domingo, 31 de outubro de 2021

O RELOJOEIRO FALSO QUE MUDA O TEMPO E A VIDA

                                                                   


Quem mandou ao rasteiro pigmeu

mexer no braço-ferro do gigante primevo?

E quem lhe deu

forja e ponteiros

para amarrar o sol, a noite e os ventos romeiros

sem freio?

 

Alquimista refém da cega poção

que fabricou

nem vê, porque também cegou,

os monstros que pariu:

salgou a terra secou o rio

matou o mar faliu o ar

e aos humanos deu plástico em vez do verde

alucinados fantasmas de um ossário

mortalhas estendidas na cambraia de um berçário

 

Deixem o tempo em paz

deixem o sol girar sem termo

e a noite e o dia no seu idílio certo

 

E ao ferreiro anão da maquiavélica ambição

Funda a forja e os ponteiros

Antes que os ponteiros o sangrem

E a forja o torne cinza fria   

 

         31.Out/01.Nov.21 – Início do horário de inverno

        Martins Júnior

 

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

“INQUIETAÇÃO, INQUIETAÇÃO“ !!! MELHOR QUE ‘XANAX’…RESPIRAÇÃO!

 

                                                                 


         Está na moda chamar poetas e trovadores à língua dos políticos para emoldurarem em arco-bandeira a prosa repetida do seu verbo mobilizador. Jorge Palma tem sido o preferido da nossa praça, desfraldando aos quatro ventos em fúria: “Enquanto houver estrada pra andar, a gente vai continuar, Enquanto houver vento e mar”.

         Não fujo ao ritmo e, ao acordar com os tímpanos martelados com tantas e quantas rajadas de prego – a mais notória, aqui perto, a chumbada canhota do Orçamento de Estado em abraço contra-natura com a dextra inconciliável do Parlamento – a que se juntam as guerras fratricidas das mesmas famílias, do PSD,  na São Caetano, e do CDS, no Largo do Caldas, enfim, um caldo escaldante que nos deixa em torno de parafuso imparável.

         Como quem entra no forno das ressonâncias hospitalares, parece que um camião furibunda passa a toda a hora em cima das nossas cabeças: é a Espanha na demanda das nascentes fluviais, á Polónia em refrega forense contra a União Europeia, é a França em batalha naval com as traineiras do Reino Unido, é a China comprimida com a problemática dos combustíveis, as alterações climatéricas, os piratas elevados aos altares dos paraísos fiscais,as pandemias galgando invernos e vidas, já sem falar na obesa Coreia do Norte e os mísseis de longo alcance.  Quem é que atura viver um instante mais neste crematório global a que fomos atirados desde que nascemos?

         “Inquietação, Inquietação! – é o que mais (ou menos…) define este tempo. Razão tinha  karen horney   quando observou e escreveu “APersonalidade neurótica do nosso tempo”. E mais lógica e sensibilidade reclamava o saudoso  e persuasivo  cantautor José Mário Branco, ao compor tão expressiva balada de protesto.

         Que fazer?... Há quem se alheie por completo de todos os noticiários, há quem fuja para o deserto do seu quarto, curtindo dores e moendo fantasmas, há quem adormeça nos estupefacientes de leituras místicas à mistura com devocionismos de cordel. E há quem vá à farmácia buscar a droga inútil, porque já  a traz de si. Há ainda quem se afogue nas ‘salsas ondas’ do desespero ou no voo sem retorno de uma ponte sobre o rio, seco de água e vazio de esperança.

         Por mim, prefiro recorrer ao laboratório inesgotável dos pulmões  (falo do mecanismo mais íntimo da fisiologia humana) lá onde se opera a maravilhosa fotossíntese do ar que nos envolve: Respirar!

Aconselham os psicólogos e nutricionistas que a respiração pentagonal – cinco vezes ininterruptas, mas serenas – restitui-nos a calma interior e segura o nosso olhar perante a babilónia tresloucada do mundo em que vivemos.

Respira! E depois, se mais não puderes fazer, ‘limpa o teu rosto, perfuma a tua cabeça’ e põe na tua rua, na tua aldeia, na tua cidade – põe mesmo ao rubro e de verdade – aquela canção, amarela de girassol arábico e azul da abóbada que nos cobre: “No meio da escuridão, em vez de amaldiçoares as trevas, acende ao menos uma candeia”!

E respira, respira sempre o ar da liberdade possível – a tua quota de ar livre que nenhum poder te pode tirar!

 

29.Out.21

Martins Júnior    

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

“JARDINS, BANDOLINS E OUTROS ABRAÇOS”

                                                                      


O Parlamento (ou a falta dele) enxameia as redes comunicacionais públicas, semi-públicas, oficiais e privadas, com as dissonâncias, as pausas retóricas, as traições e as cacofonias do protocolo. Enquanto isso, prefiro outro anfiteatro onde brilha o talento e exala a brisa suave que abraça corpos e almas e paisagens da nossa Ilha.

         No Parlamento musical em que se transformou o nobre hemiciclo do Teatro Municipal Baltazar Dias, perpassaram harmonias inspiradoras, fruto de trabalho intenso, mas reconfortante, de todos quantos participaram no 6º Festival Internacional de Bandolins da Madeira, uma iniciativa a todos os títulos assinalável, levada a efeito pela Associação de Bandolins da Madeira.

