quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

O “LEGADO” SOMOS NÓS!


                                                       

“Que beleza, que beleza – exclamava Jacinto, montado na sua égua ruça”. O Jacinto fizera a travessia entre o “202”, Champs Elysées de Paris e a aldeia de Tormes, no Portugal profundo. Eça de Queirós, em Cidade e as Serras,  revela em Jacinto a beleza translúcida, multiforme da ruralidade e da sua fecundidade difusa pelo cenário serrano daquela paisagem nortenha.
Que beleza e que delicioso espanto sinto eu ao atravessar a ponte  entre dois pilares, o último de Janeiro e o primeiro de Fevereiro! Pelas mesmas razões que levaram Jacinto a surpreender-se com a simplicidade bucólica de Tormes e a múltipla florescência da paisagem. Neste caso, a simplicidade está num magro feixe de folhas impressas, a que foi dado o nome de LEGADO. E a transbordante fecundidade está no talento criador que outras mãos fizeram florir. Com efeito, quem partilhou na tarde de 30 de Janeiro e viveu a amplitude dos conhecimentos, emoções  e incontidos  apelos nessa hora de introspecção reprodutiva não resistiu ao mesmo sentimento do Jacinto de Tormes: “Que beleza”!
E nesta constatação vai o meu mais emotivo agradecimento àqueles que de uma gota de água  fizeram emergir repuxos luminosos, flores deslumbrantes, portadoras de novas mensagens e vigorosas incursões que ultrapassaram e, nisso, valorizaram o modesto opúsculo apresentado. Ao ouvi-los, outro pensamento não me ocorreu senão o do Magno Doutor, Filósofo, Teólogo, Tomás de Aquino quando teorizou a vocação genética do mais pequeno gesto nosso: Bonum est diffusivum sui, ou seja, todo o bem é fértil em si mesmo, naturalmente reproduz-se, espalha-se, difunde-se e dinamiza-se…desde que haja mãos e afectos que o tomem ao peito. Foi o que aconteceu. E mais uma vez agradeço aos seus autores e criadores.
                                                     
        
Ao Padre José Luís Rodrigues, pensador, pedagogo e pregador da verdadeira espiritualidade evangélica, promotora dos valores holísticos que elevam e salvam o Ser Humano. O seu discurso abarcou a condição existencial que ora se vive, sublinhando a influência do Papa Francisco neste conturbado mundo do século XXI.. A reflectir!
Ao Dr. Bernardo Martins, professor, político, historiador e analista acurado da paisagem contemporânea, sob os mais diversos contornos, mundial, nacional, regional e local. Corajoso e marcante foi o pré-aviso aos líderes oficiais e, sobretudo, ao povo para que saibam dispensar os medíocres e só escolher os competentes, capazes e íntegros, neste ano de decisivas opções públicas. Um discurso histórico!
À Professora Doutora Teresa  Nascimento, docente universitária, eminente no saber e tangente no ensinar, de tão atenta e  próxima, não só dos formandos, mas de todos quantos escutaram a sua lectio, a douta lição que deu em Machico. Pela minha parte, recorto e guardo a notícia-surpresa que nos deu, a de ter descoberto (investigado, suado, Uff!) as mil páginas que já escrevi no meu blog “Senso&Consenso”. Graças, pela sua abnegada generosidade!
 À Drª Paula Franco, professora e dedicada mestra em literatura que, além das exigentes lides escolares, deu mais uma prova da sua ilimitada entrega à causa da Cultura e da Educação, seleccionando entre os muitos textos do “Senso&Consenso” aqueles 80 “sumários” que respigou, transcreveu e ‘baptizou’ com o inspirador e profético nome de Legado. No mesmo preito de gratidão envolvo o Mário Ramos, ilustrador de mérito já consagrado, e ao CCCS-RS, entidade responsável pela  publicação.
Ao Presidente Ricardo Franco e à Vereadora da Cultura Mónica Vieira, companheiros meus de longa data na demanda dos bens sócio-culturais dos nossos conterrâneos, agradeço terem franqueado o Salão Nobre do Município para esta iniciativa, na sequência de idênticos eventos  de outros autores já realizados no mesmo recinto.
Finalmente aos jovens e adolescentes da “Tuna de Câmara de Machico –TCM” , com sede na Ribeira Seca, a minha solidariedade e amizade de sempre!
Deixo aqui sentidamente expressa a mensagem transmitida de viva voz aos partilhantes do convívio de 30 de Janeiro:
Com ou sem letras, com ou sem publicidade, com ou sem espectáculo, a nossa vida é um LEGADO, construído dia-a-dia, palavra-a-palavra, gesto-a-gesto, passo-a-passo! O maior LEGADO que deixarmos aos futuros legatários não é o que temos, mas o que somos!

31Jan.01Fev-19
Martins Júnior  
          

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

“A BELA E O MONSTRO”


                                                                  

