solene e drástico pré-aviso (Deut. 18, 15-20) :

‘Porei as minhas palavras na sua boca e ele dirá ao povo só aquilo que Eu lhe ordenar. Contudo, se o profeta ousar proferir alguma palavra em Meu nome, que Eu lhe não tenha mandado falar, esse profeta será réu de morte’.

Tremendo paradoxo! O povo liberta-se do medo terrífico do Monte Sinai, mas o procurador de Iahweh, o Seu mensageiro exercerá a liderança mantendo-se fiel à matriz original, sob a ameaça de pena capital!...

Só pode ser líder e guia nas periclitantes passagens de nível da vida quem mantiver a lucidez no olhar e a corajosa frontalidade de remover os obstáculos adversos. Sem tibieza, sem híbridos subterfúgios diante dos poderosos. Como Moisés frente ao Faraó. Como Pedro e Paulo perante o Sinédrio. Como Jeanne d’Arc no tribunal dos bispos inquisidores. Como Luther King e Mandela. Como tantos heróis desconhecidos na turva noite dos ditadores.

E a Igreja?... As Igrejas?... Pesado, inexorável Tribunal da Consciência!... Quantas vezes os auto-proclamados procuradores do Além falaram, decretaram, impuseram normas e pesadelos aos ombros dos crentes, como se fossem preceitos divinos, quando não passavam de grosseiros interesses classistas, requintados privilégios mundanos, cedências sacrílegas no altar dos poderosos, dos exploradores, príncipes do capital e do obscurantismo!!!

Protótipo perfeccionista, ao mais alto nível, de líder e libertador do ser humano, traz-nos também o LIVRO neste fim-de-semana:

‘Que nova forma de ensinar! – diziam, extasiados, os judeus ao ouvir o Nazareno na sinagoga de Jesrusalém – E que autoridade nas suas palavras. Tão diferente dos nossos doutores da Lei’. (Mc.1,21-28).

Com que  “Autoridade”!

A condição incontornável do líder é dirigir com “Autoridade”. Coloco entre comas, porque Autoridade não é, como usualmente se diz, não é sinónimo de Poder. Há uma diferença abissal entre Potestas e Auctoritas. Potestade-Poder  apoia-se nas armas, na força, na tortura, no dinheiro. E com esta armadura produz a guerra, o medo. A “Autoridade” é algo intrínseco à liderança, ao espírito com que se dirige, ao humanismo inerente a cada palavra e a cada decisão. E aí nasce a paz, floresce a liberdade. De entre as muitas aproximações deste ideal programático, cito a mensagem de Joe Biden, na tomada de posse, em 20 de Janeiro p.p.: ‘A América deverá afirmar-se no mundo não pelo exemplo de força mas pela Força do Exemplo’!

Excelente paradigma comportamental em tempos de pandemia!

Para isso e só com isso se consegue realizar a optimização das relações sociais, expressa na assimilação dos dois polos opostos: governantes e governados. Grau máximo na cotação da liderança mundial seria quando os actuais responsáveis das nações não precisassem de ser autoritários para exercer a verdadeira “Autoridade” diante do seu povo. Mas aqui é o povo quem subecreve e confirma a “Autoridade”. Sem ele, campeia o autoritarismo inútil.

Antes de chegar à outra margem – Fevereiro à vista – quero erguer o monumento da gratidão global a esse enorme, gigante da verdadeira “Autoridade” que produz a educação cívica da Humanidade: João Bosco, o pedagogo, o Santo, o condutor da juventude, sobretudo nesta ilha, onde chegou a sua inspiração, com a fundação da Escola Salesiana. Também por ele, no seu dia, é grande e memorável o 31 de Janeiro!

  

     31.Jan-01.Fev.21

         Martins Júnior

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

JANEIRO VELHO EM ANO NOVO

                                                                              


Não obstante a euforia vã dessa noite intermédia, este Janeiro nasceu velho. À velhice congénita juntou-se-lhe a esclerose múltipla de fragilidades tantas que o primeiro dos doze foi ficando moribundo nas ambulâncias, nos corredores dos hospitais, enfim, na sala de espera dos crematórios. Aceitemos ou não, com o crepúsculo de Janeiro, ficámos nós também prematuramente mais velhos, doentes, entediados, presos à cama ou às paredes da casa que habitamos.

Sem pretender engrossar o espesso de uma angústia que  nos cobre, é caso para rasgar a abóbada de todos os continentes com um gigantesco ponto de interrogação: “Onde param os votos calorosos do Ano Novo? De que te serviram as doze doces passas, os champanhes, as grinaldas de fogo solto dessa noite? Ou, como diria Florbela Espanca:

………………Que fim deste

Às flores d’oiro que a sol bordaste,

Aos sonhos tresloucados que tiveste?...

 

Pelo mundo na vida, o que  esperas,

Aonde estão os beijos que sonhaste,

Maria das Quimeras, sem quimeras?...

   

O certo é o que aí está, à vista desarmada. Visões de ‘astronautas’ hospitalares, quase fantasmas polares, carregando aos ombros e ao coração multidões de corpos cálidos, galerias antigas arrumadas de cabeças febris repetindo ao mundo a clássica saudação Ave, Caesar, morituri te salutant (“Salvè, Imperador, os que vão morrer estão a saudar-te”) gente exausta dando tudo e “mais que permitia a força humana”.  Pelo meio, brigas político-farmacêuticas, político-financeiras gritando pelo antídoto vacinal e, mesmo quando ele chega, mais brigas pelas precedências, enfim, casa de horrores em toda a translação do quotidiano terrestre. Janeiro a envelhecer. E nós, com ele.

