terça-feira, 31 de julho de 2018

24 PADRES ASSASSINADOS “PELA” DROGA – I.


                                                      

Na conjugação dos dias, como na constelação das cores, o contraste assenta bem e ajuda à plena compreensão do todo. É na crista da onda contrastante que vou atravessar a passagem de nível entre o último ímpar de Julho e primeiro ímpar de Agosto.
Por hoje, quem quiser acompanhar-me no salto inter-mensual debruçar-se-á sobre a  multiforme paisagem estival,  em que tudo é cor, é chama e é vida. Tudo  é verde e  rubro, tudo quente e amor que até “arde sem se ver”. Todas as praias são douradas e todas as baías são azuis. O corpo queima - mas a alma, essa solta-se de rompante, voa mais alto  e nidifica lá onde a leva o sonho maior. Quando a mãe-natura não consegue dar-lhe do seio original o leite inspirador, há quem procure nas volutas inebriantes das fracções do ópio anónimo o GPS delirante de nirvanas por achar. E tudo é festa, apoteose, triunfo total.
A mesma tonalidade despregada e os mesmos acordes de arraial enchem os adros e os templos: o ze-povo pica e salta para o ar, a alma reza ajoelhada e as mesmas volutas de incenso oriental embalam os corações sensíveis, alguns talvez em místicos espasmos. A Igreja portuguesa, essa então  neste verão transcende o povo básico e veste-se de gala, põe barrete escarlate na testa e anel no dedo. E lá vai ela, airosa e  principesca, rasgando bênçãos arrancadas ao báculo de outo breve. É alegria, apoteose e festa, é o triunfo erguido aos céus.
Pronto. E aí temos a aguarela apolínea entre Julho e Agosto!
Mas falta-lhe o contraste. Está naquela notícia seca  do jornal Le Monde: “No México, 24 padres assassinados ‘pela’ droga”.
O quadro aí está pintado a duas ou quatro mãos. Entende-se o que é droga, percebe-se a paranóia ‘bacana’ dos rasgos arraialescos, vê-se a opulência das dignidades sacras e subentende-se o que significa ser assassinado. Falta saber e interpretar as comas que ornamentam a preposição e artigo ‘pela’. Mas deixemos para amanhã, que é também dia ímpar.

31-Jul.18
Martins Júnior  

         

domingo, 29 de julho de 2018

“TODOS OS ELOGIOS FÚNEBRES SÃO RIDÍCULOS”


                                                         

Bora, bora, no meio de tanta festa – e da grossa – vir tocar a finados com essa dos elogios fúnebres! É o que dirá toda a gente que, porventura, deixar cair os olhos neste título. Para cúmulo, peguei na frase e apertei-a entre comas, levado pelo humor de Fernando Pessoa quando escreveu que “Todas as cartas de amor são ridículas”.
Mas esclareço o porquê desta minha opção em tempo de folguedo geral. É que não queria ver passar este mês de Julho, tão evocativo de factos e personalidades, sem deixar um sublinhado, mesmo breve, sobre os rituais e protocolos da praxe exequial. Badalados foram os 100 anos de Mandela, lamentado foi o passamento dos dois pioneiros do Serviço Nacional de Saúde,  António Arnaut e João Semedo, entre outras muitas figuras da ribalta pública. Chega então a hora da brigada dos microfones reumáticos, chorosos, a pedir depoimento a um, comentário a outro, notas biográficas àqueloutro, quase sempre junto da urna ou à saída da basílica. Mais impressiva, porém, e enfadonha é a “oração de sapiência”  (há quem lhe chame elegia e elogio fúnebre ou até panegírico) em cima do morto.
Coube-me também a rifa de assistir nesta semana a uma dessas paradas fúnebres., realizada numa das igrejas desta Região. E lá subiram ao púlpito os profissionais da palavra obrigatória. Começam a desfiar, fibra a fibra, dobra a dobra, a vida do protagonista, ali cego, surdo e mudo. Depois vêm os textos de escritores, os costumeiros do regime, se possível uma criancinha que nem conheceu o dito cujo. Palavras arrumadas, empacotadas ao milímetro, embalsamadas, tudo em cima do defunto que,  não o notámos, mas deve ter dado umas boas voltas dentro do caixão, talvez repetindo o velho fado coimbrão: “Quando eu morrer, rosas brancas/ Para mim ninguém as corte/ Quem as não teve na vida/ De que lhe servem na morte”.
                                               

