terça-feira, 31 de agosto de 2021

“SALTOS ALTOS” NO AFEGANISTÃO E NO FUNCHAL – A LUTA É DELAS !

                                                                             


Quando digo “Afeganistão” digo todo o mundo feito e todo o mundo a haver. E quando digo “Funchal” plasmo toda a ilha e todos os arquipélagos. Porque o que vai passar-se amanhã no Teatro ‘Baltazar Dias’ rompe todos os mares e todas as fronteiras, sejam as geográficas, sejam as temporais. É um “caso cósmico”, com raízes inarrancáveis, com marcas incicratizáveis.

         O tema envolve o corpo inteiro da história humana, tal qual o peritoneu concentra todos os movimentos metabólicos do organismo fisio-biológico que nos mantém de pé. Obliterá-lo ou mesmo camuflá-lo com suaves crepes é adiar a solução. Trata-se da definição identitária da Mulher – desde a primeira à última – neste deambular dialéctico da história. Há quem lhe atribua outros rostos: emancipação feminina, igualdade de género, luta contra a violência doméstica, complementaridade homem-mulher, entronização da condição feminina…

         Seja qual o figurino, o mundo sempre se defrontou com este drama que, em estrito rigor valorativo, nunca deveria existir. Não vou desdobrar-me em teses, antíteses ou sínteses, já proficientemente elaboradas por abalizados investigadores. Apenas abrirei dois trilhos para chegar à nascente pantanosa que envenenou os rios ultra-milenares da condição humana e que não pára de contaminar os afluentes do mundo onde navegamos. Resumo-os assim:           

         Primeiro, a biologia empírica e, por isso, enviesada que dá razão à força braçal, à moldura dos membros, enfim, à conclusão tribal que faz do macho o emissor iniciático e da fêmea o receptáculo passivo ou, por outras palavras, dá supremacia absoluta ao semeador e obediência servil à terra em cujo seio a semente se faz flor e fruto. Esta visão injectada pelo mais rasteiro olhómetro e aceite pelos códigos dos senhorios possantes, relegando a Mulher à condição de frágil colono, é esta visão que, oriunda da selva, toma conta dos castelos urbanos. Quem porá fim ao empirismo cego, mas embalsamado e perfumado?...

         Segundo (aqui vêm o bálsamo e o perfume): É o Livro do “Génesis” e, a partir daí, outras cosmogonias das religiões abraâmicas, às quais se colam desenvolvimentos dedutivos, numa lógica inflexível e obsoleta, espalhadas ao longo dos textos bíblicos. Por todos, apraz-me sintetizá-los nesta ‘aberrante’ contradição: Assim como Moisés cedeu ao machismo primitivo da sua época,  Paulo Apóstolo, quando decreta solenemente que “o Homem é a cabeça da mulher” (Efésios, 5, 21) deveria completar a sua peregrina alegoria, citando Moisés quando este, afrontosamente, põe O Criador em cena (Génesis, 2, 21-22). Deveria Paulo de Tarso dizer, em rigoroso corolário,  que a “Mulher é a (uma só) costela do homem”.

Quem terá coragem de escrever direito sobre (e contra) estas linhas tortas, que alguém despudoradamente atribuíu  ao Autor Supremo da Justiça Igualitária ?...

O objectivo destes breves considerandos não consiste em doutrinar, muito menos arvorar moralismos conventuais, mas tão-só responder às perguntas com que fechei os dois parágrafos-retro: “Quem porá fim…? Quem terá coragem…?”.

Porque me cansa de tanto ouvir homens ilustres defenderem estoicamente os Direitos da Mulher e da Cidadã, de Olympe de George, desde já 1791, acudiu-me o discurso de Joe Biden, nesta noite: “De que serve perder vidas no Afeganistão se os afegãos pouco ou nada fazem em sua própria defesa?”.

Perdoem-me se exagero. Mas quando se vê a Mulher – são quase todas na Igreja – ufanando-se da sua condição de servas, passivas e subservientes, sem coragem de afirmar a sua verticalidade e o seu direito à palavra (as Mulheres Católicas alemãs já marcaram posição perante o Vaticano!) perante tal indiferentismo generalizado, tem pleno vigor a interpelação de Biden.

Já noutro registo, caí de bruços quando na RTP/M ouvi uma senhora pontassolense de muita idade, nas eleições de 2017, manifestar-se ao jornalista contra uma mulher candidata entre outros homens concorrentes: ”Enquanto houver cabeças, os pés não mandam”. Ridicule, mais charmant! Reflexos directos do “Génesis” e da Carta de Paulo de Tarso. Se fosse erudita, a pobre senhora teria dito que “as costelas não mandam”.

Não esperem as mulheres por advogados-homens (peço desculpa), sejam eles filósofos, teólogos, juristas, actores (actores somos todos!), jornalistas, futebolistas e quejandos. São elas que têm de defender o seu lugar ao sol da vida, na Igreja, na Política, na Ciência, no Trabalho. Apetece inovar a velha palavra de ordem: “Mulheres de todo o mundo, uni-vos”!

