sexta-feira, 29 de novembro de 2019

SEMPRE ENTRE NÓS DESDE 1773!


                                                         

Hoje, a minha noite é toda uma vigília. Não de velório sobre a laje fria de quem se finou, mas de sentinela atenta, vigilante de um castelo onde nascem e crescem exércitos construtores de novos mundos e novas gerações.
É porque – já passaram 246 anos – uma jovem mãe passava as dores do parto para ‘deitar ao mundo’ uma das maiores almas nascidas em terro insular. Era Francisco Álvares de Nóbrega, o infante ilhéu, que aguardava a luz da madrugada de 30 de Novembro para assentar arraiais não só  na história  das terras de Tristão Vaz Teixeira mas nos anais de “todo o homem que vem a este mundo”.
É facto repetido que todos os anos Machico ressuscita das cinzas o seu patrono maior. Mas o que não é sobejo – nem nunca o será – é o nosso olhar desperto e o nosso espírito vidente diante daquele que antecipou uma era nova para os futuros inquilinos deste planeta que hoje é nosso.
Sei que o povo de Machico, através da sua Junta, tornará viva a memória de Francisco Álvares de Nóbrega em sessão comemorativa, na sua sede, pelas 19 horas. Mas, pela minha parte, volto o rosto para o sol nascente de amanhã e deixo-me ficar absorto mas dinâmico na contemplação de alguém que percorreu estes caminhos, sentiu as mesmas pulsões e atirou pata a chama do Futuro as achas-ideias que ciclicamente renovam a humanidade. Vejo-o na galeria dos Libertadores, lado a lado entre os heróis que deram tudo, a própria vida, para que os vindouros  alcançassem os vastos horizontes a que têm direito. Comparo-o, na mesma linha de rumo, ao altíssimo músico e co-autor do “Canto Solidário”, José Mário Branco – ambos tocados pela mais arraigada e dolorosa “Inquietação”, face a um mundo longe dos seus sonhos.
E enquanto a noite desliza no vale, vou trauteando como uma prece e um anseio longínquo excertos da canção que lhe compus em 2014:


“Irmão de Bocage e de Camões
Quebraste os grilhões
Onde outros algemam a Verdade

Longe da terra e dos teus que já não tinhas
Deixaste sereno a vida ingrata
E sepultaste  o monstro antigo
De vis garras mesquinhas

Hoje voltas de novo
Belo firme vertical
Alçando ao mar e à terra
Deste teu berço
Canto Imortal”

29.Nov.19
         Martins Júnior

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

UM FESTIVAL QUE FICA! PARABÉNS!


                                                      

