quinta-feira, 29 de junho de 2023

DOIS MADEIRENSES EM ROMA… COM DISCURSOS TROCADOS, MADE IN MADEIRA.

                                                                    


      Que força a deste Homem! De manhã à noite, numa azáfama ininterrupta, mais do que permite a sua idade, teve hoje entre os ‘audientes’ no Vaticano, a presença do Presidente do Primeiro Órgão de Soberania Regional, assessorado pelo Cardeal da Santa Sé, nosso conterrâneo.

          É da mais elementar praxe diplomática a troca de galhardetes, algumas das quais talvez indesejáveis - e até incompatíveis, dada a endémica sacralidade do lugar -  mas o Chefe de Estado do Vaticano não pode furtar-se ao princípio regimental expresso na fórmula francesa do Noblesse Oblige. Convém a todos os actores em cena este teatro de nobreza mundana, mais ainda na proximidade das JMJ, como se viu com o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa na sua visita Ad Limina, leia-se, ao Supremo Magistrado da Santa-Sé, por mais híbrida que seja esta designação. Se o Edil lisboeta teve direito a tão publicitada ‘ascensão’ sacro-romana, por que não teria o mesmo privilégio o Presidente da nossa Assembleia Legislativa Regional ?!...

          Certamente, o próximo anfitrião da capital portuguesa não levou ao Papa o GPS das esplanadas e vielas da sua cidade, não fosse o octogenário viajante perder-se por aí. Pela mesma estimativa, o nosso Presidente não terá ido prevenir Francisco dos perigos iminentes das nossas levadas, caso incluísse no seu roteiro um desvio pela Madeira. Outros voos, porém, de sofisticada projecção, terão dado asas aos pés de tão devotos peregrinos. Quem sabe se, na manga, haverá um encoberto segredo da tal visita papal à Região?...

          Seja o quê, o como e o porquê da viagem a Roma, o mais original foi o encontro dos nossos dois conterrâneos – o político e o hierarca – e sobretudo o discurso declarativo que ambos debitaram urbi et orbi: o Cardeal fez dos governantes – os políticos e líderes – os destinatários da sua exortação, convocando-os para o seu estatuto funcional de semeadores da Esperança. Por sua vez, o Presidente parlamentar entendeu dirigir-se aos católicos e ao exercício da fé dos crentes.

          Esta, sim, a mais deliciosa troca de galhardetes temáticos, uma transacção bizarra em que um optou por entrar na seara do outro, esperando colher mais fartos nutrientes, fruto  deste artificioso enxerto. Aliás, nada de estranho aos madeirenses; antes, pelo contrário, até parece produto made in Madeira. Se alguém não se lembra do caso, lembro-me eu de uma bem propagandeada campanha eleitoral em que o candidato presidente mandava rezar e o bispo diocesano mandava votar. Não é novela, são factos, com nomes, lugares e datas.

          Originalidades da nossa madeirensidade!

          Mais espectacular e, talvez, de enorme alcance no mercado do turismo religioso foi a oferta de um jogo de paramentos litúrgicos ao Santo Padre, no belo estilo do bordado Madeira. Deste singular evento ocupar-me-ei em próximos blogues.

 

          29.Jun.23

          Martins Júnior   

terça-feira, 27 de junho de 2023

A SINFONA DAS FORMAS E A ARQUITECTUURA DOS SONS

                                                                            


Haverá por aí uma nesga de chão calmo e brisa amena que nos deixe aspirar outro ar que não o enxofre das armas e o pútrido da corrupção, para podermos, enfim,  preencher o vácuo que há dentro de nós, sedento de paz, criatividade, sonho e beleza?!...

É aí que hoje me situo e convido-vos a sentar-vos a meu lado – ao lado de uma numerosa multidão por esse mundo fora que olha, extasiada e dinâmica, para a altitude e profundidade da condição humana nas suas múltiplas coincidências!

As coincidências convergem no mesmo rio que desagua em delta: na condição etária e na simbiose de factores divergentes. Na idade: o português Siza Vieira, 90 anos erguidos, e o brasileiro Gilberto Gil, 81 anos cantados. No mesmo vértice criativo: a arquitectura e a música. Foi-lhes prestada homenagem em dia de aniversário.