              Tão longe e tão perto, que até parecem faces de uma mesma moeda!  Separa-os a latitude abissal do universo e une-os um estranho estreito, tão imperceptível como o réptil das águas estagnadas que se nos escapa das mãos,  Ele é a mansão idílica da princesa imaculada. Ele é o hediondo antro de unhas peçonhentas que devora tudo quanto se lhe aproxima. Quando o equinócio lunar os junta lado a lado, um arrepio sem dó percorre e atordoa o corpo inteiro. Insuportável, mas (inexplicavelmente) aceite sem protesto!
         A tanto chega o estonteante “bloom” da indiferença individual e colectiva. Tudo se traduz em cifrões. A corrupta máquina registadora abre-se sem pudor, seduz o utente e quanto ele possui, fecha-o dentro da casa forte e engole-o até ao tutano. Já não há mais respiração, nem canto, nem choro, nem talento, nem beleza, nem corpo, nem alma. O que conta é o conto, o euro, os milhares, os milhões, os super-cifrões. O valor facial aceite pelos cambistas-DDT é o cheque visado na praça financeira mundial. Quanto vales? Quando te rende o emprego? Queres trocar a tua ciência, a tua arte, a tua soberania mental e moral, a tua alma por um par de chuteiras, só porque te rende milhões?...  Tu,  produtor soberano da tua personalidade sem preço, queres expor-te no balcão dos feirantes como mercadoria sem lustre, só porque arrecadas biliões?!... Já não vales pelo que és, vales pelo que tens.
         Que isto se passe com o comum dos mortais, de títulos transaccionáveis no mercado, suporte-se - sob protesto, embora O que, porém, repugna e revolta é chutar o Papa Francisco para a bolsa-valeta  dos (des)valores mercantis. Revejo-o durante e pós-visita pastoral ao Panamá, país-esgoto autorizado para a lavagem da podridão do vil metal, arrancado de bocas famintas e sem abrigo. Revejo-o nas reportagens televisivas, aclamado por 300.000 jovens, mas pouco ou nada o encontro na imprensa diária internacional. Só em Portugal se levanta um coro presidencial, a partir de Belém, festejando a vinda a Portugal em 2022. E qual a nota marcante da sua visita? Aí estão dois títulos garrafais: “VISITA DO PAPA RENDE MIL MILHÕES DE EUROS”. E num outro matutino: “VINDA DO PAPA  VALE O DOBRO DA WEB SUMMIT”.
                                                                    

É por demais humilhante, porque degradante, erguer no altar da sua visita a Portugal uma descomunal caixa multibanco ou uma roleta de casino como cartaz representativo de uma mensagem que ultrapassa e derruba aquilo que ele próprio chamou de “economia que mata”. Seria caso (é uma opinião) para que o Vaticano suspendesse todas as deslocações do Papa a países que publicamente e sem escrúpulo publicitassem a visita de um Pastor-Peregrino, como se de um canal de resíduos tóxicos se tratasse. É o que se passa também no cinicamente denominado “Turismo Religioso”. Assim se prostituem os valores, conspurca-se a Fé e destrói-se a Esperança num mundo melhor.
Não é esse o pensamento do Papa Francisco. Ele não vem a Portugal como caixeiro-viajante ou vedeta de parir dinheiro. Ouso admitir que se ele pudesse, mandaria retirar de cena tais anúncios abusivos e redutores que mais não são do que provocações à sua nobre missão de referência espiritual da humanidade. Quanto a nós, crentes e responsáveis, urge banir do nosso glossário sócio-religioso a grotesca reedição de “A Bela e o monstro”.

29.Jan.19
Martins Júnior         

domingo, 27 de janeiro de 2019

OURO MACIÇO, OURO DURADOURO – UM TRÍPTICO PERFEITO


                                             
           
Aos domingos, “O Livro” abre-se em caracteres de luxo – preciosas jóias de literatura – que dispensam quaisquer aditamentos declarativos, tal a sua transparência, de forma e fundo. E hoje é um desses dias de frescura intuitiva. Aos três textos que nos são oferecidos neste III Domingo Comum, classifico-os de tríptico perfeito, ouro maciço e duradouro. Maciço, porque intrinsecamente compacto num entrançado homogéneo de fino quilate. Duradouro, porque vem de tempos imemoriais, milenares, com garantia de inquebrável longevidade.
Estou a referir-me aos três excertos bíblicos, lidos e comentados em todas as assembleias eucarísticas. Deles não poderá o nosso Nobel José  Saramago  afirmar a sentença com que classifica a Bíblia; “Quem a lê perde a fé”. Se, nalguns excertos, isso confere com a realidade, neste caso não, Aqui trata-se de uma progressão qualitativa no percurso social, intelectual e existencial de qualquer ser humano em viagem.
Vejamos, em síntese:
- “Não choreis nem vos entristeçais, ide felizes para vossas casa  e  preparai uma refeição suculenta, bebei vinho doce. Partilhai também com os que não têm. E deixai fora esse pranto, porque a alegria do Senhor é a vossa fortaleza”. Assim falava o presidente da assembleia ao povo reunido na sinagoga, o qual,  ao ouvir ler os normativos do “Livro da Lei”, enchia-se de pânico e desatava em lágrimas de compungida contrição no santuário judaico. Vale a pena cotejar o “Livro de Neemias” ((8, 2-10), para descobrirmos, enfim, que a espiritualidade genuína não está na encenação gestual, seja das bagatelas pias, seja da teatralidade ritual, A eficácia do verdadeiro culto traduz-se num saldo final, em que a alegria e a fortaleza começam no espírito e reflectem-se positivamente no corpo. Tudo o mais não passa de morbidez acumulada, complexos doentios injectados nas veias de crentes sem critérios.
Esta osmose da felicidade embutida entre espírito e matéria pressupõe o culto do corpo, sobretudo na sua dimensão social. É Paulo de Tarso, o fogoso Saulo de outrora, quem o escreve: “Somos muitos membros, mas um só e único Corpo, todos os membros são nobres, todos necessários,  interdependentes e todos orientados para o bem comum… O olho não pode dizer à mão ‘não preciso de ti’, nem a boca pode dizer aos pés ‘não preciso de vós’… E até os membros que parecem mais fracos são esses os mais necessários… Se um membro sofre, é o corpo todo que sofre com ele”. Constitui  uma magistral peça de pedagogia e anatomia metafórica o texto da Carta I Cor.12, 12-30.  Ouro puro e duradouro! Se as sociedades, seja qual a sua dimensão, (sobretudo a elite governante) usassem do mesmo critério, não haveria mais “Jamaicas”, nem mais greves,  nem mais prisões, nem mais paióis de material bélico…
   Finalmente, a liga que funde num só tríptico este alto-relevo maciço e inquebrável vem eloquentemente tecida no texto de Lucas, 1, 1-14: “Cumpriu-se hoje mesmo, aqui, o que estava  predito acerca de Mim: ‘Eu vim para anunciar a boa nova (um mundo novo) aos pobres, proclamar a libertação dos cativos, restituir a vista aos cegos e a liberdade aos oprimidos”!
Perdure, ao longo da semana,  diante dos nossos olhos este guião seguro que dirigiu gerações e projectou luz nos caminhos idos e na estradas a haver. Por aí é que acertaremos os nossos passos.
27.Jan.19
Martins Júnior