Mas é preciso olhar mais acima e mais além. Porque há mais vida além de Janeiro. Há mais Onze  à nossa frente. Se é verdade que, ao dizer adeus aos “morituri”,  algo de nós morre com eles, mais certo e seguro é possuirmos a alavanca invisível de um  animus latente e poderoso que nos eleva e projecta muito para lá dos que sucumbem à nossa beira.  É de Lacordaire o axioma comum à nossa condição humana: “As adversidades criam os grandes homens”. E já que nos coube o duro inverno  desta ‘travessia no deserto’ da história, sejamos dignos da hora que passa. Ao sair deste inverno há uma Primavera à nossa espera. E se Janeiro é velho, o Ano – este Ano – ainda está Novo! O Ano é uma criança.

“Ficar em casa” – que não seja mais uma ordem, mas um convite escrito como numa pauta musical no nosso coração. Um convite cósmico. Na esteira de Xavier de Maistre, a  Viagem à Volta do Meu Quarto  é também uma viagem à volta do mundo. Fechado entre quatro paredes, imagino-me num super-mega-apartamento circular do tamanho do planeta, em que todos os quartos têm o alçado frontal feito de vidro translúcido, tão límpido e transparente que nos deixa vermo-nos uns aos outros, de longe como se estivéssemos tão perto. Do meu quarto vejo milhares, milhões, biliões, irmanados comigo na mesma saga silenciosa de higienizar a nossa “Casa Comum”, torná-la ecológica, habitável, respirável.

“Ficar em casa” – é também  um convite à descoberta, uma radioscopia do sortilégio escondido lá dentro. Limpar as nossas pupilas das escamas pesadas que nos impõe a poluição urbo-humana da azáfama exterior, que nos comprime e desumaniza. Deixar de ver a casa apenas como dormitório fugaz, impaciente, mas como  estufa selecta, solário de todo o ano, a nossa praia privada, talvez o nosso mais íntimo santuário. Exagero metafórico, excentricidade romântica?... De todo! Melhor redescobri-la - casa, casebre ou palácio -  nesta visão pacífica, reconfortante, do que carregá-la nas grades da violência como prisão de um castigo sem crime… Saber olharmo-nos, face a face, sentir a cor dos olhos, na sala, na alcova, no chão, na terra. E aí achar a tal “Ilha do Outro Mundo”, que toda a vida procuramos em demanda da Felicidade.

Vamos a isto. Porque se Janeiro é velho, o Ano é sempre Novo!

    

  29.Jan.21

Martins Júnior

 

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

PANDEMIA QUE QUEIMA A DEMOCRACIA

                                                                 

O calor que ainda fumega das urnas eleitorais e o gelo  que veste os corpos minados de Covid fazem esquecer o 27 de Janeiro desse remoto 1945. Tão longe e tão perto! Jornais, noticiários, opinadores de escala, em suma, a comunicação oficial pouco ou nada reagiu nestes 76 anos de inditosa memória. Mas eles, os factos passados, aí estão presentes, testemunhas oculares e, nesta altura, cúmplices naturais, como algozes de serviço, a abastecer os fornos crematórios.

         Leiamos a história. Entre duas guerras – ai, este bicho homem não passa sem elas! – nas trincheiras onde jaziam ainda as vítimas, em vez do abraço entre vencedores e vencidos, foram-se criando as sementes larvares do primado do mais forte sobre o mais fraco, arvorou-se a ditadura em predestinada deusa salvadora da humanidade. Assim no Portugal de Salazar, assim na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler. As populações famintas, esquálidas, quase cadavéricas erguiam os braços e entregavam-se, corpo, alma, família e honra, ao títere bem falante, gesto arrebatador, autoproclamado “Enviado de Deus”, para salvar a Pátria. E aí, abriam o cortejo os pendões das igrejas. “O poder de Hitler pôde recorrer a fortes elementos de crença pseudo-religiosa – diz Ian Kershaw - traduzida num misticismo de salvação e renascimento nacionais, em parte com indubitável origem no declínio da religião institucional”.

         Uma outra circunstância (e tem sido frequentemente obliterada pelos analistas) contribuiu ardilosamente para a instauração de uma mentalidade, primeiro flexível, depois submissa e finalmente servil, cegamente curvada ao poder autoritário: a mortífera epidemia, denominada “gripe espanhola”, que dizimou milhões de pessoas. O estudo comparativo com a pandemia actual revela-nos um tremendo somatório de restrições, confinamentos, quarentenas, em tudo semelhantes às agora prescritas. Não são despropositadas, muito pelo contrário, as precauções de certos observadores quando chamam a atenção para um fenómeno de fácil e natural acomodação das mentalidades aos receituários imperativos emanados das instituições hierárquicas…  O império do medo gratuito, até supersticioso, o clima pesado e asfixiante que se respira são ingredientes apetecíveis para a ‘aparição’ de feirantes do verbo, ‘pregoeiros da verdade’, enfim, pigmeus opados e logo logo ditadores. Os nomes desses sósias nazis andam por aí espalhados pelos diversos continentes, se calhar nas ilhas!

