terça-feira, 31 de maio de 2022

PARA QUE OS HOMENS NÃO ESQUEÇAM O QUE A HISTÓRIA LHES REPETE…

                                                                        


Muito a contra gosto, mas forçado pela verdade dos factos e seus desenvolvimentos, transcrevo o VOTO DE CONGRATULAÇÃO aprovado pela Assembleia Municipal de Machico em 2019, subscrito pelo seu Presidente Dr. João Bosco da Costa de Castro e entregue em 8 de Maio de 2022, na sessão solene do  Dia do Concelho.

Reservo-me o direito de amanhã apresentar o teor da minha interpretação e resposta, tal como proferido na mesma sessão comemorativa.   

 

“VOTO DE CONGRATULAÇÃO

PELO DECRETO DE REMISSÃO DA PENA DE SUSPENSÃO “A DIVINIS” DO PADRE JOSÉ MARTINS JÚNIOR

“A Assembleia Municipal de Machico congratula-se pelo fim da suspensão ‘a divinis’ do padre José Martins Júnior por considerar que tal situação não fazia sentido, passados tantos anos, depois das consequências inflamadas do “verão quente” e dos entusiasmos exacerbados e próprios dos movimentos revolucionários.

Tal situação já se arrastava há demasiado tempo, tendo o atual Bispo do Funchal, D. Nuno Brás, há poucos meses a dirigir a Diocese do Funchal, resolvido o assunto com serenidade, sensibilidade e diálogo.   

No dia 27 de julho de 1977, o então Bispo do Funchal, D. Francisco Santana, decretou, administrativamente a suspensão ‘a divinis’ do Revdo. Padre José Martins Júnior pelo delito previsto no cânone 2401 do Código de Direito Canónico de 1917, então em vigor. Agora, revogado esse decreto, ficam o padre Martins Júnior e a comunidade pastoral da paróquia da Ribeira Seca, integrados plenamente na Diocese do Funchal e na comunhão católica, terminado o ato  discriminatório que muito prejudicava, segundo o Direito Canónico, a comunidade da Ribeira Seca.

A AMM considera que, finalmente, se fez justiça, pois a Republica é laica, o poder espiritual não deve interferir no poder temporal, estes devem ser fervorosamente independentes entre si.

Por isso, a  Assembleia Municipal de Machico congratula-se pela revogação da suspensão ‘a divinis’  do Padre Martins Júnior”.

 

            31.Mai.22

         Martins Júnior

domingo, 29 de maio de 2022

REVÉRBEROS DE UM DIA DA ASCENSÃO

 

                                       


“Ânsias de subir, cobiças de transpor”

                            Goethe, in “Fausto”

“Uma alma que se eleva – eleva o mundo”

                                                   Madame Leseur

Todos trazemos nos genes o grito ascensional da vida. Ninguém se atreva a matar a génese da nossa própria sobrevivência.

 

         29,Mai.22

         Martins Júnior

sexta-feira, 27 de maio de 2022

DA MEMÓRIA PASSADA PARA A MEMÓRIA FUTURA - 27 FOI A VÉSPERA…

                                       


Todos acordaremos em 28 de Maio.

Mas poucos lembrar-se-ão que entraremos nos 96 anos daquela noite que abriu outra maior. Chamaram-lhe pomposamente a “Revolução Nacional”.

Fizeram-na os generais, o sacro simpósio da Igreja reunida em Braga abençoou e o Povo gostou. Nos três braços trouxeram a Portugal a Censura, a Polícia Política, a Ditadura.

Até Abril de 1974!

Foi quando os mesmos braços (menos o da Igreja institucional) romperam o “espesso negrume” e fizeram manhã de sol em Portugal: os Militares e o Povo!

O que faz falta é olhar com ‘olhos de ver’.

Os mesmos corpos por aí andam:

Os do Maio/26 como almas penadas esfaimadas de fósseis de sangue herdeiro.

Os de Abril e Maio/74 arremessando renovados cravos até tapar a noite toda já passada.

Nas ameias do castelo, não parem de tanger as trombetas vigilantes;

“Hoje somos nós os Militares e o Povo do Abril/Maio de 74” !!!