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

DO PANAMÁ PARA O MUNDO – A BANDEIRA DA UNIDADE


                                                            

        Perante o espectáculo apoteótico hoje vivido e, para nós, patenteado a partir do Panamá, parece não haver lugar para a exposição da manta de retalhos ensopada em sangue, que é o estendal das guerras religiosas ao lingo da história. A presença de Francisco Papa entre milhares de jovens de todo o mundo e de todas as bandeiras num abraço universal da paz e da concórdia faz esquecer todos os dramas e tragédias em que se envolveram as religiões. Por outro lado, é hoje que as comunidades cristãs encerram o Oitavário da Unidade. Por isso, tem já cabimento lógico evocar esse interminável percurso das diversas crenças para trazê-las ao encontro do vértice único e necessário e, tomando a letra da canção, “dizer-lhes cara-a-cara: muito mais é o que as une que aquilo que as separa”.
         Estão as religiões institucionais (não a religião) colocadas em hasta pública à mercê de quem as leve (a alto ou baixo-custo) ou de quem as force a entrar nos submarinos do poder, para servir umas vezes de lastro seguro, outras de bandeira fascinante de causas e reinos alheios, senão mesmo hostis à sua missão salvífica. E quando as religiões se recusam a entrar na dança dos poderes, então podem contar com o garrote e o massacre armadilhados pelos poderosos.
Provas abundam por toda a parte e em todo o tempo, desde os imperadores romanos que assassinaram milhares de mártires, porque  viam na ideologia dos escravos cristãos o fermento revolucionário de uma sociedade igualitária em direitos e deveres. Mais tarde, no fulgor incontrolado das “Cruzadas”  a ambição desmedida dos nobres cavaleiros em alargar o domínio territorial, sob pretexto de libertar os “Lugares Santos”, achou a paga no rotundo fracasso que lhes foi infligido. A chamada gesta colonial dos países europeus metia no porão das naus franciscanos e jesuítas que, sob a apostólica mística de espalhar a Fé, mais não faziam, no fundo, que alimentar a ganância do Império, ao serviço do poder imperial e da economia reinante. No mesmo ponto de mira assentaram a Igreja Anglicana, em Londres, a Igreja Galicana, em Paris, dominadas pelos poderosos. O mesmo padrão jurídico-religiosos é o que vegeta na Igreja Ortodoxa Russa e na Igreja Oficial Chinesa, onde as hierarquias religiosas são nomeadas, não por Roma, mas pela cúpula governativa dos respectivos países. Não falta nada e já chegámos a Portugal e à Madeira, “Terras de Santa Maria” , onde os políticos  encontraram serventuários seguros a baixo-custo, prontos a todas as arbitrariedades do poder vigente, sob pena de prisão ou ostracismo.
Sempre que as religiões se enfeudam aos poderes do mundo atraiçoam o seu ideário constituinte e alistam-se, por consequência, no quartel dos adidos, prontos a ser mobilizados para as guerras, onde religião, capital e ganância religiosamente se misturam. Jamais acabará esta satânica promiscuidade enquanto o Papa de Roma (um dia há-de sê-lo!) não renunciar ao estatuto de Chefe de Estado desse minúsculo terreiro chamado Vaticano. A nossa religião deveria caminhar denodadamente na vanguarda desta campanha para a Paz Universal.
No dia da Conversão de Saulo, fanático praticante do Judaísmo, à causa do Evangelho do Cristo que ele perseguia ferozmente, encerro as reflexões reproduzidas nesta Semana do Oitavário para a Unidade, saudando os esforços de Francisco Papa na marcha da história, bem como de todos quantos contribuem para o derrube dos muros  que a cegueira de alguns, os poderosos, pretendem levantar à livre circulação de todos.

25.Jan.19
Martins Júnior    

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

A CAMINHO DA UNIDADE DESEJADA – ABRIR OS OLHOS!


                                                           

