domingo, 15 de maio de 2022

POR QUEM E PARA QUANDO O SONHO DE UMA MANHÃ DE PRIMAVERA?

                                                                               


Regresso ao meu prazer do LIVRO – maior e mais intimo que o “Prazer do Texto” de Roland Barthes – que nesta encruzilhada de fim/principio da semana nos traz o encantamento, quase alucinação, de uma paisagem paradisíaca, um planeta azul sem mácula, onde tudo é novo: uma cidade nova, uma nova Jerusalém, um pensamento novo, um amor eternamente jovem.

Para não empanar o brilho deste sonho apocalíptico, transcrevo a narrativa de João Evangelista, no ultimo texto do LIVRO:

“Eu, João, vi a cidade nova, a nova Jerusalém que descia do Alto, como uma noiva adornada e preparada para o seu noivo. O próprio Deus descerá também e fará a sua casa no meio dela e ali ficará com os seus habitantes…Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos e não haverá mais morte nem luto nem gemido nem dor. Daqui em diante vou renovar todas as coisas – garantiu-lhes o seu Deus”. (Apocalipse, 21, 1-5a).

Que título, que nome ou que magia poderão definir este ‘Maravilhoso Mundo Novo’?... Quando virá esse dia inaudito?... E qual o seu autor, demiurgo soberano?...

Transpondo o sonho de João Evangelista do século I para o século XXI, somos forçados a admitir que, mais de dois mil anos volvidos, a profecia joanina não passa de uma falácia romântica, uma visão onírica, fruto de um cérebro em êxtase enfumarado. Terá sido ele o inspirador do nosso Nobel, José Saramago, quando escreveu as Intermitências da Morte?... Não havendo morte, não haverá luto, confere. Mas extinguir o rasto da dor, a angústia de um gemido… isso significa o alfa e o ómega, isto é, o estágio inacessível, maior e mais alto ‘que permite a força humana’!

Sabendo que se trata de uma esplêndida metáfora que condensa o vértice de todas as conquistas do homem-inquilino do planeta, falta saber ou, pelo menos, investigar quando, como e quem será o artífice de tão assombrosa metamorfose cósmica. O Apóstolo Vidente, na esteira do Antigo Testamento, de teor exclusivamente teocrático, faz de Deus o único obreiro de tão grande feito. É o Deus dos furacões e dos terramotos, é o Deus que divide o Mar Vermelho, é o “Deus dos Exércitos”, general comandante-em-chefe das escaramuças em que o povo se metia. Enfim, uma interpretação enviesada de Deus. Esse Deus já não existe, aliás, nunca existiu, talvez só na mentalidade retardatária dos israelitas para fugirem à sua responsabilidade sócio-política na condução dos destinos da sua pátria.

Evidência directa está no dilúvio de preces, velas e procissões, pedindo a Deus e à Senhora a Paz na Ucrânia e o resultado é o que vê: um recrudescer da destruição de pessoas e bens. Uma única entidade – e à qual dever-se-ia recorrer – é o bárbaro assassino Vladimir Putin. É ele que tem na mão o detonador da guerra. Quer isto dizer que nos nossos dias (e sempre)  são os humanos os portadores exclusivos da bandeira da Paz. E é o próprio Jesus quem nos informa da solução deste insanável enigma. Vem no texto do LIVRO, hoje proposto para leitura geral, relatado pelo mesmo autor:

         “Pouco tempo estarei convosco no mundo, mas o que vos peço e insisto é que vos ameis uns aos outros como eu vos amei. E é esta a marca distintiva de que estais comigo e eu convosco”. (Jo, 13-31-33a).

         O Amor, não obstante a contraditória versatilidade das sua força semântica, é sempre o Amor que vence todos os obstáculos e renova a face da terra. Assim como a cor branca é a reunião de todas as cores, assim também é o Amor o conglomerado perfeito de todas qualidades, virtudes e talentos do ser humano. Amor-fortaleza, sensibilidade, entre-ajuda, compreensão, paciência, educação, cultura, Amor-paixão por um ideal superior – eis o grande intérprete e construtor do sonho milenar do Apocalipse. Amor que ultrapassa montanhas e é capaz de vencer a própria morte – Mors-Amor !!!

         E se não podemos alcançar as fronteiras dos países beligerantes, seja na Ásia, na África ou na Europa de Leste para aí erguer mais alto a bandeira da Paz e da Reconstrução, ao menos no quadrado ou no rectângulo do nosso estatuto familiar e vicinal podemos fazer do Amor o gérmen fértil de um Mundo Novo!

        

         15.Mai.22

         Martins Júnior

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