         Volvidos 76 anos sobre o Holocausto e sobre as vítimas de todos os tempos, resta-nos o privilégio de uma visão clara e interpretativa da fenomenologia circundante, sem nunca permitir-lhe que nos seja envolvente, rodopiante, narcototizante. Nunca deixaremos que esta pandemia se torne o crematório da Democracia!

         Para consolidar dentro e fora de nós este superior desiderato, transcrevo o testemunho do eminente historiador Ian Kershaw sobre a trajectória dos serventuários do Fuhrer:

         “Durante vários anos tinham vivido satisfeitos por verem os seus poderes, carreiras, ambições e aspirações dependerem exclusivamente de Hitler. Agora sentiam que as agruras que estavam a passar eram consequências da loucura e dos actos criminosos de Hitler. De líder idolatrado, cuja visão utópica tinham seguido com todo o fervor, Hitler passou a ser o bode expiatório que atraiçoara a confiança deles e os seduzira, através do brilhantismo da sua retórica, a transformarem-se em cúmplices indefesos dos seus planos bárbaros”.

         É o merecido fim a que chegam todos os ditadores e os seus subservientes apaniguados.

Pela nossa parte, aqui fica o voto robusto ao 27 de Janeiro de todos os tempos:

Cumprir o nosso lugar, sacrificar o nosso comodismo, manter a saúde pública, mas sempre de braço erguido empunhando a bandeira da Liberdade!

 

         25.Jan.21

         Martins Júnior

            

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

O MUNDO RESPIROU - “I AM AMERICAN”

                                                                     


            

         Poderia começar por “PORTUGAL RESPIROU”, após as eleições presidenciais, mas a verdade é que Portugal respira o gostoso ar da Liberdade há quase meio século. E os resultados de ontem confirmaram a manutenção desse privilégio.

Não obstante a projecção dessa boa notícia no panorama internacional, nada se comparará ao coeficiente de grandeza planetária que significou a vitória alcançada pelo povo americano, com a ascensão de Joe Biden e Kamala Harris à Casa Branca, em cerimónia única em toda a história daquele país: sóbria, humanista, eloquente, poética, multirracial! E mais que todos os predicados possíveis: a celebração da Democracia no mesmo lugar onde ela, poucos dias antes, tinha sido profanada e vilipendiada pelas mãos peçonhentas da mais cega ditadura.

Os norte-americanos reconquistaram a bandeira equivalente ao “25 de Abril” Português.  Em apenas quatro anos viveram e sofreram na pele os quarenta e oito anos da nossa ditadura. Depressa concluíram que os programas e as ‘miraculosas’ promessas eleitorais de 2016, na área económica, não passaram de embustes e sofisticadas manipulações para fazer entrar o vírus mortífero da ditadura e do ódio, não apenas na própria casa como no resto do mundo. Ninguém mais dormia descansado sob a metralha desvairada de um só fantasma e de uma só família alojadas na Sala Oval, de má memória. Desde o cidadão comum até às mais longínquas instâncias governamentais, inclusive o continente europeu, uma espada de Dâmocles estava suspensa sobre as nossas cabeças, sem sabermos quando e onde poderia desabar.

Mas fez-se luz e madrugada onde só imperava o terror. E o mundo mudou. E voltou a respirar. E o cantar da universalidade fez-se coro altíssono, colossal! Na amplidão de todo o cenário do Capitólio pairava o espírito de Walt Whitman, o expoente máximo da poesia americana, em cujas pegadas caminhou Fernando Pessoa. Ele, o poeta, a um tempo  sensista, telúrico e místico, visionário da unidade cósmica, ele estava ali para, ao lado da jovem afro-americana, cantar o seu apoteótico “O Me, o Life”!

Por ele, pelo espírito patriótico de Walt Whitman, falou o novo Presidente, que reúne no mesmo feixe luminoso a enraizada sabedoria dos 78 anos e a sã juventude de uma mensagem, insistentemente unitária, universalista. De todas as palavras – mananciais de auspiciosas torrentes de futuro melhor – destaco apenas aquela que pode tornar-se o Hino do Novo País contra o explosivo e, ainda bem, efémero, estertor do velho trumpismo: “ A América tem de afirmar-se no mundo não pelo exemplo da força, mas pela Força do Exemplo”!

Deixo aqui o meu testemunho de apreço por esse país que, enfim, retoma o merecido título de “Mundo Novo”. Porque aqui, de muito longe, senti o coração bater de novo as pulsações de quem se sente bem nesta “Casa Comum”. Durante décadas imbuído de um certo anti-americanismo vigente,  hoje posso abertamente juntar-me ao aplauso de todos quantos proclamam: “I Am American”!

Voltando a Portugal, apenas um reparo que terá oportunamente o seu desenvolvimento: enquanto os americanos aprenderam depressa a libertar-se do trumpismo açambarcador, é de um obscurantismo retardatário, senão mesmo, deprimente, ver parte de gente que quer afogar-se nas mesmas águas turvas das quais aqueles agora se libertaram!...