Não duvido que, nos dias que passam, outras guerras (mais que as guerras de religiões) corroem e esventram o mundo em que vivemos. No entanto, não pode subestimar-se a mensagem do pastor anglicano Paul Wattson que em 1908 iniciou o Oitavário pela Unidade dos Cristãos separados entre si por diferentes confissões religiosas, Desde então,  todos os anos, de 18 a 25 de Janeiro, um coro colossal se levanta nas igrejas cristãs, católicas e não católica, para promover a unidade, expressa e ardentemente desejada pelo seu Fundador. Tal como na Grande Paz Europeia, nascida da cinza e do sangue derramado entre 39 e 45, também os promotores da Semana da Unidade, envergonhados de tanto divisionismo e de tanto conflito, por vezes sangrento, entre os crentes oriundos da mesma fonte – o Evangelho – decidiram dar novo rumo aos acontecimentos, construindo plataformas comuns de entendimento e acção.
         Se há  fenómeno demais contraditório e paradoxal, esse situa-se precisamente no âmbito (para não dizer ‘arena de gladiadores’) consignado à `religião. Incompreensível, escandaloso e repugnante é o espectáculo de guerra aberta e ódio programado lá onde deveria reinar uma paz solidária, indestrutível. Já vem de longe, da práxis e da dóxis bíblicas a convicção de uma fé judaica, armada até à medula dos ossos, tendo  Deus Ihaveh como poderoso e vingativo comandante-em-chefe do batalhão dos crentes. Os séculos e milénios subsequentes não lhe conseguiram apagar o rasto. Pelo contrário, bastas vezes têm-lhe seguido as pegadas. Porquê?
         Em complemento das reflexões dos dias anteriores, ajuntarei mais uma pista de análise: O ser humano, enquanto colectivo comunitário, estará sempre dependente de específicas forças ou entidades tutelares e, em contraste, forças e entidades dominadoras, senão mesmo, opressoras, as quais se designam oficialmente como poderes constituídos. De entre eles, avultam o poder político e o poder religioso.  Os humanos são, portanto, clientes e consumidores dos dois mercados mais directos e impressivos, a política e a religião. Por esta razão evidente e necessária, os dois mercados terão de caminhar paralelamente como sócios da mesma empresa, para que o domínio partilhado encontre aceitação nos seus destinatários. Aí está a verificação histórica em que religião e política viajam na mesma carruagem. Siameses congénitos, política e religião casam-se (mesmo que se odeiem intimamente) porque para sobreviverem uma precisa da outra. Acresce a circunstância, tantas vezes falaciosa, de que  uma trata do corpo, a outra segura-lhe a alma.
Provada fica, pois, a interdependência dos dois poderes, de tal forma que quando um desfalece, acode logo o outro a deitar-lhe a mão. Onde é que nós já vimos isso?!... Não perca tempo a pesquisar…
E é neste nó de intersecção que começam as guerras. O poder político quer ter o religioso sempre à ilharga, como suporte seguríssimo dos seus interesses. Quer vê-lo nas cerimónias oficiais, nas paradas, nas capelanias militares, nos banquetes, nas inaugurações Por sua vez, a religião abre as mãos e as sotainas e quer ver (porque quem vê é o povo cliente e consumidor) os “senhores da terra” aliados aos “senhores do céu”…
E assim começam as guerras! A história é sobeja em revelar que as religiões quando entram em guerra aberta servirem de apoio ao poder político, umas vezes publicamente assumidas, outras subrepticiamente orquestradas. O sucesso de certas guerras religiosas depende do ‘amparo’ político, da mesma forma que o sucesso de certas guerras político-governamentais está na ponta do hissope ou na bênção do estandarte.
Ficará para o próximo dia a demonstração de alguns destes episódios de uma cabala em que os actores serventuários nem chegam a lobrigar (ou disfarçam…) o embuste em que caíram.
Mas para não cairmos na visão pessimista dos acontecimentos e para provar não há guerras estritamente de religião,  termino com a notícia difundida pela comunicação social de hoje, a propósito do Grande Encontro da Juventude no Panamá, presidida pelo Papa Francisco; “Em virtude da dificuldade de alojamento para tantos participantes, a sinagoga judaica e a segunda maior mesquita (muçulmana)  do país ofereceram as suas instalações para receber jovens católicos presentes nas Jornadas”.
É o abraço de hoje e a meta do futuro. O verdadeiro crente não faz guerra, semeia o Amor!

23.Jan.19
Martins Júnior       

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

RELIGIÃO E RELIGIÕES: ABRAÇO OU CONTRADIÇÃO?... O ENIGMA


                                                             

Para decifrar o enigma enunciado em 19.01.19 – “De entre todas as guerras,  qual a que nunca terá fim?” – proponho alguns tópicos coadjuvantes da pretendida solução:
         1 – “Não haverá nunca paz entre as nações enquanto não houver paz entre as religiões”. O veredicto tem a assinatura do famoso teólogo alemão Hans Kung, na “Declaração de uma Ética Mundial”  que mereceu a aprovação do Parlamento Mundial das Religiões, realizado em Chicago, no ano de 1993.
         2- Falar de “paz entre as religiões” pressupõe implicitamente o impossível paradoxo de que a religião é fonte de combate ou, no limite, pode tornar-se a mãe de muitas e de todas as guerras.
3 - Não, a religião, enquanto emanação da psique humana, “ânsia de subir, cobiça de transpor” (Goethe) nunca arrastará na sua génese o vírus da desagregação nem o verme da destruição. Escreve o abalizado filósofo e teólogo Prof. Anselmo Borges: “Se Jesus e também Maomé aparecem inseridos no tempo-eixo da história, é por causa da sua continuidade com os grandes profetas de Israel, desse período, tal como Confúcio e Lao-tsé na China, Buda na Índia, Zaratustra na Pérsia, os pré-socráticos, Sócrates, Platão e os trágicos na Grécia” (Religião e Diálogo Inter-Religioso, Coimbra, 2011).
4 – E se no Homem universal e intemporal desaguam todos os rios e todos os afluentes do Transcendente inato – “O Homem é um animal naturalmente religioso” (Pascal) – então forçoso é concluir que todo o enigma reside no dilema Religião-Religiões. Serão sinónimas as duas concepções? Ou serão paralelas? Ou concorrentes? Quem sabe se entre Religião e Religiões interpor-se-á uma congénita antinomia, uma insanável contradição?   
5 – No fim da picada, urge perguntar se se deve falar de guerra da Religião ou guerras das Religiões. E, daí, interpelar Hans Kung sobre o seu veredicto de 1993.
Eis o percurso deste Oitavário da Unidade, entre 18 e 25 de Janeiro, tempo oportuno de construirmos, todos os que se dizem cristãos, a plataforma unitária destruída em 1054 no Oriente e em 1520 no Ocidente.
Este é também um tempo de descoberta!

21.Jan.19
Martins Júnior

sábado, 19 de janeiro de 2019

ADIVINHA CLARA EM TEMPOS DE CONFUSÃO: QUAL A GUERRA QUE NUNCA TERÁ FIM?


