segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

FEVEREIRO AMARGO – PRIMEIRO QUE NA UCRÂNIA, ACONTECEU NO FUNCHAL E PRIMEIRO QUE NO FUNCHAL ACONTECEU EM RIBEIRA SECA, MACHICO

                                                 


Que sina ingrata marcou os descendentes filhos do Janeiro de ano novo! Não lhe bastou ao bastardo Fevereiro ver-se amputado de menos  três dias entre Janeiro e Março, como ainda sem piedade amaldiçoaram-no as cegas magmas planetárias da profundidade, por um lado, e a barbárie assassina dos humanos, por outro.

Hoje, fez-se silêncio na Ribeira Seca. O carrilhão sonoro recusou-se, envergonhado, à aparição da sua alvorada mensageira das boas-novas. Não lho permitiu Fevereiro amargo o habitual cantar matutino. Foi o 23 da guerra putina, em 2022, a que se juntaram, este ano, os tenebrosos sismos na Turquia e na Síria. Foi o 20 de 2010, na Madeira, com as tremendas aluviões que viraram o Funchal do avesso.

Embora sem as dimensões catastróficas citadas, mas – mutatis mutandis, considerando os parcos limites da Ilha – com idêntica criminalidade invasora pelo conluio das duas forças regionais superiores (a Igreja e o Governo, à revelia da Lei) a pobre e inofensiva Ribeira Seca, vista agora à distância de 38 anos, foi a Ucrânia antecipada, invadida pela ‘Federação Russa’ capitaneada por um outro Putin e um outro patriarca Kirilos, travestido de bispo católico regional. As atrocidades e os roubos então perpetrados por ordem das autoridades são sobejamente conhecidas, não obstante a indiferença da comunicação social insular.

Aconteceu em 27 de Fevereiro de 1985. O Povo não esquece jamais. Levou o ‘caso’ mais além,  numa bem sucedida exposição na Casa-Museu de Serralves, Porto, com uma inspirada composição escultórica do conceituado artista Rigo (Ricardo Gouveia). No ano transacto, tivemos a honrosa visita na Eucaristia festiva, celebrada pelo Bispo de Madagáscar, um ilustre madeirense radicado naquela ilha missionária.

 Para que o mundo não esqueça! Porque depois de Fevereiro amargo veio Março – Março maçargão que, em 18, nos devolveu a razão!

 

27.Fev.23

Martins Júnior 

sábado, 25 de fevereiro de 2023

EM DATA DE ANIVERSÁRIO “ O PÃO QUE O DIABO AMASSOU

 


Ai, o fragor furibundo deste corso “carnapalesco” que irrompe em quase todo o rotundo ‘carnódromo’ planetário e não só, mas sobretudo, na Ucrânia!!!... Eu sei que este meu grito – protesto, imprecação, revolta – não chegará nunca aos salões dourados onde se engendra o monstro da guerra. Conte apenas como um desabafo, senão mesmo de desespero - e com isso penitencio-me por não ser hoje o optimista que sempre desejei ser.

         Hoje, primeiro aniversário do monstro! Em vez de um bolo da praxe, aí temos o “pão que o diabo amassou”. Também estamos nós condenados a ‘comer’ desse pão maldito: ele entra-nos em casa, senta-se à nossa mesa, mistura-se no nosso prato e dá cabo do nosso equilíbrio emocional. Jamais imaginei (e decerto milhões de telespectadores) que, em vez de anúncios culturais, científicos, sociais e afins, somos assaltados por uma tremenda literatura armamentista, um arsenal bélico até agora fora do nosso convívio quotidiano: são os mísseis balísticos, os supersónicos, os drones suicidas iranianos, os Himars, tanques, carros de combate,  são as munições 55, as 122 e 123, são os caças F-16, são os Leopard II, enfim, toda uma terminologia que desemboca em “carne para canhão”, mutilados nos hospitais, corpos espalhados pelas estradas de Bucha e todos os dias em Kharkiv, Mariupol, Lugansk, Kherson, Zaparijjia…

Desestabiliza qualquer humano – a mim, intensamente, que ajudei a levantar do chão da picada 11 amigos meus, mortos numa mina anticarro – pensar que esse insuportável cenário é o “pão de cada dia” em terras ucranianas. Aqui, perto de nós, na Europa. Já não é lá no incivilizado Iraque ou no muçulmano Afeganistão ou no africaníssimo Sudão. Chamei-lhe, por isso, “carnapalesco” corso a estroutra ‘overdose’ de napalm que, sem um pingo de sensibilidade, destrói vidas no vasto “carnódromo” que me coube habitar durante mais de 80 anos.

     Hoje, de todo, não estou virado para o optimismo e para alguma esperança neste desconcerto de munições que são servidas em nossa casa, todos os dias, todas as horas. A história ensina-nos que os ditadores, como Hitler e Saddham  acabam, foragidos, em ‘bunckers’ suicidas. Mas nem isso me conforta, se o mesmo acontecesse com Putin.

A Paz é o único oásis que nos poderá devolver a alegria de viver neste ensurdecedor deserto que os homens fabricaram.

         Quando chegará o dia em que os arsenais de guerra transformar-se-ão em fábricas onde se produza pão em abundância com os imensos trigais ucranianos?...

        

25.Fev.23

         Martins Júnior

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

VALEU A PENA TER PASSADO POR AÍ ?...

                                                                                   


A inexorável ‘buldozzer’ do tempo tritura nas rodas dentadas da mais imperturbável insensibilidade aqueles que amaram, lutaram e fizeram da vida um desbravar sem tréguas de todos os muros que barravam o Futuro, esses de quem hoje somos herdeiros gratuitos.

Em 23 de Fevereiro de 2023, quem se lembrou de Zeca Afonso, neste seu dia de glória imarcescível quando ficou inerte na campa rasa de um  cemitério em Setúbal? A própria comunicação social regional e, muito pouco, a nacional e as redes sociais rasaram de silêncio e indiferença a sua campa.