É a vantagem deste fluxo e refluxo dos “Dias Ímpares”: a oportunidade que se nos oferece de descobrir a beleza escondida por entre as raízes rasteiras que produzem as altas e copadas árvores.  É este o saboroso fruto que saboreamos quando o nosso olhar se demora naquilo que parecendo vulgar assume, afinal, o fulgor dos grandes feitos.
Aconteceu no último fim-de-semana, nas oitavas da festa da patrona oficial da Música, a famosa e nobre de Roma, Santa Cecília. E aconteceu aqui entre nós, no Palácio da Arte dos Deuses, o Teatro Baltazar Dias. Foi a coroa real de um império, cujo poder só produz paz, abraços entre povos e nações, apetências incomensuráveis em que a própria libido se enlaça em asas de prazer e sublimidade. É essa a saudável romã que a árvore da Música oferece em dádiva aos caminhantes do trivial quotidiano. E quando tudo acontece e nasce de mãos polícromas, variegadas, universais no tempo e no espaço – todas iguais e todas diferentes – então chegámos ao novo Éden, outrora perdido e agora reconquistado.
Apetecer-me-ia continuar a discorrer na macia planura da poesia, mas detenho-me para dizer ao que venho. É meu desejo e meu dever desentranhar do palco do Teatro, transportar para toda a cidade e toda a ilha o que foi e o que significou o IV Festival Internacional de Bandolim no Funchal. Talvez se não tenha ainda descoberto o monumento global que significa este magno evento. Magno, não tanto pela estrutura do espectáculo e pelo pesado esforço da sua organização, mas precisamente pela corrente mágica que o segura e lhe dá energia. Quem olhar  “com olhos de ver” a génese deste encontro há-de constatar com espanto e encantamento que ele não nasceu no sumptuoso palco do poeta cego da cidade, o também dramaturgo Baltazar Dias. Não, este encontro ou festival vem de mais longe, melhor dito, vem de mais perto. O palco é apenas uma ponte de passagem para alcançar novos horizontes. Explico: o Festival de Bandolim nasce das mãos do Povo, gente como nós, do meio rural e do meio urbano, do chão das aldeias, dos bancos das escolas, das casas do povo, das humildes  associações de base popular, até atingir o primor das academias superiores. Os executantes, na grande maioria, são fruto do empenho de líderes naturais, tocados pela magia da arte, que no silêncio de tardes e noites, tiradas ao lazer de mestres e alunos, se entregaram apaixonadamente à teoria do solfejo, ao manuseamento paulatino do instrumento, enfim, à persistência inquebrável de ler e assimilar as obras do Grandes Génios da composição musical.
Quer isto dizer que, muito antes de subirem ao palco, os executantes madeirenses trouxeram consigo toda a riqueza e toda a beleza do Festival, fabricaram-nas desde casa. Passar pelo palco foi como vestir o fato domingueiro para, no dia seguinte, voltar à oficina de trabalho, isto é, ao estudo do solfejo, à interpretação das partituras, enfim, à autêntica cultura de raiz. E é aqui reside toda a importância ( e toda a atenção às entidades oficiais) no sentido de entenderem que este encontro não se assemelha a um estampido de fogo de artifício que tão depressa lampeja no palco como depressa se esfuma e vai para fora da barra. Acontece com muitos e campanudos Festivais. Mas este espectáculo é diferente: nasce cá e continua cá, merecendo daí toda a carinho e apoio dos responsáveis pela cultura regional e local.
Voltando à estrutura do Programa, os seus organizadores intuíram na perfeição os objectivos primordiais do Festival: trazer ao palco, dar a conhecer ao grande público a ciência e a arte que gente nossa, sobretudo jovens e adolescentes, têm construído na penumbra silenciosa do quotidiano. E, como finis coronat opus (o fim coroa a obra) ou a ‘cereja em cima do bolo’, apresentar exemplares internacionais, sobretudo os genuínos músicos italianos na arte do Bandolim, afim de constituírem o protótipo e um estímulo maior no ânimo de todos os nossos artistas e aspirantes aos cordofones clássicos.
A “TCM-Tuna de Câmara de Machico”, da responsabilidade do CCCS-RS (Centro Cívico-Cultural e Social da Ribeira Seca), saúda a iniciativa, agradece o convite que lhe foi endereçado  e apresenta a melhor disponibilidade em futuras edições.
Uma palavra final que perpassa, do princípio ao fim, neste escrito, como o “genérico” que atravessa todo o texto: o reconhecimento às duas almas (porque com alma e amor é que isto se faz) que foram os obreiros deste “Grande Concerto” – Norberto Cruz e Lidiane Duailibi. Sem eles nada disto aconteceria. Por experiência própria, avalio e ergo bem alto, em tom maior, o seu esforço, dedicação, ‘dores de cabeça’ e sobressaltos diurnos e nocturnos, para que tudo corresse bem e se resolvesse  no magnífico sucesso que se viu. Valeu a pena!
E… “Da Capo”: Começar de novo o próximo Festival!

