sexta-feira, 16 de junho de 2023

404 ANOS DE CEGUEIRA IMPOSTA E 57 ANOS DE CURA VOLUNTÁRIA

                                                                              


         Entre o passado e o presente não há abismos, há oceanos. Não há muros, há pontes. Somos o presente do passado, assim como o futuro  será o passado do nosso presente. Pertencemos ao mesmo gloco-planeta, todos iguais e todos diferentes, a cada qual seu clima e sua veste. Por isso, dos males de ontem, livrai-nos hoje, Senhor!

            Poucos, certamente, conhecerão o 15 de Junho de 1966 e, muito menos, o seu furibundo antepassado – 1559 – de 404 anos de triste memória. Por isso, trago-os hoje à nossa mesa comum. E aí veremos que, sendo diversos no tempo e no lugar, somos todos iguais nas pulsões e reacções, no melhor e no pior de que somos capazes. Os indivíduos e as instituições.

            Refiro-me a estas, as instituições, as supremacias, os Estados, as ditaduras. Sobretudo, aquelas que, não satisfeitas com algemar braços e pernas, não param sem castrar o cérebro, vendar os olhos, asfixiar quem nasceu para respirar a plenos pulmões.

E chegámos ao tempo e ao local:

1559, Estado do Vaticano, Cidade de Roma, Concílio  de Trento, protagonista  Papa Paulo IV, Objecto da Causa: o Index Librorum  Prohiitorum – Índice dos Livros Proibidos

            Perante a nova era emergente – o Renascimento – em que o mundo novo da ciência, aquém e além-mar, pôs em debate as crenças obscurantistas da Idade Média, a que se associaram as doutrinas heterodoxas de Lutero e seus sequazes,  a Igreja Católica Romana entendeu colocar os  fiéis ao abrigo de tais ventos tremendamente perniciosos para a consolidação dos seus dogmas. E o melhor antídoto que encontrou foi o mais óbvio e imediatista: esconder, subtrair e, no limite, proibir toda a literatura que lhe pareceu nociva à conservação e preservação da “sã doutrina”   do magistério pontifício.

            Neste ‘tsumani’ avassalador foram arrastadas obras de fulcral e decisiva influência nos novos rumos civilizacionais em curso, a começar por Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, Erasmo de Roterdão. Daí em diante, avolumaram-se os critérios de ‘julgamento’ e os processos persecutórios que culminavam ‘in extremis’ no Tribunal do Santo Ofício, a Inquisição, precedida pela romana sentença capital, a excomunhão que, na mais ingénua mas irremediável interpretação dos fiéis, conduziria ao inferno, sem apelo nem agravo.

            Séculos de repressão mental, de todas a mais cruel, gerações amordaçadas, forçosamente iletradas, cujos olhos foram fechados à nascença na pia baptismal, uma multidão interminável reduzida a rebanhos acéfalos, sem liberdade de opção intelectual, enfim, complexos e recalcamentos, neuroses e comportamentos desviantes, os frutos inevitáveis da ignorância e do obscurantismo, tudo somado igual a cegueira alegadamente imposta pela ‘braço’ de Jesus de Nazaré, Aquele protótipo de uma personalidade de mente livre e aberta para a Luz e nunca para as trevas. Não é de ânimo leve poder avaliar o prejuízo ético-psicológico da ditadura que o Índex Livrorum Prohibitorum,  desde o século XVI ao século XX.

            A 1559 opõe-se 1966. E a um Paulo, o IV, surgiu  outro Paulo, o VI, quatro séculos depois. Em plena efervescência e na mais saudável aragem do Concílio Vaticano II, iniciado pelo arauto libertador João XXIII, foi o desinibido Montini, o intemerato Paulo VI quem revogou a sentença da espada de fogo com que o arcanjo do paraíso queimava os livros e ensombrava as mentes centenares.  Sepultou-se o fatídico Índex Librorum Prohibitorum.

            Porque não é em pouco mais de 50 anos que se desfazem as pegadas viscosas de mais de 400, ainda persistem rastilhos saudosistas dos velhos tempos medievais, em gestos descontextualizados, como sucedeu com os cerca de 100 eminentes teólogos que foram proibidos de ensinar nas Universidades Católicas…pelo próprio João Paulo II. Pelos vistos, a censura continuou!

            João XXIII, Paulo VI, Francisco I – parabéns aos três luminares da Igreja que, à imagem e semelhança de Jesus de Nazaré, libertam as mentes e abrem ao mundo os umbrais da Vida e da Verdade!

            É Grande, Enorme o 15 de Junho de 1966!

 

            15-16.Jun.23

Martins Júnior

    


           

 

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