  “Vinte e oito de outros Maios” – Tão iguais e tão diversos !

 

         27.Mai.22

         Martins Júnior


quarta-feira, 25 de maio de 2022

90 DIAS, 900 ANOS, 9000 SÉCULOS, 900000 MILHÕES….. JEREMÍADA AO RÉS-DO-VENTRE MATERNO

                                             


Atiraste-me –me à ‘baía dos porcos’

quando sonhavas de azul o meu olhar

e o mundo que me deste            

 

mas o troar das ondas enrolou-me pés e braços

e enjaulou-me na furna do inferno

lá onde tridentes punham crianças espetadas

e delas faziam sua diversão

 

mais fundo me levaram para pegar em peixes verdes

que me fugiam entre os dedos

e logo desfaziam corpos encharcados em camuflados de sangue novo

 

e vi  mortos pútridos trocados

por outros semi-vivos colados às grades da prisão 

 

 num tombo de abismo toquei o sacro tubarão mitrado

torcer a cruz e o seu desnudo mártir

e transformá-lo em arma de canhão

nas mãos do monstro dono da terra do mar e do ar

 

Atrás de cada onda, outra maior

em cada fundo outro mais fundo

os dois, a véspera do futuro

e vi que as ondas eram também as minhas mãos

mãos iguais às minhas, ossos dos meus

 

Ventre de Mulher, por que não me fizeste pedra chã

cinza ou lama ou  réptil para não ver o breu sangrento

que trago nas mãos

- porque foram iguais às minhas as mãos que o fizeram ?!...

 

……………

Tapar o rosto e bradar como Jeremías Profeta:

Se foi para isto,

“Maldito o dia em que me pariste”!

 

25.Mai.22

Martins Júnior

 

segunda-feira, 23 de maio de 2022

COINCIDÊNCIAS, SIMULAÇÕES, CONTRADIÇÕES – A TRILOGIA DA CRUZ

                                                                                  


O azul cobriu-lhe o berço último e o sol de maio domingueiro abriu-lhe o caminho. Oitenta anos feitos e o dobro deles, vividos e sofridos.  Franzina e rija como as árvores que morrem de pé, deixou a terra mais verde, a comunidade mais forte. Tantas vezes lutou contra o anjo da morte e outras tantas venceu-o, regressando ao chão da vida, ressuscitando na manhã de cada dia, desfolhando cravos de otimismo por onde quer que passasse.

Mas desta vez sucumbiu. Foi o último combate.

Veio dizer adeus ao seu povo, ali no supedâneo do templo que ela ajudou a construir e que tanto amava. Ali, no mesmo lugar onde, semanas antes, estivera a Cruz-talismã das “Jornadas Mundiais da Juventude”.

Olhei o caixão de pinho, recuperei o cruzeiro jovem e veio-me ao pensamento aquele vendável de abismo e fé produzido pelo Padre António Vieira no imponente santuário de  São Luís do Maranhão, em pleno Nordeste Brasileiro: “As cruzes do crucificado que estão nas igrejas são imagens falsas, porque não padecem nem sofrem. Imagens verdadeiras de Jesus são os pobres, os doentes que padecem e sofrem”…

Então vi em plena luz que aquela caixa de pinho era maior que ela: era uma enorme Cruz que abraçava corpo e alma da Teresa, octogenária sempre jovem, sempre ressuscitada. Foi esse o seu percurso, uma Cruz física, psicológica, familiar, social, dedicada a uma comunidade que era sua, também marcada pela luta em prol de mais justiça, mais saúde e alegria. Ela transportou toda a vida a verdadeira Cruz de que falou o soberano orador português, há mais de quatrocentos anos.

A essa mesma hora, vibravam vistosos e altissonantes em terras açorianas os coros quase celestiais em merecida homenagem ao Santo Cristo, uma ‘imagem’ de Jesus  macerado e triste na efígie, mas ‘compensado’ pelo pesado  recheio de ouro em profusão que lhe pendia dos ombros a mais não poder. Opas guarnecidas, casulas bordadas a filigrana principesca, mitras flamejantes, oratórias salomónicas, enfim, tudo em honra do Flagelado coberto de joias - e em manifesto proveito de romeiros e figurantes…

Coincidências, simulações, contradições!