Não voltarei a este tema. As mulheres têm talento, energia e criatividade para abrir caminho. Como as Dez Mulheres, de muitas etnias e credos,  com que encimo esta saudação escrita de dentro para fora! Como as encenadoras, directoras e protagonistas dos “SALTOS ALTOS” no Teatro Municipal do Funchal! Bem Hajam!

 

31,Ago/01.Set.21

Martins Júnior

domingo, 29 de agosto de 2021

A QUEM INTERESSA O EXPLOSIVO CAPÍTULO SÉTIMO ?

                                                                                


Se há textos e narrativas que dispensam comentários marginais ou notas de roda-pé é, sem sombra de dúvida, o que nos traz hoje o LIVRO  (mantenho o meu GPS de princípio e fim de semana) no Capítulo Sétimo de Marcos, para o qual remeto os meus ‘companheiros de jornada’  dos dias ímpares.  Limitar-me-ei a respigar, no mare magnum dos viventes, alguns exemplares protótipos do pensamento claro, que trazem consigo os genes do Mestre da Galileia e não se perdem na noite escura dos preconceitos, dos opinadores ‘correctos’, enfim, do status quo que amarra e afoga quem nasceu para a Liberdade. Ei-los:

- Aos que identificam e distinguem o essencial do acessório.

- Aos que não confundem a árvore com a floresta.

- Aos que desmontam dogmas e ídolos caducos entronizados pelo fantasma da tradição  mais obsoleta do “sempre foi assim”.

- Aos que ousam derrubar os ‘monstros sagrados’ que o regime atávico abusivamente .perpetuou.

- Aos que não admitem que ‘se trate melhor o tapete do que quem o pisa’ ou se dê à luva um cuidado maior do que à mão que a utiliza.

- Aos que detestam e destroem toda a espécie de publicidade enganosa.

- Aos que viram as costas aos farsantes do poder e aos prestidigitadores das religiões.

- Aos que têm a coragem de abrir “os sepulcros caiados de  branco por fora, mas podres por dentro”.

- Aos que ousam resistir e dizer ‘não’, mesmo com a perda da reputação do sistema e com o risco da própria vida.

  Porque em cada um dos enunciados neste elenco sumário estarão, (se não no todo, ao menos em parte) os que me acompanham nesta caminhada,

E porque o Nazareno, Ele e só Ele, reúne todo o somatório supra-identificado e assumiu o compromisso inquebrável contra a lei vigente, contra o tradicionalismo obscurantista do Templo e contra a razão da força,

Vale a pena descobrir a Força da Razão e o Esplendor da Verdade, no vigoroso Capítulo Sétimo de Marcos.

É o nosso contributo para a verdadeira Liberdade e para a Saúde Pública do pequeno-grande mundo em que vivemos.

 

29.Ago.21

Martins Júnior

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

MACHICO EM CHAMA – LIVRO DA GENEOLOGIA DOS DEUSES DE OUTRORA E DE SEMPRE !

                                                                


É um corpo válico rolando incandescente

Por sobre os mares todos do universo

 

No dorso de fráguas abertas de basalto

Mãos de óleo tribal encharcadas do rio do asfalto

Tatuaram místicas miragens

Veleiros de outros rumos de impossíveis viagens

Corações de fogo que o fogo não devora

Rudes cruzeiros onde a tortura mora

Lágrimas de lume que mais lume acendeu

 

São as mãos agrilhoadas de Prometeu

Roubando aos deuses o fogo que era só seu

Para cortar o negrume

Dos novos corsários que entenebrecem as ilhas

Oh poderosas  mancheias de lume

Que queimam as quilhas

Da armada cega que semeia a cegueira

 

Fica sempre connosco chama da pederneira

Do tempo que era sem tempo

E enquanto houver uma mão jovem

do homem primevo

Erguendo a vara da tocha altaneira

Haverá sempre o Facho Machico

Alumiando toda a Madeira

 

27.Ago.21

Martins Júnior

 


quarta-feira, 25 de agosto de 2021

ETERNAMENTE 25 !!! O PAI E AUTOR DE TODAS AS AUTONOMIAS

                                                                       


Um mês se passou e só os verdadeiros autonomistas registaram no calendário dos dias aquele que projectou no topo da história de Portugal a bandeira vitoriosa das Autonomias insulares.

         Verdade que, desde a proclamação da primeira Capitania da Madeira, em 1440 sob o domínio de Tristão Vaz Teixeira em Machico, verdade que ao longo dos vários séculos surgiram tentativas malogradas, verdade que em 1931 e 1936 a Madeira pretendeu sacudir os monopólios consignados à cabeça do Império. Mas só na manhã gloriosa de 25 de Abril de 1974 é que as Autonomias Insulares viram a luz da sua madrugada e ganharam foros de cidadania nacional e internacional.

         Como sempre, as toupeiras assolapadas nos subterrâneos da ditadura tentaram branquear o lodo viscoso e sujo de que se alimentavam e despudoradamente agarraram o mastro libertador das Autonomias.

