sexta-feira, 27 de julho de 2018

O POVO “AUSENTE” E “AFASTADO” DA SUA FESTA…


                                                   
       
Que mais resta da Madeira neste intermezzo trópico de Julho a Agosto? Jardim de flores, não, porque as crestou a canícula de estio. Mar e praia, serra e sombra, talvez só para aqueles que  da lei da estouro se vão libertando. Que resta então?
Hoje por hoje e por todos os poros, a ilha é a caixa de Pandora de todos os metais, a grafonola gigante de todos os acordes. Talvez a compare ao  “barco do amor” vagante ou, com maior propriedade, será ela o novo Titanic em cujo bojo, do convés a todos os salões, orquestras de néon destilam bombadas de espuma etílica com ‘alzheimer´ à mistura.
Experimentem desenhar um pequeno poliedro e ponham em cada face  uma vila, uma cidade, uma aldeia deste basalto de 600 anos. E logo ficará cheio, a rebentar pelas costuras: são os medonhos decibéis, são os campanudos percussores, são as caldeiradas-peixeiradas do bacalhau da outra, são as lagartixas de plástico a secar por entre a cruz das caravelas, são sempre, quase sempre os notáveis importados de aquém e além fronteiras, alguns até tatuados de ‘summer opening’ para estrangeirar o burgo. Há as anafadas sessões de gastro regional com salpicos de moscas parideiras e  ainda o incenso das novenas, os anjinhos da procissão e os foguetes, ai o fogo sagrado que não pode faltar  para acabar de atordoar os neurónios de populações escassas de amor e carentes de pão.
Desenhado e embutido o poliedro com tanta algazarra sem freio, pergunto ao seu autor: E o Povo, onde me dá aí um sinal de Povo?  Onde me aponta  o traço criador do Povo, senhor da sua terra e da sua festa? Que credenciais ou mesmo modesto distintivo da idiossincrasia daquela gente que paga a festa e oferece a sua ‘sala nobre’ para quem vem de fora?
Fica a pergunta – um ligeiro drone sobrevoando a ruidosa ilha à procura de resposta. Que nunca virá, talvez… A paranóia dos arraiais está feita para despersonalizar a alma genuína das gentes locais. Sob a pílula de um dourado desanuviamento, ficam as populações longe do núcleo gerador  da sua festa – a estratégica oportunidade (essa, sim, de ouro puro) para mostrar as virtualidades endémicas, a sua sensibilidade original através da sua poesia, da sua dança e da sua música. Em muitos casos, as festas mais se parecem com os rituais de corpo presente e alma ausente.
Por mim, dava tudo ou quase tudo para ver o Povo ocupando, de direito e de facto, a centralidade das suas festas!
Enquanto isso, vou trauteando a canção que por aqui continuamos a cantar:                                  
                            Na festa que o Povo organiza
                            Há mais alegria e verdade
                            Por isso trazemos a estrela
                            A estrela da felicidade”
27.Jul.18
Martins Júnior  

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