Em Machico e neste SENSO&CONSENSO não podíamos esquecer aquele fim de tarde, já noite, ele ali esteve abraçado à estátua de Tristão Vaz Teixeira e, diante da enorme multidão que enchia o ‘Largo da Vila’ ,  ele, ao vivo, de braço erguido,  cantou o luminoso Cravo da Liberdade, a “Grândola, Vila Morena” ! Também jamais esqueceremos, com justificada indignação, os dez carros de militares que, tendo sido apagada a iluminação pública, desataram à coronhada contra as pessoas que fugiram espavoridas, às escuras, pelas ruas e atalhos que encontraram. Foi a paga das autoridades madeirense ao concerto libertador de Zeca Afonso, aqui, em 1976. E, na manhã seguinte, a bomba de 12 Kg de troril, montada pela ‘Flama’ para ser rebentada à sua passagem para o aeroporto!

Ao passar hoje e todos os dias diante da estátua no centro da cidade, ouço a sua interpelação para mim e para as gentes de Machico, aquela pergunta em epígrafe: “Valeu a pena?”…

 Fica o apelo incontido: Sejamos dignos dele, da sua mensagem inapagável!

Da minha parte, continuo a ouvir e a interiorizar a sua voz pregoeira neste excerto do poema que lhe dediquei em 23 de Fevereiro de 2017, 30º aniversário da sua morte:

                Porque eu ando por aí

                   Em tudo o que canta

                   Em tudo o que clama

                   Em tudo o que se alevanta

                   E olhando o sol sorri

                   Eu não morri

                   Porque vivo em ti

 

23.fev.23

Martins Júnior

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

OS RIOS QUE DESAGUAM EM CINZAS… CINZEIROS SEREMOS NÓS?!...

                                                                        


     Fechados os corsos de todos os “Rios de Fevereiro” (ainda que menos longos que o do Rio de Janeiro) entrámos na estereotipada “Quarta-Feira de Cinzas”. Foi o terceiro dia do Caro Vale - etimologicamente, o ‘Adeus à Carne’ – e trocámos a euforia de uma quase puríssima indumentária do paraíso terreal para desaparecermos num guarda-fato obscuro, taciturno, quase misantropo.

         Vejo-me transportado nesta ponte contraditória e, ao chegar ao fim dela, deparam-se-me humanos cinzeiros, não tão visíveis  nos couros cabeludos quanto nos de alcatifa puída, enquanto uma voz plangente como que vinda do Além vai sussurrando baixinho: “Lembra-te que és pó e em pó te hás-de tornar”. É o tom monocórdico em todos os templos, salpicado de uns pòsinhos mágicos que vão caindo sobre a cabeça dos fiéis devotos. Começa o solene tempo da Quaresma, do jejum, da abstinência, da penitência.

         Tudo bem, pois presunção, devoção e cinza benta toma-as quem quer. Pela minha parte, prefiro abrir o LIVRO e ler, reler, sempre ler Isaías Profeta e trazê-lo à mesa da consciência colectiva:

         Grita a  plenos pulmões, levanta como trombeta a tua voz e diz ao meu povo o que penso dos seus jejuns: “Não quero saber desses jejuns, dessas penitências. E porquê?...  Porque passais o tempo em rixas, discórdias e dais socos sem dó uns nos outros… porque não pagais o salário a quem trabalha para vós…porque o vosso jejum é só para tratar dos vossos negócios e interesses pessoais… Então achais vós que me agrada o sacrifício de um homem que se mortifica o dia inteiro, que inclina a cabeça como um junco ou que se veste de saco e deita-se num chão de cinza?!... O jejum que eu quero é outro: acabar com as prisões injustas, desatar as algemas da escravatura, libertar os oprimidos, repartir o pão com quem tem fome, recolher em casa os que andam perdidos sem abrigo, nunca voltar as costas ao teu povo, aos que pertencem à tua condição. (Isaías, cap. 58).

          O aviso de Iavé não se limita a mandar falar: GRITA !!! – é a palavra de ordem. Isto, há 2700 anos!!!

 E hoje, ainda perdemos tempo e queimamos neurónios com devocionismos fúteis e cabeças formatadas em cinzeiros para sabermos a evidência de todos os dias, ao menos quando abrimos as páginas da necrologia publicitária e vemos ali estampado o veredicto do Padre António Vieira: “Hoje somos pó erguido, amanhã seremos pó caído”.

         Mais surpreendente e plenamente libertadora é a frescura saudável que o nosso Mestre receita para aqueles que fazem o verdadeiro ‘jejum’, a verdadeira penitência:

“Quando jejuares, perfuma a tua cabeça, lava o teu rosto”! (Mat.6,17).

Não mandou pôr cinza nem cilícios.

         Que impressivo libelo acusatório contra o exibicionismo arcaico e farisaico de certos cultos pseudo-quaresmais!... No entanto, respeito quem se delicie num leito de poeiras acinzentadas e, eventualmente, acidentadas.

         Vale a pena reler Isaías, capítulo 58. E ainda Mateus, capítulo 6.

 

         21-22.Fev.23

         Martins Júnior

 

domingo, 19 de fevereiro de 2023

“OLH’À CRISE… CONTR’AOS BARÕES, MARCHAR, MARCHAR!!!”

                                                                              


    Nos intervalos do clamor que ecoa angustiante por todos os poros do planeta, ninguém levará a mal se me deixar varrer por instantes numa outra poeira (que não a do deserto que por aí anda) poeira batuqueira, marca ‘madeibrasilês’ em que toda a ilha está envolvida e que toma o embriagante rótulo de carnaval. Mais plumas e mais espáduas, mais lantejoulas ‘bacanas’ e ‘semi-eixos flutuantes’- o  efeito directo é um directo voo à fotocópia carioca, salvo raras excepções em que se aguça a criatividade, de onde emerge, diverte e afirma a originalidade. mais local que regional. Machico primou por apresentar-se nas ruas da cidade com esta desinibida expressão, retinta de humor e amor à terra, em defesa de valores ecológico-sociais, à mistura com gargalhadas carregadas de sentidos múltiplos.