Mais que homenagem e contornando a apreciação analítica da obra produzida, disseminada por todo o mundo, o que encanta e transfigura é a realidade poliédrica que nos cerca, os repuxos multicolores que do seio da mãe-

-terra ressaltam à vista desarmada, enfim, a beleza que se nos oferece em cada dia que nasce e em cada pedra que pisam os nossos pés. O que é preciso é estar atento e receptivo à mensagem que passa. Já nos advertiu Ferando Pessoa quando escreveu que O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo, o que há é pouca gente para  dar por isso.

            Em Siza e Gil, as linhas centrífugas da realidade aparente fundiram-se no mesmo ápice do talento criador: as linhas volumétricas metamorfosearam-se em música e as pautas sonoras ergueram-se majestosas como  arquitectura dos deuses.

Para lá dos prémios, dos troféus e de toda a imponência, a um tempo solene, límpida e penetrante, fica-nos o apelo de, à maneira dos espeleólogos que da terra mais funda desentranham tesouros inesgotáveis, tenhamos nós senso e consenso suficientes para descobrir a poesia e o vigor que a mais insignificante encruzilhada traz ao nosso encontro.

            E há-os, de certeza, companheiros de viagem ao nosso lado, cuja sensibilidade está vigilante às ondas hertezianas que povoam o quotidiano da vida e a pulsação do planeta. Estejamos atentos. Sigamo-los. Juntemo-nos. Deles falava Álvaro de Campos, o mesmo do citado binómio de Newton, revendo-se ele próprio na prisão anónima de quem sente e, quando sente, tudo pensa:

Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?

          Ainda que, sem o bem merecido fastígio público de Álvaro Siza e Gilberto Gil, vale a pena seguir-lhes na esteira da descoberta existencial que nos foi doada.

 

            27.Jun.23

            Martins Júnior  

domingo, 25 de junho de 2023

SANJOANINAS FIM-DE-SEMANA… Ils sont changé ma chanson, ma (DALIDA)

                                                                                     


 


Olh’ó pobre São João

Os altares e capelas

Que no teu dia fizeram

Os mancebos e donzelas

 

Vieram eles e elas

Com panelas alguidares

E a bacia de água lampa

Sentaram nos teus altares

 

Primeiro deitaram as sortes

No espelho da água pia

A umas saíu o noivo

E alguma ficou pra tia

 

A teus pés já não terás

Cordeiro nem ovelhinha

Há tachos de bacalhau

Gaiado atum e sardinha

 

Na ponta do teu cajado

Amarraram um balão

E tudo canta aos balouços

São João ao garrafão

 

Nenhum fica para trás

Seja velho seja moço

Mas ninguém pensa na espada

Que te rolou o pescoço

 

Outras espadas saltaram

Prao bucho de sábios e tolos

Fresquinhas  e saborosas

Vieram de Câmara de Lobos

 

 Aqui não vês Salomé

Azougada bailarina

Que pela mão do Herodes

Se tornou tua assassina

 

Mas hoje há regabofe

Em honra de São João

Salomés descascadinhas

E doces como um torrão

 

 

Não te espantes São João

Este povinho tem fome

 Comer beber divertir

De ti só sabem o nome

 

Nas festas  o que é preciso

É espeto e vinho a pataco

Seja por Zeus ou por Demo

Seja por Santo ou por Baco

 

 

Ó meu pobre  São João

Que farto fim de semana

Tu não ficaste mais rico

O povo é que ainda se abana

 

Perdoa-me, São Precursor,

Larachas vãs  como estas

Cuidado, que ainda te chamam

O velho João das Festas

 

 23-24-25.Jun.23

Martins Júnior

 

quinta-feira, 22 de junho de 2023

VERÕES MUITOS, OUTONOS BREVES, 8NVERNOS POUCOS, PRIMAVERAS TODAS !!!

                                                                         


Foi  o verão nascente de 21 que, em 22 de Junho,,  transportou para o vale verde serrano da Ribeira Seca o verão tórrido trazido da floresta moçambicana. E aí recomeçou a segunda e última jornada do resto da minha vida.