                                                   

Guerras sempre as houve. Mas terminaram: a dos 7 anos, a dos 30, a dos 100 anos…mas todas acabaram. Guerras vêm e guerras vão. Uma guerra, porém, os homens acenderam e não conseguem apagá-la: umas vezes sangrenta, outras surda e fria, para voltar de novo cruenta e brava. Produto híbrido, misto de matéria e psique, amálgama de pensamento e ignorância, de luz e cegueira intermitentes. Convénios, concílios, tratados e apelos seculares – de tudo se reveste e traveste, mas ela - a guerra - não acaba mais. “Qual é a coisa, qual é ela?”. Adivinhe quem quiser. De hoje até 25 de Janeiro, vê-la-emos desfilar pelos cinco continentes e, nos dias ímpares,  pelo Observatório breve deste “Senso&Consenso”.
         19.Jan.19
         Martins Júnior

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

OS “BREXIT” DE HOJE E OS AMANHÃS QUE CHORAM…


                                                       

Não fora o episódio rocambolesco de um grande partido, ‘partido a retalho’ na praça pública, hoje só figuraria no epicentro da Europa e do Mundo o fenómeno (que alguém já chamou “trágico”) do Brexit. São incalculáveis as repercussões que daí advirão para a economia, para o turismo, emigração e, sobretudo, para a pacificação desta “Casa Comum” que nos dada como habitação efémera. Comentadores dizem que, desde a crise do Canal Suez em 1956, este é um dos capítulos mais delicados da história da Grã-Bretanha, em risco de desintegrar-se.
O que, porém, me fez fixar o olhar neste escuro alvorecer do ano 2019 consiste numa prospecção imediata dos factores crono-ideológicos que desembocaram nesta perigosa encruzilhada. Desde os primórdios da entrada do Reino Unido no círculo de uma Europa unida, a sombra do Brexit pairou nos sombrios ares britânicos como arma de arremesso político-partidário.  Um dos marcos mais representativos aconteceu em  1975, em que perdeu o Brexit, passando mais tarde, em 1983, pela deriva de Tony Blair que advogava a saída da CEE (hoje é o maior defensor da integração) até chegarmos a David Cameron que, em 2013, por questões de supremacia partidária, comprometeu-se a realizar o dito referendo, se o seu partido conservador vencesse maioritariamente as eleições.
Que pretendo eu concluir da aproximação destes dois acontecimentos: a leviandade grosseira do líder partidário Cameron e a iminente desintegração do Reino (des)Unido e da própria Europa?
A conclusão não é de hoje nem de ontem, vem do fundo da história e da mais genuína análise filosófica: um pequeno desvio inicial leva inevitavelmente a um monstruoso desfecho final. Por outras palavras e mais directas aos factos: as decisões de um chefe – líder político, social ou religioso – assumem consequências desmedidas no futuro da sociedade que hoje dirige. Mais grave e temerário quando não é ele, o líder decisor, mas outrem quem pagará a factura de leviandades e teimosias já passadas. David Cameron decidiu, mas saiu de cena. Quem assume as consequência? Teresa May, os britânicos, os europeus, nós todos!
Poderia trazer (mas há já abundante literatura nessa matéria) casos flagrantes de regimes autocráticos, cujos chefes-ditadores mancharam de sangue e terror décadas, senão séculos, da história humana…
Permitam-me nesta breve reflexão – já que entramos na Semana do Oitavário pela Unidade das Igrejas Cristãs, de 18 a 25 de Janeiro de cada ano – permitam-me aduzir dois terramotos que abalaram séculos e crenças, protagonizados pelos Papas de Roma que arbitrariamente excomungaram dois grandes líderes religiosos – Miguel Cerulário, Patriarca de Constantinopla, que em consequência da excomunhão rompeu com o Vaticano, fundando a Igreja Ortodoxa, desde 1054 separada de Roma, até hoje. Lutero (1483-1546)  pelos mesmos motivos, erigiu o Protestantismo como religião autónoma, dando origem a centenas de religiões cristãs não católicas.
É uma vertigem inata à prepotência humana a tentação cega de dominar e manietar não só os súbditos sob a sua alçada mas até as populações vindouras, através de atitudes e leis draconianas. Compete, pois, ao cidadão comum opor-se a tamanhas leviandades de circunstância, mas de incalculáveis tragédias futuras. A luta de hoje é semente de felicidade para os habitantes do amanhã.

17.Jan.19
Martins Júnior
    


terça-feira, 15 de janeiro de 2019

QUAL É A COR DO TEU ALVORECER?


                                                                  

Em Janeiro de 2019, todas as alvoradas se juntam numa apoteose de cores. É o mês de todos os alvoreceres. Se subires ao mais alto miradouro do planeta, logo verás a explosão polícroma do fogo aos borbotões lavrando os vales e as colinas, os abismos mais profundos e as mais longínquas planuras. Parece que não é de alvorecer a paisagem, mais parece de alvoroço. Aqui, acolá, mais além – por tudo quanto é mundo – tudo fervilha e sobressalta, ora melopeia cantante, ora tumulto ululante.
É no seio pacato da natureza, é no silêncio do laboratório de investigação, é nas escolas, nos hospitais. na rua, nas praças públicas, nos parlamentos, nas sedes partidárias, nos campos de guerra. Por onde passa a mão humana, há um toque mágico de metamorfose anunciada. Até naquele estádio supranatural, no habitat do espírito, dito de outra forma, até no horto íntimo da instituição Igreja. Parece que tudo ficou fechado num estranho recanto do outro mundo para abrir-se misteriosamente na ribalta dos 600 anos da nossa história insular.
Mas todo o alvorecer tem a sua cor. Ele é de ouro para os pioneiros da investigação, conquistadores da ciência que salva. Ele é de prata para todos aqueles que sobem os silenciosos socalcos do estudo, do trabalho, do esforço quando depois alcançam a almejada meta. Ele é roxo macerado na arena do quotidiano onde a dignidade humana é espezinhada e triturada até que se transforme em sangue de vitória pelos direitos e deveres em pé de igualdade para todos.  Mas o alvorecer é de preto na abertura oficial do ano judicial, no ódio surdo das sedes partidárias onde a ganância de poder e dinheiro fabrica facas longas para exterminar irmãos da mesma família e assentar-se nas mesmas poltronas. Em França, o alvorecer é amarelo, cabeça, coletes, tronco e membros, abalando corpos e cidades.  É-o também em Londres, com um Brexit desestabilizador de nações e continentes. Mais negro, ainda, é o amanhecer para milhares, foragidos de guerra e presos depois nos espinhaços de arame farpado.
Qual é a cor do teu alvorecer?...  Do meu, do nosso?...
Porque é a alma que dá cor à paisagem do alvor. A ideia, o sonho, a meta. Será sombrio e malsão o amanhecer, se mesquinhas, peçonhentas forem as motivações do habitante da madrugada.. E será rubro, aureolado o teu alvorecer, se transparentes e magnânimos forem os teus olhos ao saudar a manhã, o dia, o ano que se te oferecem como dádiva amorosa.
  No mar convulso das motivações que por toda a parte pululam, logo ao alvoroçado romper de 2019, à minha (à nossa) mão eu peço que me ajude (que nos ajude) a pintar de luz e juventude estes velhinhos 600 anos – no Ano Novo do trabalho, da escola, da ruas, da Política e até da Igreja. Na Ilha, em Portugal, na Europa. Até onde alcançar a nossa vista!