         Transcrevo hoje a ‘mensagem’ positiva da trupe do CCCS-RS, com música, letra e coreografia originais, subordinadas ao tema em epígrfe:

REFRÃO

Olh’`a crise

Está chegando

Olh’à crise já chegou

Vai-te à crise

Que está apertando

Contra a crise

Eu vou, eu vou

Contr’aos barões, marchar, marchar

   

Mundo novo é a nossa canção

Terra nova é o nosso ideal

Contra a crise haja vida e acção

É a canção do nosso carnaval

  

(É divertido o solo  do ‘rapper-manager’ da trupe que, do alto do camarim móvel, alerta para a ‘rataria’ travestida de laranja que “ataca a semilha de toda a ilha e, por isso, não escapa nada. A terra ‘tá tremida, a Madeira ‘tá roída). Ridendo, castigo mores – já dizia o velho sábio latino.

 

         19.Fev.23, Domingo de carnaval

         Martins Júnior

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

PREITO DA MINHA GRATIDÃO E DA COMUNIDADE DA RIBEIRA SECA AO ENGENHEIRO DUARTE CALDEIRA

                                                                                            


De mal ficaria comigo mesmo se não manifestasse publicamente o meu apreço e gratidão ao Eng. Duarte Caldeira por quanto deixou exarado na edição de hoje, 17 de Fevereiro, em artigo de fundo do DN/Funchal. Observador atento à realidade insular,  Amigo e Solidário em várias frentes, sempre em prol da causa pública, quer nas lides do combate para a abolição do regime da colonia, quer na tribuna parlamentar, peço-lhe a permissão de incluir nos Dias Ímpares do SENSO&CONSENSO o artigo publicado no citado matutino, precisando, porém, a título de esclarecimento, que o processo judicial interposto pelo PSD tinha por fundamento um artigo-direito de resposta na imprensa regional, no qual afirmei:”O PSD abafou de forma comprometedora o inquérito parlamentar ao desaparecimento das pratas” (únicas no mundo) proposto então pelo CDS. Fez-se o julgamento, sendo advogado de acusação um jovem causídico de nome Miguel Albuquerque, que se apresentou em tribunal sem a devida procuração forense. O PSD perdeu a acção.


 

“Uma vida dedicada ao povo

D. Teodoro e D. António, Bispos Eméritos, principalmente o primeiro, deveriam ter a humildade de se dirigirem à Paróquia da Ribeira Seca e pedir perdão ao seu povo e ao Padre Martins

 

 

    Muitas pessoas quando são ainda muito jovens, crianças, escolhem o seu futuro através de uma formação quer seja através dos estudos, quer através da prática. Uns seguem uma vida académica, pois agora é obrigatório fazer pelo menos o nono ano, com tendências para passar para o 12º ano. Muitos iam estudar para o seminário, pois era o meio mais fácil para aqueles que tinham um vida difícil, em que a maioria não chegava a padre porque serviam-se da “fé” para conseguir um nível educacional mais elevado, não se limitando a ficar pela 3ª ou 4ª classe, como acontecia no tempo de Salazar e de Caetano.

 

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José Martins Júnior, ilustre machiqueiro estudou no seminário e foi graduado padre, ou seja concluiu o seu curso. Mas parece que foi um curso diferente. Não foi para servir a Igreja Católica, mas servir o povo onde foi pároco.

Foi Pároco na Igreja do Espirito Santo, freguesia e Concelho do Porto Santo. Cedo começou a trabalhar para o povo, fundando o Grupo Folclórico do Porto Santo, responsável também, pela música, pelo traje, pelos poemas e toda a coreografia. Começou aí a grande educação do povo que servia. Estávamos na década de 60 do século passado. Já nessa altura foi perseguido pela PIDE que se deslocou de propósito ao Porto Santo para o prender, mas os seus paroquianos não o permitiram. Foi guardado por eles, um dia na casa de um e outro dia na casa de outro. Os agentes da PIDE não conseguiram prendê-lo e às tantas convenceram-se que tinha vindo para a Madeira nalgum barco de pesca. Foi a primeira perseguição de que foi alvo. Seguiu-se o lugar de Capelão no Exercito português que combatia contra as ex-colónias. Cumpriu o seu tempo de serviço militar e regressou à Ilha da Madeira, onde foi colocado na Paróquia da Ribeira Seca em Machico. Rapidamente lançou as mãos à sua grande obra. Começou a construção da Igreja da nova Paróquia. Reuniu o povo e lá foi conseguindo o dinheiro suficiente para a sua edificação. Não havia Escola nas redondezas, nem água, nem luz, mas o seu grande interesse em servir o povo lá conseguiu a água e a luz. Enquanto construíam o edifício da Igreja, arranjou um anexo, coberto com folhas de zinco e assim surgiu a primeira escola primária da Ribeira Seca. Foi nesse “sala” de aulas que se realizou a primeira reunião da Madeira sobre a Colonia nos primeiros dias de Maio de 1974. Estava eu no meu trabalho quando recebi um telefonema do Padre Martins Júnior, que me pediu a colaboração para fazer uma reunião sobre a Colonia. Respondi afirmativamente e dois dias depois fizemos essa reunião, em que expliquei o que era a colonia e como se deveria resolver, segundo o meu ponto de vista. Estava aberta a luta dos caseiros contra aqueles que os exploraram durante séculos.