          Digam o que disserem, bradem aos ventos ignaros o que bradarem

há-de ficar imorredoiro e eternamente intacto o Legado de OTELO SARAIVA DE CARVALHO e de todos os militares de Abril como os heroicos artífices desse almejado sonho autonómico dos madeirenses, dos Açorianos e de todas as feitorias colonizadas pelos portugueses.

         Volvido um mês  - 25 de Julho a 25 de Agosto – erguer-se-á para sempre o seu nome como raiz e fruto imarcescíveis de todas as Autonomias Insulares.

 

25.Ago.21

Martins Júnior

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

NOVO CÓDIGO PENAL DO FUNCHAL

                                                                               


ARTIGO ÚNICO

Prisão imediata para todos aqueles que cometem o crime de pagar as suas dívidas.

 

Nº 1– A pena será agravada para os actuais moradores que ousarem pagar as dívidas dos antigos inquilinos.

Nº 2 – Liberdade imediata para todos os que ostentaram sinais de riqueza e nunca pagaram as dívidas que fizeram.

Nº 3 – Indemnização compensatória e direito à chave para os inquilinos que cometeram a proeza de não pagarem os calotes e prémio dobrado por não entregarem aos credores os milhões que retiveram, mesmo após sentença judicial.

 

Sujeitar-nos-emos nós, madeirenses, ao velho surto de  insaciáveis senhorios às portas da capital ?

Haja vergonha e consciência cívica !

23.Ago.21

Martins Júnior  

sábado, 21 de agosto de 2021

EQUÍVOCOS DE FIM DE SEMANA: A CARNE versus ESPÍRITO

                                                                          


Entre sábado e domingo, o pêndulo da consciência leva-me irresistivelmente ao LIVRO que, umas vezes é almofada repousante, outras chão de brasas que me põe o cérebro em chama incandescente. Em todas as vezes, porém, o LIVRO é rochedo firme de onde extraio lajes de basalto seguro para a pirâmide do meu pensamento e da minha mundividência.

É o caso. Para a apresentação sintética da minha ‘tese’, recorro ao Guia e Mestre Prof. Anselmo Borges, no seu artigo semanal de 7.VIII.21, intitulado “O Cristo Pensador”:

“Em geral, nas igrejas, faz-se pouco apelo à razão, à reflexão crítica, à pergunta. Como se a fé não tivesse de conviver com a inteligência, com a dúvida e com a pergunta”.

É nesta estação que me situo hoje, nesta navegação à vista sobre um dos mais axiomáticos temas da crença católica, a Eucaristia, as espécies sensíveis do Pão e do Vinho, enfim, a doutrina e o dogma da Presença Real do Corpo e Sangue de Jesus. Tudo, afinal, que se repete nas típicas “Festas do Senhor” da Madeira. Discorro sobre o texto/contexto do Livro, espartilhando-o em quatro eixos distintos mas intrinsecamente conexos.

1º - A tradição judaica destaca, em diferentes circunstâncias, o Pão e o Vinho como dádivas simbólicas e qualificadas, oferecidas ao Deus Ihaveh.

2º - O Nazareno, aquando da multiplicação dos pães e dos peixes, disse à multidão que procurasse um outro Pão, que não se deteriorasse nem se esgotasse no dia-a-dia. Mais: Ele apresentou-se como exemplar perfeito desse Pão e prometeu dar o Seu Corpo como Pão e o Seu Sangue como Vinho. “Esse Pão é a minha própria Carne, dá-la-ei para que o mundo tenha Vida. Quem come a Minha Carne tem em si a Vida Eterna”.

3º - Foi enorme a polémica que esta afirmação desencadeou entre os Doze e, sobretudo, entre os milhares de judeus que ali estavam.. “São insuportáveis estas palavras”, De boca em boca corriam velozes, provocando acesa discussão e, inclusive, um exasperado voltar de costas de muitos simpatizantes.

4º - Debates e mais debates, de viva voz, réplicas e tréplicas, deserções e mais deserções, até que, na conclusão do discurso,  o Autor não retira uma vírgula ao que dissera, mas abre uma luz ao fim do túnel da dúvida:

“O Espírito é que dá Vida. A Carne não serve de nada. As minhas palavras são Espírito e Vida”.

 

Porque o tema é candente e levar-nos-á longe, fico-me por aqui, soliloquiando persistentemente: “Não teremos nós empolado demais a Carne, enclausurando-a e sobredourando-a com raios flamejantes e jóias primorosas, em detrimento do Espírito que dá Vida?... “Só Ele tem palavras de Vida Eterna”!

Da minha parte, na interpretação directa, quase resposta, inserida em João, capítulo VI, 60-70, vejo nitidamente a definição supra-transcrita: “Cristo, o Pensador”! Sigamo-lO até às últimas consequências. Sem traumas nem preconceitos.

 

21.Ago.21

Martins Júnior 







quinta-feira, 19 de agosto de 2021

“NÃO, NÃO SOU O ÚNICO A OLHAR”……….

                                                                     


                                                          

          A olhar o quê?...

Peço licença aos criativos dos XUTOS E PONTAPÉS  para adoptar uma das suas canções, de 1987, e perguntar: “Olhar, sim, mas olhar o quê?”...O céu, o cais, o caos, o charco, a enxerga, sei lá que mais?!