Confirmo: “a todos os títulos assinalável”.

Desde logo pela abrangência territorial e diversificada dos seus componentes: tanto os da faixa urbana (Orquestra de Bandolins do CEPAM, Sexteto ‘Eurico Martins’, Madeira Mandolin Orchestra), como os das zonas suburbanas (Orquestra de Bandolins da Camacha, Tuna de Câmara de Machico sediada na Ribeira Seca) e ainda a prestimosa representação do meio rural, como o da TunaCedros da Casa do Povo de São Roque do Faial. O que há de mais eloquente neste evento é precisamente a simbiose entre o campo e a cidade, colocando no pódio do nosso Areópago Cultural gente nossa, artistas autóctones. filhos e construtores desta jangada verde no meio do Atlântico, a Madeira, diferentemente de instituições que apenas funcionam como agências de contratação exterior. Bem haja, por isso, a Organização.

                                                        


Mas, agregada à versatilidade do território, está a policromia dos executantes, desde crianças luminosas dedilhando o Hino da Alegria, jovens sonhando com a  Serenata nº13 (Eine Kleine Nachtmusic) de Mozart e os mais adultos evocando marchas e vilancetes populares da tradição regional. Nunca serão demais o apreço e o merecido louvor a toda esta população melómana, cujas mãos conjugam o trabalho diário com a “arte dos deuses”, investindo considerável parte do seu tempo no enriquecimento do espírito.

O que nem sempre é apreensível num primeiro olhar é o culto da solidariedade e do companheirismo saudável, caminho seguro para uma verdadeira socialização, que estes grupos constroem no dia-a-dia, bem como a educação para o rigor interdisciplinar, no manuseio e interpretação. das partituras.

Simplesmente memorável o documentário que tomei para título desta evocação: “Jardins, Bandolins e Outros Abraços”, de Cristina Vieira e Nuno Filipe Duarte Andrade! Surpreendente, cósmico, belíssimo!

A Organização brindou o público com dois agrupamentos exemplares: o da Venezuela, “Sandoval 4 Tet.” e a delirante música sul-americana e o incomparável, insuperável “Edu Miranda Trio”, uma interpretação ‘superstar’ que jamais sairá do nosso subconsciente.

Todo este monumento - Encontro/Festival de Tunas da Madeira e o quanto lhe está associado – seria impossível sem o esforço ingente, generoso e entrega inteira da dupla “Norberto Cruz e Lediane”, que confluem como dois braços do mesmo rio para nos fazer mergulhar neste oceano de beleza, fruição e amor!

A “Tuna de Câmara de Machico –TCM”  (infantis e juvenis) agradece-lhes cordialmente ter-nos chamado e franqueado  a entrada para tão simpática participação.

 

27.Out.21

Martins Júnior

 

 

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

OS ESTRANHOS CHEIROS DAS URNAS… AI, SE AS URNAS FALASSEM!

                                                                             


Estalaram na semana passada os últimos foguetes-fogos fátuos dos vencedores e, nos antípodas, as lamúrias-desforras dos vencidos neste pequeno rectângulo luso, esteja ele na Madeira, Açores ou Continente. E porque “nada do que é humano me é estranho”  e, por força maior, porque esse “humano” mora na casa onde vivo, tornando-me parte integrante do seu “habitat” – eis  o móbil que não me deixa ficar indiferente perante mais um de entre os episódios cíclicos a que se dá o pomposo nome de Eleições.

         Mais Um! – sublinho. Porque a lava ululante que sai da boca de certos inflamados profissionais no climax eleitoral – este é um momento histórico… estas são as eleições decisivas… agora ou nunca… está em causa o futuro dos nossos filhos, netos, bisnetos – tudo isso não passa de ridículas fábulas nas bancas de feirantes: fome de fama, sede de cobiça, “nomes com que se o povo néscio engana”, diria o nosso épico. Campanhas eleitorais são luas e marés que vão e vêm, umas são outras virão.

         Agora que a poeira de lume patriotarreca assentou na cinza morna dos dias, agora é que se faz o balanço, o deve e o haver do ‘negócio´ eleitoral. Proponho para isso uma prova de cheiro, idêntica à do paladar na prova de vinhos. E imagine-se cada um de nós em escrutinador ou mero delegado de lista diante das urnas, prontas a abrir, para a contagem de votos. Apuremos o olfacto e monitorizemos que cheiro deita cada boletim. Antes disso (e como condição prévia para entrar neste laboratório de análises) vacinemo-nos contra o ‘covid partidário’ para não cairmos no logro autista de que ‘todo o voto no meu partido cheira bem e todo o voto fora do meu partido cheira mal’. É que foi este, durante mais de 40 anos pós-25 de Abril, o desbragado escancarar da goela oficial do regime ilhéu.

         Então, a que vos cheirou a maior urna do mundo, a urna dos vivos?