Em simultâneo seguiu-se o inicio da libertação do POVO de Machico e por isso foste perseguido pela própria Igreja da qual fazias parte. D. Francisco Santana foi nomeado Bispo do Funchal poucos dias antes da revolução dos cravos, mas só chegou à Madeira depois do 25 de Abril de 1974, até porque os aeroportos foram fechados. Com ele veio a tua perseguição e a outros que defendiam outros ideais que não fosse o fascismo. Esse Bispo prontificou-se a continuar aquilo que tinha sido morto no continente. Deu instruções aos padres para perseguirem os democratas e poderemos dizer que talvez perto de 100% aceitaram misturar a religião com a política, aproveitando os efeitos da consanguinidade e do alcoolismo durante mais de 500 anos, a que a nossa população esteve sujeita.

Um dia em que esse bispo foi a Machico crismar e te viu no meio do povo, disse-te para saíres e tu respondeste-lhe: “ expulse-me, caso contrário não saio”. “Se não saíres, serás suspenso”, retorquiu sua Eminência E foi assim que o Padre Martins Júnior que se encontrava na Igreja da Vila para ser padrinho de um jovem que iria ser crismado, foi suspenso por vingança de um Bispo, que entretanto tinha nomeado diretor do Jornal da Madeira uma figura conhecida e ligado ao fascismo através de escritas na Voz da Madeira, em que aplaudia Marcelo Caetano. Referimo-nos a um professorzinho da Escola Industrial e Comercial do Funchal, Alberto João Jardim.

 

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Claro que não obedeceste à suspensão e mantiveste-te na tua paróquia, servindo o povo, que não permitiu que fosses expulso daquilo que tinhas construído. Nunca levaste um tostão a nenhum paroquiano e nunca vendeste nenhum sacramento. O Povo uniu-se á volta do seu pastor e juntos conseguiram uma autêntica União Sagrada. Santana partiu para se encontrar com Lúcifer e para o seu lugar foi nomeado pela Santa Sé um novo bispo, madeirense: D. Teodoro Faria que pouco depois da posse foi contactado por Martins Júnior para fazer as pazes. Este Bispo, não só, não quis, como iniciou uma feroz perseguição contra ti, mandando, em conjunto com Alberto João Jardim e a concordância do Comandante da Policia o também madeirense Homem Costa, mandou 70 policia Tomar o edifício da Igreja da Ribeira Seca que não era propriedade da Diocese, mas do povo daquela localidade. Durou pouco tempo a ocupação, alguns dias, talvez um pouco mais de duas semanas e a vida voltou ao normal.

Mais tarde D. Teodoro resignou e foi nomeado outro Bispo, D. António Cavaco, primo de Cavaco e Silva, que foi Primeiro Ministro e depois Presidente da República, que apesar das tentativas de Martins Júnior para que fossem feitas as pazes com a suspensão da “suspensão ad Divinis”, não quis perdoar, como manda “o Pai Nosso” que rezam nas missas, embora deixasse de perseguir “o pastor da Ribeira Seca”.

Mas, sofreste outras perseguições, nomeadamente no primeiro mandato de Deputado na Assembleia Regional em que foste agredido pelo Deputado Egídio Pita numa sala ou corredora anexa à sala das Sessões. Mais tarde foste perseguido pelo Grupo Parlamentar do PPD que te retirou o mandato de Deputado, mas que recorreste e ganhaste a questão. Também foste acusado pelo mesmo Grupo Parlamentar de ter roubado as pratas que desapareceram da Assembleia Regional, quando se sabia que era gente do PPD que esteve ligado a esse caso e que a própria Policia Judiciária de então, arquivou o processo quando soube que havia gente “Graúda” do PPD metida no assunto.

D. Teodoro e D. António, Bispos Eméritos, principalmente o primeiro, deveriam ter a humildade de se dirigirem à Paróquia da Ribeira Seca e pedir perdão ao seu povo e ao Padre Martins Júnior pelo que fizeram e por aquilo que não fizeram. Também o então Pároco da Vila, O Conego Manuel Martins deveria fazer o mesmo por não permitir que a Imagem de Nossa Senhora de Fátima Peregrina entrasse na Igreja d Ribeira Seca.

 

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Mais tarde a Madeira ganhou mais um Bispo Emérito que foi substituído por D.Nuno que lavou a face da Igreja, retirando a Suspensão a que estiveste sujeito durante muitos anos.

Foste meu Vice-Presidente entre 2000 e 2003, quando eu fui Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista na Assembleia Regional da Madeira. Muito obrigado pela tua preciosa colaboração.

Para terminar queria fazer, publicamente, um pedido ao meu amigo Martins Júnior, que já lhe fiz diretamente, que é para escrever as suas memórias, para os jovens e o futuro saibam do grande Homem, grande Padre que foste e que o teu exemplo seja seguido pelo clero, como fizeram o já falecido Padre Tavares e o Padre José Luís Rodrigues.”

Bem hajas

Duarte Caldeira Ferreira

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17.Fev.23

Martins Júnior

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

UM SÓ CORPO E UM SÓ ESPÍRITO

                                                                     



                                              https://www.rtp.pt/play/p11057/em-entrevista-2023


Por fazer parte do corpo e do espírito dos ‘Dias Ímpares’ deste blog e para memória futura do ‘SENSO&CONSENSO’,  reproduzo para os meus companheiros de jornada a entrevista na RTP/M, sob compromisso de esclarecer posteriormente alguns excertos que o reduzido  ‘tempo de antena’ não permitiu explanar. Até breve.  


15.Fev.23

Martins Júnior

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

O TRÂNSITO DA HISTÓRIA E A PASSAGEM DE TESTEMUNHO NUM DISCURSO EXEMPLAR

                                                                              


É certo que no actual momento da história, a Igreja e o Mundo atravessam fronteiras tumultuosas que nos preocupam e não se compadecem com questões menores ocorridas numa povoação esparsa entre o rural e o urbano, mais a mais num espaço insular perdido no vasto Atlântico.

Mas não é menos certo que de um meio pequeno, de terreno escasso, possam surgir raízes e frutos, cujo alcance atinge cumes de exemplaridade perfeita para mais longas e altas esferas.

