Regresso
ao meu prazer do LIVRO – maior e mais intimo que o “Prazer do Texto” de Roland
Barthes – que nesta encruzilhada de fim/principio da semana nos traz o encantamento,
quase alucinação, de uma paisagem paradisíaca, um planeta azul sem mácula, onde
tudo é novo: uma cidade nova, uma nova Jerusalém, um pensamento novo, um amor
eternamente jovem.
Para
não empanar o brilho deste sonho apocalíptico, transcrevo a narrativa de João
Evangelista, no ultimo texto do LIVRO:
“Eu, João, vi a cidade
nova, a nova Jerusalém que descia do Alto, como uma noiva adornada e preparada
para o seu noivo. O próprio Deus descerá também e fará a sua casa no meio dela
e ali ficará com os seus habitantes…Ele enxugará todas as lágrimas dos seus
olhos e não haverá mais morte nem luto nem gemido nem dor. Daqui em diante vou
renovar todas as coisas – garantiu-lhes o seu Deus”.
(Apocalipse, 21, 1-5a).
Que
título, que nome ou que magia poderão definir este ‘Maravilhoso Mundo Novo’?...
Quando virá esse dia inaudito?... E qual o seu autor, demiurgo soberano?...
Transpondo
o sonho de João Evangelista do século I para o século XXI, somos forçados a
admitir que, mais de dois mil anos volvidos, a profecia joanina não passa de
uma falácia romântica, uma visão onírica, fruto de um cérebro em êxtase
enfumarado. Terá sido ele o inspirador do nosso Nobel, José Saramago, quando
escreveu as Intermitências da Morte?... Não
havendo morte, não haverá luto, confere. Mas extinguir o rasto da dor, a
angústia de um gemido… isso significa o alfa
e o ómega, isto é, o estágio inacessível, maior e mais alto ‘que permite a
força humana’!
Sabendo
que se trata de uma esplêndida metáfora que condensa o vértice de todas as
conquistas do homem-inquilino do planeta, falta saber ou, pelo menos,
investigar quando, como e quem será o artífice de tão assombrosa metamorfose
cósmica. O Apóstolo Vidente, na esteira do Antigo Testamento, de teor
exclusivamente teocrático, faz de Deus o único obreiro de tão grande feito. É o
Deus dos furacões e dos terramotos, é o Deus que divide o Mar Vermelho, é o “Deus
dos Exércitos”, general comandante-em-chefe das escaramuças em que o povo se
metia. Enfim, uma interpretação enviesada de Deus. Esse Deus já não existe,
aliás, nunca existiu, talvez só na mentalidade retardatária dos israelitas para
fugirem à sua responsabilidade sócio-política na condução dos destinos da sua
pátria.
Evidência
directa está no dilúvio de preces, velas e procissões, pedindo a Deus e à
Senhora a Paz na Ucrânia e o resultado é o que vê: um recrudescer da destruição
de pessoas e bens. Uma única entidade – e à qual dever-se-ia recorrer – é o
bárbaro assassino Vladimir Putin. É ele que tem na mão o detonador da guerra.
Quer isto dizer que nos nossos dias (e sempre) são os humanos os portadores exclusivos da
bandeira da Paz. E é o próprio Jesus quem nos informa da solução deste
insanável enigma. Vem no texto do LIVRO, hoje proposto para leitura geral,
relatado pelo mesmo autor:
“Pouco
tempo estarei convosco no mundo, mas o que vos peço e insisto é que vos ameis
uns aos outros como eu vos amei. E é esta a marca distintiva de que estais
comigo e eu convosco”. (Jo, 13-31-33a).
O Amor, não obstante a contraditória
versatilidade das sua força semântica, é sempre o Amor que vence todos os obstáculos
e renova a face da terra. Assim como a cor branca é a reunião de todas as cores,
assim também é o Amor o conglomerado perfeito de todas qualidades, virtudes e
talentos do ser humano. Amor-fortaleza, sensibilidade, entre-ajuda, compreensão,
paciência, educação, cultura, Amor-paixão por um ideal superior – eis o grande
intérprete e construtor do sonho milenar do Apocalipse. Amor que ultrapassa
montanhas e é capaz de vencer a própria morte – Mors-Amor !!!
E
se não podemos alcançar as fronteiras dos países beligerantes, seja na Ásia, na
África ou na Europa de Leste para aí erguer mais alto a bandeira da Paz e da
Reconstrução, ao menos no quadrado ou no rectângulo do nosso estatuto familiar
e vicinal podemos fazer do Amor o gérmen fértil de um Mundo Novo!
15.Mai.22
Martins
Júnior
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