Tudo isso e o seu contrário - e a que se convencionou dar o magnânimo qualificativo de DEMOCRACIA. O que há de mais belo e aprazível e, do avesso, o que há de mais disforme e peçonhento. Etimologicamente, tanto é paraíso terreal (céu na terra), GOVERNO DO POVO, como também será o GOVERNO DO DEMO, com toda sanha e imundície que Satã é capaz de transportar.

Fôssemos nós genuínos herdeiros das democracias atenienses e olhássemos ‘com olhos de ver’ o mundo maravilhoso d’A Vida das Abelhas, como a descreve Maurice Maeterlinck, teríamos o melhor dos mundos, proporcionalmente igualitário para todos. Por selecção natural, teríamos os melhores líderes, os melhores mestres e os melhores artífices da felicidade comunitária.

Mas o que vemos?

Com algum desencanto e muita, imensa indignação, rebobino o filme do regime em que vivo, desde o 25 de Abril de 1974, olhando para a minha terra, onde nunca chegou a floresceu nem frutificou o Cravo da verdadeira Democracia. Mãos daninhas, do Demo da ditadura, enluvadas e caiadas de mãos do Povo, enxertaram os virus mais infestantes na raiz da Democracia e o que produziram foram apenas magros simulacros do Cravo da Liberdade, os quais têm a sua expressão, de quatro em quatro anos, nos eventos eleitorais.

E aqui, precisamente, no estádio livre das escolhas democráticas, onde deveriam emergir os valores da cidadania plena, aqui é que nos deparamos, não com o ‘céu’, mas com o ‘charco’ – a enxerga viscosa dos interesses classistas, dos ressabiamentos tribais, das trocas de pele e mercado das consciências. E porque muito desse circo já vi ‘com olhos vistos e com saber de experiência feito’ (sempre a acompanhar-nos o grande Mestre Camões), sinalizarei apenas cinco tópicos para análise dos autênticos constituintes da soberania popular, os cidadãos eleitores, deixando-lhes espaço largo para ponderação, comentário  e decisão:

1º - Do espectáculo visual das listas a candidatos surge-nos, de um só golpe, uma imagem aproximada à daqueles foragidos que atravessam o Mediterrâneo: vem de tudo. Alguns ficam pelo caminho por falta de tripulação, outros naufragam por não saberem nadar, outros abandonam a barcaça inicial e  agarram-se a outra que lhes dê mais jeito e quase todos vão a monte, porque ‘entre mortos e feridos algum há-de escapar’. E ao chegar a terra, sempre haverá uma comendazinha no bolso ou na lapela. É certo que nas olimpíadas e paralimpíadas da democracia todos têm o seu lugar, mas casos há que ultrapassam o mostruário dos melhores ‘tesourinhos deprimentes’. Não esqueçamos que estamos a escolher líderes e condutores de povos e não apenas figurantes descartáveis.

2º - Outros há, mais furtivos e calados, que navegam na corveta do trono e querem açambarcar o seu e o alheio. Estão dispostos a tudo, inclusive renegar e calcar aos pés compromissos assumidos em nome e mandado dos eleitores, só com um incurável objectivo: voltar tudo à estaca zero, ao partido único, ao monopólio monocolor, enfim,  à união nacional/regional do ditador, ‘orgulhosamente só’. Cuidado: Todos nós, madeirenses e particularmente funchalenses, temos pesadas responsabilidade nesta matéria. Mais que presidentes de hoje, estamos a determinar regimes de amanhã.

3º - “Não, não sou o único a olhar”. Gostei de ver e ouvir  alguns cidadãos a comentar, por desnecessário, tanto arraial publicitário pelas ruas da cidade, alegando demasiada poluição ambiental e visual. Não estou só nesse olhar. Até partilho a alegria suprema de algum dia ver ganhar aquele que não precisasse de tanto sorriso inamovível e, por isso, alarve, abandeirado em hasta pública.

4º - Na reportagem, houve quem alvitrasse que bastaria a comunicação social para informar a população.  Por aí é que eu não vou. Sigam, como eu, a rota dos comunicadores suciais e digam lá se o Fernão de Ornelas não dá voltas na cova ao ver passar no aqueduto da sua rua os vendedores ambulantes da comunicação, de um lado para outro, como dançarinos da mesma ‘ópera bufa’. Informem-se de quem lhes paga o ordenado e vejam se acertam nos mesmos retratos. E aos que espiolham uma câmara que “dá empreitadas a familiares de novos ou antigos vereadores”, peçam que lhes seja dada  informação fidedigna sobre se têm algum familiar ou apaniguado nas calhas do poder.

5º - Nem os tribunais comuns, nem desembargadores da Relação, nem conselheiros do Supremo e do Constitucional, nem Presidentes da República têm poder para pôr cobro a este pantanoso plano inclinado da democracia. Só há um único Juiz, um único Presidente: o Povo, o Eleitor, Todos e Cada um de nós!