         Não estaremos longe da unanimidade, se disser que uns cheiram a alcatrão, outros a sacos de cimento e moios de areia, outros ao bolor da ignorância,  outros ao laranjano queijo-ilhéu, outros ao bafio inodor de frangos congelados, outros a promessas de cadeirões ainda no estofador, outros às notas volantes em clandestinos paraísos locais (também lhe chamam agora ‘fotocópias’) outros ainda ao ópio da ‘bazuca’ iminente, outros à pólvora do ódio contra o/a candidato/a, antes amigos do peito. A que mais cheirarão as urnas?... Ajudem-me. Talvez, sabe-se lá, andará por aí o perfume de alguma roda de saia ou nó górdio de gravata vistosa. Há ainda quem lhe descubra vestígios da estearina de sacristia ou incenso de mitra gótica. (Neste lote, foi assim durante os tais 40 anos já citados). Uma grossa maioria (ou não tanto) cheira à fidelidade cega, canina, inamovível da alcova partidária a que estão ligados por cordão umbilical. Juntando o olfacto à visão, numa sinestesia perfeita, houve quem visse na cruzinha trémula e enviesada o terrível ferrete do medo e da ameaça de perder o lugar, o subsídio, o abono, a benesse assistencialista.

         Há de tudo naquela panela de pressão, chamada urna. E o mais surpreendente, inaudito, é que todos esses cheiros, desde os mais pútridos e intragáveis aos menos perceptíveis, após o crivo das protocolares instâncias oficiais, são imediatamente transportados, a céu aberto, para os offshores da  soberaníssima comunicação social, que branqueia tudo e proclama Urbi et Orbi: “O Povo soberano votou conscientemente na continuidade – ou na rejeição – do Senhor Governo”!... E obedecendo ao bastão do patrão, os comunicadores engajados alteiam a joeira até às estrelas ou mergulham o desafortunado no sorvedouro adamastor!

         Estarão o(s) caloiro(s) ganhadores convencidos de que a sua vitória é a emanação pura e fidedigna dos votos que jazem na urna? Ai, se as urnas falassem… quantas surpresas ocultas desnudar-se-iam, principalmente aquela tão antiga e sempre actual: “O poder não se ganha, perde-se”.

         Quanto gostaria de dedicar, não um, mas muitos parágrafos, a todos os eleitores que no recôndito da assembleia de voto, com a sua mão decidida entregaram conscientemente a sua palavra de honra em prol do bem comum e do comando da grei a que pertencem! Esses – e serão muitos, oxalá - que renunciaram à vantagem egoística do seu palmo de terra ou de lucro ou de fama e optaram pelo valor mais alto, superior ao da sua circunstância pessoal, o valor da justiça contra a descriminação amiguista, da democracia contra a ditadura, do poder-serviço contra o poder-ambição!

         Porque já vai longo este exercício sobre a anatomia do voto, especificamente o voto autárquico, deixarei para uma possível oportunidade o elogio cirúrgico, mas verídico e optimista, desses valorosos cidadãos e cidadãs, de visão mais ampla, que sabem fazer da urna de hoje o glorioso mausoléu de amanhã!

 

         25.Out.21

         Martins Júnior     

 

sábado, 23 de outubro de 2021

…O CEGO QUE NOS ABRE OS OLHOS…

                                                                                    


 

Sempre o LIVRO!

Cada galáxia tem o seu. E cada segmento ou grupo ou cavaleiro andante também o têm, quer se chame Tora, Bíblia, Corão, manual, regimento ou bússola GPS. O meu LIVRO de hoje – companhia inseparável de princípio e/ou fim de semana – reduz-se a uma  incógnita que, se não toca a todos, mexe decididamente com o genoma de milhões de crentes e incrédulos de todos os tempos. E quem no-la propõe é um mendigo, sem abrigo e, para cúmulo, cego de nascença.

“O cego ouviu dizer que o Mestre, Filho de David, passava ali junto do muro onde costumava sentar-se. Atormentava-o o drama da cegueira e, maior que o desgosto, era o desejo incontido de poder ver o mundo e as pessoas à sua volta. Começou a gritar por socorro. Mandaram-no  calar-se, mas ele redobrava o volume e o tom da voz em desespero.. Depois, quando o Mestre o chama, dá um salto, sem saber onde cair. Ajeitaram-no diante do Nazareno. E naquela mesma hora, abriram-se de par em par as persianas dos seus olhos e o cego saltou logo, mas de alegria eufórica, triunfante. Perante o assombro da multidão rendida ao Messias, autor do portento, é o próprio Mestre que desvenda o enigma e diz, alto e bom som, para o mendigo: “Foi a tua fé que te salvou”. (Marcos, 10).

Da análise da narrativa, da resposta personalizada com  que o Mestre esclareceu a multidão,  resulta  que o autor originário desta surpreendente terapia foi o seu próprio beneficiário. ‘Não fui eu que fiz o milagre, foste tu que o fizeste’. “Foi a tua fé”. ‘Se não fosses tu, nada disto aconteceria! – é o que se depreende do texto.

E a incógnita aí está: Que é isso de Fé – que força é essa, capaz  de dar vista a um cego,  reanimar um paralítico, transportar montanhas?

