Haverá por aí uma nesga
de chão calmo e brisa amena que nos deixe aspirar outro ar que não o enxofre
das armas e o pútrido da corrupção, para podermos, enfim, preencher o vácuo que há dentro de nós, sedento
de paz, criatividade, sonho e beleza?!...
É aí que hoje me situo e
convido-vos a sentar-vos a meu lado – ao lado de uma numerosa multidão por esse
mundo fora que olha, extasiada e dinâmica, para a altitude e profundidade da
condição humana nas suas múltiplas coincidências!
As coincidências
convergem no mesmo rio que desagua em delta: na condição etária e na simbiose
de factores divergentes. Na idade: o português Siza Vieira, 90 anos erguidos, e
o brasileiro Gilberto Gil, 81 anos cantados. No mesmo vértice criativo: a
arquitectura e a música. Foi-lhes prestada homenagem em dia de aniversário.
Mais que homenagem e contornando
a apreciação analítica da obra produzida, disseminada por todo o mundo, o que
encanta e transfigura é a realidade poliédrica que nos cerca, os repuxos
multicolores que do seio da mãe-
-terra ressaltam à vista desarmada,
enfim, a beleza que se nos oferece em cada dia que nasce e em cada pedra que pisam
os nossos pés. O que é preciso é estar atento e receptivo à mensagem que passa.
Já nos advertiu Ferando Pessoa quando escreveu que O binómio de Newton é tão
belo como a Vénus de Milo, o que há é pouca gente para dar por isso.
Em
Siza e Gil, as linhas centrífugas da realidade aparente fundiram-se no mesmo
ápice do talento criador: as linhas volumétricas metamorfosearam-se em música e
as pautas sonoras ergueram-se majestosas como arquitectura dos deuses.
Para lá dos prémios, dos troféus e de
toda a imponência, a um tempo solene, límpida e penetrante, fica-nos o apelo de,
à maneira dos espeleólogos que da terra mais funda desentranham tesouros inesgotáveis,
tenhamos nós senso e consenso suficientes para descobrir a poesia e o vigor que
a mais insignificante encruzilhada traz ao nosso encontro.
E
há-os, de certeza, companheiros de viagem ao nosso lado, cuja sensibilidade está
vigilante às ondas hertezianas que povoam o quotidiano da vida e a pulsação do
planeta. Estejamos atentos. Sigamo-los. Juntemo-nos. Deles falava Álvaro de
Campos, o mesmo do citado binómio de Newton, revendo-se ele próprio na
prisão anónima de quem sente e, quando sente, tudo pensa:
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos
sonhando?
Ainda que, sem
o bem merecido fastígio público de Álvaro Siza e Gilberto Gil, vale a pena seguir-lhes na esteira
da descoberta existencial que nos foi doada.
27.Jun.23
Martins
Júnior
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