Está neste caso, o discurso do Revº. Cónego Manuel Ramos na sua entrada como novo pároco da Ribeira Seca, Machico, Madeira, em 12 de Fevereiro de 2023. Com a devida vénia e com reconhecida gratidão, aqui deixo reproduzido.          

        

 

“Caros irmãos

Saúdo fraternalmente cada um de vós, o povo da paróquia da Ribeira Seca, as autoridades presentes, visitantes, a minha família e amigos.

Usando o pensamento de São Paulo na sua primeira carta aos Coríntios apresente-me diante de vós cheio de fraqueza e de temor e a tremer deveras. A minha missão não se baseia na linguagem convincente da sabedoria humana, mas na certeza da poderosa ação do Espírito Santo que guia a sua Igreja e que me envia para o meio de vós (cf. 1Cor. 1-5).

Faz precisamente hoje 2 anos e 5 meses que cheguei a Machico e, também, 23 anos e 5 meses que presidi, pela primeira vez, à Eucaristia, chamada de Missa Nova. Pois, quis a Igreja que eu fosse sacerdote. Bendito seja o Senhor por colocar tão grande tesouro na argila deste humilde servo.

Pela ordenação sacerdotal, o sacerdote existe para a Eucaristia e ambos existem para a salvação do Povo de Deus. Assim, pela ordenação sacerdotal o padre é gerado para ser cooperador do Bispo e associado a ele nesta suprema missão, é constituído servidor do Povo de Deus. Na ordenação sacerdotal, é prometida a obediência e reverência para estar sempre ao serviço da Igreja, onde quer que o Espírito Santo o coloque em missão. E, cada vez que somos chamados a assumir nova missão, renova-se esta dimensão própria da vida do sacerdote.

Portanto, eis-me aqui Senhor, para esta nova missão, ao serviço do Povo de Deus, nesta lendária paróquia da Ribeira Seca.

Com este sentir, envolto numa beleza de paisagem natural, rodeada pelo mar e serra, neste vale de Machico, coloco-me como servo para o Povo de Deus presente nesta paróquia da Ribeira Seca, para convosco viver como cristão e crescer como pastor que vos é enviado a celebrar a Palavra e o Pão da Vida.

- Convosco quero caminhar, estando presente nos mais variados momentos da vossa vida, dos vossos costumes e tradições, nas alegrias e nas tristezas, estando no meio de vós a servir-vos, com a minha vida, a Igreja e os valores do Evangelho.

- Convosco quero partilhar as páginas da vossa história que representam o sinal de resiliência dum povo que sempre arregaçou as mangas para lutar pela vida e pela liberdade.

- Convosco quero acarinhar o trabalho incansável e histórico do senhor Padre José Martins Júnior, ao longo de quase 54 anos, nesta paróquia da Ribeira Seca.

Apesar de doravante o caminho a trilhar ser desafiante dizemos que ninguém é insubstituível. Contudo, ao se repensar melhor a frase, percebemos que ela é inverídica sob variados aspetos. Pois, ao longo dos tempos, o senhor Padre José Martins Júnior, dono de uma vontade própria e de um conjunto de talentos, que ninguém pode igualar, primou pela diferença.

Logo, neste caso, constata-se que a substituição é deveras considerada insubstituível. Acredito que vós bem o sabeis!

É verdade que ao longo destes anos, criou-se uma relação quase umbilical com as diversas gerações da Ribeira Seca o que propiciou o conhecimento e divulgação do trabalho realizado, nas mais diversas áreas, e colocando esta terra no mapa do mundo e inevitavelmente, na história de Machico e da Madeira.

Pelo testemunho de resiliência que o Senhor Padre Martins deu e continuará a dar a este povo e a esta terra de Machico, o meu eterno reconhecimento. Anseio que com essa vitalidade continue no meio de nós, a construir e a sonhar.

Quero agradecer a confiança depositada pelo Senhor Bispo D. Nuno Brás, na minha pessoa, ao confiar-me esta arriscada missão. Recordo que das conversas mantidas, inúmeras foram as vezes que hesitei perante o pedido. Porém, a sua determinação em confiar-me este serviço, fez-me aceitá-lo em obediência e amor a Jesus Cristo e à sua Igreja presente no povo da Ribeira Seca.

A todos os colaboradores e servidores, que ao longo dos anos coadjuvaram o senhor Padre Martins na pastoral desta paróquia, a minha gratidão.

O Papa Francisco evidenciou a vida sinodal da Igreja. A Igreja neste processo sinodal está a abrir novas janelas para novos tempos. Anseia-se, assim, uma Igreja onde todos caminham juntos. Desejo que este estilo e esta forma seja uma tarefa de todos nesta paróquia da Ribeira Seca. Por isso, é premente referir que todos são necessários à vida da comunidade, colocando ao serviço do bem comum os seus dons.

Quero agradecer a todos quantos prepararam esta tomada de posse.

A quantos tem enviado mensagens de felicitações e estimulo.

Igualmente agradeço à paróquia de Machico, o acolhimento destes dois anos e meio que recebeu a minha total presença e disponibilidade.

A partir da agora, embora, com duas comunidades, todo farei para manter o meu estilo de presença e disponibilidade para servir de igual modo as duas paróquias.

Rezai por mim. Eu rezo por vós!

Obrigado a todos”!

                                              Cón. Manuel Ramos

 

 

                13. Fev.23

            Martins Júnior

 

sábado, 11 de fevereiro de 2023

O “VELHO SIMEÃO” NA IGREJA DA RIBEIRA SECA

                                                                    


           Agora. Senhor, podeis deixar o vosso servo partir em paz.

Faço minhas textualmente as palavras do velho Simeão no templo de Jerusalém, escritas pelo evangelista Lucas (2, 27-28).

Na hora da entrada de um novo guia-caminheiro da população da Ribeira Seca para continuar a abrir clareiras de pensamento e acção, outras palavras não poderiam ocorrer-me senão as do ancião profeta que de há muito esperava partir.