Foi caminho, fogo e lava, foi sonho e grito em flecha, foi rutura e e foi abraço, clareira e horizonte, altitude e fundura.

Há 54 anos. Por isso, o dia é meu!

 De descer aos fundos abissais e subir às galáxias estelares que contracenam vertiginosas dentro de mim.

E leio, soletrando vogais e consoantes reescritas, o feixe quadricoor de todos os anos num único comando:

VERÕES MUITOS, OUTONOS BREVES, INVERNOS POUCOS, PRIMAVERAS TODAS !!!

De todos os passos, conquistas, derrotas, vitórias, compromissos, fica o balanço que o Grande Mestre prognosticou para todos os migrantes passantes do planeta:

“SOMOS SERVOS INÚTEIS. SÓ FIZEMOS O QUE DEVÍAMOS TER FEITO” !

 

21-22.Jun.23

Martins Júnior

 

 

terça-feira, 20 de junho de 2023

“30 PADRES”,,, “30 BOMBEIROS” ?!

                                                                        


     Deixei ficar entre aspas, autonomamente, cada uma das designações em epígrafe. Razão: nenhuma delas me pertence. A primeira tem a assinatura do Bispo do Funchal, há três dias na assembleia regional do clero. A segunda tem alguns anos, proferida por um dos sacerdotes no retiro anual aquando da apresentação-identificação ao orientador do evento, na sessão de abertura. E justificou: “Tenho quatro paróquias”.

         Neste duplo e, por isso, estranho estatuto – padre e bombeiro – está condensada a situação (perdoem-me o anglicismo stablissement, porque mais amplo e expressivo) da Igreja madeirense, no que concerne ao provimento das suas 96 paróquias.

         A ’confissão’ do Prelado não se resume a uma seca parcela da estatística regional. A montante, pressupõe um extenso e exigente aprofundamento científico do vazio dos Seminários, numa ilha que possui dois históricos, imponentes, aristocráticos estabelecimentos de formação eclesiástica, um deles a desfazer.se sob uma fria indiferença geral. Respon. A jusante, a dita ‘confissão’ rasga pistas de incomensurável projecção e não menos coragem na paisagem pastoral da Madeira e  respectivos pastores.

         Compulsando as duas coordenadas, impõe-se uma questão inultrapassável: Qual a missão, a função, a dinâmica do padre nos tempos actuais ? Só respondendo a esta questão, poderemos saber se temos 30 padres a menos ou 30 padres a mais. Apropriando-me de um princípio elementar da ciência económica – não é gastando mais que se gasta melhor – é curial concluir-se que não é por multiplicar-se o batalhão de sacerdotes que se aumenta o rebanho, a Igreja, o autêntico e genuíno Reino que nos trouxe Jesus de Nazaré.

         Porque o problema levar-nos-ia a um longo curso teológico e a as múltiplas teses de interpretação pastoral, vou limitar-me à observação analítica e paradoxalmente sintética da fenomenologia dita religiosa do quotidiano madeirense – e não só.

Ei-la:

Enquanto a fé e vivência dos crentes e enquanto as hierarquias eclesiásticas se iludirem com o espectáculo dos rituais litúrgicos, com os ex--votos pios, as procissões de velas, pernas, barrigas, cabeças de cera, óleos-bentos, águas-bentas, ofícios e missas para fazer de Deus um juiz corrupto que dá sentenças por dados e ofertas, enquanto se deseduca o povo com confissões branqueadoras de roubos, traições, aleives e ofensas a terceiros, enquanto isso…NÃO HÁ PADRES QUE CHEGUEM !!!

Por outras palavras, enquanto o objectivo consistir em fazer das igrejas vistosas o epicentro da IGREJA DE JESUS DE NAZARÉ, poderão multiplicar padres como cogumelos, que não chegarão para as encomendas. E o efeito será como o do “feitiço contra o feiticeiro”: ficarão as igrejas cada vez mais vazias e haverá então padres a mais.

