quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

GRATIDÃO E PARTILHA: “ESTAMOS JUNTOS” !!!

 


Gostaria de mandar fazer um bolo doce que desse a volta aos seis sítios da Ribeira Seca e convidar-vos a partilhar comigo os sentimentos  que nutro por vós nesta hora de despedida.

 

Partilhei convosco a alegria dessa manhã de sol estival quando entrei neste lugar, dia 22 de Junho de 1969, recém-chegado da guerra colonial em Moçambique.

Partilhámos juntos as agruras de tantas vidas nesta  terra, então marcada pela ruralidade profunda, sem estradas, sem água potável, sem luz eléctrica.

Partilhámos a cedência do modesto salão da igreja para uma digna  escola pública   que a Ribeira Seca não possuía.

Partilhámos o ânimo das nossas romagens com versos e canções que espelhavam as nossas mágoas e  reivindicações, vigiadas pela polícia da “pide”, vinda do Funchal e disfarçada no nosso adro.

Partilhámos juntos a luta contra o regime da colonia em que os senhorios escravizavam os caseiros e vimos o justo fruto,  logo após o “25 de Abril de 1974”.

Partilhei dolorosamente o sofrimento dos paroquianos quando 70 efectivos da PSP ocuparam a igreja, embarrotaram as portas e invadiram a casa paroquial, levando consigo livros de assentos, registos, aparelhagem sonora, tudo o que quiseram, em 27 de Fevereiro até 18 de Março de 1985, às ordens da diocese e do governo regional, sem mandado judicial.

 Partilhámos o sabor da oração comunitária, aos domingos, nos poios e montados desta terra, enquanto a PSP mantinha a nossa igreja encerrada.

Partilhei sentidamente a alegria do regresso ao adro e ao altar do nosso templo, após a saída voluntária e, por isso, ‘misteriosa’ das forças policiais.

Agradeço a firmeza da vossa fé, mesmo depois da suspensão A Divinis sem processo e sem qualquer fundamento jurídico.- canónico, desde 1977.

Partilhámos a renovação arquitectónica da nossa igreja em 1999 e a colocação do carrilhão e relógio na torre em 2004, apesar da proibição e ameaças do bispo diocesano.

Partilhámos a humilhação que a diocese infligiu aos cristãos e ao padre  da Ribeira Seca quando, em 8 de Maio de 2010, não deixou que a Imagem Peregrina entrasse no adro e na igreja, perante a  estupefação da multidão, escandalizada e pacificamente revoltada com a vergonha que ali presenciou, ao vivo.

Partilhámos, enfim, o troféu da nossa justa resistência, em 2019, com a revogação, por parte do novo bispo, também sem  processo,  da dita suspensão, não obstante o meu desejo que se abrisse processo jurídico-canónico para saber o porquê de 42 anos  suspenso do ministério para o qual fui ordenado em 1962.

Partilho efusivamente convosco a tenacidade das vossas convicções espirituais e teológicas, ao suportar 50 anos de ausência de Crismas nesta igreja, por injustificável denegação de três sucessivos prelados diocesanos, situação que ficou definitivamente ultrapassada em 5 de Dezembro de 2021, dia em que 92 crismandos receberam o Sacramento da Confirmação.

 

Por todos estes feitos e muitos que foram partilhados convosco, o meu encendrado Preito de Gratidão às gentes da Ribeira Seca, com o mais condoído sentimento de saudade pelos que já não estão connosco, esses que jamais serão esquecidos. Fostes vós, Povo da Ribeira Seca,  que segurastes a Fé e consolidastes a verdadeira Igreja, não só as paredes, mas sobretudo a alma dela, que são as Pessoas, o Povo de Deus!

Mais uma palavra de gratidão a todos aqueles, sacerdotes e leigos, homens e mulheres, que nunca nos abandonaram nas horas mais dramáticas deste percurso: foram teólogos, professores universitários, músicos e artistas de renome nacional, psicólogos, jornalistas e até militares, quase todos vindos do território continental e cujos nomes serão evocados noutra circunstância. Bem hajam pela vossa coragem e coerência!  Da Madeira, não posso deixar de inscrever, hoje mesmo,  quatro sacerdotes memoráveis que não temeram as ameaças de ‘suspensão’ se viessem celebrar à igreja da Ribeira Seca. São eles:  Padre Alfredo Vieira de Freitas, meu exímio professor de Literatura Portuguesa, Padre Rafael Maria Andrade, Padre Mário Tavares Figueira, já falecidos, e o grande, vivo e intemerato  Padre José Luís Rodrigues.

Aos assíduos e dedicados jovens da nossa Tuna, os de hoje e os de ontem,  o abraço de quem agradece o vosso sentido estético e a partilha sócio-cultural, vós que tornastes menos velho este octogenário, vosso  amigo e colaborador. A Música – tal como a Vida – continua!

A última saudação – como se fosse a primeira de sempre - - é aquela que ouvi da boca dos africanos de Moçambique,  vítimas das cheias no ano 2000,  quando, em forma de agradecimento aos  donativos oferecidos pelo  Povo da Ribeira Seca, diziam-me  na hora da  despedida:

ESTAMOS JUNTOS !!!

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 Em virtude das várias notícias difundidas pelos media e pelas redes sociais, achei por bem silenciar-me nestes últimos dias e proceder hoje ao necessário e, para mim, aprazível Preito de Gratidão e Compromisso.

            09.Fev.23

            Martins Júnior

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