 

19.Ago.21

Martins Júnior  

 

terça-feira, 17 de agosto de 2021

TROCA-SE O ORIGINAL PELAS IMITAÇÕES

                                                                                 


Com este tórrido ‘saará’ que nos reveste a pele e atira o vento arenoso pelos olhos adentro, mais a fumaça de cinzas que nos seca a língua e os neurónios, sei que não há margem para grandes investidas teo-filosóficas. Mas não deixarei em claro o filão iniciado no último blog, no que concerne à captação da essência de uma Mulher que, como sempre acontece no caleidoscópio da feminilidade, tem sido desmultiplicada até à exaustão, a nível da iconografia, da estatuária, da mitologia, da mística, do folclore e, quase sempre, do egoísmo interesseiro, assolapado sob a capa de veneração e culto.

Retomo a análise das “Festas do 15 de Agosto”  que os crentes alcunham das “Sete Senhoras” e das milhentas mutações de estirpe, sob os mais mirabolantes títulos, com especial simpatia pelos que envolvem visões, êxtases e esotéricas intuições. Como então fiz notar, o camarim das Festas sobe mais alto, se o título da Homenageada  apresentar-se como trono e bandeira de exaltação patriótica exclusiva do país anfitrião da Sua Imagem.

  Pouco perderia a Senhora com esse turbilhão apoteótico de títulos, se não fora o risco severo de confundir o original com grotescas fotocópias e abusivas imitações. A este propósito, encaixam-se aqui as corajosas, mas judiciosas declarações do bispo brasileiro Manoel Pestana Filho, na diocese de Anápolis: “A liturgia reduz-se, com certa frequência, a uma feira irrelevante de banalidades folclóricas”.

 Para obviar esse perigoso e herético desvio, só há um guia seguro: recorrer ao Original, ou seja, ver o LIVRO, a única fonte histórica que define o perfil e a personalidade de Maria de Nazaré. São escassas as linhas mas, como sucede com as grandes personagens, são de uma transparência iniludível. Ei-las, em breve síntese:

Uma moça judia de dezasseis anos de idade abandona a casa e “dirige-se apressadamente a uma região montanhosa para ajudar nas lides domésticas uma mulher idosa, de nome Isabel que, contra todas as expectativas, encontrava-se grávida do filho João”. Ser-lhe-ia mais cómodo, à rapariga, ficar em casa a orar pelo sucesso do parto. Optou, porém, pelo mais difícil, numa prova de inteira disponibilidade.

Nas saudações que trocaram – jovem e idosa – Maria incluiu uma declaração vigorosa, diria mesmo revolucionária, quando afirma que o seu Deus não é apenas objecto de culto, pelo contrário, pretende intervir para que seja reposta no mundo a justiça distributiva: “Ele abateu os soberbos de coração, derrubou os poderosos dos seus tronos e levantou do chão os humildes. Ele encheu de bens os famintos e, aos ricos avarentos, despediu-os de mãos vazias”. O Deus de Maria não é feirante de arraial que troca ‘milagres’ por velas. Ele apoia e exige acção!

Nas bodas de Caná, está bem patente a fina sensibilidade de Mãe e Líder Doméstica, quando intervém para que não falte o vinho naquela festa de noivos, gente de fracos recursos, de certeza. Mulher inteira, pragmática e atenta às circunstâncias. Mais uma vez, Mulher de acção, dinâmica e generosa, sem complexos sociais inúteis.

Prova maior de intrepidez e resistência à dor física e psicológica não haverá do que uma Mãe que recebe nos braços um Filho assassinado pelos superiores titulares da sacralidade do Templo de Jerusalém. Essa Mulher é a Maria de Nazaré.

Esse é o Original, que o LIVRO perpetuou.

Para quê, então, procurar retalhos, por vezes doentios, incendiários de supostas alternâncias e superstições pró-pagãs, como as que exibem  variantes sem conta da mesma Senhora, cujos mantos, à prova de fogo, correm o risco de se tornarem sorvedouros de círios de altura desmedida?!

No entanto, é meu dever considerar, mesmo sem anuir, as crenças que, ao longo da vida, foram fazendo lastro no subconsciente de cada pessoa. Sempre me marcaram os versos alexandrinos de Guerra Junqueiro, em “A Velhice do Padre Eterno”, dirigidos aos Simples:

“Roubar-vos da vossa alma a vossa crença antiga

Seria como quem roubasse a uma mendiga

As três achas que leva à noite para o lar”.

 

Não obstante todo o respeito pelas mentalidades que se norteiam por outros vectores, não posso terminar sem transcrever o pensamento iluminado do Hans Kung: “Só tem futuro uma religião que mostre o seu rosto filantrópico que atrai, em vez de feições desfiguradas que repelem”.    

 

 

17.Ago.21

Martins Júnior    

domingo, 15 de agosto de 2021

QUANTIDADE versus QUALIDADE – TANTAS SENHORAS E TÃO POUCA “SENHORA”

                                                                         


Fazendo caminho, ao fim de semana, através das páginas do LIVRO, impossível passar adiante sem fixar o olhar no alto do Monte. Porque hoje é Dia da Senhora do Monte – uma designação autóctone e, por isso, só aplicável na Ilha da Madeira. Em todo o mundo católico, o 15 de Agosto tem uma outra direcção oficial: Homenagear a Assunção de Maria Senhora.