Nas sua pupilas de sangue poderia ler-se o que Ele, Jesus, disse um dia: “Quem tem ouvidos para entender – que entenda! Quem tem olhos de ver – que veja”!

Ontem, domingo, à mesma hora, no silêncio de um cortejo sentido, emocionado, seguia viagem para o seu apartamento final a nossa querida e saudosa octogenária, enquanto ecoavam no mais íntimo de nós mesmos ‘aquela frase batida’ há quatro séculos lembrada: “As verdadeiras imagens de Jesus são os que padecem”……..

  

23.Mai.22

Martins Júnior

sábado, 21 de maio de 2022

REVOLUÇÃO NA ESCOLA !

 

 


Ninguém viu, ninguém ouviu, ninguém sentiu.

Quando digo “Ninguém”  digo o vasto mundo, os guarda-livros do poder, os de ‘boa-vontade’ de desenhar e de tamanha ‘má-vontade’ de agir. E que neste embalo d’alma “ledo e cego” dormem descansados na almofada do dolce far niente, nada fazer e deixar correr, mesmo que seja o abismo. É a expressão grosseira do nefasto liberalismo escolar: laissez faire, laissez passer!

Não deu nas vistas, mas o que se passou nestes dois últimos da semana em Machico, foi um tumulto silencioso, um maremoto sacudidor das ilhas (a que chamamos escolas) onde se argamassa o mundo de amanhã. Digo bem – ilhas! – porque foi esse esse um dos grandes vectores-alvo de todas as intervenções produzidas neste que foi o “II SEMINÁRIO DA EDUCAÇÃO E COMUNIDADE”: o conceito de Escola que, no século XXI, ainda continua disperso, distante, desarticulado da vida, como se pernas, braços, coração, pulmões e cérebro, situados a léguas de distância uns dos outros, pudessem chamar-se corpo humano em normal actividade de funções.

Ilustres e experimentados mestres em Portugal e no estrangeiro aportaram às terras de Tristão Vaz e, mais que o navegador quinhentista, desbravaram “aquele espesso negrume” em que mergulha e se afoga o ensino das crianças e jovens de hoje, o mesmo que dizer os homens e mulheres de quem estamos à espera na primeira curva do amanhã. Reitero o elenco de primeira água que a entidade promotora, a Câmara Municipal de Machico, trouxe até nós: o Prof. José Pacheco (da famosa escola da Ponte) o Prof. Dr. Carlos Neto, o Prof. Dr. Jacinto Jardim, a Profª Dr.ª Cosme Ariane, a Profª. Drª. Maria João Beja, o Prof. André Escórcio, a Drª Emília Spínola, a Profª Alexandra Teixeira. Estes e outros ‘colaboradores dos que aprendem’ falaram, esclareceram o imenso auditório (maioritariamente docentes)  não só sobre a teoria do saber académico, mas sobretudo de “um saber de experiência feito” acerca dos métodos e objectivos que devem presidir à Escola – uma escola do futuro, intensamente inclusiva e que não corte às crianças as asas do sonho, que não faça delas ‘robots’ telecomandados, mas que as liberte para a vida, para a socialização, para a inteira formação humanista, telúrica, abrangente.

Educação telúrica!... Sem o contacto com a terra, a natureza, o corpo e, em perfeita simbiose, com a cultura, a escola e a família, nunca haverá Escola perfeita. Foi este o fio condutor destas jornadas que bem merecem o estatuto de “memoráveis” em toda a vida daqueles que tiveram o privilégio de as  acompanhar e sentir.

  A partir de hoje, em  Machico, um novo fôlego transformador da história nasceu: o despertar para a verdadeira Escola: a Vida !