         “Partir em Paz” !!!

         Ninguém mais que o Povo da Ribeira Seca, em que muito honrosamente me incluo, sentirá tão profunda e serenamente este Voto de “Partir em Paz”, após tantos anos de luta, de trepidação, de ostracismo descavilhados desde o Paço Episcopa Regional.

         Foi vitória do Bispo!

         Foi vitória minha!

         Mas, maior que todas, foi a vitória dos cristãos da Ribeira Seca que aguentaram ”de pé firme e confiante” e durante décadas seguraram a Fé no seu território! Viva !!!

         Para ser ainda mais expressiva a vitória, poderia o Prelado convidar os seus colegas anteriores (um, o principal, já morreu) para o ladearem como nos dias de solene Pontificado e contemplarem ‘ao vivo’ o epílogo de uma saga que terminou definitivamente, com dealbar de uma nova Primavera.

          E não nos esqueçamos de que somos apenas um breve episódio na grande metragem da história dos povos.

Saibamos todos nós escrever guião e marcha no insular quadrante ou na grande galáxia que nos coube viver.

VIVA A VIDA !!!

        

11.Fev.23

         Martins Júnior

 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

GRATIDÃO E PARTILHA: “ESTAMOS JUNTOS” !!!

 


Gostaria de mandar fazer um bolo doce que desse a volta aos seis sítios da Ribeira Seca e convidar-vos a partilhar comigo os sentimentos  que nutro por vós nesta hora de despedida.

 

Partilhei convosco a alegria dessa manhã de sol estival quando entrei neste lugar, dia 22 de Junho de 1969, recém-chegado da guerra colonial em Moçambique.

Partilhámos juntos as agruras de tantas vidas nesta  terra, então marcada pela ruralidade profunda, sem estradas, sem água potável, sem luz eléctrica.

Partilhámos a cedência do modesto salão da igreja para uma digna  escola pública   que a Ribeira Seca não possuía.

Partilhámos o ânimo das nossas romagens com versos e canções que espelhavam as nossas mágoas e  reivindicações, vigiadas pela polícia da “pide”, vinda do Funchal e disfarçada no nosso adro.

Partilhámos juntos a luta contra o regime da colonia em que os senhorios escravizavam os caseiros e vimos o justo fruto,  logo após o “25 de Abril de 1974”.

Partilhei dolorosamente o sofrimento dos paroquianos quando 70 efectivos da PSP ocuparam a igreja, embarrotaram as portas e invadiram a casa paroquial, levando consigo livros de assentos, registos, aparelhagem sonora, tudo o que quiseram, em 27 de Fevereiro até 18 de Março de 1985, às ordens da diocese e do governo regional, sem mandado judicial.

 Partilhámos o sabor da oração comunitária, aos domingos, nos poios e montados desta terra, enquanto a PSP mantinha a nossa igreja encerrada.

Partilhei sentidamente a alegria do regresso ao adro e ao altar do nosso templo, após a saída voluntária e, por isso, ‘misteriosa’ das forças policiais.

Agradeço a firmeza da vossa fé, mesmo depois da suspensão A Divinis sem processo e sem qualquer fundamento jurídico.- canónico, desde 1977.

Partilhámos a renovação arquitectónica da nossa igreja em 1999 e a colocação do carrilhão e relógio na torre em 2004, apesar da proibição e ameaças do bispo diocesano.

Partilhámos a humilhação que a diocese infligiu aos cristãos e ao padre  da Ribeira Seca quando, em 8 de Maio de 2010, não deixou que a Imagem Peregrina entrasse no adro e na igreja, perante a  estupefação da multidão, escandalizada e pacificamente revoltada com a vergonha que ali presenciou, ao vivo.

Partilhámos, enfim, o troféu da nossa justa resistência, em 2019, com a revogação, por parte do novo bispo, também sem  processo,  da dita suspensão, não obstante o meu desejo que se abrisse processo jurídico-canónico para saber o porquê de 42 anos  suspenso do ministério para o qual fui ordenado em 1962.

Partilho efusivamente convosco a tenacidade das vossas convicções espirituais e teológicas, ao suportar 50 anos de ausência de Crismas nesta igreja, por injustificável denegação de três sucessivos prelados diocesanos, situação que ficou definitivamente ultrapassada em 5 de Dezembro de 2021, dia em que 92 crismandos receberam o Sacramento da Confirmação.

 

Por todos estes feitos e muitos que foram partilhados convosco, o meu encendrado Preito de Gratidão às gentes da Ribeira Seca, com o mais condoído sentimento de saudade pelos que já não estão connosco, esses que jamais serão esquecidos. Fostes vós, Povo da Ribeira Seca,  que segurastes a Fé e consolidastes a verdadeira Igreja, não só as paredes, mas sobretudo a alma dela, que são as Pessoas, o Povo de Deus!

Mais uma palavra de gratidão a todos aqueles, sacerdotes e leigos, homens e mulheres, que nunca nos abandonaram nas horas mais dramáticas deste percurso: foram teólogos, professores universitários, músicos e artistas de renome nacional, psicólogos, jornalistas e até militares, quase todos vindos do território continental e cujos nomes serão evocados noutra circunstância. Bem hajam pela vossa coragem e coerência!  Da Madeira, não posso deixar de inscrever, hoje mesmo,  quatro sacerdotes memoráveis que não temeram as ameaças de ‘suspensão’ se viessem celebrar à igreja da Ribeira Seca. São eles:  Padre Alfredo Vieira de Freitas, meu exímio professor de Literatura Portuguesa, Padre Rafael Maria Andrade, Padre Mário Tavares Figueira, já falecidos, e o grande, vivo e intemerato  Padre José Luís Rodrigues.