Mas a dinâmica do debate, pergunta/resposta do texto citado, não se esgota neste episódio único. Percorre toda a actividade taumatúrgica do Mestre. É algo de perturbador e, ao mesmo tempo, fascinante verificar que no epílogo dos “milagres”, o Mestre remata sempre com o mesmo código interpretativo: Foi a tua Fé que te salvou. Por outras palavras: “O milagre foste tu que o fizeste”.

Fico-me por aqui. Chamem os biblistas, os psicanalistas, os hermeneutas e todos quantos interpretam os livros e decifram os enigmas. Peçam-lhes explicação científica e psicológica, suficiente ou mesmo aproximada, para tão ‘enviezada’ definição que o Mestre dá dos seus feitos extraordinários em favor dos mais carenciados de corpo e de espírito. Até no perdão à Madalena pecadora, disse-o claramente: “Foi a tua Fé”.

Que Fé é esta?

Para quem ler atentamente o texto de Marcos, 10 talvez descubra um postigo de  visibilidade que o cego hoje nos traz.

 

23.Out.21

Martins Júnior

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

ACORDES E VARIAÇÕES SOBRE “MY WAY” DE FRANK SINATRA

                                                                           


Entendam quantos por aqui passarem: o que hoje deixo escrito não tem nada a ver com o Cântico Negro – ‘Não sei por onde vou, Sei que não vou por aí’ – do grande José Régio, nem tão-pouco com as arremetidas fanáticas dos iconoclastas da Reforma Luterana. Será antes um eco longínquo, mas suficientemente audível, da mensagem de Paul Anka na canção que Frank Sinatra imortalizou – My Way – desde 1969, bafejada pela vaga libertadora do Maio/68.

         Faço-o, hoje, porque - mais que pelo Sonho – pelo Espectáculo é que Vamos. Displicentemente o digo, muito embora respeitando o teor da canção que qualquer indivíduo e qualquer instituição têm o direito de cantá-la e chamar sua: This is My Way. Todos podem repeti-la.

         O “Espectáculo” a que me refiro e que tem ocupado as redes de informação bifurca-se em dois palcos distintos: em Lisboa, Portugal soberano, através dos seus principais titulares, colocou no trono do Panteão um Homem comum que salvou cerca de 30.000 vidas humanas e, por isso, foi imolado no cadafalso do fascismo luso. Na Madeira, idêntica homenagem é prestada, cinco séculos volvidos, a um canonizado Taumaturgo, de nome Tiago, que terá erradicado o vírus da peste no Funchal e, daí, ter sido tirado ‘às sortes’ em 1521 para patrono da cidade, embora, como judiciosamente assinalou o escritor Padre José Luís Rodrigues na sua página, a peste tenha persistido durante  anos posteriores.

         Tem a Instituição Eclesiástica o direito de opção protocolar e de proclamar o seu My Way, ostentando garbosamente por toda a Madeira e Porto Santo o símbolo escultórico imaginário do referido Taumaturgo sorteado, com banda musical altifalante e até com privilégio de “pernoita” em certas estações paroquiais, assim reza o Programa.

         No entanto, há os sinais, porque toda a Ideia e todo o Espectáculo manifestam-se e projectam-se através de sinais: uns, mais concretos e realistas, digamos que ‘ao vivo’; outros, os que sugerem e sintetizam a mensagem; e ainda os últimos, os que dispensam a fotocópia empírica e quase desaparecem para dar lugar ao ‘dentro mais dentro’ da Ideia e à essência da Pessoa.

         No âmbito desta plenividência, há os Sinais dos Tempos. E constata-se que cada Tempo tem o seu tempo e os seus Sinais, tudo dependendo dos utentes espectadores, que historicamente provam este axioma, datado e selado por milénios de experiência: Quanto mais atrasado é um povo, mais  precisa ele de sinais concretos, empíricos e palpáveis, em ‘carne viva’, se possível. Já o próprio Mestre da Galileia censurava por isso os seus conterrâneos. Pelo contrário, quanto mais evoluída é uma comunidade, menos se embaraça com o objecto fac-símile e prefere a transparência invisível (a antítese é propositada) do conteúdo. Esta é a realidade, queiramos que não queiramos!

         E é este o Nosso Tempo. É este o seu Sinal: cada vez mais tendem a desaparecer as montanhas de papel burocrático, os estafetas ambulantes, os correios epistolares, para dar lugar à síntese tecnológica, à comunicação em rede, até no domínio  das transferências financeiras, o próprio bitcoin, numa palavra, a Era do Digital. No limite, direi em sintaxe cósmica, cada vez há menos corpo e mais Espírito. Não foi por uma lapso de memória nem por  veleidade poética que o mesmo Líder Nazareno afirmou às multidões: “A carne não serve de nada. O Espírito é dá Vida. As Minhas palavras são Espírito e Vida”!

         Reiterando o respeito pelas opções de todo o indivíduo e de cada instituição, a minha mensagem, hoje, é tão simples a filosofia popular: Se “quem semeia ventos colhe tempestades”, quem espalha relíquias colhe epitáfios, quem cultiva carne espere por esqueletos ao fim da linha. E quem semeia Espírito ganha Eternidade!

Aristides Sousa Mendes não tem no Panteão nem um pó de cinza sua. Mas ele será eterno, enquanto o Mundo for Mundo!