É aqui que situo a razão do ridículo, colado e envernizado em todos esses cerimoniais. Quem procurou cumprir o seu estatuto existencial dispensa os discursos opulentos. A militância sofrida com que aceitaram os combates da vida é a mesma com que rejeitam o palavreado dos baús funerários, a que chamam elogios. “Deixem-me em paz,” dirão os inquilinos da urna. E alguns até perguntarão: “Onde estavas tu, galante falante, quando eu, em vida, precisei do teu apoio”? Também os padres da Inquisição cantavam ofícios sagrados àquele que tinham condenado  à fogueira…
O maior elogio que se lhe pode fazer – e o único que o conforta – consiste em mobilizar os vivos a que peguem aos ombros o espólio virtuoso do defunto e o levem mais além, seja onde for, para dar continuidade ao seu ideário e à sua luta. Tudo o que se fizer – palavra, canto ou silêncio – para arrastar o auditório  na onda construtiva do homenageado constitui o maior poema épico na hora final  da despedida. As baforadas de incenso extinguem-se antes até de extinguir-se o corpo. O nosso propósito e a nossa acção é que perpetuarão a memória dos que “da lei da morte se vão libertando”.
  Para confirmar a lógica desta opção, acabo de ler em El País um título que sintetiza tudo quanto quero dizer: “É esta a hora crucial do Papa Francisco: o êxito das suas reformas determinará o legado do Pontífice”. E eu acrescento: De nada lhe serve ser herói, sábio, santo, pioneiro, cavaleiro andante vitorioso e ‘superstar’ se a sua obra – melhor, a sua luta - ficar com ele no mesmo caixão!
                                                  

Pela minha parte, Mandela, Arnaut, Semedo, podeis contar comigo para que seja digna e universal a condição humana e para que essa dignidade comece pela saúde global. Não tenho palavras, quero oferecer-vos acção!

29.Jul.18
Martins Júnior    

sexta-feira, 27 de julho de 2018

O POVO “AUSENTE” E “AFASTADO” DA SUA FESTA…


                                                   
       
Que mais resta da Madeira neste intermezzo trópico de Julho a Agosto? Jardim de flores, não, porque as crestou a canícula de estio. Mar e praia, serra e sombra, talvez só para aqueles que  da lei da estouro se vão libertando. Que resta então?
Hoje por hoje e por todos os poros, a ilha é a caixa de Pandora de todos os metais, a grafonola gigante de todos os acordes. Talvez a compare ao  “barco do amor” vagante ou, com maior propriedade, será ela o novo Titanic em cujo bojo, do convés a todos os salões, orquestras de néon destilam bombadas de espuma etílica com ‘alzheimer´ à mistura.
Experimentem desenhar um pequeno poliedro e ponham em cada face  uma vila, uma cidade, uma aldeia deste basalto de 600 anos. E logo ficará cheio, a rebentar pelas costuras: são os medonhos decibéis, são os campanudos percussores, são as caldeiradas-peixeiradas do bacalhau da outra, são as lagartixas de plástico a secar por entre a cruz das caravelas, são sempre, quase sempre os notáveis importados de aquém e além fronteiras, alguns até tatuados de ‘summer opening’ para estrangeirar o burgo. Há as anafadas sessões de gastro regional com salpicos de moscas parideiras e  ainda o incenso das novenas, os anjinhos da procissão e os foguetes, ai o fogo sagrado que não pode faltar  para acabar de atordoar os neurónios de populações escassas de amor e carentes de pão.
Desenhado e embutido o poliedro com tanta algazarra sem freio, pergunto ao seu autor: E o Povo, onde me dá aí um sinal de Povo?  Onde me aponta  o traço criador do Povo, senhor da sua terra e da sua festa? Que credenciais ou mesmo modesto distintivo da idiossincrasia daquela gente que paga a festa e oferece a sua ‘sala nobre’ para quem vem de fora?
Fica a pergunta – um ligeiro drone sobrevoando a ruidosa ilha à procura de resposta. Que nunca virá, talvez… A paranóia dos arraiais está feita para despersonalizar a alma genuína das gentes locais. Sob a pílula de um dourado desanuviamento, ficam as populações longe do núcleo gerador  da sua festa – a estratégica oportunidade (essa, sim, de ouro puro) para mostrar as virtualidades endémicas, a sua sensibilidade original através da sua poesia, da sua dança e da sua música. Em muitos casos, as festas mais se parecem com os rituais de corpo presente e alma ausente.
Por mim, dava tudo ou quase tudo para ver o Povo ocupando, de direito e de facto, a centralidade das suas festas!
Enquanto isso, vou trauteando a canção que por aqui continuamos a cantar:                                  
                            Na festa que o Povo organiza
                            Há mais alegria e verdade
                            Por isso trazemos a estrela
                            A estrela da felicidade”
27.Jul.18
Martins Júnior  

quarta-feira, 25 de julho de 2018

NÃO TEM FIM A MATRIZ DA “FESTA QUE ALIMENTA”


                                                         

A frescura louçã das cantigas do Povo na sua festa fazem eco nos muros centenares do nosso vale e durante toda a semana emergem perfumes e cadências inesquecíveis no coração de todos quantos intensamente a viveram.
SENSO&CONSENSO acerta o passo ao ritmo dessas canções nascidas – letra, música e coreografia – de dentro da terra, das vivências e ressonâncias que perduram para além dos três dias da festa. Precisamente porque reflectem o pulsar genuíno e puro do Povo que as cantou. Por isso, em época de descompressão arterial, como é o tempo ferial, transcrevo algumas dessas quadras que encheram de simbolismo e transparência a nossa “Festa do Pão”, no palco aberto da Ribeira Seca.