15.Jan.19
Martins Júnior

domingo, 13 de janeiro de 2019

ASSIM ACABAM OS “TRÊS REIS” EXPULSOS DE NAZARÉ – ÚLTIMO EPISÓDIO


                                                          


Perante a expulsão dos dois “reis”, parece que o terreiro de Nazaré  se abalou  quando o “rei-momo” irrompeu cheio de raiva contra a porta do Nazareno. “O quê? – espumava baba e paranóia – esse velho com quem pensa que está falar?... Entro e entro mesmo!...  Abre já a porta… ou mando isto tudo pelos ares!
De dentro nem um pio. Entretanto, José lobrigou, por uma das frinchas do portal, o monstruoso aspecto do homem. E foi ao quarto contar à mãe-Maria e ao filho: “O intruso tem corpo de gorila, olhar de lebre ferida, a voz esgueirada parece-se com uivos de urso, o cabelo é de leão perdido, esfomeado, mas todo retorcido como arame farpado”.
Fizeram um silêncio temido, tal o batente acelerado do homem sem controlo, que desabridamente esbracejava “Quero cercar esta cidade, os continentes, a América, tudo, com um muro gigante para não entrar nenhum negro, nenhum amarelo, nenhum judeu, nenhum muçulmano, nenhum mexicano. Exijo que esse Menino saia já daí,  venha aqui deitar a bênção às minhas tropas e  água benta no meu muro de cinco mil milhões. Chamem-lhe muro da vergonha, que eu  baptizo-o como   a muralha da honra e da glória do povo americano”!
Hesitaram, transidos de medo, se dariam ou não resposta ao intruso. Num ápice, como que tocados por um raio divino, Maria, José e o Menino dirigem-se à porta, escancaram-na de par em par. Instintivamente levantam os braços, apontam o dedo para o “rei-momo” e, com veemência, protestam: “Esta não é a tua casa. Vai embora. Tu, Herodes, agora é que percebemos, não nos deixarás fugir  quando procurares o Menino para o matar. Leva esse arame do inferno, amarra-te com ele e atira-te desse muro abaixo”.
No ímpeto da contenda, Maria e José contiveram-se. Apenas (conta-nos o rabino-narrador) miraculosamente e para espanto de todos, saiu da boca do Menino este angélico apelo: Lembra-te, rei, que tudo o que fizeres (mal ou bem) a qualquer um dos mais pequeninos é a Mim mesmo que o fazes. Se escutares e agires em conformidade, então podes voltar que eu abraçar-te-ei”.
Decepção tremenda! Os “Três Reis” do Mundo, DDT, foram escorraçados do casebre de Nazaré, onde reincarnara e vivera o Menino. Não eram dignos de lá entrar. Sem que ninguém o esperasse, os três derrotados cerraram fileira, com todo o seu séquito – armas, tanques, mísseis, E diante do portal  de Nazaré, vociferaram:
- Já que não quereis receber-nos, nem os nossos presentes, vamos já rumar ao Vaticano.  Na grande basílica seremos recebidos em faustosa audiência pelo Papa.
Mas não ficaram sem resposta. A mesma voz angélica, suave, como um fio de mel caído do alto, sussurrou baixinho: “Vaidade das vaidades! Eu não estou nesse palácio real, O Vaticano não é, nunca foi, nunca será a minha casa! No entanto, se lá chegardes, escutai a voz daquele que lá está, porque ele está comigo. E ouvireis, de novo, o que vos digo: Se vos não converterdes, jamais entrareis no Meu Reino”. 
……………
Por aqui ficou o informe secreto do rabino-narrador sobre a visita dos três DDT, os “Donos Disto Tudo”. Perdeu-lhes o rasto, definitivamente. Só uma certeza lhe ficou gravada para sempre: nenhum deles foi digno de entrar no humilde casebre de Nazaré. Onde estiver o Menino não entra sombra de prepotência, desumanidade ou cinismo. Para o que o mundo saiba e os homens não esqueçam!

(A gravura é extraída do jornal “Le Monde”, ed. 10/01/19)
13.Jan.19
Martins Júnior


sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

A NOVELA DOS “TRÊS REIS”, DDT (DONOS DISTO TUDO) A NAZARÉ, 2019 (continuação) – II EPISÓDIO

                                                               