 

21.Out.21

Martins Júnior  

terça-feira, 19 de outubro de 2021

O ELOGIO DA DESOBEDIÊNCIA E OS ‘CRIMES’ DA OBEDIÊNCIA

                                                                                


Desmultiplicam-se em mil cambiantes os elogios contraditório: entre eles, o elogio da cegueiras e da solidão, o elogio da fome e da sede, acabando todos no assombroso elogio fúnebre, a cereja em cima do bolo de todos os panegíricos. Mas, sendo ele o maior – o elogio da Desobediência – ninguém lhe dá trono. Porque teria de armar-lhe, ao lado, o cadafalso da ‘obediência’. Porque se a Desobediência, por ser virtude, tem direito a mausoléu, a obediência formal não merece outra sanção que não seja o de crime – e criminoso todo aquele que lhe presta vassalagem.

ARISTIDES SOUSA MENDES

Foi a sua biógrafa, Margarida Magalhães Ramalho, quem solenemente respondeu à não menos soleníssima pergunta, hoje, no Panteão da Pátria: “Que fez este Homem para merecer, primeiro, o ostracismo, depois a reabilitação e, por fim, o respeito mundial? Uma coisa tão simples: Desobedeceu”!

  Que abissal, enigmático e insuportável o glossário dos valores humanos e, daí, a contrariedade dos seus efeitos: pela Desobediência foram salvas milhares de vidas e pela obediência seriam barbaramente assassinadas outras tantas!...

Essa a maior glória do cônsul português em Bordéus. Tamanha aberração, ignomínia fatal da Humanidade: Por salvar milhares, arruinou a sua própria vida! Por isso, entre  todos os que dormem no sob o dossel marmóreo do Panteão, ele é o Maior !!!

E – oh cúmulo da contradição! – sendo o Maior naquela Casa é também Aquele que lá não tem nada de seu, nem uma unha, nem um fio capilar, nem um cheiro a cinza sua. Ficou tudo na paz rural de Cabanas de Viriato. No Panteão,  inscrita numa singela lápide, só lá vive e cresce a sua obra! A sua Desobediência. O seu Heroísmo. É tão alta e nobre a estatura de Aristides Sousa Mendes que não caberia jamais nas majestosas naves do nosso Capitólio.

Estranha simbiose liga o cônsul de Portugal a Israel. É um cordão interminável de mais de 10.000 judeus arrancados pela sua mão aos fornos crematórios do nazismo. Talvez por isso ou por sina ou  coincidência, em 1966, o Yad Vashem (Memorial do Holocausto), com sede em Jerusalém, proclamou-o “JUSTO ENTRE AS NAÇÕES”. E  perante este tão eloquente testemunho, quedo-me  sentidamente diante daquele comovente quadro do Gólgota, quando o centurião romano, perante o Nazareno que agonizava na cruz, não se conteve de emoção e razão, exclamando: “Verdadeiramente este Homem era UM JUSTO”!

Tocou-me até ao mais fundo esta dolorida constatação: Aristides Sousa Mendes só entrou no Panteão Nacional 67 anos depois da sua morte – uma morte inglória ao fim de 69 anos de vida tensa! Começo a pensar que foram precisas duas mortes – duas vidas! – para que Portugal lhe agradecesse a coragem intemerata de um combatente pela Vida, pela Liberdade. Por isso, torna-se redundante, até mesmo redutor, dizer-se que Aristides  Sousa Mendes  é uma honra para Portugal. Porque português também era o seu carrasco, Oliveira Salazar, que o ´matou´e aos filhos e netos, para os quais estavam vedadas as escolas e universidades portuguesas.  Aristides Sousa Mendes é universal, intemporal, Cidadão de Todas as Idades e de Todos os Lugares do Planeta!

Todos o louvam. Mas quem lhe quer vestir a pele, o coração e a mão?... Aquela mão por onde correu a tinta que salvou milhares de homens, mulheres e crianças !

O Panteão que Aristides Sousa Mendes mais almeja fica dentro de cada um de nós. E a maior homenagem que lhe podemos prestar é seguir as suas pegadas no modesto lugar que habitamos! Porque nazismos camuflados, miniaturados, ´democratizados’, há-os em toda a parte. Aqui também!

 

19.Out.21

Martins Júnior  

 

domingo, 17 de outubro de 2021

ULTIMATO SUSPENSO SOBRE A CABEÇA DE POLÍTICOS, ECLESIÁSTICOS, CANDIDATOS AO PODER EM TODOS OS TEMPOS:

                                                                                            


A palavra e o cristal, realidades gémeas no seu espectro funcional, servem de rampa de passagem para o observatório que hoje proponho ocupar. Tal como o cristal poligonal, também a palavra e todo o texto em que ela se insere trazem a marca da multissemia  poliédrica, ou seja, são susceptíveis de múltiplas interpretações, desde as mais consensuais às mais contraditórias.