“Sobre a terra Deus abriu       
 A mesa da Eucaristia
Viva viva a boa graça                                Pão nosso de cada dia
Que se come em cada dia                         Amassado de amargura
                                                                  Também nasce da levada
                                                                  Vem da nascente mais pura

Cantar na Ribeira Seca
É tradição bem antiga
Torna terra mais bonita                                Pão da terra que Deus cria
Faz a gente mais amiga”                              Para a nossa refeição
                                                                      Hoje é vida e alegria
Pra quem vive em comunhão

25.Jul.18
Martins Júnior          

segunda-feira, 23 de julho de 2018

A FESTA QUE ALIMENTA E FAZ CRESCER


                                               
         
Em tempo de diversão e contentamento,  não olvidamos a dinâmica do metabolismo global do composto humano que tudo assimila e converte em energia e crescimento. É neste círculo transformativo que interpreto as festas de verão, concretamente aquela que tornou ímpar este fim-de-semana na Ribeira Seca.
Inspirada  no Pão e a que a tradição costuma definir a “Festa do Senhor”, viu e sentiu quem ali passou que todo o programa apresentou-se como uma ementa diversificada, em cuja mesa tudo convergia para alimentar o corpo e o espírito. Com o verde moço e inebriante das ornamentações do templo e do recinto das festas, foi o Rev. Padre José Luís Rodrigues, orador da solene comemoração eucarística, quem definiu a essência de todo o cenário humano e telúrico ali presente: “oásis de paz, mas de uma paz dinâmica, uma paz militante” que nos leva a agir para transformar e sublimar o mundo à nossa volta.
                                                   

Por isso, dedico esta página para tecer a maior expressão do nosso reconhecimento:
- Aos concelebrantes Pes. Tavares Figueira e José Luis Rodrigues.
- Aos grupos locais de jovens e adultos dos seis “sítios” que abrilhantaram o palco com dançares e cantares originais.
- À Banda Municipal de Machico.
- Ao Grupo de folclore de Santa Rita.
- Ao Álvaro Florença e respectivos acompanhantes.
- Aos “Amigos da Música” que são também Amigos da Ribeira Seca.
- Ao Duarte Rebolo e seu conjunto “Ao Akaso”.
- Aos cordofones (braguinhas) da Ribeira Seca e aos professores Nuno Mendonça, Sandra Gouveia e Teresa Perestrelo.
- Ao representante da Comunidade Madeirense na Austrália, José Manuel de Gois e sua esposa Maria da Conceição Viveiros, filhos desta terra, que ofereceram esta festa aos seus conterrâneos da Ribeira Seca.
- A todos os colaboradores anónimos.
- À especial e amada população da Ribeira Seca e aos numerosos forasteiros que marcaram presença entre nós, na Festa do Senhor, a Festa que alimenta:

                                       “Viva o Pão que a gente ganha
                            Com o suor do nosso rosto
                            Ele hoje é o rei da Festa
                            Cantamos com todo o gosto”.
                                     
                                             
       


21-23.Jul.18
Martins Júnior
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quinta-feira, 19 de julho de 2018

NASCIDAS NO MESMO BERÇO, IRMANADAS NA MESMA TUMBA!


  

Na semana das homenagens às ditas grandes personalidades,
No términus das preocupações e prazeres  que marcam os preparativos  para a Festa do Pão e da Vida no templo da Ribeira Seca,
Eis que outro insólito acontecimento povoa todo o ar que respiro e penetra no mais íntimo de mim mesmo: amanhã, 15 horas finadas, estarão à minha frente duas ‘estátuas jacentes’, à espera que eu accione a singular chave de ignição daquele funéreo transporte que as levará ao apartamento final. Duas trabalhadoras, duas procriadoras, duas mártires da máquina avara que fabrica o pão amassado com sangue suor e lágrimas.  E o amargo insólito é que ambas são irmãs, ambas octogenárias, nascidas do mesmo berço, irmanadas na mesma sepultura. Uma delas, radicada em Machico; a outra, ‘emigrada’ na Camacha. A precária saúde entendeu voltar a uni-las na mesma casa materno-paterna da ruralidade machiquense. Sei que não será fácil conter a emoção fatídica   das  15 horas.
Resta-me o conforto de saber que ali  cumpriu-se um Mandato.
Ali, amanhã, à minha e nossa frente, mais que homenagem, haverá o facho luminoso da Vida transmitido de mão em mão pela mensagem viva das duas irmãs. E voltará a ser Festa do Pão e da Vida!