 

25.Jan.21

Martins Júnior      

sábado, 23 de janeiro de 2021

CONFINAMENTO HÁ TRÊS MIL ANOS – ISOLAMENTO HÁ DOIS MIL ANOS

                                                                              


Em véspera e dia contraditórios, entre ficar em casa e sair para votar, cai-nos nas mãos o Livro da civilização judaica, o manual didáctico  que moldou a nossa, a chamada civilização cristã e ocidental. Trago-o hoje ao nosso convívio porque (é caso para dizer: “Nem de Propósito”) ele fala-nos dos ancestrais antepassados dos confinamentos em que os sucessivos inquilinos do planeta se têm deixado enredar. Limpo de notas de rodapé ou de comentários avulsos, transcrevo apenas o relato bíblico de Jonas, o Profeta insubmisso.

         Coube-lhe na sina ajudar uma grande cidade a libertar-se da degradação e da ruína total. Nínive entrara num estado de  depauperamento ético-social, de risco extremo, diríamos hoje. A mentalidade corrupta  e as práxis comportamentais dos ninivitas atingiram tal cúmulo que Jahveh (era o dogma do regime teocrático) ameaçou-os de morte, de alto a baixo. Surgiu então Jonas,  enviado a-contragosto à cidade – Mais  quarenta dias, esta cidade será destruída – e convenceu os habitantes a mudar de vida.(Jon.3,1 sgs):

         Os homens de Nínive acreditaram e proclamaram um jejum e vestiram-se de saco, do maior ao mais pequeno… O rei levantou- do seu trono, despiu-se das suas vestes, cobriu-se de saco e assentou-se sobre a cinza. E promulgou este decreto: Nem homens, nem animais, nem bois, nem ovelhas provem coisa alguma, nem se lhes dê pasto, nem bebam água.

         Todos os ninivitas abandonaram o seu mau caminho e a violência que havia nas suas mãos.

         A ‘novela’ vetero-testamentária inclui terminologia, conceitos e topónimos avocados ao tempo e ao lugar: Há quase 3000 anos. Fica no entanto, o essencial, que consistiu  na alteração radical de estilos e hábitos sociais, até ao mais sofisticado e humilhante formulário: na alimentação, no vestuário, no isolamento (cinzas), enfim, um sobressalto cívico, um corte implacável  nos usos e costumes de toda a sociedade, de alto a baixo, a começar pelos paços reais.

         Foi o férreo confinamento – a cidade parou! -  que devolveu a saúde pública e a normalidade aos habitantes de Nínive.

                                                    ***  

“Nem de propósito”, repito.

É que nos textos deste mesmo fim-de-semana, propõe-se-nos um código de conduta que parece talhado à medida dos tempos que correm. Passou-se há 2000 anos. E é Paulo de Tarso quem assume a tribuna de ‘legislador’, numa Carta dirigida aos habitantes da cidade de Corinto (I, 7,29-31):

O que tenho a dizer-vos

é que o tempo é breve.

Doravante,

os que têm esposas procedam como se as não tivessem

os que compram, como se não possuíssem;

os que utilizam este mundo, como se realmente não o utilizassem.

De facto, o cenário deste mundo é passageiro.

 

         Em forma de conclusão e sem mais considerandos:

         Estará escrito, ou nas estrelas ou no chão da história, que o Homem – relapso compulsivo! – ficou desde sempre condenado a pagar tributo severo à Vida, numa inexorável catarse ciclicamente repetida?...   

          

23.Jan.21

Martins Júnior

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

21 de 21 COMO ESTE – O PRIMEIRO -NÃO HÁ NENHUM!

                                                                   


Só poderá cantá-lo e brindá-lo em quadrado perfeito quem aqui chegou:

                  Hora   21:21

                  Dia      21

                  Ano     21

                  Século 21

os viventes e sobreviventes dos quatro cantos do mundo juntaram as taças suspensas - os braços ficaram distantes – e ergueram a quadratura do Amor  dentro  do círculo da Vida.

Por ser o Primeiro dos Doze, como este  não há, não houve, nem haverá nenhum.

Parabenizar o Dia e cantar-lhe o Hino da Alegria, o de Beethoven, o de Mozart. o de Haendel e, sobretudo, o Nosso!

Viva! Viva!!!

Que todos os dias do mês e do ano sejam sempre 21.   

Como esta hora 21:21, ano 2021, século  21 !!!     

 

21.Jan.2021

Martins Júnior

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

AVENIDAS DE WASHINGTON – RUAS DO NOSSO BURGO… QUEM AS SEGURA?

                                                                                


         As ruas, como os homens, não se medem aos palmos. Nem pelo asfalto, nem pelas faixas de rodagem, nem pelos palácios que as guardam. Medem-se pelo tamanho de quem as habita. Porque as ruas têm alma – a alma das gentes. Soam-me ainda aos ouvidos as toadas que, em saraus da remota juventude, fazíamos ecoar nas noites estivais da nossa vila:

                  

                             O nome da minha rua

                            Tem o tamanho da gente

                            Corpo magro que recua

                            E alma que grita “P’rá frente”!

 

         Percorro as ruas de Washington pela vidraça do meu televisor. Nem vivalma! Dizem de fora que são estepes frias onde se passeiam  fantasmas subterrâneos, catacumbas de almas sepultas nos mausoléus que as ladeiam.

         Quase assim, também, o corpo das ruas do meu burgo: assim desertas, retalhos que alguém deixou cair ao chão, falidos, esquecidos. Mas não cheiram a fantasmas. Há cor nas portas e chama nas janelas. Há gente dentro.