É o caso. Volto sempre ao LIVRO, por excelência, em cada início da semana. Hoje, por mais estranho que pareça, o texto - dito sagrado - traduz hoje uma realidade eminentemente política. Conta-se num parágrafo apenas:

O Nazareno, o “doce Jesus de Nazaré”, como lhe chamou Ernest Renan, fora anunciado pelos profetas para restaurar o Reino de Israel e, nessa mesma aura, assim o reconheciam os Doze, selecionados pelo próprio. Dois deles, ambos irmãos, filhos de um armador dono de um barco de pesca, lobrigando já o trono do futuro Rei, abordaram-no directamente e sem mais prefácios, meteram a cunha: ”Mestre, quando formares o governo do teu Reino, queremos ficar ao teu lado: eu à direita e o meu irmão à esquerda”. Por outras palavras: ‘eu como primeiro ministro e o meu irmão como ministro da presidência’.

Em apenas um parágrafo, aí está a radiografia inexorável da história do Poder - do passado, do presente e do futuro - sob todos os quadrantes onde o Poder assenta arraiais. Não peço licença para actualizar, em dois ou três episódios, o teatro breve que respiguei do LIVRO, mesmo que possa ferir algumas susceptibilidades.

CENA 1

Na tômbola político-partidária das candidaturas, lá se metem furões, especialistas em caça, um à socapa, outro sem máscara e ainda outro com o peso de um saco azul ou com a leveza de um cheque: ‘olha, arranja-me aí um ludar de deputado, mas elegível, dos primeiros; ou para vice-presidente ou ministro,  secretário ou para a Câmara, ou para algum cargo de confiança política. Conta comigo, posso não ter habilitações, mas sempre fomos amigos’.

CENA 2

Para a tal ou qual empresa público-privada, sabes que sempre fui gestor de um bar-mercearia lá do bairro,  também sou capaz de tomar conta do cofre da tesouraria, não te esqueças, à direita ou à esquerda pouco  importa, quero é ficar ao teu lado. Sou enfermeiro, doutor, economista, engenheiro e quejandos, vê lá o que arranjas, senão vou denunciar-te daquilo que ‘tu sabes que eu sei’. E se der certo, não vais ficar de mãos a abanar…

CENA 3

O neo-presbítero, impecável no traje, gola alvíssima num pescoço anémico, eclesiástico exemplar, ‘cabecinha à banda’, vai rojando a sotaina do bispo para tentar calçar-se com as meias vermelhas de cónego,  deste para  monsenhor, de monsenhor para cardial e mais além, mais,  ‘mais do que promete a força humana’. E se tanto não for possível, ao menos uma paróquia mais gorda que a que tenho agora’…

CENAS OUTRAS

Convido quem me lê a que adicione outras cenas idênticas que, porventura, passar-se-ão à sua volta. Onde está o Poder também está o dinheiro, a vertigem incurável do oportunismo, do amiguismo, do calculismo milimétrico, bajulador.

Tiagos, Joões e afins, essa geração réptil, mas arrogante, nunca mais acaba enquanto houver  luta desenfreada  pelo Poder. Importante é saber a resposta do Mestre. Vem em Marcos, 10, 35-45  . ‘Não sabeis o que estais a dizer ou a pedir. O único posto que tenho para vos oferecer é  um cálice de amarguras e um baptismo de sangue… Quem, entre vós, quer ser o primeiro seja vosso servo e quem pretende ser o maior seja o escravo dos outros… Não vim para ser servido, mas para servir”!

Políticos, ministros, líderes, candidatos, será este o vosso móbil, único e assumido, ao rondar as tenazes do dragão todo-poderoso?

Eclesiásticos, hierarcas purpurados, ridiculamente carnavalados, de luzidios colares efeminados ao peito em lustroso escarlate palaciano (tudo lixo para Jesus de Nazaré!)  será o serviço do Povo de Deus que vos faz (que nos faz!) correr ou, antes, o camuflado auto-serviço igual aos reinos do mundo?

  O ultimato do Mestre da Galileia atravessa vinte séculos de uma jornada interminável e traz-nos o eco da sua voz na palavra de ordem de Francisco Papa: “Poder é Serviço. Mandar é Servir”!!!

 

17.Out.21

Martins Júnior  

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

“ALEXANDRE MAGNO” EM TERRAS DE SIMÃO BOLÍVAR !

                                                                              


É na passagem de nível, é na margem que separa a outra margem do rio e é no sobressalto da transição entre dois mares tormentosos – é aí que se definem os grandes homens, estrategas timoneiros do tempo que lhes coube viver.

É nesse posto de comando, decisivo mas discreto, que vejo o Padre Alexandre Mendonça. Conheci-o em Caracas. Era o tempo, agitado e promissor, em que, desde as praças públicas e largas avenidas até às camisolas brancas de venezuelanos e europeus em geral, lia-se em caracteres garrafais a palavra de ordem: “Chaves, lo sentimento nacional”, enquanto em surdina de certas trincheiras dominadoras, imperava o desassossego: “Chaves, aí vem o tufão”.

Foi na sua casa e no seu templo, o de Nossa Senhora de Fátima e Coromoto, no qual investiu  o seu esforço e o seu talento. Aí vi ‘claramente visto’ o seu empenho e total dedicação aos emigrantes (não só aos portugueses) que, muitos deles, na Venezuela de então, já padeciam de carências notórias. Recordo o seu patriotismo saudável e dinâmico quando, não obstantes as dificuldades patentes, manifestava-me a sua discordância e até indignação com os que, em Portugal, malsinavam o seu país de acolhimento.