19.Jun.i8
Martins Júnior

terça-feira, 17 de julho de 2018

PRESENÇA DE CARACAS EM TERRAS DE MACHICO


                                                         

Homenagem, homenagem – é a designação genérica que se dá a estas manifestações. Mas o que se passou no Piquinho, em Machico, foi muito mais do que homenagem. Foi uma verdadeira agapé, na sua etimologia original: uma ceia em família em redor da mesma mesa, a mesa da saudade. O Padre Alexandre Mendonça reencontrou-se na Madeira e em Machico com os seus paroquianos emigrados em Caracas. Com efeito, o templo de São José, no Piquinho (onde radica em linha colateral o seu parentesco) encheu-se de amigos luso-venezuelanos, aqueles mesmos com quem conviveu ou ainda convive em terras de Simão Bolívar. Sintomática e eloquente a coincidência do grupo coral repercutindo as canções entoadas na igreja de Nossa Senhora de Fátima e do Coromoto, em Caracas.
Achei dever meu, por imperativo de gratidão, associar-me, anónimo entre a multidão, a esse preito de justiça para com o Padre Alexandre. Agradeci-lhe todas as provas de gentileza e apreço que me dedicou, aquando da minha visita aos emigrados na Venezuela, fornecendo-me preciosas informações, carro e motorista e, ainda, a hipótese de visitar o “seu” Barrio de São Bernardino.
Desde então, passei a admirar a acção pedagógica do dedicado capelão das comunidades aí residentes, tanto os autóctones como os portugueses, a preocupação com as obras sociais, de que se destaca o ancianato nas instalações do templo. No Padre Alexandre falava mais alto a acção do que a pregação. Acudia-me sempre à memória o velho aforismo oriental que diz assim: “Mais importante que amaldiçoar as trevas é acender uma candeia no meio da escuridão”. Neste âmbito, sempre lhe admirei a forma  como se referia  à sua segunda pátria-mãe, a Venezuela, mesmo em épocas controversas, justamente a transição entre os regimes de Rafael Caldeira e a eleição de Hugo Chaves. Olhava os destinos do ‘seu’ país com esperança e optimismo. E, apesar das mesmas nuvens negras que cobrem actualmente aquele país, não se esbateu de vez um lampejo de melhores dias.
Em nota de roda-pé, surpreenderam-me alguns imprevistos da cerimónia, entre os quais ver o presidente do GR subir os degraus do altar, dirigir-se ao ambão da liturgia didáctica e aí usar da palavra diante de toda a assembleia cristã. Confesso que só uma vez presenciei tal cena na inauguração de uma igreja na Madeira, na década de 90 do século passado.
O mesmo pendor de aproveitamento político reflectiram-no as reportagens da imprensa regional, em que 90% dos textos transcrevem o discurso político, ficando na penumbra dos bastidores a mensagem sentida do Padre Alexandre, um testemunho de humanismo e espiritualidade, magnificamente expresso no simbolismo da estola que trazia aos ombros. Mais especioso, para não dizer mórbido, foi aquele mísero apetite de encontrar quezílias e arrufos nas cadeiras vazias entre ‘personalidades’ presentes. Não são apenas os jornalistas que temos, são os jornais que a ilha fabrica…
Grande, impoluto e limpo de ideais – assim ficará sempre o Padre Alexandre Mendonça, tal como ontem no 30º aniversário da sua Ordenação Sacerdotal. GRACIAS!

17.Jul.18
Martins Júnior

domingo, 15 de julho de 2018

“OS TEMPLOS DO REI” QUE AINDA PERDURAM…


                                                       
 