Aos assíduos e dedicados jovens da nossa Tuna, os de hoje e os de ontem,  o abraço de quem agradece o vosso sentido estético e a partilha sócio-cultural, vós que tornastes menos velho este octogenário, vosso  amigo e colaborador. A Música – tal como a Vida – continua!

A última saudação – como se fosse a primeira de sempre - - é aquela que ouvi da boca dos africanos de Moçambique,  vítimas das cheias no ano 2000,  quando, em forma de agradecimento aos  donativos oferecidos pelo  Povo da Ribeira Seca, diziam-me  na hora da  despedida:

ESTAMOS JUNTOS !!!

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 Em virtude das várias notícias difundidas pelos media e pelas redes sociais, achei por bem silenciar-me nestes últimos dias e proceder hoje ao necessário e, para mim, aprazível Preito de Gratidão e Compromisso.

            09.Fev.23

            Martins Júnior

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

AINDA CONFISSÕES E CONFESSIONÁRIOS (2) – A QUEM SE CONFESSA PUTIN?.

                                                                        


    Além da motivação primeira que originou os considerandos ontem formulados (a citação da historiadora Raquel no programa “O Último Apaga a Luz”) juntou-se o anúncio de 150 confessionários no titulado “Parque do Perdão” a instalar no âmbito das JMJ – Jornadas Mundiais da Juventude, decisão que respeito, embora com voto de ‘Vencido’.

         Na sequência das reflexões ontem produzidas – todas de ordem ético-jurídica e de direito natural – hoje tentarei entrar no Santa Sanctorum, no Santuário ou na essência da Religião Revelada, sabendo-se que esta é a que nos legaram os textos bíblicos, em oposição à religião sobreposta, também chamada canónica, metamorfoseada pelo Magistério das Igrejas.

         Toda a vida do Líder do movimento ético-sacro-social de Jesus de Nazaré foi pautada pela transparência saudável, sem dobras nem peias, fosse entre pessoas, fosse entre instituições. As formas instrumentais da religião – rituais, mímica, incensos, velas, promessas pias e promessas vãs, culto salomónico – tudo isso fica a léguas de distância e de nada vale ante a transparência e a franqueza de um coração sincero. Até mesmo os normativos da lei moisaica caem por terra quando se lhes interpõe um valor maior, o da lealdade, ou uma lógica mais intensa, o do serviço ao próximo: Não é o Homem que está ao serviço do Sábado, mas o contrário, é o Sábado que está ao serviço do Homem (Marcos 2, 23-28 ). Traduzindo: Não é o Homem que está ao serviço da Religião, mas a Religião ao serviço do Homem. E foi por esta lógica e por este Evangelho que os magnatas da Sinagoga, sumos-sacerdotes, escribas, fariseus não descansaram enquanto não O assassinaram!

         Feita esta longa, mas necessária, introdução, voltemos à questão inicial: Perdão, onde moras?... E quem é aquele que tem o poder-direito de perdoar?... Qual o preço desse perdão?... Ou, apropriando-nos da nomenclatura da JMJ, ousamos perguntar: Onde é que fica situado o tal ‘Parque do Perdão’?...

         Tentando aproximar-me da metodologia propedêutica de Jesus, o  Super-Mestre da História, reduzirei à extrema simplicidade a sua geografia do Perdão, na sequência dos cinco marcos descritos no anterior blog:

         Sexto: Onde mora o Perdão?...  Leiamos Mateus, capítulo V:

Se fores ao altar do Templo para oferecer uma dádiva ao Senhor e aí te lembrares que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa aí a tua oferta diante do altar, vai lá fora reconciliar-te primeiro com o teu irmão e, só depois disso, volta a entrar no Templo para que a tua oferta seja aceite pelo Senhor. (Mt.20, 23-24)

         Primeiras conclusões: Onde não  mora o Perdão? –  Dentro da igreja, com ou sem paredes, muito menos numa parcela da igreja, o confessionário. Onde, então, morará o Perdão? – Fora da igreja, diremos, no local do crime e, sobretudo, no encontro mútuo entre os dois polos beligerantes. Sem procuradores, sem advogados, sem ‘juízes de fora’, alheios ao conflito. Sai da igreja,- ensinou o Mestre -  vai reconciliar-te com alguém que está lá fora.  E o processo gerador do Perdão, de quem depende e qual o preço?... Condição ‘sine qua  non’ é a formulação directa e sincera do pedido do jnfractor  (e, sendo caso, o ressarcimento), seguidos da receptividade do lesado. Esse será o Perdão Perfeito! Convenhamos que não é factura leve reconhecer o erro e a culpa, humilhar-se diante da vítima e pedir-lhe  benevolência! Da parte da vítima, não será menos penoso reconverter os naturais impulsos de retaliação e olhar complacentemente a mão que a roubou, a boca que a caluniou, o coração que a atraiçoou. Há perdões que só se concedem misturados com lágrimas. Mas sempre face-a-face, os dois: na rua, na porta do vizinho, nas quatro paredes do quarto! É o Perdão que Jesus propõe, subscreve e aceita.

         Sétimo: E assim interpretaram os seus discípulos, os seus adeptos, desde a primeira hora. Entre eles, São Tiago, seu primo, primeiro bispo de Jerusalém, assassinado pelos ‘hierarcas-donos’ da Sinagoga. Eis como ele se dirige ao pequeno grupo de simpatizantes, residentes na cidade, crentes na Boa Nova que Jesus trouxera:

         Confessai os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros para serdes salvos. (Tiago, Carta, 5,16).     

         Serão precisos mais dogmas, mais anátemas contra o preceituado por Jesus e por Tiago?... Os séculos, os milénios, o clero e o Papado não conseguirão nunca apagar o que está escrito: Confessai-vos uns aos outros. Podem estrangular - calar é que não!