Nas largas avenidas que levam ao Capitólio, o gelo queima sob os pés ausentes e varre os corações que ousam lá chegar. Na minha rua, palpita-se o calor que sai pelas frinchas dos umbrais, sente-se o cheiro da cozinha familiar e ouve-se o timbre das vozes que lá moram, distintas na idade, mas uníssonas no mesmo coro intergeracional.

Tão iguais e tão diferentes as avenidas aristocráticas e as vielas do meu bairro!... Porque o silêncio americano está todo ele blindado, armadilhado, gorilas extra-terrestres, carregadores atestados de fogo, prontos a disparar. A solidão da minha rua, porém, é um convite ao autodomínio, à autonomia do meu querer. Nos sumptuosos logradouros federais, nem com um paiol de pólvora seria capaz de defender-me. Mas no terreiro do meu casebre e da redondeza vicinal, não preciso de armas nem couraças, porque sou eu o dominador assumido, bastando-me apenas o escudo chamado “confinamento”. Na escadaria vermelha do Capitólio, matam-me. Ao contrário, no chão plúmbeo da minha rua, só morro  se eu quiser morrer.

                                                      


Tudo tão estranho e paradoxal! Porquê?... Pela diversa espécie do “bicho” que se nos opõe.

No reino das Américas, o “bicho” é um monstro tremendamente qualificado: o homem, mais precisamente um homem. A fera – vencida – cega de ódio, investe, rasga, esventra, até da bílis sair toda a boçalidade de que é capaz a desumanidade. Mas o hipotético  “bicho”  covid, se passar na minha rua, não corre no meu encalço, muito menos ousa entrar no meu quarto. Só entrará se eu for buscá-lo lá fora, seja onde for esse ‘lá fora’: na multidão, na festa, no bar, enfim, no fosso, por mais camuflado que este o seja.

Sem metralhadoras e sem chaimites de guerra, estou mais seguro nas ruas do meu bairro do que nas arregimentadas avenidas de Washington! Porque comigo moram corpos e almas para quem a Vida é mais que o ouro, o poder, a opulência da força. E ainda que o corpo fraqueje, a alma grita sempre: ”P’rá frente”!

Aqui a Liberdade (com maiúscula!) é quem mais ordena.

E o “Confinamento” assumido é o maior troféu da nossa Liberdade!

         19.Jan.21

         Martins Júnior

domingo, 17 de janeiro de 2021

NA CRUZADA DO CONFINAMENTO, A IGREJA À FRENTE !

                                                                      


No pico da invernia, em que mar havemos de navegar, senão no ‘silêncio ensurdecedor’ da pandemia?...  De tão silencioso por dentro e  tão trovento por fora, que até mexe com as muralhas das cidades, abala os arcos triunfais dos palácios presidenciais e manda cerrar os portões gótico-romanos das catedrais. Das catedrais, das sés metropolitas e das modestas ermidas rurais.

         Eis-nos chegados ao epicentro  das operações: armamento anti-covid! Obedecendo ao velho adágio – em tempo de guerra não se limpam armas – de nada vale dissecar, direi, empatar, divertir, divergir, enlameando as mãos e o ambiente com as causas a montante. Agora é o tempo da guerra. É o confinamento. É o fechar de portas ao grosso dos ajuntamentos para que se abram hipóteses de vitória contra esta e a outras patologias.

         Fechar as portas das igrejas. Por todas as razões, a hierarquia das Igrejas (a católica e as demais) deveria estar na vanguarda desta gigantesca cruzada sem tréguas. E é neste campo semântico que interpreto o pensamento de Antero de Quental: “Na grande marcha da história, o santo é  quem vai à frente”

Primeiro, porque a Igreja não é artigo de consumo imediato, perecível: não é centro comercial, não é farmácia, não é banco, não é posto de abastecimento. E ainda que se lhe queira dar interpretação extensiva ou metafórica, os fármacos da Igreja, as proteínas, os combustíveis, os valores que ela porventura oferece são de outro câmbio e de outra essência que não os de primeiro antídoto contra o vírus. São ‘produtos’ de ordem supra-natural, espiritual, que se reproduzem na mentalidade e na sensibilidade do indivíduo. Precisamente, deste subsolo de ideias e valores é que vai brotar o suplemento necessário para enfrentar, com sólida armadura de pensamento, a guerrilha dos paióis do século XXI.  A essencial e estrategicamente certeira está no confinamento.

É polimórfica, mimética, transumante a história da Igreja oficial. Não a de Jesus de Nazaré! A Igreja institucional começou na clandestinidade das catacumbas romanas, depois (com o Imperador Constantino, desde 313) foi-se afeiçoando aos salões dourados, galgou tronos imperiais, soube ser fascista com os regimes fascistas, soube adaptar-se aos poderes nacionalistas – veja-se a Igreja na China, na Russa e outras – serpenteou silenciosamente  nos escolhos de regimes ditatoriais vigentes, enfim, abandonou a pureza congénita do Nazareno e habituou-se ao triunfalismo mundano, de grandes eventos, banhos de multidão, prestígio assistencial, omnipresente.

E agora?... Como reeducar o povo crente, ensinando-lhe a hierarquia de valores, a subsidiariedade (que não a essencialidade) de muitos dos ofícios e devoções dentro das quatro paredes do Templo? Quando entenderão os ‘fiéis’ que, nesta conjuntura, a capela, a igreja, a catedral, a basílica estão dentro da sua própria casa, em cuidada união com as respectivas famílias?...