 

21.Mai.22

Martins Júnior

quinta-feira, 19 de maio de 2022

20 ANOS DE SOL NASCENTE EM LORO-SAE !!!

                                                                         


Acrescentem mais 17 pilares de exclamação para emoldurar os 20 anos de Libertação, Aponham 20 luzeiros erguidos ao alto, brilhantes, candentes do Sol que não tem ocaso. Semeiem 20 embondeiros cobrindo de frescura e magia o ardente braseiro do Leste timorense.

Daqui de longe, saudamos a marcha dolorosa e gloriosa de um Povo que soube talhar na magreza dos próprios ossos a grandeza de uma vitória que ao mundo parecia inacessível.

O frágil pastor das serranias distantes venceu, enfim, o possante Golias urbano de Jacarta!

Mas o pequeno David era mais, muito mais que ele, não cabia no corpo exíguo do guardador de rebanhos. Ele incarnava a multidão imensa dos explorados, dos proscritos, dos corpos e almas esmagadas pela ditadura.

Plantada na fome, irrigada com sangue, alcandorada ao pódio mundial, a sua Vitória ultrapassa as fronteiras da ilha e dos continentes, abraça o mundo inteiro e percorre os subterrâneos de outra terra,  irmã gémea, a martirizada Ucrânia, até se entrelaçarem ambas no mesmo vértice da Paz global.

Com ele, o pequeno David, esteve alguém que lhe deu ânimo e, mais do que isso, deu a cara na praça pública em defesa do seu Povo. Chamava-se MARTINHO DA COSTA LOPES, bispo de Timor, ainda sob o domínio da Indonésia.

Trago-o hoje aqui, esse guerreiro pacifista que sempre se opôs à agressão de Shuarto e, por isso, pagou com o exílio amargo a firmeza do seu patriotismo, perante o silêncio colaboracionista do Vaticano.

Trago-o hoje aqui e curvo-me comovido perante a sua memória, porque, ainda sob o regime indonésio,  ele esteve em Machico - na Ribeira Seca – e no palco aberto do adro falou à população que acorreu emocionada de vários pontos da ilha.

Não resisto a denunciar a posição do jornal diocesano, quando titulou a visita do prelado timorense nestes execráveis termos: “O bispo de Dili não é bispo”!

Trago-o hoje aqui, porque Machico perpetuou o seu nome e a sua mensagem numa das ruas da sede do concelho – RUA D. MARTINHO DA COSTA LOPES, BISPO DE TIMOR, – a, actualmente requalificada, entrada que dá acesso rodoviário ao templo da Ribeira Seca. Coube-me a honra de, então presidindo à Câmara Municipal, ter cumprido o dever colectivo da mais  justa gratidão.

Da gravura que encima esta modesta homenagem emergem dois “heróis” da verdadeira missão que incumbe a todo o ser humano: a luta consciente e preferencialmente pacífica pelo Pão, pela Justiça, pela Democracia. O Padre Tavares Figueira e o Bispo de Timor, videntes e fautores de um Mundo Novo!

E porque, enquanto escrevo em 19 de Maio, lá longe no ‘Sol Nascente’ já outra manhã começou, a alvorada do "20 de Maio" - os 20 anos da Independência! - daqui desfraldo a bandeira comum da Liberdade, retomando o pregão que tantas vezes proclamei na tribuna parlamentar: “Eu venho daquela terra onde o sol nasce primeiro”.

Mas, primeiro que Machico, é LAURO SAE!

Timor e Machico – onde o Sol nasce primeiro !!!    

 

19.Mai.22

Martins Júnior    

 

terça-feira, 17 de maio de 2022

“AI, AQUELA LINDA, LONGA MELODIA IMENSA”…

                                                                    


‘Fechou-se uma Biblioteca’…

‘As Árvores Morrem de Pé’….