   Curvaram-se até ao chão os cinquenta escravos que suportavam aos ombros o “Rei Chino”. Ele desceu, anafado e majestoso, poisando o calçado cor-de-fogo em cima daqueles  dorsos amarelos transformados em degraus de carne humana. Curvou-se ele, também, num ângulo de noventa graus, quando apareceu à porta um homem robusto, olhos vivos, penetrantes, que se identificou como o pai do Menino. À pergunta de protocolo – “Quem sois e a que vindes”? – o “rei” prontamente atalhou:
 “Sou eu o maior do mundo, tenho sob o meu jugo biliões de escravos, sou eu que alavanco a economia do planeta. E mais, eu”…
O judeu anfitrião cortou-lhe a palavra e o passo: “Mas a que vindes, dizei”.
- Trago ali o dragão dos deuses, carregado da tapeçaria mais fina, trago ouro a rodos, feito do sangue do meu povo amado. E mais: trago duzentos escravos meus para oferecer-tos. Permite que eu veja o Menino. Ou, ao menos, vai dizer-lhe que está aqui o “Rei da China e das Arábias”.
José nem precisou de consultar mais ninguém:
- Desaparece deste terreiro. Este é um chão sagrado, onde não há opressores e oprimidos,  senhores e escravos. Aqui todos são iguais. Leva esse ouro e restitui-o aos corpos de onde os arrancaste a ferros. Volta ao teu reino, acaba com o trabalho forçado de milhões de crianças famintas, destrói a escravatura.  Depois, só depois, podes chegar até aqui, onde serás digno de entrar no meu casebre.
Discretamente, sem alarido, toda a comitiva real virou atrás e foi postar-se, envergonhada, na rectaguarda da grande parada.
De imediato, apressa-se o “Rei das Estepes”, musculado, ritmo binário no andar, vai ele mesmo à frente dos tanques cor-de-chumbo, comandante-em-chefe da embaixada russa. E antes que José fechasse a porta, puxa-o violentamente pelo braço e dispara de rajada:
- Diz a esse Menino que eu não lhe trago escravos e já deixei de ‘comer criancinhas ao pequeno almoço’. Eu sou pela revolução e pela igualdade de classes. Venho de um passado hostil aos czares e aos privilégios. A minha bandeira sempre foi o proletariado, a defesa dos indefesos, a protecção da infância e a segurança dos velhinhos. Por isso, conta lá isto ao teu Menino: Está aqui o “Rei Russo”, traz-te armamento, o nuclear, os tanques, os mísseis. Comigo estás seguro.
José tentou fechar a porta entreaberta, mas não conseguiu, porque o russo encostou a peitaça como couraça dura contra os gonzos. Tinha ainda mais uma prenda para o Menino:
- Aqui tens a oitava maravilha do mundo. Leva-a lá dentro, mostra ao Menino e à sua Mãe a minha prenda, de todas a mais poderosa. Com isto, em casa ou na rua, no céu ou na terra, ninguém fará mal ao Menino, nem a ti, nem a tua mulher.
O dono da casa abriu o pacote e ficou intrigado com o que viu lá dentro. Teve medo de tocar-lhe. É então o próprio “rei” que lhe explica: “Esta é aquela arma supersónica, a exterminadora,  que os nossos cientistas classificaram de Kinzhal, também chamada de ‘Avangarde’. Com ela, nenhum Herodes ou Pilatos ousarão meter-se convosco. Eles fogem a sete-léguas”.
 O nosso rabino, testemunha ocular de todo este movimentado espectáculo, contou aos jornalistas a repulsa de José, depois de fechar a porta, resmungando lá dentro:
- Vai-te embora. A minha casa é uma casa de paz, não é nenhum ‘bunker’ de guerra. Precisamos de pão, não de bombas de espécie alguma. Vai, destrói no gelo da Sibéria todas essas máquinas assassinas. Depois disso, só depois, volta aqui a Nazaré e traz contigo o trigo, a água, a bandeira da concórdia e da paz universal. És nosso convidado.
Foi enorme o desaire, diz o nosso rabino. O musculado ginasticado “rei”  meteu o rabo entre as pernas e foi juntar-se, lá atrás, ao “Rei Chino”.
(continua)

11.Jan.19
Martins Júnior


quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

OS “TRÊS REIS” DO DIA SEIS, SÉCULO XXI: ESBOÇO DE NOVELA EM TRÊS EPISÓDIOS


                                                   

Estranho silêncio cobriu a travessia dos “Três Reis” pelo deserto Mais denso, porém, foi o negrume impenetrável que envolveu a sua chegada a Nazaré e a recepção na casa onde estava o Menino. Durante quarenta e oito horas tinham desaparecido da banda larga noticiária os três DDT, senhorios do planeta Terra.
Dado o alarme, logo correram a Jerusalém agências, jornalistas, estações, o arsenal informativo dos quatro cantos do mundo. Em vão. Nem rasto nem pegadas nem sinal que fosse da passagem do poderoso trio peregrino. O Gabinete de Benjamin Natanyahu fechou-se, sem qualquer hipótese de contacto. Os próprios moradores também se esconderam e, pelo mexer das cortinas, viam-se lá dentro das casas vultos furtivos a espreitar as ruas desertas. Parece que, além do silêncio, um medo subterrâneo amarrava as pessoas às fechaduras das portas cerradas.
Mas que mistério e que pavor teria provocado a secreta (porque não-anunciada) visita dos três magnatas reais à pátria do reincarnado Nazareno?... Era preciso desvendar o enigma. Mas sem sucesso.
Desiludidos, os jornalistas preparavam-se para regressar aos locais de origem, quando lá ao fundo da avenida avistam um transeunte, pelo traje indiciava ser rabino, que saía da sinagoga. Caíram logo em cima do homem, tímido e de baixa estatura, bombardearam-no com perguntas em catadupa e, de tal jaez, que viu-se obrigado a chamá-los para um recinto esconso, não fosse alguém denunciá-lo à justiça judaica por desobediência à “lei da rolha”, decretada nessa manhã,
Começou assim:
“Por coincidência, juro por Deus, estava  eu lá mesmo em Nazaré, quando à distância vi aproximar-se um enorme séquito de cavalos, tanques de guerra, muitos soldados, que se dispunham no espaço em frente do carpinteiro José. O medo tolheu-me os ossos, mas lembro-me que entre os três comandantes dos  blindados levantou-se uma espécie de discussão, mas tão dura que até de longe se ouviam trocas de palavras azedas, agressivas. Porquê?... Só captei esta imprecação de rajada: “Eu é que sou o primeiro a entrar”, ao que o outro ripostava: “Não e não. Sou eu, porque sou o mais importante” e o terceiro acudia: “Mereço eu o primeiro lugar, porque venho de mais longe”.
Continuou, depois, o velho rabino, a descrição das três comitivas em parada, mais os respectivos equipamentos e ofertas ao Messias renascido.
“Um deles, o mais volumoso e arrogante, juba ruiva, virada ao contrário, ostentava cofres de dólares e o que me chamou a atenção foi um enorme dossier que parecia mais pesado que o próprio portador. Algum megaprojecto talvez, pensei… O outro ostentava diante do seu exército uma arma que, dizia ele, era o último grito da arte bélica, arma invencível, com a inscrição “Kinzhal”. Um outro, ainda, de tez asiática, fazia-se transportar num trono dourado, carregado aos ombros de cinquenta escravos chineses que entoavam canções de guerra”.
Entretanto, o “Rei Chino” antecipa-se e é o primeiro a bater à porta da casa de Nazaré”.
O que então se passou, conta-se no próximo episódio.