Sei que esta minha análise suscitará opiniões muitas, certas e incertas, dúbias, talvez calorosas de sentido inverso. Têm todo o direito de fazer a sua apologética. Também porque as minhas observações carecem de mais extenso  aprofundamento justificativo que não cabe neste meio comunicacional, Poderei voltar, em tempo oportuno.

Termino com uma breve constatação: o Padre deverá configurar-se à imagem e semelhança do seu Mestre: Educador do povo, Promotor das mentalidades claras, desinibidas, auto-responsabilizadas. Pedagogo dos essenciais valores humanos e crísticos, vividos mais fora do que dentro das igrejas monumentais.

E assim deixará de ser ‘bombeiro’ para tornar-se Salvador da pessoa integral e Regenerador da humanidade global, como o seu Líder, cujo púlpito era a rua e revolucionou o mundo com apenas um punhado de doze homens do povo.

        

19-20.Jun.23

Martins Júnior

 

domingo, 18 de junho de 2023

NO OBSERVATÓRIO DE FIM-PRINCÍPIO DE SEMANA!

                                                                               


                A falta que me tem feito o regresso àquela hebdomadária, indefinida e indefinível estação que dá pelo repetido título de fim-de-semana! E princípio de outra. Tão estreita e tão longa, que umas vezes é oásis e remanso, outras é abismo e agitado oceano, outras ainda é voo vertical ao incógnito mundo estelar.

            Pois, é hoje que volto pela mão do, outrora, publicano, cobrador de impostos, transformado depois em comunicador fidedigno e testemunha ocular do quotidiano do seu Mestre pelos caminhos da Galileia. Digo ‘comunicador fidedigno’ porque limita-se à reportagem nua dos factos, como narrador directo, sem a preocupação de adjetivar a evidência nem sobredourar as circunstâncias.

            Convido-vos a abrir o seu LIVRO, no capítulo IX, 36-X,8.

            Jesus chama os seus Doze colaboradores, cada um por seu nome. Não consta que lhes presenteasse com um protocolo ministerial nem mesmo com os odores e unguentos dos óleos rituais inerentes ao cerimonial judaico do sacerdócio real.  Trago aqui, neste instante, as judiciosas conclusões do grande teólogo-filósofo Anselmo Borges, quando defende que Jesus, ao chamar os Doze, não lhes conferiu nem sombra daquilo que hoje se empolou sob a sacro-esotérica designação de ‘Ordenação Sacerdotal’. Chamou-os - pura e simplesmente - e apresentou-lhes ao que vinha, o seu programa, pelo qual deu a própria vida.

            Duas linhas paralelas, indissociáveis, que na letra e no espírito ganham todo o vigor das linhas vermelhas, incontornáveis:

1.     Acção social, humanitária, libertadora de inúteis traumas psíquicos, as neuroses (‘os espíritos impuros’) e das invasivas perturbações orgânicas (‘doenças, lepra, paralisia, morte’).

2.     Gratuitidade absoluta. Como que adivinhando eventuais objecções por parte dos Doze (servir gratuitamente?...) o Mestre, Pedagogo e Líder responde-lhes com um argumento de antecipação; “É assim, porque tudo isto, poderes, competências, privilégios, eu vo-los dou de graça. E se recebestes de graça, dai de  graça também”.

E sintetizou tudo no enunciado da  sua Constituição Única, Sobre--humana: “Dizei às gentes que Este é o Meu Reino e ele está perto de vós”.

                        _____________

Preferiria ficar por aqui, na contemplação de um mundo em que as relações humanas fossem pautadas pelo único normativo do bem-fazer – um autêntico  global wellfare – sem a exclusiva tele--hegemonia do lucro, da exploração do homem pelo homem. Mas somos confrontados com o monstro da macroeconomia e asfixiados com os répteis da microeconomia, o reino dos olhos--por-dentes e dentes-por-olhos, dou-te se me deres, etc.,etc..

Mais doloroso será compararmos o “Reino do Nazareno” com dezassete séculos de Igreja que em cima desse Reino os homens altearam, oparam, locupletaram-se.