27.Nov.19

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: COMBATE CONTRA COMBATE=igual a= DERROTA TOTAL


                                                     

Dias e mais dias oficiais da violência contra as mulheres são outras tantas e mais noites de trágica angústia para elas. É útil a denúncia, certo, e expectável o sucesso das medidas punitivas contra os(as) agressores (as).Mas, à força de tanto combater, os despojos de guerra enchem as trincheiras da publicidade ‘rasca’ e produzem um efeito multiplicativo tal que quase anestesiam a consciência individual e, pior, a sensibilidade colectiva.
Perdoar-me-ão a ousadia de contrariar a palavra-de-ordem da campanha tantas vezes repetida: “Combater a violência…doméstica”. Significa, então, que nas quatro paredes da habitação, até na alcova do próprio casal, está instaurada a barbárie da selva: “dente por dente, olho por olho”. É o reino da Violência contra Violência, que, por sua vez, destila violência redobrada, sem fim à vista. Não será por aí que acabará o feminicídio nem deixarão de ensopar-se em sangue os lençóis do leito conjugal.
Sei que é um lugar comum avisar e preconizar que tudo depende da educação, Mas essa é que é a verdade, constatada pela narrativa diária. O fenómeno da violência radica muito mais fundo que no caso episódico, próximo do crime, seja o ciúme, seja o descontrolo ocasional, seja ainda a discussão de circunstância, por maior ou menor que seja o seu conteúdo. O pendor para a violência começa já na barriga da mãe, nos espermatozóides do pai, do avô, do tetra-avô, desenvolve-se no terreiro da própria casa, à mesa do jantar, avoluma-se no pátio da escola, para mais tarde consumar-se quando “chega a hora da raiva”. Tenho para mim que há pessoas insusceptíveis de diálogo, amputadas desde a nascença da mais elementar apetência para a harmonização de vontades, portanto, estruturalmente indisponíveis para aquilo que melhor define o homem e a mulher: a socialização. A tragédia acontece quando esta inibição neuro-vegetativa penetra no âmago da mini-sociedade, a mais íntima e determinativa: a família, a vida a-dois”!
Perdoem-me, uma vez mais, um segundo salto no imponderável e imperscrutável abismo da psico-sociologia da espécie humana. E é o seguinte: há ‘exemplares’ desta espécie que, pela constatação já enunciada, não teriam direito a formar casal ou, por outras palavras tecnicamente mais exigentes, deveriam ser consideradas “inelegíveis” para uma vida-a-dois, precisamente por se acharem ‘geneticamente’ inaptos para viverem em sociedade perfeita. Exagero?... Talvez. Mas tal não me impede de propor que, no âmbito ante-nupcial, deveriam os candidatos ao matrimónio, sujeitar-se a testes ‘psico-técnicos’, (como actualmente acontece na melhor propedêutica profissional) afim de avaliar da real e holística capacidade para ascender a tão distinto estatuto.
Dir-me-ão que estou a navegar na estratosfera perfeccionista do sonho. E concordo, Mas, ao menos, que se promova intensamente e por todos os meios possíveis, uma campanha de reeducação da sensibilidade individual e social para. se mais não for, corrigir deformações congénitas (elas são maiores do que pensamos) e preparar os indivíduos para o prazer de viver em comum. Mas como?... se o espectáculo quotidiano só nos debita cenas degradantes da vida de cônjuges suicidas, de políticos e governantes desvairados, ‘trumpatizados’, inclusive de hierarcas dogmatistas e magistrados de letra e não de espírito?!..
Enfim, dê-se prioridade à reconstrução do Homem-em-sociedade, antes que à guerra contra a guerra. Fale-se mais no apetecível sabor da paz familiar que no combate à violência. Porque combate atrai combate e violência gera violência! E neste estádio todos ficam a perder. É a derrota total!

