terça-feira, 27 de junho de 2023

A SINFONA DAS FORMAS E A ARQUITECTUURA DOS SONS

                                                                            


Haverá por aí uma nesga de chão calmo e brisa amena que nos deixe aspirar outro ar que não o enxofre das armas e o pútrido da corrupção, para podermos, enfim,  preencher o vácuo que há dentro de nós, sedento de paz, criatividade, sonho e beleza?!...

É aí que hoje me situo e convido-vos a sentar-vos a meu lado – ao lado de uma numerosa multidão por esse mundo fora que olha, extasiada e dinâmica, para a altitude e profundidade da condição humana nas suas múltiplas coincidências!

As coincidências convergem no mesmo rio que desagua em delta: na condição etária e na simbiose de factores divergentes. Na idade: o português Siza Vieira, 90 anos erguidos, e o brasileiro Gilberto Gil, 81 anos cantados. No mesmo vértice criativo: a arquitectura e a música. Foi-lhes prestada homenagem em dia de aniversário.

Mais que homenagem e contornando a apreciação analítica da obra produzida, disseminada por todo o mundo, o que encanta e transfigura é a realidade poliédrica que nos cerca, os repuxos multicolores que do seio da mãe-

-terra ressaltam à vista desarmada, enfim, a beleza que se nos oferece em cada dia que nasce e em cada pedra que pisam os nossos pés. O que é preciso é estar atento e receptivo à mensagem que passa. Já nos advertiu Ferando Pessoa quando escreveu que O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo, o que há é pouca gente para  dar por isso.

            Em Siza e Gil, as linhas centrífugas da realidade aparente fundiram-se no mesmo ápice do talento criador: as linhas volumétricas metamorfosearam-se em música e as pautas sonoras ergueram-se majestosas como  arquitectura dos deuses.

Para lá dos prémios, dos troféus e de toda a imponência, a um tempo solene, límpida e penetrante, fica-nos o apelo de, à maneira dos espeleólogos que da terra mais funda desentranham tesouros inesgotáveis, tenhamos nós senso e consenso suficientes para descobrir a poesia e o vigor que a mais insignificante encruzilhada traz ao nosso encontro.

            E há-os, de certeza, companheiros de viagem ao nosso lado, cuja sensibilidade está vigilante às ondas hertezianas que povoam o quotidiano da vida e a pulsação do planeta. Estejamos atentos. Sigamo-los. Juntemo-nos. Deles falava Álvaro de Campos, o mesmo do citado binómio de Newton, revendo-se ele próprio na prisão anónima de quem sente e, quando sente, tudo pensa:

Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?

          Ainda que, sem o bem merecido fastígio público de Álvaro Siza e Gilberto Gil, vale a pena seguir-lhes na esteira da descoberta existencial que nos foi doada.

 

            27.Jun.23

            Martins Júnior  

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