UM
E DOIS de JULHO – dois dias ímpares nos anais de Machico e da Madeira. Por
isso, junto-os no mesmo ramalhete que cresceu, cresceu no coração atlântico,
até perfazer a soberana e gloriosa seiscentésima idade.
Nunca
como neste ano da graça de 2018 teve oportunidade a evocação do 1 de Julho.
Pela única e ponderosa razão de ter sido celebrado no Porto Santo. Aí, sim, é
que assenta como uma luva a apoteose celebrativa, pois que, segundo os
cronistas coevos, a pequena ilha, já então ‘Dourada’, serviu de torre de
menagem para avistar e achar, no ano seguinte, a Madeira, mais precisamente a
baía de Machico, onde desembarcaram os marinheiros do Senhor Infante, na manhã de 2 de Julho de 1419.
São
de tom maior e timbre metálico os concertos oratórios e as retóricas girândolas
de tribunos e oficiais do verbo obrigatório nestas circunstâncias. Na boca dos
pigmeus de hoje soltam-se loas exaltadas e até crescem como gigantes aqueles
que outrora foram esquecidos, vilipendiados, degradados e mortos no mesmo solo
pátrio em que hoje são protocolarmente alcandorados como heróis.
Neste
círculo comemorativo, trago à ribalta Francisco Álvares de Nóbrega, o Camões Pequeno ou, como mais tarde lhe
chamaram os madeirenses, O Nosso Camões. Cantamos-lhe
hinos patrióticos, mas no seu tempo, NÓS (falo no colectivo passado a que pertencemos) hostilizámo-lo e ostracizámo-lo até aos cárceres da Inquisição. Merecia um estudo
aprofundado o soneto que ele dedica à Madeira, a que chama “terreno estéril,
árido, mirrado, que converte em peste a chuva de ouro”. Destaco a segunda quadra do referido soneto:
Terreno ingrato, onde, mal é plantado,
Murcha, definha e cai por terra o Louro,
Tu,
podendo das graças ser tesouro,
És
só de espinhos ásperos juncado.
Assim
era há dois séculos e meio a sua pátria-ilha. Mas ele, mesmo marginalizado e
escorraçado, deixou o nome escrito no firmamento futuro desta terra. São os
homens e mulheres que tornam a terra maior, não obstante o “terreno ingrato,
estéril, árido e mirrado” que lhes deram em troca. É em dias como estes – 1 e 2
de Julho – que nos soa na consciência o pregão de John Kenedy a cada
compatriota americano: “Não perguntes o que é que a América fez por ti. Antes,
pergunta o que é que tu fizeste pela América”.
Em
vez de aturar discursos de mercado ou sessões de ilusionismo político, o mais
importante e único necessário é interiorizarmos o apelo dos nossos maiores e
interpelarmo-nos a nós próprios, a intuição do nosso olhar e a energia deste
viajante, que é cada um de nós, num
tempo efémero, para deixarmos, não apenas um nome, mas um ladrilho, um tijolo,
uma pedra neste monumento crescente que é a terra que habitamos. Por isso, ouso
colocar também a minha modesta pétala na tumba viva do Nosso Camões, fazendo eco da mensagem que nas páginas dos “Poemas Iguais aos Dias
Desiguais” deixei, dedicada a Machico, em dia seu e nosso:
Eu sei
Velho
Dinossauro de outras eras
Que
é por mim por nós que sempre esperas
Desde
o Larano ao Desembarcadouro
Da
Praia de São Roque ao alto dos Maroços
Eu
sei e sinto e vejo erguer os braços
Os
teus os meus os nossos
Brilhantes
como a Estrela do Centauro
E
restaurar o sonho antigo
Do
teu seio túrgido amigo
Nosso
e novo Machico - Oh Velho Dinossauro
1-2.
Jul.2918
Martins
Júnior
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