Tratar Deus como o banqueiro-mór, Jesus de Nazaré como o chefe dos publicanos, agiota da feira, e pôr na sua boca o que nunca ousara dizer – dou-te se me deres, concedo-te as indulgências, faço-te os favores se me pagares…velas, missas, ouro, prata, prédios, colunatas de Bernini, cúpulas, capitólios,  e quejandos – é este o propagandeado e camuflado culto Àquele que preceituou sem ambiguidades: “Recebestes de graça, dai de graça”.  Paradoxo contra-natura: “O Ofertório de todas as missas do próximo domingo chama-se dinheiro de São Pedro e deverá ser entregue no Vaticano”.

                A partir do ano 313  ergueram-se duas Igrejas no mundo cristão: a Igreja da opulência, imperial, dogmática, aquela que de perseguida passou a perseguidora. A que nada tem a ver com o seu Fundador  e, oficialmente, constitui a maioria.  A outra, a Igreja das catacumbas romanas e das catacumbas de todo o planeta, doméstica, convicta, martirizada mas de fronte erguida. Construtora da verdade, da saúde, da fraternidade. É a legítima sucedânea do  Legado evangélico, embora seja sempre a minoria no ‘ranking’ oficial eclesiástico, tal como o seu Mestre  no tempo da ditadura judaica de Jerusalém.

            Desde o século IV até ao século XXI e até sempre será assim.

            Teremos até o megalómano, milionário palco-altar da JMJ,  ao qual  Jesus, o de Mateus, certamente não subirá.

Dois caminhos: cada qual escolhe o seu. Ocorre-me a mensagem daquela canção My Way. E a pesada voz de José Régio: “Sei que não vou por aí”!

 

            17-18.Jun.23

            Martins Júnior

 

sexta-feira, 16 de junho de 2023

404 ANOS DE CEGUEIRA IMPOSTA E 57 ANOS DE CURA VOLUNTÁRIA

                                                                              


         Entre o passado e o presente não há abismos, há oceanos. Não há muros, há pontes. Somos o presente do passado, assim como o futuro  será o passado do nosso presente. Pertencemos ao mesmo gloco-planeta, todos iguais e todos diferentes, a cada qual seu clima e sua veste. Por isso, dos males de ontem, livrai-nos hoje, Senhor!

            Poucos, certamente, conhecerão o 15 de Junho de 1966 e, muito menos, o seu furibundo antepassado – 1559 – de 404 anos de triste memória. Por isso, trago-os hoje à nossa mesa comum. E aí veremos que, sendo diversos no tempo e no lugar, somos todos iguais nas pulsões e reacções, no melhor e no pior de que somos capazes. Os indivíduos e as instituições.

            Refiro-me a estas, as instituições, as supremacias, os Estados, as ditaduras. Sobretudo, aquelas que, não satisfeitas com algemar braços e pernas, não param sem castrar o cérebro, vendar os olhos, asfixiar quem nasceu para respirar a plenos pulmões.

E chegámos ao tempo e ao local:

1559, Estado do Vaticano, Cidade de Roma, Concílio  de Trento, protagonista  Papa Paulo IV, Objecto da Causa: o Index Librorum  Prohiitorum – Índice dos Livros Proibidos

            Perante a nova era emergente – o Renascimento – em que o mundo novo da ciência, aquém e além-mar, pôs em debate as crenças obscurantistas da Idade Média, a que se associaram as doutrinas heterodoxas de Lutero e seus sequazes,  a Igreja Católica Romana entendeu colocar os  fiéis ao abrigo de tais ventos tremendamente perniciosos para a consolidação dos seus dogmas. E o melhor antídoto que encontrou foi o mais óbvio e imediatista: esconder, subtrair e, no limite, proibir toda a literatura que lhe pareceu nociva à conservação e preservação da “sã doutrina”   do magistério pontifício.

            Neste ‘tsumani’ avassalador foram arrastadas obras de fulcral e decisiva influência nos novos rumos civilizacionais em curso, a começar por Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, Erasmo de Roterdão. Daí em diante, avolumaram-se os critérios de ‘julgamento’ e os processos persecutórios que culminavam ‘in extremis’ no Tribunal do Santo Ofício, a Inquisição, precedida pela romana sentença capital, a excomunhão que, na mais ingénua mas irremediável interpretação dos fiéis, conduziria ao inferno, sem apelo nem agravo.