Neste domingo, o Grande Livro conta-nos o método e o ritual com que o Nazareno chamou – em termos litúrgicos, hoje diríamos “ordenou” – André e seu irmão Pedro, este predestinado para pontífice-líder dos futuros apóstolos. “Em casa, no lugar onde Ele morava” (Jo.1,39).  Não foi no Templo de Jerusalém, com pompa e circunstância, com barretes tricórnios e anéis de ouro engrossados pelos aplausos da multidão. Foi no ‘confinamento’ silencioso da sua humilde casa de Nazaré!

Na sequência destes considerandos e servindo-lhes de apoio e confirmação, não posso deixar de felicitar o nosso conterrâneo Bispo José de Ornelas, actualmente titular de Setúbal e presidente da CEP (Conferência Episcopal Portuguesa)  que na semana transacta decretou para todas as dioceses de Portugal a suspensão temporária de baptismos, crismas e casamentos. Recordo, ainda, que o nosso Bispo Nuno Brás, aquando do pico deste vírus na Madeira, ter afirmado expressamente, há quase um ano: “Temos de substituir a tradicional pastoral de eventos por uma pastoral de acompanhamento”.

A Igreja tem de ser a primeira – “à frente”! – na observância e no incentivo de todas as normas de defesa por entre este mar tormentoso que nos coube atravessar. Paradigma sublime e caso exemplaríssimo é o da Catedral de  Salisbury  (na foto), Reino Unido, que perante a turbulência desta hora abriu as portas e, sob os arcos ogivais do vetusto templo, ofereceu as instalações para que os habitantes da cidade recebessem a vacina anti-Covid.

Que generosidade, realismo e beleza! Só me lembra o nosso Padre António Vieira, na catedral de São Luis do Maranhão, há mais de 400 anos: “Nesta capital do Nordeste brasileiro, mais valera haver hospital e não haver igreja. Mas se tal não for possível, transforme-se esta igreja em hospital, que Deus ficará mui contente disso”!

Cumpriu-se a profecia em Salisbury, Reino Unido, em 2021 !!!

 

17.Jan.21

Martins Júnior

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

DENTRO DAS MÁS – AS BOAS NOVAS!

                                                                 


De cada vez que se liga o televisor ou se abre um diário, parece que a máscara já não nos serve de nada. Para apanhar com tantos zeros  no nariz (são dezenas, centenas, milhares, até milhões) temos de nos prevenir com cotonetes, capacetes, couraças, cortiços e vespeiros,  tais são os obuses noticiosos que as hordas covídicas  arremessam desaforadamente dentro do nosso próprio aposento. São os hospitais, os testes, o tormento dos pacientes, a fadiga dos profissionais e, sobretudo, as amarras com que nos prendem de pés e mãos, contra as quais nem nos defende a Constituição da República, apesar das liberdades, direitos e garantias aí consagrados.

Hoje, porém, (e mercê da ‘prisão domiciliária’ a que estamos sujeitos)  surgiu uma boa nova: o espectáculo – neste caso, mais precisamente, o ‘anti-espectáculo – a que nos habituaram as grandes pugnas futebolísticas, chamadas ´derbis’ ou ‘clássicos’ dos rectângulos, que de verde só têm a relva.  Anti-espectáculo, digo eu, porque, na realidade, hoje felizmente fomos poupados àquele furacão visual de cabeças acéfalas (passe a propositada antítese) de cabelos eriçados e pestanas fumegantes, mais agressivas que as hordas covídicas, mais escaldantes que o alcatrão que pisam e, o que é mais solene e vulcânico, a necessidade da escolta de policiamento armado e blindado, não vá a arena andante desintegrar-se e acabar tudo em forcados de rua…

Repito: hoje, a luta foi apenas dentro das quatro linhas. Lutaram as chuteiras, os orgulhos, os cifrões, os donos da bola, os  seus patriotas, seus patrioteiros e patriotarrecas – diria o nosso Eça - mercenários do desporto mercantil. Estão no seu direito. E para isso são pagos. Hoje, foi jogo ‘puro e duro’. Parabéns aos atletas e seus mestres de ofício. Não fora  Sua Majestade o Covid   e teríamos dentro de casa cenas indiciárias, como a que a gravura, acima, documenta.

                                                        


Noutra área de combate, mais nobre na sua fonte e mais decisiva na sua foz, projectam-se também dentro de casa cenários de outra luta, essa sim, que deveria mexer connosco, essa em que somos actores, espectadores, comissários. E, em 24 de Janeiro, seremos árbitros. É a campanha eleitoral, uma “quadratura do círculo” onde o terreno resvala, nalguns casos, para duelos excedentários, senão mesmo grotescos e deprimentes. 

Hoje, porém, foi-nos dado VER (com maiúsculas, para quem teve olhos de ver) um gesto de altíssima nobreza de um Estadista-candidato enaltecendo uma Candidata-com perfil de estadista, ambos concorrentes ao mesmo pódio - o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa e a Diplomata Dra. Ana Gomes. Ao receber em Belém o português Tiago Guerra  que acabava de ser reabilitado pela Justiça Timorense, o nosso Estadista-candidato destacou o prestigioso contributo dado à vitória judicial pela Diplomata Dra. Ana Gomes, sua concorrente ‘adversária’ na corrida a Belém.