         No entanto, uma diversa antonomásia, de índole popular, classifica   esta mesma data como o “Dia das Sete Senhoras”, alusão ao número de festas dedicadas à mesma Personagem, mas sob outros tantos títulos, sendo um deles a “Senhora da Graça” no Porto Santo.

         São às centenas as vestes e os apelidos qualificativos que a imaginação dos crentes, secundada pelo magistério eclesiástico, atribui à mesma Senhora. Recorrendo a um axioma comum, dir-se-á que os títulos, a narrativa, alegorias e similares distribuídos à Senhora, Mãe de Jesus Nazareno, multiplicam-se como cogumelos por tudo quanto é canto. Proponho a leitura de um bem elucidativo opúsculo, da autoria do franciscano António Joaquim Dias, edição da ‘Paulus’, denominado ‘Santuários da Mãe de Deus’ .

Aí vem uma síntese dos incontáveis títulos dados à mesma Senhora. E uma das conclusões mais impressivas desse estudo é o facto sintomático de que cada país quer ter uma “Nossa Senhora” exclusiva, só sua, quase produto nacional, susceptível de exportação para o estrangeiro. Assim, a França tem a Senhora de Lourdes, o México a de Guadalupe, o Brasil a Senhora da Aparecida (de cor negra), a Polónia tem a Senhora de Czestochwa, Espanha a Senhora do Pilar, Itália a Senhora do Loreto, Venezuela a Senhora do Coromoto, Portugal a Senhora de Fátima e, para não alongar mais, a Madeira tem a Senhora do Monte, a cuja festa nunca faltam as engomadas e emproadas autoridades regionais, porque Ela também é a Padroeira da Ilha. É curioso motar que, além das “Senhoras” patrióticas nacionais, acontece que o povo crente cria outras, de carácter local, como a Senhora do Almortão, a Senhora do Fastio no alto Minho e, aqui no Funchal, a famosa “Nossa Senhora do Calhau”, a primeira capela construída na cidade.

Mas não fica por aqui a criatividade pietista da tradição mriana. O estudo que venho  citando traz um sintético cardápio, ao gosto popular, para todas as pessoas e circunstâncias da vida, tais como: A Senhora do Sim, a Senhora do Céu Estrelado, a Senhora do Céu Nublado, a Senhora das Quatro Estações, a Senhora dos Pobres, a Senhora dos Ricos, a Senhora dos Desempregados, a Senhora dos Quinze Anos, a Senhora das Lides Culinárias, a Senhora dos Filhos das Ervas, a Senhora das Brotas,  a Senhora do Engaranho, a Senhora da Agonia.  E fico-me por aqui porque quem me lê saberá de muitos outros nomes. Conta-se que, há 100 anos, o povo madeirense abalou a pé para a freguesia de Santana, porque correu a fama que Nossa Senhora teria aparecido a uns pastorinhos santanenses. Mas não pegou. Ao contrário, foi um logro pegado. Senão, teríamos hoje mais uma, a Senhora de Santana.

Reflectindo sobriamente: todos estes sobrenomes, embora folclóricos alguns deles, têm um fundo de devoção que não temos o direito de agredir gratuitamente. O problema é que os crentes ‘perdem-se’ e  comovem-se com as histórias, algumas vezes lendas e visões psíquicas, em vez de procurarem a verdadeira face de Maria, a autêntica, a sua personalidade íntegra e generosa, aquela que vem  descrita no texto do LIVRO. E esse é o perigo: desligam da Verdade e preferem correr atrás de ‘novelas’ piedosas. Já Paulo Apóstolo escreveu ao seu colaborador Timóteo, nestes termos: “Meu caro, mantém-te sempre vigilante, porque virá o tempo em que os homens não suportarão a doutrina sã e certa,  fecharão os ouvidos à Verdade para os abrirem às fábulas” .

Já vai longa esta descrição, em tempo da silly season. E falta o principal, ou seja, a que conclusão pretendo chegar, admitindo e respeitando (mesmo sem concordar) as opiniões contrárias.

É o que tenciono fazer no próximo dia ímpar, o do Senso&Consenso.

 

15.Ago.21

Martins Júnior

             

        

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

O SOL DE SÁBADO QUE QUEIMA O FEITIÇO DE TODAS AS SEXTAS DE AGOSTO!

                                                                              


“Ai, logo hoje, que é sexta-feira”- remexia-se Madalena  (e remexia os seus traumas) recostada no cadeirão da sala que dava para o Tejo agitado, quando avistava o bergantim que trazia o ‘seu’ Manuel de Sousa Coutinho.