 09.Jan.19
Martins Júnior  

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

QUARTA-FEIRA DE CINZAS EM JANEIRO?... NUNCA!





Interminável parece a viagem dos “Três Reis” – os donos do planeta – às terras do Oriente. De como foram recebidos, ou não, na modesta casa de Nazaré, nada se sabe. O secretismo que ronda o acontecimento não augura bons sinais. Enquanto isso, retoma-se a vida nestas ocidentais paragens lusitanas.
Passada a meia-noite e repassadas as passas da sorte, voltou a prosa dos dias. Não obstante os calorosos votos de Feliz Ano Novo, tão fugazes a sair-nos da boca quão céleres a desfazer-se como as fagulhas brilhantes caídas no mar, a verdade é que o cenário mudou, apagaram-se as ampolas multicolores amarradas às árvores, finou-se a magia da cor, da avenida, da Placa Central, enfim, acabou-se o teatro do magnífico anfiteatro. A cidade emudeceu, os campos esmoreceram, as esplanadas são praias vazias. Cheios apenas os aeroportos, gente a correr, de malas aviadas, não vá a aeronave deixá-los em terra, os milhares de turistas de passagem.
Em redor da ilha, liquefez-se o imaginário anel do bolo-rei que a circundava. Agora, é a expectativa, a grande incógnita que aí vem: o regresso às aulas, a rotina do trabalho (dos que o têm) e o espinho da incerteza (dos que o não têm), a saúde e as suas oscilações, a família, numa palavra, o futuro. Alterou-se, notoriamente, o semblante dos que ontem nos sorriam e cobriam-nos de mimos e festas. Como no facebook (dizem-se amigos no tablet e desconhecem-se na rua) passamos, os transeuntes, uns pelos outros, cabisbaixos, indiferentes, por vezes hostis numa espécie de diminuta guerra-fria. Como tudo mudou em menos de uma semana!
Alongando o olhar pelos extensos continentes, poucas ou nenhumas são as amostras de sorriso franco. Como e para quem? Para os precários, toda a vida escravos por um dia? Para as vítimas do shutdown da maior potência económica? Para os náufragos resgatados  do Mediterrânio, à espera de um porto que os acolha? Somam-se os “coletes amarelos”, junta-se o arcebispo de Lion, Mons.Barbarin, sentado no banco dos réus por encobrimento. Mais além, o furor de um militar falhado a vender armas nas avenidas e nas favelas do Brasil. E o cortejo - mais caterva que desfile – continua… Por tudo isto e muito mais, a ressaca da Meia-Noite das doze passas pôs-nos na cara a máscara de uma indefinida depressão.
Afinal, parece que à Terça-Feira de Ano Novo seguiu-se uma antecipada Quarta-Feira de Cinzas. Nas ruas, nas esplanadas, no mar e em terra e, pior, no rosto das pessoas. Mas eu não estou aí. Não! Só quero ir com quem vê nestes primeiros dias do Ano Novo a grande rampa de lançamento, construída a pulso, para marcar um novo rumo ou uma nova velocidade na conquista de sonhos inacabados. Retomando o grande tiro de partida, o que é preciso é amar a vida e a ilha. E para amá- las, só há um módulo: conhecê-las. Para 2019, seja una e plena esta palavra de ordem: 600 anos depois, vamos realizar todos a Redescoberta da Ilha!
07.Jan.19
Martins Júnior       

sábado, 5 de janeiro de 2019

QUE ESTRANHA VIAGEM SERÁ ESSA?...


                                                            

         A notícia explodiu por todo o mundo. Os três reis do planeta Terra juntaram-se em assembleia secreta na periferia de um buncker lunar e acordaram à uma neste megalómano projecto revolucionário:
“As nossas embaixadas, já que as mudámos de Telavive para Jerusalém, vamos inaugura-las amanhã na capital do reino davídico de Israel” (Aprovado por unanimidade).
Vodka, champagne e chá preto selaram o pacto histórico, embora com o repúdio veemente da Sociedade das Nações.
         Entretanto, para apaziguar a celeuma dos povos, houve uma emenda ao texto e propôs-se-lhe o seguinte aditamento: “Aproveitamos a viagem e após a inauguração, subimos a Belém, passaremos à cidadezinha de Nazaré e lá encheremos de preciosos presentes a casinha do Menino. Obrigá-lo-emos a renascer nas palhinhas do Presépio”.
         Assim se disse, assim se fez!
         Organizados os preparativos, armazenadas as provisões, lá vão eles, os três mosqueteiros, donos da Terra. Atravessando a noite, ei-los a caminho, passo grave e solene, guiados pelo satélite tri-dimensional, ostentando as bandeiras de cada um dos três impérios dominadores do mundo.
         Que estranhos planos irão debatendo ao lingo da viagem?
         E como serão recebido na casa de Nazaré?
Que brindes levarão ao Menino de Belém?
………………………………
É o que saberemos no próximo episódio. Até lá, surpresas positivas surgirão. Fiquemos suspensos no meio da noite, aguardando o próximo Dia Ímpar deste Janeiro auspicioso.
Bom Ano Novo!

05.Jan.19
Martins Júnior