Todo o dia de domingo andou comigo Amós, o pastor de gado da serra. Com ele andou também dentro de mim Amazias, o Sumo-Sacerdote que, traduzido para os tempos de hoje, designar-se-ia o bispo, o arcebispo, o cardeal. Todo o dia, vi-os a discutir no Templo de Betel:
- Sai já daqui, desaparece. Vai lá pregar para a tua terra, mas aqui não. Este santuário pertence ao rei, este é o templo oficial da religião do reino.  (Amós, 7, 12-13).
Amazias, o ministro da religião do rei, do governador, do presidente. Destes recebera dotações, títulos, igrejas, casas. Tinha, pois,  de diabolizar o pequeno profeta, pastor da montanha, tocado pelo palpite radical de falar ao povo, denunciar as injustiças do rei e a deterioração do reino. E, por isso, Amós foi escorraçado.
         Padre António Vieira foi expulso de Portugal por denunciar os abusos da coroa. Dedicou-se à libertação dos escravos índios no nordeste brasileiro. O bispo do Porto, António Ferreira Gomes foi escorraçado do seu país por defender os camponeses explorados do Minho pelo regime salazarista. A Igreja oficial do cardeal Cerejeira manteve-se cobardemente calada. No antigo regime, por força da Concordata, ninguém podia ascender ao posto de bispo sem a assinatura do governo. Assim, ainda hoje nos regimes de ditadura, como na China e  na Rússia.
         Na Madeira, o governo construiu igrejas, que portavam-se como “templos do rei”, administrados pelos secretários regionais dos assuntos religiosos, os bispos, os quais punham e depunham, às ordens do poder político. Caso insólito, o de uma pequena parcela rural, Ribeira Seca,  ocupada pelas forças do regime regional que, em 1985, pretendia tomar conta da igreja local. Não conseguiu, porque aquele não era “templo do rei” – era e é do Povo.
         Amazias, Sumo Sacerdote do templo de Betel e seus descendentes  existem a granel por esse mundo fora. Aqui, também. Mas, na mesma medida, pululam os pastores de gado, os Amós,  nimbados pela inspiração inabalável de libertar o Povo. E esses vencerão. Porque diz Paulo: Posso estar em cadeias, mas a Verdade é que não pode ficar encadeada.
         Por isso, junto hoje a minha voz à de todos aqueles que sabem quanto custou a liberdade.

         15.Jul.18
         Martins Júnior
          


sexta-feira, 13 de julho de 2018

A REDE, A CANA E O PEIXE…


                                                     

Neste fecho de uma semana de tarefas curriculares – as que  dividem o tempo e nos dividem a nós próprios -  a Madeira conheceu um outro olhar sobre problemas locais, uma tentativa de visão holística da realidade social, mais abrangente e unívoca. Por outras palavras, fomos convocados para a interpretação estrutural, não apenas casuística e conjuntural, do fenómeno da pobreza. É o que mais falta faz: pegar os casos pela raiz, fazer-lhes o diagnóstico global e, daí, partir para a erradicação das causas nucleares.
Foi isto precisamente o que o presidente da “Rede Europeia Anti-Pobreza”, Padre Agostinho Jardim Moreira, veio trazer à Madeira. Habituados que estamos a fornecer ou a receber mezinhas para cancros virais das sociedades, contentamo-nos com políticas assistenciais de paliativos continuados. Esquecemo-nos da tal visão estrutural do nosso tempo e até chegamos ao cúmulo de diabolizar quem propõe linhas seguras para detectar e debelar o mal pela raiz. Assim aconteceu ao presidente da “Rede Europeia” que só agora conseguiu que a Europa entrasse na ilha, não obstante as armadilhadas falésias que a rodeiam e que o rodearam.
Para além de eventuais créditos que passa alcançar, o maior êxito da iniciativa consiste na identificação da mentalidade madeirense com o pensamento de Jacques Delors, desde 1991. Não basta dar aos pobres um bodo circunstancial e efémero que os amarra à vitalícia condição de pedintes. A “Rede Europeia” investiga as causas e os efeitos da pobreza e, em vez de matar a fome do dia, fornece as ferramentas e os ingredientes de uma autonomia sustentável e digna. Sempre o mesmo inapelável veredicto: a maior glória do criador é a autonomia da criatura a quem deu o ser!
Não serei injusto se disser que muitas instituições, ditas sociais, não passam de máquinas de fabricar pedintes, hoje os pais, amanhã os filhos e os netos, em proporções galopantes. Parece que reina por aí fora uma  atávica vocação para o masoquismo geracional, sem nunca ver-se o clarão libertador ao fim do túnel.
Ao saudar a iniciativa da “Rede Europeia”, antevejo-lhe um trabalho árduo e persistente, face aos poderes governativos, pois que investigar as causas da pobreza significa entrar no secreto labirinto das políticas vigentes. Por outro lado, não serão precisas lentes astronómicas para descobrir as enguias do poder político, cioso e calculista, em infiltrar-se na rede, mordendo-lhe o isco e recolhendo os despojos. À custa da pobreza alheia!...
Com as minhas congratulações ao presidente e colaboradores da “Rede Europeia”, espero dias melhores no combate às assimetrias sociais que ainda grassam na ilha!