Observei de perto o quanto se sacrificou na construção do Ancianato, anexo ao templo, com o objectivo de receber os idosos, nessa altura uma obra de premente necessidade pública.

Tudo isto em plena efervescência da mudança de regime. Apreciei o tacto, a prudência, a pedagogia cívica do Padre Alexandre e, na mesma medida, a coragem em procurar soluções sociais inadiáveis. Só às almas grandes é concedido tão grande privilégio! Prova disso, era a assistência humana e espiritual que prestava como Capelão das Forças Policiais de Segurança em Caracas. Pena me ficou não ter sido concretizada a agendada visita ao complexo Barrio de San Barnardino, a qual só seria possível com a presença tutelar do Padre Alexandre, a qual o próprio se me oferecera.

Na hora da despedida, dois sentimentos: o de homenagem e saudade pela Missão Cumprida e, ao mesmo tempo, a mágoa social por não ter podido prolongar aos mais carenciados, portugueses e venezuelanos, a generosidade dos seus ideais .

Particularmente da minha parte, permita-me o Padre Alexandre que transmita publicamente a gratidão, como pessoalmente lhe expressei em vida, pela forma cordial e afectuosa como me recebeu e o apoio logístico que prontamente me disponibilizou, não como membro de um grupo parlamentar em que fora integrado, mas como Irmão no Sacerdócio. Guardei até hoje e ficarão para sempre gravadas em mim estas suas palavras de profunda intencionalidade declarativa!

Falo do que vi, ouvi e senti junto do Padre Alexandre. Outros predicados maiores levantar-se-ão, com justiça e verdade. Por isso, pela grandeza, simplicidade e discrição da sua personalidade, repito o testemunho que então deixei: “Padre Alexandre Mendonça – ALEXANDRE MAGNO EM TERRAS DE SIMÃO BOLÍVAR”!     

 

15.Out.21

Martins Júnior

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

ROTUNDA Nº13 da VIA 10, ROTEIRO 21… ONDE TIAGOS, MARIAS, RELÍQUIAS, OSSADAS E CARNES SE ENTRECRUZAM !

 

          “Treze” mágico: da sorte e do agoiro, dos raspas e das velas, da bola e dos peregrinos em longa caminhada.  “Treze”, onde tudo cabe e tudo se dissolve!

1.      Fala-se dos Tiagos e das Marias de Jerusalém: Um, o   Maior e o outro, o Menor, mas ambos apóstolos.

2.    Entram também as Marias, aquela que Tiago, “O Maior”, viu em cima de um pilar, a imagem de Maria a pedir-lhe que ali se fizesse uma igreja. E assim ‘nasceu’ em Espanha a SENHORA del PILAR. Foi ontem, 12,  a grande festa madrilena, a do Pilar.

3.    Em Portugal, o lugar de Fátima deu ao mundo “Uma Senhora mais brilhante que o sol”. Foi em 13de cada mês, a última em Outubro de 1917.

4.    Na Madeira, depois de arrancado um osso de Tiago, “O Menor”, eis que vem de Roma e faz ‘passerelle’ por todas os adros, igrejas, capelas e ermidas.

Ossos… se ainda fosse carne!

 

5.    Um dia, já lá vai muito longe, o Mestre disse que o Seu Corpo era carne verdadeira para alimento de todo o mundo (Jo., VI, 55 ).

6.    E logo a seguir, esclarece a multidão: “A carne não serve de nada. O espírito é que dá vida, o espírito é que é tudo”. (Ibidem, 63).

  

Enigmática Rotunda nº 13, com seis saídas e muitas mais.

 

Qual ou quais delas irás tu escolher ?...

Enquanto consulto o GPS da verdade e do bom senso, fico-me também pelo nº 13 – Eine kleine Nachtmusic”  de Mozart…

         13.Out.21

         Martins Júnior

 

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

HISTÓRICO, PREMONITÓRIO, ABERTO E FRANCO COMO A NOSSA BAÍA !!!

                                                                       


É a Minha Pátria – como a cognominou Francisco Álvares de Nóbrega, “O Nosso Camões”.

Por isso, saúdo o Dia Primeiro dos Sete da Semana, em que os seus legítimos representantes – Assembleia Municipal, Câmara Municipal e os Líderes das suas cinco Freguesias – assomaram à varanda da Casa Comum do Povo de Machico para confirmar a aliança estrutural que perdura entre governantes e governados, após a sentença proclamatória nas urnas do 26 de Setembro de 2021.

        Assinalou-se a matriz histórica das terras de Tristão Vaz: Assim como foi Machico a Primeira Capitania da Madeira, outorgada por Carta Régia de 8 de Maio de 1440, assim também neste Ano da Graça de 2021 foi a distinta Edilidade deste Concelho a Primeira a tomar posse formal, de entre todos os onze Municípios da Região Autónoma da Madeira. Oportuna lição e eminentemente premonitória decisão dos seus órgãos eleitos!