Mas não foi só no “Frei Luís de Sousa” que Almeida Garrett desenterrou os fantasmas medievais da cultura popular. Deambulando pelas “Viagens na Minha Terra”, estacamos nos transes de pavor irreprimido da avó de Joaninha, sempre que Frei Dinis visitava aquela velha casa: “Ai, que se aproxima esse dia fatal e  aziago, a sexta-feira!”…

Não sei se os meus acompanhantes blogófilos (deixem passar o neologismo) ter-se-ão  lembrado dos quase-genéticos fantasmas, como o de “sexta-feira, dia 13”, que perseguem e desestabilizam o nosso normal estado psíquico. A verdade, porém, é que eles andam por aí à solta, como exemplares reincarnados, à espera das frágeis oportunidades em que se afundam as almas deprimidas. É desse ‘limbo’ escorregadio e, por vezes, fatalmente interminável, que se enchem consultórios de psicanalistas, psiquiatras e, para mal dos consulentes, os cubículos de curandeiros e charlatães bruxos das feiras.

Compulsando os insondáveis trilhos da literatura antropológica, descobrimos logo de entrada que o ser humano tem uma atração irresistível pelo mito,  seja fábula, parábola, voo esotérico, algo que, ao mesmo tempo que atormenta, também adormenta a vertigem do abismo desconhecido. Todos os povos e civilizações têm os seus, desde os mais recuados no tempo até aos mais, aparentemente, desinibidos e saudáveis da actualidade. Desconcertou-me, já lá vai meio século, a contradição mais flagrante entre dois mundos. Foi em Brasília: numa cidade ultra-moderna, plasmada em laboratório e transposta para o terreno, jardins paradisíacos conversando com a beleza harmónica das moradias, basílica e palácios saídos da mão mágica de Óscar Niemeyer – e logo    abaixo, às portas de um cemitério, todo um estendal de pescoços de galo preto, velas e castiçais, cruzes e cruzetas, tralha nauseabunda, um monumental aborto conta a ciência, a ecologia, a arte  da mais inspirada arquitectura que definem a capital do Brasil.

   Vem de muito longe a herança de arquétipos ancestrais, incrustados na psicologia humana. O LIVRO, a Bíblia, está repleta destas alegorias construídas ao gosto do povo hebreu, ardilosas, algumas delas, autênticos poemas híbridos, amálgama bicéfala entre o divino e o humano, de que é paradigma perfeito a cosmogonia da Criação e a narrativa do fruto proibido. E muitas outras, inúmeras.

Fenómeno deveras sintomático, comum a todas as religiões, é a sacralização de práticas pagãs, assentes nos mitos e nas tradições orais, as quais foram  assimiladas e incorporadas nas liturgias das mesmas religiões, destacando –se as famosas Saturnalia do culto pagão que deram origem ao Natal cristão. E uma vez que, nas suas maiores extensões, o Ser Humano não sobrevive sem o recurso ao mítico e ao mistério, não será de estranhar que o aziago Dia 13 tenha sido absorvido pelo Dia 13 de Fátima, à semelhança do 1º de Maio, Dia do Trabalhador, foi transformado no catolicíssimo Dia de São José, Operário.

         O importante e necessário é que o Homem se liberte dos traumas gratuitos, acumulados por sucessivas gerações e tome nas mãos o temão dos navegantes corajosos em demanda de porto seguro. Sem amarras imaginárias!

         Termino esta breve divagação, debruçado já sobre a varanda de sábado, evocando aquele jovem, amigo de infância que, estando marcado o dia do casamento para um dia de sábado, 14 de Agosto, tomou a firme decisão de afrontar os mitos e esconjurar todos os ridículos fantasmas, optando por antecipar a realização do casamento, precisamente, para o dia anterior: Sexta-feira, 13 de Agosto!   

        

         13.Ago.21

         Martins Júnior

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

OURO, PRATA E BRONZE DE PORTUGAL NA CHAMA OLÍMPICA UNIVERSAL

                                                                         


Na moleza da estação dormente deste ano de 2021 coube-nos a dádiva de um acontecimento ímpar, cuja materialidade objectiva – o desporto atlético nas suas múltiplas dimensões – remete-nos para um estádio supra-humano, estruturalmente universal no tempo e no espaço. Falta ainda fazer a merecida apologia do esforço épico da civilização nipónica na organização dos Jogos Olímpicos 2020/2021. Sublinho os qualificativos “épico” e “civilização nipónica”, precisamente expressos na abertura de um país que empenhou o melhor dos seus recursos numa iniciativa que, em virtude da ausência de público e das restrições da ‘covid’, não viu o habitual retorno financeiro no seu tecido económico.

         A festa multicolor de todos os povos e etnias ali representados faz das Olimpíadas o abraço planetário da Fraternidade Global, a proclamação universal dos Direitos Humanos, maior e mais eloquente que todos os discursos de todos os areópagos internacionais. Na mão e na alma de todos e cada um dos onze mil participantes que responderam à chamada – mesmo os que não conseguiram subir o pódio vitorioso – brilhava o facho incandescente da harmonia entre os povos. E isso, para além dos resultados obtidos, constitui a medalha maior da sua participação.