25.Nov.19
Martins Júnior         

sábado, 23 de novembro de 2019

“A RAINHA” VAI NUA…


                                                    

 É de monarquias que hoje nos fala o penúltimo fim-de-semana de Outubro. Parece inscrita no ADN da espécie humana uma vertigem irresistível para o culto real, Desde a Velha Escritura dos Faraós do Egipto e das Teocracias judaicas até ao sonho neo-testamentário de reconquistar o Reino de Israel, o trono monárquico exerce uma fatal atracção na história dos povos, em manifesta contradição com os regimes democráticos, estes sim, expressão genuína do poder popular.
 Curiosamente, é no húmus nativo das religiões que essa tendência mais se afirma. “Sacerdote, Profeta e Rei”, assim se cognominava o David bíblico. E o próprio Nazareno (sempre avesso à auto-entronização) Ele mesmo não conseguiu fugir ao desejo dos populares, seus sequazes, ao ponto de O designarem como Rei, o seu Rei, o “Rei dos Judeus”.
Por sua vez, a Igreja - dita de Cristo – agarrou ciosamente a tradição da impotência popular e tudo fez para assentar arraiais na crista do Planeta. Fez-se rainha, entronizou um rei-pontífice, ergueu-lhe baldaquino e estendeu-lhe passadeira vermelha até às cúpulas do palácio, guardadas pela nova raça ariana subtitulada de guarda-suíça. Para cimentar o reinado, estratificou a Corte (a que chamou Cúria), hierarquizando e subdividindo estrelas e comendas: a uns chamou cardeais (senadores não eleitos) a outros monsenhores e arcebispos, a outros canonizou-os, para que não perdessem a chancela do divino. Ao nível dos sargentos militares, 'conegou' alguns e, no cabo e no porão da “barca de Pedro”, arrumou os ‘soldados rasos’, padres da aldeia e leigos aos molhos sem qualquer poder participativo nesse “Reino para-militar”. E para que em nada se diferenciasse do fastígio das profanas cortes imperiais, estabeleceu núncios e pulverizou-os por tudo quanto era Estado-Nação, não sem antes ter o cuidado de ocultar-lhes as mundanas credenciais sob a doce designação de “núncios apostólicos”. Imaginaria, alguma vez,  Pedro, o pescador da Galileia, ter ao seu serviço embaixadores plenipotenciários por esse mundo fora?...
Estava montado o Sacro Império que, miraculosamente, atravessou vinte séculos de mandato, um ‘invejável’ legado que prenuncia um não menos obeso volume de rara  longevidade planetária. Resta perguntar, em voz baixa e tão frágil que toque o fundo da consciência: “Será fácil ou será mesmo possível encontrar a sombra, sequer, do pobre Nazareno nas costuras de tão arregimentado palácio imperial?”.
Bem se tem esforçado o actual “Guarda-Maior” do Palácio por desentranhar daqueles ‘salões dourados’ o espírito de Jesus. Jamais consegui-lo-á. Pela racional evidência de que Ele não mora ali. Nunca morou. Ele o disse: “Os animais têm as suas tocas, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” E disse o porquê: “Porque o Meu Reino não é deste mundo”
     E se de um falso Rei se pode afirmar que ele vai nu, por que razão não poderá constatar-se uma outra evidência social: “A Rainha também vai nua”.  Por mais requintada e superabundante de formas que se apresente a instituição, enquanto não se converter à autenticidade evangélica, sempre se há-de dizer: Ela vai nua, porque despida da Verdade e da Beleza originais.

23.Nov.19
Martins Júnior

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

ENQUANTO ELE DESCE…A HUMANIDADE CRESCE !!!


                                                       
Nem palavras nem partituras. Porque melhor que ele ninguém as faria. Mas apenas – e acima de todas – a épica sentença que “vem de longe, de muito longe”:
                   
                  Se o grão de trigo caído na terra
                  Não morrer e não se sepultar
                  Ficará ele sozinho
                  Mas se morrer e se sepultar
Dará muito fruto.
Cem por um!
  