Mesmo morto, aqui está um Monumento Vivo…

Estas e outras bandeiras poderia hastear no mausoléu do nosso mais prendado herói da resistência vitalícia. Optei, porém, pela mensagem do poeta sadino Sebastião da Gama quando, em hora de romântica inspiração, deixou escrita “Ai, aquela, linda, longa melodia imensa”…

 Porque foi assim que ele nos deixou, aos 110 anos, recordando esse radioso dia em que fui visitá-lo, escutando-lhe a voz roufenha, mas de timbre afinado, puríssimo, naquela canção da juventude:

‘O mar no fundo

Entre as areias

Cantam sereias

À luz do luar…

O mar é lindo

A noite é bela

Descerra a vela

Remai, remai’

 

E lá transpôs os efémeros horizontes que nos comprimem. Içou a vela e ei-lo rompendo o Arco de Triunfo da vida, navegante dos Sete Mares para uma viagem sem termo e sem regresso…

É hoje o Dia de Acção de Graças!

É agora a hora da Marcha Triunfal a que têm jus “os que da lei da morte se vão libertando”!

E curvemo-nos com saudade perante este Milagre da Natureza. Mas também Milagre de Si mesmo, enquanto artífice colaborativo do seu corpo. Ai, o  Corpo – piano, violino, instrumento, ferramenta da Alma! É no Corpo vivo que se manifesta a vivência da Alma! Como ele o fez, façamo-lo nós também!

“Morrer é só deixar de ser visto”…

Esvai-se a luva da mão, mas a essência fica connosco: a melodia, o espírito, o legado incorruptível!

Saiamos deste templo com a força deste vitorioso refrão na boca e no coração: MISSÃO CUMPRIDA… ALLELUIA, ALLELUIA!!!

 

(Excerto do elogio pronunciado nas exéquias do glorioso José Martins Super-Sénior, deste seu homónimo amigo e admirador Júnior, em 16.V.2022, na igreja paroquial do Caniçal).

 

17.Mai.22

Martins Júnior

domingo, 15 de maio de 2022

POR QUEM E PARA QUANDO O SONHO DE UMA MANHÃ DE PRIMAVERA?

                                                                               


Regresso ao meu prazer do LIVRO – maior e mais intimo que o “Prazer do Texto” de Roland Barthes – que nesta encruzilhada de fim/principio da semana nos traz o encantamento, quase alucinação, de uma paisagem paradisíaca, um planeta azul sem mácula, onde tudo é novo: uma cidade nova, uma nova Jerusalém, um pensamento novo, um amor eternamente jovem.

Para não empanar o brilho deste sonho apocalíptico, transcrevo a narrativa de João Evangelista, no ultimo texto do LIVRO:

“Eu, João, vi a cidade nova, a nova Jerusalém que descia do Alto, como uma noiva adornada e preparada para o seu noivo. O próprio Deus descerá também e fará a sua casa no meio dela e ali ficará com os seus habitantes…Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos e não haverá mais morte nem luto nem gemido nem dor. Daqui em diante vou renovar todas as coisas – garantiu-lhes o seu Deus”. (Apocalipse, 21, 1-5a).

Que título, que nome ou que magia poderão definir este ‘Maravilhoso Mundo Novo’?... Quando virá esse dia inaudito?... E qual o seu autor, demiurgo soberano?...

Transpondo o sonho de João Evangelista do século I para o século XXI, somos forçados a admitir que, mais de dois mil anos volvidos, a profecia joanina não passa de uma falácia romântica, uma visão onírica, fruto de um cérebro em êxtase enfumarado. Terá sido ele o inspirador do nosso Nobel, José Saramago, quando escreveu as Intermitências da Morte?... Não havendo morte, não haverá luto, confere. Mas extinguir o rasto da dor, a angústia de um gemido… isso significa o alfa e o ómega, isto é, o estágio inacessível, maior e mais alto ‘que permite a força humana’!

Sabendo que se trata de uma esplêndida metáfora que condensa o vértice de todas as conquistas do homem-inquilino do planeta, falta saber ou, pelo menos, investigar quando, como e quem será o artífice de tão assombrosa metamorfose cósmica. O Apóstolo Vidente, na esteira do Antigo Testamento, de teor exclusivamente teocrático, faz de Deus o único obreiro de tão grande feito. É o Deus dos furacões e dos terramotos, é o Deus que divide o Mar Vermelho, é o “Deus dos Exércitos”, general comandante-em-chefe das escaramuças em que o povo se metia. Enfim, uma interpretação enviesada de Deus. Esse Deus já não existe, aliás, nunca existiu, talvez só na mentalidade retardatária dos israelitas para fugirem à sua responsabilidade sócio-política na condução dos destinos da sua pátria.