13.Jul.18
Martins Júnior
     

quarta-feira, 11 de julho de 2018

DAS GRUTAS TAILANDESAS ÀS LEVADAS MADEIRENSES


                                                   

Embarcados já na jangada livre que dá pelo nome da britânica silly season, instintivamente desligamo-nos das árduas tarefas do quotidiano exame judicativo dos factos circundantes. No entanto, não podemos passar ao largo daquela labiríntica gruta tailandesa sem lhe deixar nas paredes pré-históricas alguns traços da sinalética  humana que a todos nos toca.
O primeiro toque a entrar no meu subconsciente é a homenagem que intimamente sinto crescer dentro de mim por todos aqueles e aquelas – professores, educadores, animadores sociais – que ganham  coragem para acompanhar grupos de jovens e crianças em digressões lúdico-culturais por esse país fora. Quem já passou por aí, sabe a soma de fadigas, preocupações e até sobressaltos supervenientes, alguns de todo inimagináveis na programação cuidadosamente elaborada. Se não fora um mandato interior de quase-missão e amor à causa dos mais jovens, dir-se-ia uma insensata falta de bom gosto e bom senso sacrificar um merecido tempo de férias  em troca da constante vigilância, supervisão e atendimento a cada caso, isto é, a cada elemento do grupo. Daí, a minha homenagem.
O segundo aviso (válido para todos os percursos e todas circunstâncias da vida) é o cálculo do risco. Sem querer entrar em terreno tão perigoso como o das cavernas de Chiang Rai,   não estarei fora da linha do horizonte  lógico se disser que em grande parte dos casos, é o aventureirismo “que comanda as vidas”, os trilhos, as caminhadas, como mês-por-mês se tem registado nas levadas da Madeira. Percursos sinuosos e abissais estão proficientemente assinalados e, no entanto, os ‘estranjas’, muitos deles na terceira idade, atiram-se “de olhos fechados” para as funduras mais inóspitas. E assim como a mítica Tailândia ficou negativamente marcada nos mapas turísticos, assim a Madeira sai enlameada destes episódios fatídicos ao longo das levadas. Culpam-se os governos, as autarquias, os organismos oficiais, quando afinal o que faz e fez falta é o cálculo do risco. Por isso que. aliada à homenagem descrita no parágrafo anterior, recomenda-se aos guias-professores um rigoroso estudo do meio e do risco para o bom sucesso das excursões pedestres.
Um terceiro e não menos importante sinalizador encontrei-o num artigo da imprensa local, que insolentemente pretendia provar  a existência de Deus por ter salvo os 11 adolescentes e o respectivo treinador. Classifiquei de insolente a pretensão. Direi mesmo blasfema e lesa-divindade !... a não ser que me respondam a este dilema: Deus existe, porque estes se salvaram. E Deus, onde é que Ele estava e onde é que Ele existe quando deixou morrer um heróico e experiente mergulhador, já aposentado,  que se voluntariou  para ajudar o grupo?...Seguindo a mesma lógica, esta morte provaria a inexistência de Deus. Não se chame nem se invoque em vão o Seu nome É esta mentalidade atávica que origina psicoses doentias e provoca o retrocesso civilizacional nos povos.
Quem operou a salvação dos jovens foi o Ser Humano, o seu  inquebrável denodo, a sua generosidade,  o amor à Vida – à sua e à dos jovens. E, no mesmo plano, o “milagre” da tecnologia, fruto da inteligência e do trabalho do Homem. É essa a maior glória do Criador: a autonomia da sua criatura!
Se é o Homem que faz o perigo, é ao próprio Homem que compete eliminá-lo.

11.Jul.18
Martins Júnior

segunda-feira, 9 de julho de 2018

OS “SUSSURROS DO DIABO” NO PAPA FRANCISCO


                                                     

