Aos
domingos, “O Livro” abre-se em caracteres de luxo – preciosas jóias de
literatura – que dispensam quaisquer aditamentos declarativos, tal a sua transparência,
de forma e fundo. E hoje é um desses dias de frescura intuitiva. Aos três
textos que nos são oferecidos neste III Domingo Comum, classifico-os de
tríptico perfeito, ouro maciço e duradouro. Maciço, porque intrinsecamente
compacto num entrançado homogéneo de fino quilate. Duradouro, porque vem de
tempos imemoriais, milenares, com garantia de inquebrável longevidade.
Estou
a referir-me aos três excertos bíblicos, lidos e comentados em todas as assembleias
eucarísticas. Deles não poderá o nosso Nobel José Saramago afirmar a sentença com que classifica a Bíblia;
“Quem a lê perde a fé”. Se, nalguns excertos, isso confere com a realidade, neste
caso não, Aqui trata-se de uma progressão qualitativa no percurso social,
intelectual e existencial de qualquer ser humano em viagem.
Vejamos,
em síntese:
-
“Não choreis nem vos entristeçais, ide felizes para vossas casa e preparai
uma refeição suculenta, bebei vinho doce. Partilhai também com os que não têm. E
deixai fora esse pranto, porque a alegria do Senhor é a vossa fortaleza”. Assim
falava o presidente da assembleia ao povo reunido na sinagoga, o qual, ao ouvir ler os normativos do “Livro da Lei”,
enchia-se de pânico e desatava em lágrimas de compungida contrição no santuário
judaico. Vale a pena cotejar o “Livro de Neemias” ((8, 2-10), para descobrirmos, enfim, que a espiritualidade genuína
não está na encenação gestual, seja das bagatelas pias, seja da teatralidade
ritual, A eficácia do verdadeiro culto traduz-se num saldo final, em que a
alegria e a fortaleza começam no espírito e reflectem-se positivamente no
corpo. Tudo o mais não passa de morbidez acumulada, complexos doentios
injectados nas veias de crentes sem critérios.
Esta
osmose da felicidade embutida entre espírito e matéria pressupõe o culto do
corpo, sobretudo na sua dimensão social. É Paulo de Tarso, o fogoso Saulo de
outrora, quem o escreve: “Somos muitos membros, mas um só e único Corpo, todos
os membros são nobres, todos necessários,
interdependentes e todos orientados para o bem comum… O olho não pode
dizer à mão ‘não preciso de ti’, nem a boca pode dizer aos pés ‘não preciso de
vós’… E até os membros que parecem mais fracos são esses os mais necessários…
Se um membro sofre, é o corpo todo que sofre com ele”. Constitui uma magistral
peça de pedagogia e anatomia metafórica o texto da Carta I Cor.12, 12-30. Ouro puro e
duradouro! Se as sociedades, seja qual a sua dimensão, (sobretudo a elite
governante) usassem do mesmo critério, não haveria mais “Jamaicas”, nem mais greves,
nem mais prisões, nem mais paióis de
material bélico…
Finalmente, a liga que funde num só tríptico este
alto-relevo maciço e inquebrável vem eloquentemente tecida no texto de Lucas, 1, 1-14: “Cumpriu-se hoje mesmo,
aqui, o que estava predito acerca de Mim:
‘Eu vim para anunciar a boa nova (um mundo novo) aos pobres, proclamar a
libertação dos cativos, restituir a vista aos cegos e a liberdade aos oprimidos”!
Perdure,
ao longo da semana, diante dos nossos
olhos este guião seguro que dirigiu gerações e projectou luz nos caminhos idos
e na estradas a haver. Por aí é que acertaremos os nossos passos.
27.Jan.19
Martins Júnior
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