Evidência directa está no dilúvio de preces, velas e procissões, pedindo a Deus e à Senhora a Paz na Ucrânia e o resultado é o que vê: um recrudescer da destruição de pessoas e bens. Uma única entidade – e à qual dever-se-ia recorrer – é o bárbaro assassino Vladimir Putin. É ele que tem na mão o detonador da guerra. Quer isto dizer que nos nossos dias (e sempre)  são os humanos os portadores exclusivos da bandeira da Paz. E é o próprio Jesus quem nos informa da solução deste insanável enigma. Vem no texto do LIVRO, hoje proposto para leitura geral, relatado pelo mesmo autor:

         “Pouco tempo estarei convosco no mundo, mas o que vos peço e insisto é que vos ameis uns aos outros como eu vos amei. E é esta a marca distintiva de que estais comigo e eu convosco”. (Jo, 13-31-33a).

         O Amor, não obstante a contraditória versatilidade das sua força semântica, é sempre o Amor que vence todos os obstáculos e renova a face da terra. Assim como a cor branca é a reunião de todas as cores, assim também é o Amor o conglomerado perfeito de todas qualidades, virtudes e talentos do ser humano. Amor-fortaleza, sensibilidade, entre-ajuda, compreensão, paciência, educação, cultura, Amor-paixão por um ideal superior – eis o grande intérprete e construtor do sonho milenar do Apocalipse. Amor que ultrapassa montanhas e é capaz de vencer a própria morte – Mors-Amor !!!

         E se não podemos alcançar as fronteiras dos países beligerantes, seja na Ásia, na África ou na Europa de Leste para aí erguer mais alto a bandeira da Paz e da Reconstrução, ao menos no quadrado ou no rectângulo do nosso estatuto familiar e vicinal podemos fazer do Amor o gérmen fértil de um Mundo Novo!

        

         15.Mai.22

         Martins Júnior

sexta-feira, 13 de maio de 2022

ACORDES DE UMA SEXTA-FEIRA, DIA 13 !!!

                                                                   


Ao dobrar a estação “13” do Mês do Coração, muitas e diversas são as badaladas da pulsação dos dias e das horas. Delas, as badaladas, faço hoje o acorde quase perfeito: todas diferentes e todas entrelaçadas numa simbiose harmónica, naquela partitura que é a sucessão da vida dos mortais:

1ª- A tónica – primeira nota do acorde – arrasta consigo o assombro mitológico da caverna e do homem que a habitava, povoada de enigmas, duendes e monstros, alegorias e pavores ancestrais, que, não obstante os avanços da ciência e da tecnologia, ainda persistem no subconsciente imaginário sob a designação de: “Aquela Sexta-Feira, dia 13” – aquele “dia fatídico” que Almeida Garrett imortalizou nas “Viagens na Minha Terra” e no trágica dramaturgia do “Frei Luís de Sousa”. É incrível como ainda nos tempos que passam proliferem nos neurónios da tanta gente os vírus do homem primitivo, escravo de mitos, superstições e avatares sem sentido. O mais deprimente é constatar que esse tremendo armamento-fantasma é o pão de que se alimentam altares, santos e demónios.

2ª – A mediante – segunda nota do acorde – é a noite avassaladora da vigília do “Dia 13”, um colosso poderoso de velas e pavios que inundam de luz cidades e aldeias do nosso Portugal, ilhas contadas, como rosários de promessas e votos, que se projectam por tudo quanto é emigrante português da nossa diáspora.  Emocionante, poético e pio, bálsamo para tantos corações atribulados e agradecidos aos pés de Fátima! Às promessas e votos, ofereço mais este: a de Fátima não é menos igual e taumaturga que  as Senhoras da Piedade, do Livramento, da Conceição, do Loreto, de Guadalupe, da Aparecida ou de qualquer outra Senhora da mais remota ermida, como a  Senhora do Amparo. Maria só há Uma, mesmo que nos apresentem miríades de rostos e mantos multicolores. Cuidado, muito cuidado, para que a mediante não saia da sua pauta e caia irremediavelmente na tónica anterior.