            Séculos de repressão mental, de todas a mais cruel, gerações amordaçadas, forçosamente iletradas, cujos olhos foram fechados à nascença na pia baptismal, uma multidão interminável reduzida a rebanhos acéfalos, sem liberdade de opção intelectual, enfim, complexos e recalcamentos, neuroses e comportamentos desviantes, os frutos inevitáveis da ignorância e do obscurantismo, tudo somado igual a cegueira alegadamente imposta pela ‘braço’ de Jesus de Nazaré, Aquele protótipo de uma personalidade de mente livre e aberta para a Luz e nunca para as trevas. Não é de ânimo leve poder avaliar o prejuízo ético-psicológico da ditadura que o Índex Livrorum Prohibitorum,  desde o século XVI ao século XX.

            A 1559 opõe-se 1966. E a um Paulo, o IV, surgiu  outro Paulo, o VI, quatro séculos depois. Em plena efervescência e na mais saudável aragem do Concílio Vaticano II, iniciado pelo arauto libertador João XXIII, foi o desinibido Montini, o intemerato Paulo VI quem revogou a sentença da espada de fogo com que o arcanjo do paraíso queimava os livros e ensombrava as mentes centenares.  Sepultou-se o fatídico Índex Librorum Prohibitorum.

            Porque não é em pouco mais de 50 anos que se desfazem as pegadas viscosas de mais de 400, ainda persistem rastilhos saudosistas dos velhos tempos medievais, em gestos descontextualizados, como sucedeu com os cerca de 100 eminentes teólogos que foram proibidos de ensinar nas Universidades Católicas…pelo próprio João Paulo II. Pelos vistos, a censura continuou!

            João XXIII, Paulo VI, Francisco I – parabéns aos três luminares da Igreja que, à imagem e semelhança de Jesus de Nazaré, libertam as mentes e abrem ao mundo os umbrais da Vida e da Verdade!

            É Grande, Enorme o 15 de Junho de 1966!

 

            15-16.Jun.23

Martins Júnior

    


           

 

quarta-feira, 14 de junho de 2023

PENDÕES, PENDURAS E PENDURADOS

 


Sem outros preâmbulos, que não os factos e as palavras adjacentes, entro de imediato no caso que justifica o bolgue deste dia 13-14 de Junho e com a mesma pressa saio dele, sem prejuízo da homenagem ao intelectual e defensor da justiça distributiva, o Grande Santo António, tão badalado quão desconhecido do protegido povo seu, os lisboetas e não só.

O caso ultrapassa os míticos pendões do Dia de Portugal, mas é neles que se inspira. Melhor dizendo, foram eles que abriram as mentes claras deste país e nos seus ínclitos portadores – os portadores das mentes – inspiraram linguados de oratória analítica que, na minha mente, expressam a radiografia modal do indivíduo, que não a da sociedade. Felizmente!

         Se de um empíreo infraterrestre vieram os pendões, ainda de mais longe e mais fundo saltaram as opiniões, algumas delas cheirando ao enxofre neuro-político dos seus produtores. Para enviesar os olhos e evitar a pocilga fétida empoleirada em feministas hastes, ora chega chega aí e fala fala de racismo ‘inexistente’. Vai lá o outro e porque tem a vista vendada com lentes de rocha escorrendo lava sem freio e brada que o homem anda em fuga… quando toda a gente viu o homem caminhando a pé no meio da multidão, dialogando com quem quis confrontá-lo ou aplaudi-lo,

         Dos comentaristas avençados pelo respectivo patronato editorial, há de tudo, desde o mastigado e monótono e invertebrado tom de que “aquilo não foi grande coisa, nada de ofensivo”, o caso embrulha-se no rolo de outros similares, até ao talentoso e esbugalhado pioneiro que descobre este toque viril de Inteligência Artificial: “Eu sou um privilegiado porque sou branco”! Afinal, perguntam os espectadores,  onde está o racismo?