Ao vê-lo descer à terra entre cânticos e palmas, vejo crescer espigas mil sobre o manto azul que o embala no berço que é nosso.
Continuo a ouvi-lo desde aquela hora – já lá vão mais de quatro décadas - em que trouxe a Machico “aquela arma, a cantiga”, a sua…que também é nossa.
E se até agora não o fomos, de hoje em diante Je suis, Nous sommes tous, sim, Seremos Todos: José Mário Branco.
E o Mundo será Maior!
21.Nov.19
Martins Júnior

terça-feira, 19 de novembro de 2019

JOSÉ MÁRIO BRANCO


                       
VIVA…VIVA… VIVA…
Em mim
Em ti
Em todos !!!
Porque ele
“não meteu o barco ao mar
Para ficar pelo caminho”
19,Nov.19
Martins Júnior

domingo, 17 de novembro de 2019

A PONTE SEM TERMO TAMBÉM PASSA POR AQUI!


                                                     

      Em redor de uma mesa fez-se uma ponte com 445 anos de existências e milhares de quilómetros de distâncias.
É o monumento e é o milagre que nem pedras ciclópicas nem toneladas de betão nem cálculos de ferro fundido nem técnicas de engenharia poderão jamais construir. Só corpos e almas, só pensamento e emoção, só braços humanos em arco breve foram capazes de levantar  a ponte quase penta-secular que se viveu no coração do vale de Machico.
E a ponte prolongou-se por todos aqueles que ali trouxeram à ribalta da vida a força anímica e a mística astral das estâncias que habitam, desde a Ilha a Lisboa, Coimbra, Aveiro, Porto, Germânia, São Francisco.
Os ‘Ribeira-Sequenses’ agradecem a todos quantos se ofereceram para ser os pilares da grande ponte onde todos somos  Caminhantes do Futuro!

17.Nov.19
Martins Júnior   

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

BEM HAJAM!


                                                    

 Ultrapassado o Cabo dos Oito Décadas, entra-se no Oceano multicolor em que todos os cambiantes se dissolvem no Mar sólido  das certezas.
A certeza maior desta nova rota está na amizade e no apoio de todos quantos – amigos e amigas de perto e de longe – me ofereceram corajosamente neste percurso, que só é meu enquanto partilhado com o povo da Ribeira Seca. É este  que ocupa o posto cimeiro na minha gratidão.
Comigo estarão também Professores, Sacerdotes, Juristas, Escritores, Poetas, Intelectuais, Jovens, Trabalhadores, Mulheres e Homens, a quem dedico a festa dos meus 81 anos de vida.
Tudo acontecerá em 16 de Novembro de 2019, a partir das 18 horas no adro e igreja da Ribeira Seca, com particular incidência no convívio fraterno onde caberão depoimentos e sentidas emoções.
Convosco – todos  virão por bem – a Festa será maior!
Bem hajam!

15.Nov.19
Martins Júnior

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

UMA PONTE ENTRE DOIS MUROS: É O QUE SOMOS E É O QUE FAREMOS


                                                      

    Fascina-me todos os dias o derrube daquele Muro da Vergonha que Novembro trouxe à Europa e ao Mundo, em 1989.  Mãos de gente  o levantaram e mãos de gente o abateram.
Muros e Pontes. Sem muros não há pontes.
Fico pensando, então, que será essa, talvez, a nossa sina: metade do que somos constrói muros e a outra metade une os dois extremos e nascem as pontes.
Neste inelutável refluxo construtivo, todos os dias formulo este voto escrito na face de todas as manhãs:
Que cada muro que levanto seja o princípio e o apoio de um novo arco no grande rio da história que passa na minha aldeia!
Se tenho de ser o Muro, serei também a Ponte!
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Escrito no dia comemorativo da morte do genial construtor das grandes pontes sobre os oceanos, o “Infante de Sagres”, em 1460.
13.Nov.19
Martins Júnior   

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

“VOCÊ QUE OLHA E NÃO VÊ” – UM CASO QUINHENTISTA


                                                                     