3ª – A dominante – terceira do acorde – oiço-a e sinto-a no mais íntimo diante do corpo ainda quente que repousa, desde ontem, no berço que lhe ofereceu a Mãe-Terra. Após a morte do querido Professor Padre Eleutério Ornelas - um genuíno intelectual irmanado com a inocência telúrica da sua gente - colegas seus, muito mais jovens na idade e no presbitério, exprimiram um profundo pesar pela sua partida. Mais que pesar, acentuaram com manifesta dor o abandono a que o votou a hierarquia da instituição que toda a vida serviu. Associo-me sem pregas nem reticências a tão nobre tributo ao amigo Eleutério. Mas com este brado decidido: “Para que os homens não esqueçam e para que os hierarcas nunca mais repitam”!

 

13.Mai.22

Martins Júnior

quarta-feira, 11 de maio de 2022

QUANDO UM GIGANTE SE ESCONDE NUM ‘CORAÇÃO’ DE PASSARINHO…

                                                                                 


Mestre de Mestres, Professor de Professores – grego, latim, hebraico – na palma da sua mão juntou, como ninguém, o classicismo académico e a terra-mãe do Jardim da Serra, numa simbiose perfeita que só às almas grandes é dada em singular privilégio.

O cordão que as entrelaçava – Academia e Terra – e a seiva que as alimentava trouxe-as ele do berço onde nasceu: humildade e humanismo.

Já nos dissemos um ao outro o essencial que define os viventes. Mas permite-me que diga ao  mundo o que me confidenciaste ao ouvido:

“Sabes, Martins, comecei a ser marcado pela diocese desde aquele dia em que fui celebrar missa à tua igreja na Ribeira Seca, estava sobre a mesa a mesma ameaça (embora não consumada) de que foste vítima:   a suspensão a divinis”.

 Daqui a algumas horas, acompanhar-te-ei à tua nova e eterna casa, que um dia será minha. Fá-lo-ei sob protesto. Contra uma instituição a quem tudo deste e que, em vez de Mãe, foi para ti  cruel madrasta. Como fizeram ao teu conterrâneo e amigo nosso, um outro gigante num coração de passarinho, Padre Santo Mário Tavares Figueira!

Pelo que sofreste por nós - Perdão.

Pelo testamento de persistência e verdade que nos deixas – Glória Eterna!

 

         11,Mai,22

         Martins Júnior


segunda-feira, 9 de maio de 2022

FOSSE EU CRAVO NAS MÃOS DE PUTIN…

                                                                                


... gritaria aos quatro ventos o lume que me queima

    o gelo siberiano que me afoga

    e o sangue mártir que lhe sai da mão

    tinta das vítimas que assassinou

 

... soltaria todas as pétalas do meu corpo

     para pousá-las nos canos das armas

     e calar de vez os monstros e os mísseis

     de Odessa e Mariupol

 

… cairia aos pés de Putin

     como o orvalho da manhã

     gemendo de pranto, implorando Abril

     em Kiev de São Vladimir

 

… e se ao fim de tudo a mão ursa das estepes

     não movesse um dedo sequer daquela rigidez

     entregar-lhe-ia a corola rubra do meu ser

     armadilhada e militante

     como as minas das picadas

     mas exultante e bela

     por abrir de novo a alvorada

     a um povo perdido na noite morta…

 

… e então seria um Cravo a Europa toda

     E todo o mundo o Coro da Liberdade

     

09.Mai.22

Martins Júnior

    


sábado, 7 de maio de 2022

ESCRITA NA ÁGUA – E A ÁGUA QUE ESCREVE…

                                                                         


       Inadiável seria passar a ponte que une uma semana a outra – imperativamente este sábado-domingo – sem assinalar o mistério da natura em simbiose perfeita com o talento criativo do ser humano.

         Foi o que aconteceu neste fim-de-semana em Machico: dois rios que confluem no mesmo ritmo cantante, correndo ambos para a mesma foz.

