Perante
a expulsão dos dois “reis”, parece que o terreiro de Nazaré se abalou
quando o “rei-momo” irrompeu cheio de raiva contra a porta do Nazareno.
“O quê? – espumava baba e paranóia – esse velho com quem pensa que está
falar?... Entro e entro mesmo!... Abre
já a porta… ou mando isto tudo pelos ares!
De
dentro nem um pio. Entretanto, José lobrigou, por uma das frinchas do portal, o
monstruoso aspecto do homem. E foi ao quarto contar à mãe-Maria e ao filho: “O
intruso tem corpo de gorila, olhar de lebre ferida, a voz esgueirada parece-se
com uivos de urso, o cabelo é de leão perdido, esfomeado, mas todo retorcido
como arame farpado”.
Fizeram
um silêncio temido, tal o batente acelerado do homem sem controlo, que
desabridamente esbracejava “Quero cercar esta cidade, os continentes, a
América, tudo, com um muro gigante para não entrar nenhum negro, nenhum
amarelo, nenhum judeu, nenhum muçulmano, nenhum mexicano. Exijo que esse Menino
saia já daí, venha aqui deitar a bênção
às minhas tropas e água benta no meu
muro de cinco mil milhões. Chamem-lhe muro da vergonha, que eu baptizo-o como a muralha da honra e da glória do povo
americano”!
Hesitaram,
transidos de medo, se dariam ou não resposta ao intruso. Num ápice, como que
tocados por um raio divino, Maria, José e o Menino dirigem-se à porta,
escancaram-na de par em par. Instintivamente levantam os braços, apontam o dedo
para o “rei-momo” e, com veemência, protestam: “Esta não é a tua casa. Vai
embora. Tu, Herodes, agora é que percebemos, não nos deixarás fugir quando procurares o Menino para o matar. Leva
esse arame do inferno, amarra-te com ele e atira-te desse muro abaixo”.
No
ímpeto da contenda, Maria e José contiveram-se. Apenas (conta-nos o
rabino-narrador) miraculosamente e para espanto de todos, saiu da boca do
Menino este angélico apelo: Lembra-te, rei, que tudo o que fizeres (mal ou bem)
a qualquer um dos mais pequeninos é a Mim mesmo que o fazes. Se escutares e
agires em conformidade, então podes voltar que eu abraçar-te-ei”.
Decepção
tremenda! Os “Três Reis” do Mundo, DDT, foram escorraçados do casebre de
Nazaré, onde reincarnara e vivera o Menino. Não eram dignos de lá entrar. Sem
que ninguém o esperasse, os três derrotados cerraram fileira, com todo o seu
séquito – armas, tanques, mísseis, E diante do portal de Nazaré, vociferaram:
-
Já que não quereis receber-nos, nem os nossos presentes, vamos já rumar ao
Vaticano. Na grande basílica seremos
recebidos em faustosa audiência pelo Papa.
Mas
não ficaram sem resposta. A mesma voz angélica, suave, como um fio de mel caído
do alto, sussurrou baixinho: “Vaidade das vaidades! Eu não estou nesse palácio
real, O Vaticano não é, nunca foi, nunca será a minha casa! No entanto, se lá
chegardes, escutai a voz daquele que lá está, porque ele está comigo. E
ouvireis, de novo, o que vos digo: Se vos não converterdes, jamais entrareis no
Meu Reino”.
……………
Por
aqui ficou o informe secreto do rabino-narrador sobre a visita dos três DDT, os
“Donos Disto Tudo”. Perdeu-lhes o rasto, definitivamente. Só uma certeza lhe
ficou gravada para sempre: nenhum deles foi digno de entrar no humilde casebre
de Nazaré. Onde estiver o Menino não entra sombra de prepotência, desumanidade
ou cinismo. Para o que o mundo saiba e os homens não esqueçam!
(A gravura é extraída do jornal “Le Monde”, ed. 10/01/19)
13.Jan.19
Martins Júnior
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