A toda a hora e a todo o mundo e em todas as épocas deveria repercutir-se o pré-aviso de Vinícius de Morais – “Você que olha e não vê, Você que reza e não crê” – em jeito de samba-canção, mas de uma força iluminante que nos faz despertar daquela letargia sonâmbula  a que tão facilmente nos acomodamos. É o reino do “Deixa passar”, do “Sempre foi assim” ou academicamente, a  invertebrada era do laissez faire, laissez passer, enfim, o vírus da indiferença e do imobilismo.  
         Em todos os domínios, mas particularmente no âmbito das crenças, o império do imobilismo conservador assenta arraiais e lança raízes, com a mesma violência do eucalipto que seca tudo à sua volta: sequestra o pensamento, paralisa os braços e mata o mais leve aceno de voluntarismo. Daí nascem os dogmas e afiam-se as lanças pontiagudas das ameaças e condenações contra quem pretenda ver e não apenas olhar. Casos, eles aí andam quase sem darmos por isso, sendo o mais incisivo o episódio do autor da Teoria Heliocêntrica, o genial astrónomo Galileu Galilei, julgado em tribunal eclesiástico com base no dogma bíblico de que o sol andava à roda do planeta Terra. “Sempre fora assim”!
         Não resisto ao impulso interior de repescar os dois relatos, também colhidos na Bíblia, os quais fizeram parte integrante das leituras de ontem, domingo, nos rituais litúrgicos. O primeiro: a proibição terminante de comer carne de porco. (Macabeus, cap.7) Quem transgredisse este normativo seria condenado por ofensa de lesa-divindade. O segundo: Se um homem, casado com uma mulher judia, fosse vítima de morte, o irmão dele era coercivamente obrigado a casar com a viúva, sua cunhada, portanto. E se este morresse, o irmão  seguinte (se o tivesse)  assumiria o mesmo mandato. Até ao sétimo irmão. Sob pena da lei divina! (Lc.cap.7)
         Gerações e gerações de hebreus viveram traumatizadas por imperativos legais, os mais absurdos, insuportáveis à inteligência humana. Com maior incidência, ainda hoje, gerações e gerações de crentes vivem obcecados, esmagados sob o peso de fantasmas e ferretes emanados da “Lei de Deus”…
         Trago a uma atenção crítica estes considerandos para relevar distintíssimas excepções ao status quo acomodatício: aqueles e aquelas que têm olhos de ver, que ousam quebrar o imobilismo cego e sequestrador. Ontem e hoje, na cidade de Braga, presta-se homenagem a um Homem que marcou a sua época, (1514-1590), insurgiu-se contra uma instituição estática, (a Igreja do séc.XVI), tendo ganho, por recompensa, a hostilidade dos seus pares. Era ele Bartolomeu dos Mártires, arcebispo de Braga e reformador incansável dos usos e costumes da sociedade de então, ainda marcada pelo obscurantismo medieval, não obstante o avanço das sucessivas conquistas da era quinhentista. Foi no Concílio de Trento (1545-1563) que mais se notabilizou através da vigorosa proclamação que ficou na história: Ecclesia sempre reformanda – “a Igreja deve estar sempre em reforma, sempre em contínua renovação”.
         Bento Domingues, na sua crónica semanal do Público, define-o bem:
“O Papa Francisco acabou por descobrir que Bartolomeu dos Mártires tinha vivido, na sua pessoa e na sua acção, o projecto da reforma da Cúria, do conjunto da Igreja e o tinha precedido no combate ao vírus do carreirismo eclesiástico”.
         Associo-me à memória desse Homem, eternamente jovem: de ontem, de hoje e de sempre. Associo-me ao entusiasmo do Papa Francisco na  campanha que promove  contra o dogmático e imobilista Sempre foi assim!  Associo-me ao pregão de Vinícius de Morais – Você que olha e não vê – e todos os dias leio o seu pré-aviso escrito no ar que respiro!