De um lado, o volumoso caudal da “10ª Feira do Livro”, com a evocação de escritores já desaparecidos fisicamente e a produção de novas obras oriundas da inspiração de conterrâneos nossos, sendo certo que até os maiores génios da literatura dizem que tudo quanto produzem não passa de uma ‘escrita na água’ que o tempo leva sem rumo certo.

De outro lado, o prestimoso colóquio que precede o  tradicional “Mercado Quinhentista”, consignado este ano a um motivo soberano. chamado “Água - Sangue da Terra”. No ‘Forum Machico’ navegaram nas águas correntes da ilha historiadores, biólogos, professores universitários, - ‘gente de primeira água’- que fizeram do “Sangue da Terra” o protagonista da grande efeméride do Achamento da Ilha.

Há uma intrínseca osmose entre os dois acontecimentos. Se na zona ribeirinha, colada à baía, as torrentes de ontem e de hoje transportavam as fagulhas do talento humano, poetas, paisagistas, arquitectos,  romancistas, sonetistas (entre os quais, Francisco Álvares de Nóbrega), enquanto isso – no Forum. a Água erguia-se como a magna. insuperável escritora que nos pergaminhos da terra arável deixa escrita a grande epopeia das levadas, do verde dos nossos campos, o antídoto para a nossa sede e o pão para a fome da ilha e do mundo.

É o maravilhoso consórcio entre a Escrita na Água e a Escrita da Água - a Festa Global de todo o ser que vem a este mundo quando canta a Água que irriga a terra e o cérebro pensante e, ao mesmo tempo, o cérebro pensante que mergulha no grande oceano da vida, onde a Água é Rainha.

 Bem haja quem, em hora tão oportuna, inundou Machico da Água do Saber e, na mesma fonte, dotou a Ilha do Sabor da Água, que abraça  gentes e territórios ilhéus, conforme canta o povo da ruralidade profunda:

                            Levadas lá da montanha

                            Que vêem a nossa canseira

                            Lá andam de terra em terra

                            Abraçam toda a Madeira

          

 

07.Mai.22

Martins Júnior

quinta-feira, 5 de maio de 2022

QUANTAS LÍNGUAS TEM A MINHA PÁTRIA?

                                                                              


No “Dia da Língua Portuguesa”  um só pensamento e um único poema bastará para definir a estrela da manhã que ilumina todo o dia e toda a vida. Por isso, trago-o aqui nas minhas mãos -  trémulas do peso que ela tem e frementes da força telúrica que dela emana:

 “A MINHA PÁTRIA É A LÍNGUA PORTUGUESA”

Fosse de Pessoa, fosse de Camões, fosse do nosso Francisco Álvares de Nóbrega, ei-la a Língua Lusa - nascida da vulva latina da velha Roma, do escravo Lívio Andrónico, robustecida pela aristocrática Acrópole de Atenas e transportada pelos ventos das velas-caravelas a todos os mares e continentes de antanho!

São 230 milhões de agentes sonoros que formam o elenco deste imenso coro orfeónico que todos os dias enche de fonemas e poemas a abóboda deste planeta. Umas vezes maltratada, outras em vias de descaracterização, outras vezes límpida e cristalina como a água das nascentes, outras ainda emancipada pelo fenómeno da miscigenação, a nossa Língua permanece como o berço onde nascemos, como o tronco em que crescemos e como a bandeira verde-rubra em que todos nos abraçamos. Bem vaticinou o poeta da “Mensagem”: Ela é geneticamente a nossa Pátria!

Que bela encruzilhada e que esplendoroso estuário nos foi dado: o “Dia da Língua Portuguesa”  desagua em delta na baía de Machico na “10ª Feira do Livro”  - nas obras apresentadas, nas canções exibidas e no linguajar aberto e franco de todos quantos ali têm passado.

Aqui também se veste português, aqui também se canta português, aqui também se ama em português. Aqui também:

“A NOSSA PÁTRIA É A LÍNGUA PORTUGUESA”!

 

05.Mai.22

Martins Júnior