Já por mais de uma vez considerei o actual Papa como um escritor de gema, sobretudo pela forma como concebe e cultiva a figura estilística denominada metáfora. Fruto, talvez, do estilo vivencial de proximidade no seu trato quotidiano com as pessoas, vê-se-lhe a olho nu  a ‘difícil facilidade’ de comunicar e traduzir o pensamento, recorrendo ao processo da linguagem metafórica. São muitos os exemplos.
Hoje recorto o termo “sussurro” utilizado aquando da entrega do barrete cardinalício aos 14 novos nomeados por ele mesmo na basílica de São Pedro, em Roma. “Sussurro” traz consigo uma invulgar carga onomotopaica para alertar os novos “Príncipes da Igreja”, prevenindo-os de  que o Diabo, o Tentador,  (no dizer do Francisco) apresenta-se, não com altos brados autoritários, mas com falas mansas, maviosas, edificantes. Cuidado com ele!
Sussurrar, ciciar, amenizar e, por fim, seduzir: eis as sibilantes armadilhas das tentações diabólicas. Cuidado! – não se cansa o Papa de avisar.
         Exímio mais no fazer que no dizer, ele, falando aos ‘caloiros’ do colégio cardinalício, outra coisa não fez senão uma oportuna e contundente auto-crítica. Rebobinemos o filme e fixemos: cenário – o opulento Vaticano. Indumentária: púrpura escarlate vestindo corpos e cadeirais. Ritual: dação do tricórnio barrete purpúreo em salva de prata. Coroa: a mitra estelada de jóias ou afins. Liturgia: bênçãos de gala e polifónicas orações. Logo a seguir, os parabéns, os passos cadenciados dos mais velhos e os tiques lampeiros dos menos velhos. Felicitações dos políticos, ditos núncios apostólicos,  e dos embaixadores acreditados junto ao Estado do Vaticano.
E tudo isto para quê? Recepção de Sacramento, não, Ordenação sacerdotal, também não. Consagração episcopal, absolutamente não. Então, o quê?... A resposta vem nos códigos: nomear assessores ou conselheiros do Papa e conceder-lhes o cartão de eleitores no próximo Conclave, isto é, o direito de votar  na eleição do futuro Chefe da Igreja e  Chefe de Estado do Vaticano A isto se resume o cardinalato: um título honorífico, não instituído por Jesus, mas inventado pelo poder eclesiástico numa altura em que rivalizava, em grandeza e luxo, com o poder monárquico-imperial. Têm direito a anel, barrete e chapéu, túnica vermelho-carmesim e brasão de armas. Todas as famílias  nobres aspiravam ter um filho cardeal. O italiano São Carlos Borromeu, no século XVI, foi nomeado pelo seu tio Papa Pio V cardeal no Vaticano, com apenas 18 anos de idade e antes da ordenação sacerdotal. O francês cardeal de Richelieu foi Primeiro-Ministro de Louis XIII, entre 1628 e 1642. Não é particularmente abonatória, mesmo nos tempos que correm, a instituição cardinalícia.
No entanto, Francisco Papa submete-se (bem contra a sua vontade, imagino) a estes protocolos, promotores da opulência, da vanglória, embrulhada em ritos aparentemente sagrados, a que os rituais ajuntam os epítetos de canónicos e, abusivamente, apostólicos - penso eu. É neste alinhamento lógico que pressinto nos “sussurros” do Papa uma auto-crítica, uma espécie de fina ironia colada a todo aquele ambiente aristocrático… em nome dos apóstolos, pobres pescadores do Mar de Tiberíades.
Não me escandalizaria de modo algum se o Papa, em vez de alertar para os suaves “sussurros” do diabo, denunciasse as rajadas perturbadoras que pairavam naquela basílica-mãe da Cristandade. Porque ali as vestes dos pastores “não tinham o cheiro das ovelhas”. E oxalá os novos cardeais, Purpurados, Príncipes (!!!) da Igreja, não tragam a Francisco os dissabores que outros lhe têm oferecido em troca.

09.Jul.18
Martins Júnior



sábado, 7 de julho de 2018

HERÓI ANÓNIMO DENTRO DA PRÓPRIA CASA!


                                                   
         