        Ao ar livre e transparente, lembrando-me outros tempos,  em plena atmosfera de liberdade democrática, sem atavios excedentários nem hipocrisias de circunstância, frente à imponente estátua do Capitão Donatário Tristão Vaz Teixeira, pioneiro vigilante da Ilha, desde a Ponta da Oliveira, no Caniço, até à Ponta do Tristão, em Porto do Moniz. Ninguém sabe que prestimoso avatar inspirou a presença de todos os ilustres titulares  Municipais dos territórios que pertenceram à Antiga e Primeira Capitania - Santa Cruz, Santana, São Vicente e Porto Moniz - além da conceituada e estimada representação de Câmara de Lobos, Ribeira Brava e Calheta. A presença do Presidente do Primeiro Órgão da Autonomia Regional – a Assembleia Legislativa – veio conferir o abraço da unidade de toda a Região Autónoma no concelho de Machico.

        Do que todos nós vimos e ouvimos ficou pairando no ambiente este voto: Tal como Zargo e Tristão tiveram que afrontar e dissipar “AQUELE ESPESSO NEGRUME” que lhes ocultava a beleza da baía, também os timoneiros desta nobre caravela chamada Machico ultrapassarão nuvens e sombras que de fora venham  e fá-la-ão singrar, vitoriosa e fagueira, até ao mar largo do seu prestígio histórico!

          Apenas este Post-Scriptum, na esteira de uma das mais belas canções de Sérgio Godinho e fruto de experiência própria, precisamente o mesmo que formulei há oito anos, 2013, em idênticas circunstâncias:

“Hoje é o primeiro dia do resto do teu mandato”!

 Viva Machico! Viva o seu Povo!

 

11.Out.21

Martins Júnior

       

sábado, 9 de outubro de 2021

NUM DESERTO DE MILAGRES: UM GENERAL LEPROSO, UM PROFETA GENEROSO E UM BURLÃO RELIGIOSO

                                                                        


Aconteceu num deserto milagroso, como poderia ter acontecido num mar de milagres. Vem no LIVRO - o II dos REIS, capítulo Quinto.

Sem mais comentários.

PRIMEIRO ACTO

“O Comandante-em-Chefe do Exército sírio, de nome Naaman, contraíra a lepra e, após percorrer todos os físicos da sua nobre nação, não achou cura. Aconselharam-no a consultar um profeta da Palestina, de nome Eliseu. Contrariado (‘então os nossos médicos não são melhores que os profetas judeus?’) o General fez a longa viagem pelo deserto e consultou o tal profeta. Este, ’em vez de deitar uma bênção e fazer uma oração’ (assim protestava o militar), mandou-o tomar banho no Rio Jordão, dando sete mergulhos seguidos. Sempre contrariado e incrédulo (‘os rios da Síria são muito melhores que esse Jordão’) aconteceu o insólito: ‘a sua carne ficou perfeita e o corpo tão fresco e são como o de uma criança recém-nascida’.

SEGUNDO ACTO

Naaman veio ter com o Eliseu, prostrou-se por terra, jurou que não mais adoraria outro deus senão o de Israel. De imediato pediu ao Profeta que, em paga ou gratidão, aceitasse alguns presentes que trazia –sacas de moedas de ouro e de prata, vestes sumptuosas cerimoniais, entre outros – mas o Profeta jurou que o seu Deus não aceitaria nada em troca, apesar das insistências do General.

TERCEIRO ACTO

Resignado, mas feliz com a cura obtida, o General, escoltado pela comitiva e respectivo protocolo militar, iniciou a viagem de regresso à sua pátria síria.

QUARTO ACTO

Ora, o ajudante de Eliseu (o equivalente a diácono, sacristão ou afins), de nome Giési, que  ouvira todo o diálogo entre o Profeta e o General, deixou que a comitiva se afastasse, depois pegou na sua montada e, trote que trote, alcançou a carruagem do General e desabafou: “Sabe, o meu amo e senhor não esperava que chegassem três colegas profetas da montanha e agora não tem nada que lhes dar. Poderia o senhor General dar alguma coisa”… Radiante de alegria, o ‘milagrado’ Comandante-em-Chefe ordenou a dois subalternos que fossem pôr à casa de Giési todo o recheio que o Profeta, em nome de Deus, recusara-se aceitar.

QUINTO ACTO

No dia seguinte, Eliseu chamou Giési, pediu-lhe contas do sucedido e, não obstante as negas com que este pretendia encobrir o caso, o Profeta sentenciou: “Pecaste contra o Deus Vivo. E agora escuta o que te digo: Estás rico, podes comprar terras, bois, cavalos, carneiros, rebanhos de ovelhas. Ficaste rico com o que o General te deu. Mas, ouve bem, ele vai dar-te mais uma coisa; vais ficar com a lepra que ele tinha”.

SEXTO E ÚLTIMO ACTO

Naquele mesmo instante, Giési ficou com o corpo todo coberto de  lepra.”.

Sublinhado meu:

QUEM TEM OUVIDOS DE ENTENDER, ENTENDA!

QUEM TEM OLHOS DE VER, VEJA!

QUEM TEM CÉREBRO DE PENSAR, CONCLUA!

 

09.Out.21

Martins Júnior