         Neste enquadramento interpretativo, sobreleva-se o nome de Portugal. Não pelo somatório dos galardões (outros países conseguiram muitos mais) mas pela tonalidade dos troféus, reveladores do espírito civilizador da identidade lusa, agregador de culturas e valores autónomos, venham de onde vierem e seja qual ou tal a sua proveniência étnica. Suponho que a nenhum português passou desapercebido (ou “impune”)  o fenómeno singular da miscigenação dos mesmos troféus, patente nos três títulos maiores, o de Pichardo ouro,  Mamona prata e Fonseca bronze, a que se juntou, entre outros, o de Pimenta bronze.

As suas raízes não são portuguesas nem sequer europeias. O quanto de riqueza sociológica, política e humanista tudo isto encerra! O quanto de investimento altamente retributivo resulta do acolhimento dado ao ‘problema’ migratório! No Japão, Portugal consolidou a epopeia camoniana de um Povo, ‘valente e imortal’,  que deu novos mundos ao Mundo e, em contrapartida, o Mundo deu novos mundos a Portugal!

         A todas as tentativas ‘rascas’ (é o termo certo) de acirrar hostilidades e azedumes rácicos com que o radicalismo populista de certos grupos tenta manchar o universalismo da nossa bandeira, opõe-se a tríplice coroa do louro vencedor por sobre a paisagem lusa, que tanto enobrece o seu Povo.

         Perdoem-me a emoção, mas isto toca-me. Sobretudo, depois de ter conhecido em terras Moçambicanas a cabana-catedral da arte de Malangatana Valente e o olhar-verbo poético de José Craveirinha.

         Assim como António Gedeão, após análise química,  descobriu que a lágrima da mulher negra era em tudo igual às lágrimas de todo o mundo (e que tão bem sabe ouvir essa canção  na voz do saudoso Adriano Correia de Oliveira) assim  também os troféus portugueses alcançados nos Jogos Olímpicos 20/21, analisados no cadinho  da Razão, revelam a amplitude da mais lídima portugalidade em todo o planeta!

 

         11.Ago.21

         Martins Júnior

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

FILHOS PANDÉMICOS: POBRES DE POBRES, MENDIGOS DE MENDIGOS

                                                                                  


Em época de  silly season  (passe o anglicismo para sublinhar o relaxe da estação) distendamos o arco de caça porque, já de muito longe vem o aviso, “o arco sempre tenso perde a elasticidade”. Deitados na areia ou sob a copa verde das figueiras, de olhar colado à terra ou perdido no vasto oceano, rebobinemos o filme destes dois anos em marcha e tentemos descobrir o nosso lugar, o papel que desempenhamos no guião desta forçada fita, em que somos protagonistaoercivos.

         Não será preciso recorrer às técnica 3D para toparmos a olho nu que, em todas as cenas e por mais extremas que sejam as distâncias, lá estamos nós – todos e cada um dos figurantes terráqueos – no indesejável estatuto de condenados à mendicidade, pública ou privada.

         A condição humana da contingência biológica põe-nos cinturados com a enorme pulseira de presos - mãos e, até, pés estendidos ao primeiro viandante que passa. Digam-no os milhões de milhões que pesam nos braços de médicos, enfermeiros, assistentes operacionais, condutores de  ambulâncias e, no limite, das agências funerárias que, deixando fora toda a esperança, não podem fechar os ouvidos a quem lhes pede viagem até à próxima e última estação. Digam-no todos quantos imploram, dentro ou fora de casa, um olhar perto, um abraço, uma carícia,  um beijo, mas a melhor esmola que lhes podemos dar é afastarem-se, condenados que estão ao suplício de Tântalo que, ao aproximar a boca sequiosa, via secar-se a água do lago onde estava mergulhado. Redobrado castigo sem crime!

         E o pão, o prato, o leite para as crianças, o vestuário, a renda da casa, a receita da farmácia?... Benditos, porque generosos e solidários, os cabazes familiares, os apoios vicinais, os polos comunitários. Pobres que ajudam pobres.

         E pobres que ajudam ricos!... Ironia dos tempos, a geração pandémica apeou das carruagens os que olhavam de revés o pobre povo andar descalço por caminhos poeirentos. Senhores Empresários, poliglotas Hoteleiros, emproados Banqueiros, Comércio, Indústria, Aviação, Transportes miúdos e graúdos – todos esperaram de mão estendida “à porta da Sé” estatal. Lembraram-se, então, que o cheque do Estado não era do Presidente ou do Primeiro: ficou na conta do contribuinte pobre, o operário, o pescador, o agricultor, o trabalhador indiferenciado?!...

         Palavras de outrora, de sempre: ‘É-se sempre o pobre de alguém’!

         E porque estamos espreguiçados  à sombra da palmeira de uma ilha imaginária,  (a nossa doméstica silly season) deixo a quem lê a tarefa-passatempo de continuar a descobrir outros mendigos auto-biográficos neste enredo em que nos ‘enredou’ a pandemia. Foi preciso um choque traumático na segunda década do século XXI para chegarmos a esta catarse , a um tempo deprimente mas libertadora e sumamente transfigurante: somos pobres uns dos outros!

E um outro rumo, uma ‘Nova Ordem Mundial’, aquele almejado Ethos Global de que nos falou o grande e humilde Hans Kung!   

 

         09.Ago.21

         Martins Júnior