Belo exemplo de campanha eleitoral, sem no entanto prescindir da argumentação e das convicções em litígio perante os objectivos a alcançar.

Falta aqui Francisco Álvares de Nóbrega, o Nosso “Camões Pequeno”, para reescrever e dedicar aos dois eminentes vultos citados os versos que escreveu há mais de duzentos anos:  

“Das Almas Grandes a Nobreza é esta”!

 

15.Jan.21

Martins Júnior  

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

A QUINTA IDADE DO HOMEM SOBRE A TERRA: A ERA DO “COVID/19”

                                                                    


Qual o poeta, qual será…aquele que nos séculos XXII e XXIII descreverá, aos soluços e em sobressaltos, esta era em que vivemos? Poeta ou dramaturgo, historiógrafo, cronista ou tragicómico novelista, que nome dará à enigmática trama que nos coube viver nos primeiros passos do século XXI?

Já lá vão mais de dois mil anos que Públio Ovídio Nasão concebeu a sua inspirada cosmogonia a que deu o bem apropriado título  METAMORFOSES, para justificar as quatro fases ou, em sua interpretação, as quatro idades do homem sobre a Terra: a Idade do Ouro, a da Prata, a do Bronze e a do Ferro., cada qual com a sua caracterização diversificada.

Que título dará à nossa época esse privilegiado poeta de amanhã?

Fôssemos nós (agora viventes, mas já então reincarnados) a titular a obra, que outra designação acrescentaríamos senão a mais óbvia e fidedigna: a Idade do Covid/19. Mais óbvia e ajustada nenhuma outra seria – e numa perfeita similitude com o poeta romano – porque é o próprio Ovídio que perscrutou o ventre progenitor das “Quatro Idades” e descobriu qual foi e o nome lhe deu: Cáos!

Nem mais nem menos: Do Cáos, massa amorfa e indisciplinada, saiu o Mundo Novo, o Homem Novo, a Idade Nova em ritmo quaternário de tom épico, imperecível: Ouro, Prata, Bronze, Ferro.

Quem sabe se não estaremos vegetando no seio parturiente de uma Nova Era, acossados por metabolismos caóticos, arfantes,  contrações anárquicas que nos deixam prostrados como náufragos atirados a praias que nunca conhecemos por não serem as do nosso quotidiano?!...

Teremos nós descoberto (ou talvez não, atordoados que estamos no trambolhão civilizacional) que desembarcámos noutro planeta, onde  “tudo é disperso, nada é inteiro”, condenados a viver exilados dentro do nosso território, encarcerados na casa-prisão que construímos com as nossas próprias mãos?!... Ao espelho, algum de nós já se viu no exacto papel de Sísifo que carregou o rochedo até ao alto  e, em lá chegando, desmoronou-se e voltou derrotado ao chão de onde partira?... Com a maldição inexorável de ter de repetir toda a vida a mesma infernal sentença! Não será isto o Cáos eternamente reeditado e sofrido da história humana?!

Amar – agora já não é abraçar, entrelaçar corpos e almas. Amar é afastar, senão mesmo ostracizar para longe. Transparência já não é a nudez franca, púdica, virginal, agora é máscara, escudo, arma, fuga à luz meridiana do rosto que se ama. Positivo já não é ideal que eleva, mas fatídico carimbo de exclusão, como faziam os nazis às vítimas inocentes. Agora o que vale, o que dá garantia é estar Negativo.

Na esfera social, o planeta virou ao contrário: Antes, eram os banqueiros, os empresários, os donos do capital, emproados, chutando de um sopro para a valeta quando o pobre, o operário ou assalariado lhes pedia o aumento de 3 euros. Agora é o mesmo trabalhador a servir de argumento e advogado para o Estado custear os lucros perdidos do hipotético empreendedor. É o pobre que nunca lhe foi permitido aceder a uma “suite num 5 estelas”, é ele que, com os impostos,  tem de contribuir para manter o grande hoteleiro. E é o “servo da gleba” que com os seus descontos tem de tapar os descalabros dos bancos novos e velhos!

Fico-me por aqui. Está dado o mote para que tomemos o pulso da hora que passa. Para que nos conheçamos em meio desta tormenta e agarremo-la decididamente como nossa adversária e nossa companheira de viagem, afim de a suplantarmos na crista da onda. É a METAMORFOSE que nos foi dada, como protagonistas efectivos do mundo futuro.

Trata-se, sem dúvida, de uma nova Idade da Terra, a do Covid/19. Nas outras (até nas epidemias) havia soluções aquém ou além-mar. Nesta, não há buraco por onde sair. Aqui também, o paradoxo deste Cáos: fugir é cair nas  malhas do abismo,  é entregar-se ao algoz que tem sucursais em toda a parte.

Desta prisão, façamos o reino de uma renovada Idade de Ouro!

13.Jan.21

Martins Júnior

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

“QUANDO AMANHECES, PORTUGAL?”... ALEGORIA BREVE

                                                                       


Entrou – vai quase um ano – no túnel obscuro da incerteza sanitária, fez o difícil exame do confinamento e saiu dele chumbado. Mesmo com o bónus da ‘pulseira electrónica’ da fuga rapidinha no Natal e o fogachal novo-rico numa ilha pelintra, não escapou à intransigência do ‘júri-dr.Covid’: tem de repetir o nevoento exame do confinamento.

