domingo, 13 de janeiro de 2019

ASSIM ACABAM OS “TRÊS REIS” EXPULSOS DE NAZARÉ – ÚLTIMO EPISÓDIO


                                                          


Perante a expulsão dos dois “reis”, parece que o terreiro de Nazaré  se abalou  quando o “rei-momo” irrompeu cheio de raiva contra a porta do Nazareno. “O quê? – espumava baba e paranóia – esse velho com quem pensa que está falar?... Entro e entro mesmo!...  Abre já a porta… ou mando isto tudo pelos ares!
De dentro nem um pio. Entretanto, José lobrigou, por uma das frinchas do portal, o monstruoso aspecto do homem. E foi ao quarto contar à mãe-Maria e ao filho: “O intruso tem corpo de gorila, olhar de lebre ferida, a voz esgueirada parece-se com uivos de urso, o cabelo é de leão perdido, esfomeado, mas todo retorcido como arame farpado”.
Fizeram um silêncio temido, tal o batente acelerado do homem sem controlo, que desabridamente esbracejava “Quero cercar esta cidade, os continentes, a América, tudo, com um muro gigante para não entrar nenhum negro, nenhum amarelo, nenhum judeu, nenhum muçulmano, nenhum mexicano. Exijo que esse Menino saia já daí,  venha aqui deitar a bênção às minhas tropas e  água benta no meu muro de cinco mil milhões. Chamem-lhe muro da vergonha, que eu  baptizo-o como   a muralha da honra e da glória do povo americano”!
Hesitaram, transidos de medo, se dariam ou não resposta ao intruso. Num ápice, como que tocados por um raio divino, Maria, José e o Menino dirigem-se à porta, escancaram-na de par em par. Instintivamente levantam os braços, apontam o dedo para o “rei-momo” e, com veemência, protestam: “Esta não é a tua casa. Vai embora. Tu, Herodes, agora é que percebemos, não nos deixarás fugir  quando procurares o Menino para o matar. Leva esse arame do inferno, amarra-te com ele e atira-te desse muro abaixo”.
No ímpeto da contenda, Maria e José contiveram-se. Apenas (conta-nos o rabino-narrador) miraculosamente e para espanto de todos, saiu da boca do Menino este angélico apelo: Lembra-te, rei, que tudo o que fizeres (mal ou bem) a qualquer um dos mais pequeninos é a Mim mesmo que o fazes. Se escutares e agires em conformidade, então podes voltar que eu abraçar-te-ei”.
Decepção tremenda! Os “Três Reis” do Mundo, DDT, foram escorraçados do casebre de Nazaré, onde reincarnara e vivera o Menino. Não eram dignos de lá entrar. Sem que ninguém o esperasse, os três derrotados cerraram fileira, com todo o seu séquito – armas, tanques, mísseis, E diante do portal  de Nazaré, vociferaram:
- Já que não quereis receber-nos, nem os nossos presentes, vamos já rumar ao Vaticano.  Na grande basílica seremos recebidos em faustosa audiência pelo Papa.
Mas não ficaram sem resposta. A mesma voz angélica, suave, como um fio de mel caído do alto, sussurrou baixinho: “Vaidade das vaidades! Eu não estou nesse palácio real, O Vaticano não é, nunca foi, nunca será a minha casa! No entanto, se lá chegardes, escutai a voz daquele que lá está, porque ele está comigo. E ouvireis, de novo, o que vos digo: Se vos não converterdes, jamais entrareis no Meu Reino”. 
……………
Por aqui ficou o informe secreto do rabino-narrador sobre a visita dos três DDT, os “Donos Disto Tudo”. Perdeu-lhes o rasto, definitivamente. Só uma certeza lhe ficou gravada para sempre: nenhum deles foi digno de entrar no humilde casebre de Nazaré. Onde estiver o Menino não entra sombra de prepotência, desumanidade ou cinismo. Para o que o mundo saiba e os homens não esqueçam!

(A gravura é extraída do jornal “Le Monde”, ed. 10/01/19)
13.Jan.19
Martins Júnior


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