Todo
o dia de domingo andou comigo Amós, o pastor de gado da serra. Com ele andou
também dentro de mim Amazias, o Sumo-Sacerdote que, traduzido para os tempos de
hoje, designar-se-ia o bispo, o arcebispo, o cardeal. Todo o dia, vi-os a
discutir no Templo de Betel:
-
Sai já daqui, desaparece. Vai lá pregar
para a tua terra, mas aqui não. Este santuário pertence ao rei, este é o templo
oficial da religião do reino. (Amós,
7, 12-13).
Amazias,
o ministro da religião do rei, do governador, do presidente. Destes recebera
dotações, títulos, igrejas, casas. Tinha, pois, de diabolizar o pequeno profeta, pastor da montanha,
tocado pelo palpite radical de falar ao povo, denunciar as injustiças do rei e
a deterioração do reino. E, por isso, Amós foi escorraçado.
Padre António Vieira foi expulso de Portugal
por denunciar os abusos da coroa. Dedicou-se à libertação dos escravos índios
no nordeste brasileiro. O bispo do Porto, António Ferreira Gomes foi
escorraçado do seu país por defender os camponeses explorados do Minho pelo
regime salazarista. A Igreja oficial do cardeal Cerejeira manteve-se
cobardemente calada. No antigo regime, por força da Concordata, ninguém podia
ascender ao posto de bispo sem a assinatura do governo. Assim, ainda hoje nos
regimes de ditadura, como na China e na
Rússia.
Na Madeira, o governo construiu igrejas,
que portavam-se como “templos do rei”, administrados pelos secretários regionais
dos assuntos religiosos, os bispos, os quais punham e depunham, às ordens do
poder político. Caso insólito, o de uma pequena parcela rural, Ribeira Seca, ocupada pelas forças do regime regional que, em
1985, pretendia tomar conta da igreja local. Não conseguiu, porque aquele não
era “templo do rei” – era e é do Povo.
Amazias, Sumo Sacerdote do templo de
Betel e seus descendentes existem a
granel por esse mundo fora. Aqui, também. Mas, na mesma medida, pululam os
pastores de gado, os Amós, nimbados pela
inspiração inabalável de libertar o Povo. E esses vencerão. Porque diz Paulo: Posso estar em cadeias, mas a Verdade é que
não pode ficar encadeada.
Por
isso, junto hoje a minha voz à de todos aqueles que sabem quanto custou a
liberdade.
15.Jul.18
Martins
Júnior
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