Já
por mais de uma vez considerei o actual Papa como um escritor de gema,
sobretudo pela forma como concebe e cultiva a figura estilística denominada
metáfora. Fruto, talvez, do estilo vivencial de proximidade no seu trato
quotidiano com as pessoas, vê-se-lhe a
olho nu a ‘difícil facilidade’ de
comunicar e traduzir o pensamento, recorrendo ao processo da linguagem
metafórica. São muitos os exemplos.
Hoje
recorto o termo “sussurro” utilizado aquando da entrega do barrete cardinalício
aos 14 novos nomeados por ele mesmo na basílica de São Pedro, em Roma.
“Sussurro” traz consigo uma invulgar carga onomotopaica para alertar os novos
“Príncipes da Igreja”, prevenindo-os de
que o Diabo, o Tentador, (no
dizer do Francisco) apresenta-se, não com altos brados autoritários, mas com
falas mansas, maviosas, edificantes. Cuidado com ele!
Sussurrar,
ciciar, amenizar e, por fim, seduzir: eis as sibilantes armadilhas das
tentações diabólicas. Cuidado! – não se cansa o Papa de avisar.
Exímio mais no fazer que no dizer, ele,
falando aos ‘caloiros’ do colégio cardinalício, outra coisa não fez senão uma
oportuna e contundente auto-crítica. Rebobinemos o filme e fixemos: cenário – o
opulento Vaticano. Indumentária: púrpura escarlate vestindo corpos e cadeirais.
Ritual: dação do tricórnio barrete purpúreo em salva de prata. Coroa: a mitra
estelada de jóias ou afins. Liturgia: bênçãos de gala e polifónicas orações. Logo
a seguir, os parabéns, os passos cadenciados dos mais velhos e os tiques
lampeiros dos menos velhos. Felicitações dos políticos, ditos núncios
apostólicos, e dos embaixadores
acreditados junto ao Estado do Vaticano.
E
tudo isto para quê? Recepção de Sacramento, não, Ordenação sacerdotal, também não.
Consagração episcopal, absolutamente não. Então, o quê?... A resposta vem nos
códigos: nomear assessores ou conselheiros do Papa e conceder-lhes o cartão de
eleitores no próximo Conclave, isto é, o direito de votar na eleição do futuro Chefe da Igreja e Chefe de Estado do Vaticano A isto se resume
o cardinalato: um título honorífico, não instituído por Jesus, mas inventado
pelo poder eclesiástico numa altura em que rivalizava, em grandeza e luxo, com
o poder monárquico-imperial. Têm direito a anel, barrete e chapéu, túnica
vermelho-carmesim e brasão de armas. Todas as famílias nobres aspiravam ter um filho cardeal. O
italiano São Carlos Borromeu, no século XVI, foi nomeado pelo seu tio Papa Pio V
cardeal no Vaticano, com apenas 18 anos de idade e antes da ordenação
sacerdotal. O francês cardeal de Richelieu foi Primeiro-Ministro de Louis XIII,
entre 1628 e 1642. Não é particularmente abonatória, mesmo nos tempos que
correm, a instituição cardinalícia.
No
entanto, Francisco Papa submete-se (bem contra a sua vontade, imagino) a estes
protocolos, promotores da opulência, da vanglória, embrulhada em ritos aparentemente
sagrados, a que os rituais ajuntam os epítetos de canónicos e, abusivamente, apostólicos
- penso eu. É neste alinhamento lógico que pressinto nos “sussurros” do Papa
uma auto-crítica, uma espécie de fina ironia colada a todo aquele ambiente
aristocrático… em nome dos apóstolos, pobres pescadores do Mar de Tiberíades.
Não
me escandalizaria de modo algum se o Papa, em vez de alertar para os suaves “sussurros”
do diabo, denunciasse as rajadas perturbadoras que pairavam naquela
basílica-mãe da Cristandade. Porque ali as vestes dos pastores “não tinham o
cheiro das ovelhas”. E oxalá os novos cardeais, Purpurados, Príncipes (!!!) da Igreja, não tragam a Francisco os
dissabores que outros lhe têm oferecido em troca.
09.Jul.18
Martins Júnior
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