Amar e não ser amado. Falar e não ser ouvido. Servir e não ser servido – eis o Acto Único da grande Comédia Humana. É neste cenário central que gravitam os comediantes e figurantes de cujo elenco fazemos parte. O mais fulgurante protagonista da História não se lhe escapou, tendo um dos seus mais próximos biógrafos constatado numa lacónica expressão o drama existencial que é o de “viver com os seus e nem pelos seus ser reconhecido”. (Jo.1,11).
         Por mais estranho que pareça, é deste paradoxo que hoje e amanhã se fala em todo o mundo. Sábado e Domingo trarão o episódio em que o Mestre e Taumaturgo benemérito da Galileia, vencido pelos lobbys do poder, do dinheiro e da opinião pública da sua cidade, reagiu com este amargo desabafo: “Ninguém é profeta na sua terra”. (Mt.13, 57).
         Crescer, subir, transpor – e tudo quanto signifique alcançar o mastro alto de uma vida – são os anseios inatos do ser humano desde que põe o pé em terra sua. E quando os braços crescem além da manta que o cobre, quando as léguas de cada passada já não cabem no estreito carreiro onde caminha, enfim, quando o terro é escasso e o sonho gigante, então forçoso é “lançar o arco de uma nova ponte”, como disse e fez um ilhéu do tamanho do mundo, Antero de Quental. Abrem-se clareiras, novos mundos “por mares nunca dantes navegados”. E. a partir daí, os seus já o reconhecem, prestam-lhe homenagens, erguem-lhe bronzes e mausoléus. Desses, mesmo vivos, dizem justamente que são os tais “que da lei da morte se vão libertando” .
         É numerosa a romagem dos laureados: políticos rejeitados  que desaparecem para, mais tarde, voltarem como desejados; atletas, economistas, actores, universitários, migrantes do saber e do ter, todos ganham troféus, tantas quantas as milhas que os separam do cais que os viu partir. Fica mais pobre a casa materna, desertas as planícies e os vales da sua infância e a soledade cobre o rosto antigo do torrão natal –factura rota  de clangorosas batalhas ganhas noutras paragens. Honra ao mérito!
         “Ninguém é profeta na sua terra”!
         Mas eu recuso-me a aceitar tamanha injustiça e canto em tom maior o solene  panegírico a todos os que ficaram no seu tugúrio humilde ou na sua oficina, no seu laboratório, junto dos seus, nos consultórios, na enfermaria do hospital, na eminente quanto padecente sala de aulas, em casa, na rua, no campo ou na cidade, construindo a sua pátria, enobrecendo silenciosamente a bandeira-espírito do seu povo!
         Sem saber até onde chegará o eco do meu pregão, convoco a sociedade residente – e resistente! – a não deixar que matem os que semeiam a vida no seu próprio seio. Convoco as entidades públicas (as políticas, muito concretamente) as imprensas e toda a comunicação social a que não marginalizem os seus concidadãos, ainda que não consonantes com os seus ditames, antes façam produzir sempre mais aqueles que, podendo ser maiores noutro terreno, decidiram não abandonar os companheiros de jornada no grande curso da vida
Em cada um de nós um Profeta, um Pedagogo, um Construtor do seu país, da sua ilha, da sua aldeia!

07.Jul.18
Martins Júnior     

quinta-feira, 5 de julho de 2018

MACHICO E MADEIRA NA CINEMATECA NACIONAL



O que nós éramos…e o que nós somos!
 Bem poderia ser este o conteúdo do Senso&Consenso do 5 de Julho. De 2018. Ao ver e ouvir Leonel de Brito, Elso Roque, Rogério Rodrigues – o realizador, o chefe de fotografia, o guionista – impossível seria deixar de revisitar os planos, os figurinos, pessoas e lugares que, precisamente há 40 anos, deram corpo e alma a esse monumento vivo que dá pelo nome de COLONIA E VILÕES. Foi hoje um daqueles episódios que valem uma vida! Porque traduzem os milhares de atalhos e veredas percorridos em vão à procura de um filho que se perdera de vista.
Eles - Leonel, Elso, Rogério – e eu, por arrasto, andávamos em busca do “Santo Graal” produzido nesse longínquo 1977 e só há pouco reencontrado e restaurado (rejuvenescido) pela Cinemateca Nacional e pela Academia Portuguesa de Cinema, com a persistente competência de Elso Roque. Digo “Santo Graal” porque ele ficou escondido, aprisionado pelo poder político regional durante todos estes anos e, conscientemente ou não, pelos meandros do poder central. “Santo Graal”, também pelo que ele guarda do sofrimento, da coragem e da luta de um Povo ansioso da sua própria libertação.
Perante um auditório especializado, predominantemente da área do áudio-visual, os criadores de COLONIA E VILÕES fizeram desfilar as circunstâncias, as peripécias, os ardilosos estratagemas a que tiveram de recorrer para conseguir ultrapassar (na gíria, fintar) as barreiras acintosas e grosseiras com que o regime madeirense - Governo e Diocese – cerrava o passo ao rigoroso trabalho de investigação e registo levado a cabo por uma equipa de jovens cineastas. Dava enredo para um outro filme contar as cenas passadas nos bastidores, os avanços e recuos a que os obrigava  a insolente ignorância dos  detentores do poder. Geração de ouro é o qualificativo que merecem esses jovens que tudo davam, numa generosidade sem limite, para cumprir o seu sonho de levar a todos os portugueses o exacto conhecimento do seu país, como de resto o fizeram, não só na ilha, mas noutros recantos de Portugal.


Hoje fico-me por aqui, saboreando o gosto de uma saudade, enfim, satisfeita, agradecendo também o convite para partilhar a honra e a alegria deste reencontro, sobretudo por ainda estar vivo – serei talvez um dos poucos ´sobreviventes´ que entram no filme-documentário. Ulteriores considerações sobre COLONIA E VILÕES deixá-las-ei para outra oportunidade.
Parafraseando o “velho cacilheiro” do talentoso José Viana, apraz-me saudar o Leonel, o Elso, o Rogério e toda a equipa, reafirmando que as rugas vieram, as barbas branquearam, mas em COLONIA E VILÔES o vosso olhar é sempre novo.
Até breve, a qualquer hora, na ilha!
05.Jul.18
Martins Júnior