Oitavo: Estou a ouvir crentes devotos contrapondo o exposto – e respeitosamente aceito, embora com voto de ‘Vencido’ – através de citações bíblicas, tais como em João Evangelista: Serão perdoados os pecados a quem os perdoardes (Jo. 20,23 ) Certo. No entanto, como compaginar esta citação (susceptível de várias interpretações) com a transparência clara, unívoca, das palavras de Jesus e de Tiago? Em que ficamos?... A clareza e a lógica não deixarão dúvidas a um intérprete de boa-fé.

         Nono: Mas se ainda subsistirem reticências duvidosas sobre a hermenêutica do texto, leiamos toda a Carta de Tiago de Jerusalém para descobrirmos o paralelismo perfeito com o pensamento de Jesus de Nazar, no tocante ao realismo da vida quotidiana com os padrões de virtude e santidade preconizados pelo Mestre. Veremos quanto a teologia enraíza e cresce ao ritmo da antropologia tal como intuiu o cientista-teólogo Teilhard de Chardin.

Não temos reflectido o suficiente sobre a permuta que a Igreja fez no ‘Pai-Nosso’. Nós rezamos Perdoai as nossas ofensas… Mas, no original, Jesus foi mais concreto: Perdoai as nossas dívidas… Com feito, toda a ofensa – agressão, roubo, calúnia – resulta sempre numa dívida contraída com alguém! Que exige reparação, restituição, ressarcimento.  E ‘lá vem aquela frase batida’: A quem se confessa Putin?

         Décimo: Visto e provado que o Perdão é um acto-contracto bilateral entre agressor e agredido, entre devedor e credor, que lugar ocupa Deus neste binómio? À primeira vista, parece que nenhum, mas à profundidade, Deus ocupa o espaço todo. Porquê?

Consultemos, de novo, o LIVRO e leiamos o evangelista Mateus, capítulo 25, versículos 31 e sgs.: Tudo o que fizestes a um dos mais pequeninos foi a Mim mesmo que o fizestes. E tudo o que deixaste de fazer a um dos mais pequeninos foi a Mim mesmo que o deixastes de fazer. O nosso Mestre precisou bem o objecto do serviço ou da doação: não foram promessas, velas, incensos, missas, procissões ou confissões, mas soluções concretas para problemas concretos: Pão para a fome, Água para a sede, Abrigo para o abandono sem refúgio, Visita a um doente, a um preso.

Além da objectivação da matéria de facto, o mais profundo e retumbante (e que faz de Jesus o Maior Líder Religioso da História) é verificar a portentosa identificação da Divindade com a Humanidade. Em nenhuma outra Religião se instaurou este princípio basilar: Deus (‘re)-incarnado’ na pessoa humana, por mais insignificante ou indefesa que pareça. Tão decisivo este princípio, que até está na base de todo o ordenamento jurídico-penal do cristianismo!!! Por outras palavras: é por ele que seremos julgados: Tudo o que fizestes a um dos mais pequeninos foia Mim que o fizestes.

Precisamente neste entroncamento é que se situa o elemento religioso: só ofendemos a Deus quando ofendemos ou prejudicamos alguém. Se o “agravo” a Deus passa pelo “agravo” feito a alguém, na mesma lógica, o Perdão de Deus só acontece através do Perdão desse alguém. Portanto, é este Perdão humano que tem a precedência sobre o Perdão religioso. Infelizmente, por cobardia, têm-nos ensinado o contrário: pretendemos chegar a Deus sem passar pela pessoa humana. Inútil, abusivo, farisaico! Primeiro, vai lá fora falar com quem ofendeste e, só depois, vem ao altar.

Trago agora à colação, os 150 confessionários e o eufemístico ‘Parque do Perdão’ da JMJ. Por hipótese, uma alma cheia de escrúpulos e bem intencionada vai confessar-se num deles e ficar ainda com algum remorso de não ter-se confessado correctamente. E passa para outro e deste para um terceiro e um quarto, até chegar ao último do 150 confessionários, mas ainda carente, duvidando do perdão do confessor. E tem toda a razão: os erros, os roubos, as calúnias, as agressões que confessou a um estranho (ou aos 150) foram entregues a destinatários errados, desconhecidos, talvez de outras nacionalidades. O destinatário certo, o lesado ou agredido, é aquele ou é aquela que o agressor conhece bem e, possivelmente,  vive perto da sua casa ou dentro dela. Nestes termos (e sem menosprezo por quem procura no confessionário uma espécie de catarse psicológica) é legítimo concluir que o apregoado “Parque do Perdão” não mora na Bobadela da JMJ.

E agora, a resposta à tal ‘frase batida’: A quem se confessa Putin?... Ele é cristão e ortodoxo. A quem se confessa?... A essa ‘múmia’ extra-terrestre, de nome Kirilos, Patriarca de Moscovo, auto-proclamado Representante de Cristo na terra… e  seu antigo camarada do KGB!... Quem é que atura tão ridícula e blasfema comédia orto-religiosa?! E as famílias que ele sangra de dor em campo de guerra, os mortos em combate, a destruição de cidades e comunidades, as crianças atiradas ao abandono, à fome, aos escombros?... Putin, o assassino, também se confessa e comunga… Só por isto, sobram razões para descre de uma farsa chamada confissão!

    Peço desculpa a quem teve a paciência de acompanhar-me nesta íntima introspecção aprendida ao longo da vida, peço também desculpa se ofendi a mentalidade e a sensibilidade de quem pensa o contrário, Pretendi apenas justificar por que é que eu, nos 60 anos de ordenado padre católico, não ouço confissões há mais de 50, celebrando em seu lugar a “Festa do Perdão”, um acto comunitário no templo da Ribeira Seca, previamente preparado, consoante a expressão de um velho paroquiano, já falecido, que dizia: ‘O Perdão é como o pão, tem que se trazer de casa, amassado e cozido”.     

Festa do Perdão, sublinho  – porque o Perdão Perfeito há-de terminar em festa – a Festa do Abraço, da Paz, da Fraternidade!

 

03.Fev.23

Martins Júnior