         11.Nov.19
         Martins Júnior  

sábado, 9 de novembro de 2019

MUROS DE BERLIM – MUROS DA GENTE


                                          

Quem os fez e os desfez?
quantos e quando cresceram e caíram?
muros da Babilónia muros de Jericó
muros de Jerusalém e das Lamentações
muralhas de Roma muralhas da China
de Caxias Peniche México Guantánamo
Quem os fez e desfez?

E quantos mais farão e desfarão?...
Enquanto houver ‘carne pra canhão’
e houver ossos pra queimar
muros não faltarão

na betoneira infrene a betonar
a dar a dar:
bocas famintas línguas amordaçadas
goelas secas de tanto gritar
mistura macabra
de mirrados crânios e dedos recém-nados
tudo argamassado regado
com sangue soluços e choro sufocado
tudo lá dentro ferve
e tudo serve
ao ciclópico furor do muro em ascensão
rebocado revestido do capital metal
capital letal

Muros somos nós
betão e betoneira são os nossos braços
mais os silêncios baços
de quem nasceu para falar brandir gritar

Treme o planeta e treme a consciência
Quando chegas à contraditória evidência:
Construir é destruir
E destruir é construir
Constróis o muro - destróis a gente
Destróis o muro - reconstróis um Povo

O muro nasce de ti, da tua ideia, da tua mente
Só o destrói o bater do coração
Muros de Berlim muros da gente!

09.Nov.19
Martins Júnior


quinta-feira, 7 de novembro de 2019

CANÇÃO DO TRÍPTICO UNITÁRIO


                                                                    

                                                             Para o Ano XXX
O quanto andei
Para aqui chegar
O tanto foi que me curvei
Para contar
As pedras do caminho que fizeste

Uma a uma ajuntei-as poli-as
E vi que eram de prata banhada de azul safira
Saída dos teus olhos

Guardei-as onde mais ninguém as vira
E agora trago-as
As pedras que são cânticos e mágoas
Sonhos rasantes e voos expectantes
Por sobre o chão de prata já lavrado

Toma-os nas mãos aperta ao peito
 Os godos roliços do passado
E da prata faz ouro fino
Porque já é tua a rua a rota o rio
Que hoje navegas
Rumo à baía de ouro que te espera

Finda a primeira estação no ano trinta
Deu-me Mestre Tempo a cor e a tinta
Para  compor a tríade unitária
Do futuro

Prata ouro e diamante
Assim será o tríptico da verdade
Com mestria dividido em simétrica igualdade

 Na tua mão
Tens a paleta e o condão
De fazer larga e bela
Aquela tela
Da hora que é presente e dos tempos que virão

07.Nov.19
Martins Júnior

terça-feira, 5 de novembro de 2019

EM HONRA OU DESONRA DO CARDEAL BURRUMEU OU BORROMEU E DOS SEUS PARES!


                                                       