         O mais comovedor e mefistofélico veio do vértice, da estrela de Belém, com aquele anúncio angélico, fruto de uma parto virgem, sem mácula visível de incivismo grosseiro e de desrespeito institucional: “Aquilo não passou de uma minoria das minorias”, nada de grave. “Se fosse comigo, não me sentiria nada ofendido”. Assim se educa o povo português no seu Dia Maior!

         De que serve o Povo repetir a sabedoria secular “Quem não se sente não é filho de boa gente” – se os “pais da grei” perderam toda a sensibilidade do berço?!


         13-14,Jun.23

         Martins Júnior


segunda-feira, 12 de junho de 2023

PESO DA RÉGUA - E RÉGUA DE PESO – EM CIMA DA FEIRA

                                                                   


       Dia de Portugal, vestido dos jardins suspensos do Douro e do vermelho das uvas maduras nas mãos de cristal de quem as colhe!

Super-excelente paisagem  de Torga, Aquilino, Caeiro emoldurando nove séculos de história continental, insular, ultramarina, planetária!

Mas de tão opulento império narrativo o que parece ter ficado não passou de uma amostra  de feira tão desigual quanto grotesca, em que refugaram no mesmo prato alarmes bélicos, provincianismos, maquiavélicos pendões medievais, delírios populistas, cenas de teatro de cordel, que não envergonham em nada os saltimbancos e palhaços  autofotografados em desbragadas euforias feirantes.

.Três fugazes instantâneos que preferia vê-los substituídos em Dia Maior de Portugal:

Um Povo de nobres tradições, oceanos e planícies, epopeias, rimances de amor e glória escusava primar no seu Dia Maior em armamento, camuflados e gritos ululantes, rivalizando/imitando o aparatoso fragor russo-chinês. Em tempo de mísseis, mig’s, minas, mortíferos drones iranianos caídos sobre as indefesas vítimas ucranianas, não parece curial um país exíguo ufanar-se da mesma couraça bélica perante um mundo carecido de paz e saúde física e mental.

Roça as margens de um desfile de gigantones, ricos em ridículo mas vazios de conteúdo, promover ostensivamente  cenários de endeusamento-selfy, para esconder as charadas de um discurso de ramos secos, sem direcção, à espera de um podador, sempre ameaçando mas sempre faltando à prometida poda ‘dissolvente´.

Enquanto isso, um outro desfile (pareceu propositado o contraste) de uma décima de porta-estandartes, tipo Ku-Klux-Klan, esgaravatados - os estandartes – de um viveiro de suínos, orgulhosamente transportados por mestres educadores de crianças e jovens. O melhor que Portugal tem para apresentar no seu Dia Maior! Da claque que ali estava nos bastidores - eram duas centenas os que se dizem agora alheios e discordantes da dezena bandeirante – nem um apareceu para evitar tamanha degradação pedagógica espelhada naquela feira magra e triste. Depois, queixem-se dos alunos que mais tarde lhes fizerem o mesmo…

Foi em Peso da Régua.

Foram lá buscar – todos os protagonistas de topo – o que merecem da parte do soberano Povo Português: uma régua de peso para, do maior ao mais pequeno, nunca mais apoucarem, não mais denegrirem o Dia Maior de Portugal!

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11-12.Jun.23

Martins Júnior

 

 

sábado, 10 de junho de 2023

O NOVO GÉNESIS ESCRITO EM TERRAS DE MACHIM

                                                                                


Aqui

Na pulsação primeira da Ilha dos Amores

Aqui

De onde as velas trouxeram o mundo a Portugal

Aqui

Onde o mar abraça a terra e a cidade ao campo se enlaça

 

Venha Moisés reescrever o Génesis redivivo

Chamem poetas as musas das edénicas moradas

E em camoneanas oitavas inspiradas

Cantem o mundo novo que hoje renasce

No vale de Machim, a estância do amor

Que é saúde e sonho brisa e fogo

No coração bivalve da Carla e do Diogo  

 

 

À Drª Carla Sofia e ao Dr. Carlos Diogo

No Dia em que o Mundo recomeça

Em Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades

 

10.Jun.23

Martins Júnior