       E quando se esperava, em fins de Janeiro,  o alvor da manhã, eis que Portugal entra de novo no espesso negrume do confinamento. Para cúmulo da escuridão, o trenó que trazia os (as) estafetas da alvorada borregou e parece ter encalhado numa estação gelada, chamada “Positivo”.

       Agora, nem mensagem nem mensageiro…

Fica o povo entregue a si mesmo, fechado outra vez na sala-túnel do exame, sem saber quando desponta a hora de sair.    

       Anda por aí, vagante, a alma de Fernando Pessoa, em noite de agoiro, ululando nas encruzilhadas: “Portugal, hoje és nevoeiro”.

       E eu vou atrás, cego de sonhos, perguntando aos quatro ventos:

 “Quando amanheces, Portugal”?

 

11.Jan.21

Martins Júnior


sábado, 9 de janeiro de 2021

ÁGUAS MIL QUE LAVAM, PURIFICAM E FORTALECEM

                                                                           


Quem inventou o refrão  “Abril, Águas mil” nunca viu nem viveu um Fevereiro/2010, nunca passou um Natal e Ano Novo como a Madeira está agora atravessando. Águas mil empedernidas, que se transformam em túnicas brancas vestindo as montanhas e, cá em baixo, enchem regatos, ribeiros e faz das nossas ribeiras rios largos, generosos, como aquele rio grande, o Jordão, onde num dia longínquo um varão palestiniano, no vigor dos trinta anos, pediu para ser  batizado.

Por coincidência neste Domingo – farto de águas e magro de convivialidade – todo o mundo crente é interpelado por esse cenário, a um tempo romântico e perturbador: um Homem, um quase incógnito no meio de gente anónima, fura a multidão, desce ao rio e pede a um ser estranho, austero e visionário, agitador do povo, que O fizesse adepto seu, através desse gesto aquático e  simbólico, chamado baptismo. “Estamos juntos, identificados com a mesma causa e quero que hoje me apresentes assim a toda esta gente que te rodeia e segue!” – foi este o essencial compromisso e foi esta a credencial mais eloquente de todo o ritual protagonizado por João, o Baptista, nas margens do rio Jordão.

Motivo oportuno para fazer uma chamada desafiante ao dia do baptismo de cada neófito! Do nosso, também.  E porque já deixei nestas páginas largos considerandos sobre o mesmo tema, limito-me à expressão mais simples do meu pensamento sobre esta matéria: O cerimonial do baptismo, tal qual é feito actualmente às crianças, quase sempre bébés, constitui um solene atentado à dignidade da Criança e, em última análise, aos próprios Direitos Humanos. Devo confessar que se trata de um ritual que choca com o mais fundo da minha consciência quando me pedem (o mesmo que obrigam) a fazê-lo.

Porquê? – é a pergunta que necessariamente  ressalta de quem me lê. E vou tentar responder: o Baptismo é a expressão de um compromisso assumido. Qual compromisso? O de inscrever-se, pertencer e de querer sinalizar-se como adepto convicto da Igreja Católica. Escusado será perguntar: “Tem alguma criança capacidade de opção, sobretudo no âmbito de um compromisso muito maior e vinculativo que a inscrição num clube, num partido ou numa qualquer outra associação?”... Certo é que tem os pais e padrinhos-testemunhas como seus procuradores no acto litúrgico. Mas voltamos a questionar, tal como o faço publicamente e em voz audível: “Estais vós convencidos que esta criança, mais tarde, concordará com o compromisso por vós manifestado?”...

Questões sérias, dúvidas abissais sempre à espera de uma resposta assertiva e teologicamente  fundamentada para o baptismo das crianças!!!

Certo é, também, que o neófito terá oportunidade de no decurso dos anos ratificar, através do Sacramento da Confirmação, os compromissos registados no Livros oficiais da Igreja. No entanto – e é aqui que pretendo chegar e expor – questiono se não seria mais lógico e plausível aguardar que o baptizando ganhasse mais consistência de pensamento para, então, assumir de forma personalizada e intransmissível a sua fé e os seus propósitos dentro da Igreja à qual deseja pertencer?...

Corre-se o perigo de infantilizar o Sacramento, retirando-lhe o carácter de pessoalidade (e até de sociabilidade no colectivo da comunidade) que toda a acção sacramental deve possuir.

É que há outros baptismos, como os que vêm nos textos deste Domingo: o “baptismo de espírito” e de penitência, o de João (Mc.1,7)  ). O baptismo de justiça, como Pedro jubilosamente proclamou, ao sair da casa de Cornélio, um homem justo e bom, mas pagão ainda não baptizado: ”Agora descobri que em qualquer nação e em qualquer lugar, quem pratica o que é justo é aceite por Deus”. (Act. 10,34).

É na órbita do pensamento e no cadinho dos factos que nasce, vive e sobrevive o verdadeiro baptismo. Há o “batismo de fogo” de quem se imola por uma causa. Há pela mesma causa o “baptismo de sangue”. E em todos, ultrapassa e sobrevoa o “Baptismo de Amor”. (1ª Corint. 13).

Que resta do nosso baptismo e de qual deles somos militantes?...

         Em tempo de pandemia severa, bem precisamos de um baptismo de fortaleza, esperança e optimismo sempre renovado!

 

09.Jan.21

Martins Júnior