Borromeu – nobre família romana. Ele era Carlos, nome real. Seu tio, subiu ao “trono de Pedro”, sob o título de Papa Pio IV  O rapaz não era padre, mas o tio conferiu-lhe o barrete cardinalício e fê-lo cardeal da Santa Sé,  Secretário de Estado do Vaticano, Conselheiro e Eleitor de Sumo Pontífice. Tinha então 22 anos de idade. Corria o ano de 1560. Depois de canonizado, tornou-se o Patrono da Banca e da Bolsa.
Eis os ingredientes que me fizeram delirar primeiro e, logo a seguir, pasmar, desde a puberdade dos meus 14/15 anos de idade. E todos anos, em 4 de Novembro, as borlas purpurinas do cardeal Borromeu barravam o meu caminho. Não me deixavam passar sem decifrar o enigma. Hoje, já octogenário, na oitava do “São Carlos Borromeu”, o enigma persiste:
Cardeal – nada tem a ver com o sacerdócio. Nem é preciso ser padre para lá chegar. Nem curso especial, nem tirocínio de espécie alguma.
Sobrinho de Papa – excelente passaporte para alcançar anel e barrete. Os historiadores chamam a isto nepotismo, previsto e punido pelo Código de Direito Canónico e pela ética mais elementar da relações humanas. Até nos governos laicos.
Canonizado – está na directa linha promocional do  Cardinalato/Papado. Tio e sobrinho.
Patrono da Banca e da Bolsa – é a inevitável “cereja em cima do bolo” da aristocracia capitalista.
E aqui temos a escultura perfeita de um Cardeal-Príncipe da Igreja de Cristo… Oh Bom Jesus, vem cá abaixo e vê se consegues lobrigar a tua face na marmórea pele do cardeal ou  um só dos teus ossos na púrpura das suas túnicas ou um espinho sequer da tia coroa no barrete cardinalício…
E… “Viva, Viva” em cada 4 de Novembro, o Cardeal Borromeu (foneticamente Burro Meu)  “Banqueiro-Mór” e Secretário de Estado do Vaticano! E Padroeiro dos banqueiros, cambistas e agiotas! Viva!

05.Nov.19
Martins Júnior

domingo, 3 de novembro de 2019

A TERRA É TODA BELA, TODA BOA E TODA SAGRADA!


                                                

 Não importa quem o disse. O caso é que  está dito:
“O mundo, este Planeta, é  como um grau de areia na imensidade do universo. É como uma gota de orvalho caído de madrugada. Mas é belo. É são. Digno de ser amado. E nunca odiado. Só o simples facto de existir merece o nosso enamoramento. E a nossa dedicação. Porque há um espírito etéreo, quase divino, que percorre todas as coisas e penetra-as até ao mais íntimo. Amar a terra, Amar a vida» – eis o que é preciso! É por isso que no ser humano, dotado de liberdade e poder de opção, torna-se necessário corrigir os desvios e fazê-lo regressar à pureza original para que foi criado”
         Que mais falta para erigir este parágrafo como o monumento à natureza, o mais expressivo panegírico à ecologia, ao ambiente?... Belo discurso, em defesa da Vida e do Amor! Transformar todos os códigos de conduta sobre a natureza e toda a ética ambiental  num poema de afecto ao Planeta e a tudo quanto nele habita! Daqui poderiam extrair-se as mais audaciosas pistas legais em defesa da Terra. Todas as cimeiras e todos os tratados contra as alterações climáticas, contra o aquecimento global cabem neste parágrafo, de tão actual e oportuno se apresenta. Imperativo e urgente.
         O que falta esclarecer é a dúvida formulada no início deste arrazoado: Quem o fez? Quem o escreveu?
         E aí reside o efeito-surpresa mais acutilante e mais impressivo: o texto tem milhares de anos. É desconhecido o seu autor formal. O que sabe é que vem no “Livro”, o da Sabedoria, capítulo 11, versículos 12-22. E se é desconhecido o seu autor formal, traz implícito o seu Autor material. Quem lançou ao papiro essas palavras fê-lo como se fosse a própria Divindade a assumi-las em discurso directo e ao vivo. É Ele, o Criador, que fala abertamente sobre o seu espírito que penetra todas as criaturas. E anula sem rodeios as superstições, as águas-bentas, todos os simulacros com que “o povo néscio se engana”.  Toda a água é benta e abençoada, desde que seja boa. Toda a natureza está imbuída do sagrado. “O que há é pouca gente que dê por isso”, bem poderia repeti-lo Fernando Pessoa.    
         Vale a pena reler o “Livro” da Sabedoria, que constituiu o texto litúrgico oficial deste fim-de-semana. Dá saúde ao corpo e ao espírito. Preenche a vida inteira. E regenera toda a Terra!

         03.Out.19
         Martins Júnior